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Comparação da quiropterofauna em área florestada e área aberta da RPPN Fazenda Bom Retiro, Rio de Janeiro, Brasil

Comparison of chiropterofauna at forested and open areas of "RPPN Fazenda Bom Retiro", Rio de Janeiro, Brazil

RESUMO

Foram realizadas dez coletas em 2013 na RPPN Fazenda Bom Retiro, sendo cinco em uma área florestada, localizada no interior da mata e outras cinco em área aberta, distante cerca de 600 m uma da outra. O mesmo esforço de coleta foi empregado nas duas áreas, e as mesmas foram realizadas sempre no mesmo dia. A área florestada se mostrou mais diversa, sendo capturados 256 morcegos, todos de Phyllostomidae, pertencentes a 14 espécies; Carollia perspicillata (n=112), Sturnira lilium(n=46) e Desmodus rotundus (n=25) foram as mais capturadas. Na área aberta foram capturados 153 espécimes pertencentes a quatro famílias, Phyllostomidae, Noctilidae, Vespertilionidae e Molossidae, sendo registradas 10 espécies; Carollia perspicillata (n=52), Desmodus rotundus (n=39) e Artibeus lituratus (n=24) foram as mais capturadas. Observou-se maior diversidade na área florestada (Hʼ 1,812), onde devem existir mais recursos e abrigos, e, consequentemente mais proteção.

PALAVRAS-CHAVE
Morcegos; capturas; diversidade

ABSTRACT

We carried out ten sampling sessions in 2013 at Bom Retiro Farm: five in a forested area, located inside the forest, and five in an open area, approximately 600 m away from each other. The same capture effort was used in both areas, and collection has always been carried out on the same day in both areas. The forested area was more diverse, being captured 256 bats, all of Phyllostomidae, belonging to 14 species; Carollia perspicillata (n = 112), Sturnira lilium (n = 46), Desmodus rotundus (n = 25), were the most captured. In the open area we captured 153 individuals of four families: Phyllostomidae was represented by Carollia perspicillata (n=52), Desmodus rotundus (n=39), Artibeus lituratus (n=24), the most captured. A higher diversity in forested area ( Hʼ 1.812 ), where there should be more resources and shelters, and consequently more protection.

KEYWORDS
Bats; captures; diversity

As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) foram definidas - conforme o Decreto Federal n° 1.922/1996 - como áreas de domínio privado a serem especialmente protegidas por iniciativa de seu proprietário, mediante reconhecimento do Poder Público e, por serem consideradas relevantes pela sua biodiversidade, pelo seu aspecto paisagístico ou ainda por suas características ambientais que justifiquem ações de recuperação. A regulamentação das RPPNs teve início em 1990, devido à demanda de alguns proprietários que desejavam transformar parte de seus imóveis em reservas particulares, sendo permitidas atividades turísticas e de pesquisas (IBAMA, 2005IBAMA. 2005. Unidade de Conservação/Reservas Particulares do Patrimônio Nacional. Disponível em <Disponível em http://www.ibama.gov.br >Acessado em 10/07/2005.
http://www.ibama.gov.br...
).

Os morcegos formam o grupo de mamíferos com a segunda maior diversidade de espécies encontrada nos neotrópicos (Findley, 1993Findley, J. S. 1993. Bats: a community perspective. Cambridge, Cambridge University Press. 167p.; Nowak, 1994Nowak, R. M. 1994. Walker's Bats of the World. Baltimore, Johns Hopkins University Press. 287p.; Voss & Emmons, 1996Voss, R. S. & Emmons, L. H. 1996. Mammalian diversity in neotropical lowland rainforests: a preliminary assessment. Bulletin of the American Museum of Natural History 230:1-115.) perdendo apenas para os roedores. Possui cerca de 1.300 espécies no planeta (Fenton & Simmons, 2014Fenton, M. B. & Simmons, N. 2014. Bats. A World of Science and Mystery. Chicago, University of Chicago Press. 240p.) e 167 registradas para o Brasil (Reis et al., 2007Reis, N. R; Peracchi, A. L; Pedro, W. A. & Lima, I. P. 2007. Morcegos do Brasil. Londrina, Edição de Nélio R. dos Reis. 253p.); destas, cinco constam na lista de animais com risco de extinção do IBAMA/MMA (Costa et al., 2005Costa, L. P.; Leite, Y. L. R.; Mendes, S.L. & Ditchfield, A. B. 2005.Conservação de mamíferos. Megadiversidade 1:103-112.).

Esses animais ocupam os mais variados nichos ecológicos, que aliado ao fato de muitas espécies serem dispersoras de sementes e polinizadoras efetivas de várias plantas, confere ao grupo a maior valência ecológica dentre os mamíferos (Findley, 1993Findley, J. S. 1993. Bats: a community perspective. Cambridge, Cambridge University Press. 167p.). Portanto, constituem elementos fundamentais no equilíbrio dinâmico dos ecossistemas naturais.

Comparar a diversidade de morcegos de áreas diferentes é uma importante ferramenta para avaliar a manutenção das florestas e seu grau de preservação, visto que os morcegos desempenham papéis importantes na polinização e dispersão de sementes (Constantine, 1970Constantine, D. G. 1970. Bats in relation to health, welfare, and economy of man. In: Wimsatt, W. A. Biology of Bats. Vol. II. New York, London, Academic Press. 477p.; Sazima & Sazima, 1978; Fleminger & Heithaus, 1981Fleming, T. H. & Heithaus, E. R. 1981. Frugivorous bats, seed shadows, and the structure of tropical Forest. Biotropica (reprod. Bot. Suppl.) 13:45; Uieda & Vasconcellos-Neto, 1985Uieda, W. & Vasconcellos-Neto , J., 1985. Dispersão de Solanumspp. (Solanaceae) por morcegos, na região de Manaus, AM, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia2:449-458.; Charles-Dominique, 1986Charles-Dominique, P. 1986. Inter-relations between frugivorous vertebrates and pioner plants: Cecropia, birds and bats in French Guyana. In: Estrada, A. & Fleming, T. H. eds. Frugivores and seed dispersal. Dordrecht, W. Junk Publishers, p. 119-134.).

Algumas espécies de morcegos são generalistas, e se adaptam melhor às mudanças nos ecossistemas, outras são menos adaptáveis, sendo mais presentes em ambientes menos alterados (Reis et al., 2000Reis, N. R.; Peracchi, A. L.; Sekiama, M. L. & Lima, I. P. 2000. Diversidade de morcegos (Chiroptera, Mammalia) em fragmentos florestais do estado do Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia17(3):697-704.); sendo assim, de acordo com espécies de um local, é possível avaliar o grau de perturbação.

O presente trabalho teve como objetivo realizar levantamento da quiropterofauna da RPPN Faz. Bom Retiro em duas áreas com características diferentes e comparar a comunidade de morcegos existente nelas, empregando o mesmo esforço de captura.

MATERIAL E MÉTODOS

A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Fazenda Bom Retiro situa-se no sudeste do Brasil, abrangendo os municípios de Casimiro de Abreu e Silva Jardim. Possui uma área equivalente a 494,3 ha. Está a aproximadamente 140 km da cidade do Rio de Janeiro (22°27'12.5"S, 42°18'29.0"W) e possui área coberta em grande parte por vegetação típica de Mata Atlântica que permanece, durante a maior parte do ano, sob o domínio da Massa Tropical Atlântica (MTA) originada do Antíctone Tropical Atlântico . O local apresenta temperaturas médias anuais de 18° a 24°C, devido à intensa radiação solar das latitudes tropicais e forte umidade relativa em razão da intensa evaporação marítima. Por suas características próprias, o domínio dessa massa de ar mantém a estabilidade do tempo, muito embora, durante o ano, esta circulação zonal sofra, frequentemente, a interferência das Frentes ou Descontinuidades Polares e Linhas de Instabilidade Tropical, que promovem a instabilidade do tempo. Tais Correntes Perturbadas são responsáveis, em grande parte, pelos totais pluviométricos anuais, em especial, através da contribuição das chuvas estivais (MMA-IBAMA, 2005MMA-IBAMA. 2005. Revisão do Plano de Manejo da Reserva Biológica de Poço das Antas. Disponível em <Disponível em http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversidade/unidades-de-conservacao/biomas-brasileiros/mata-atlantica/unidades-de-conservacao-mata-atlantica/2155-rebio-de-poco-das-antas >. Acessado em 10/01/2014.
http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiver...
).

A região da RPPN Fazenda Bom Retiro, localizada na Bacia Hidrográfica do Rio São João, está situada na zona intertropical (latitudes baixas), com radiação solar intensa e grande influência do Oceano Atlântico (Cunha, 1995Cunha, S. B. 1995. Impactos das Obras de Engenharia sobre o Ambiente Biofísico da Bacia do Rio São João (Rio de Janeiro - Brasil). Rio de Janeiro, Edição do Autor. 415p.).

Em 2013 foram realizadas dez coletas na RPPN, sendo cinco em uma área florestada, localizada no interior da mata e outras cinco em área aberta, distante cerca de 600 m uma da outra. Em cada área (área florestada e área aberta) foram empregadas por noite, cinco redes de neblina, totalizando 25 redes no final das cinco coletas. Cada rede mede 9 x 2,5 metros e ficaram abertas 12 horas por noite, totalizando 1.350 h.m2. No final das cinco coletas em cada área somaram-se 60 h, totalizando 6750 h.m2.

As coletas foram realizadas sempre na mesma data nas duas áreas e a equipe, formada por quatro pessoas, se dividia em duas duplas. As redes foram armadas de modo que o tirante mais baixo ficasse imediatamente acima da vegetação ou da água, não muito esticado, visando capturar os morcegos menores, visto que estes escapam com mais facilidade das redes muito esticadas.

Os indivíduos capturados foram acondicionados em sacos de pano individuais e, preliminarmente identificados no campo, com auxílio das chaves de identificação de Emmons & Feer (1997Emmons, L. H. & Feer, F. 1997.Neotropical rainforest mammals: a field guide. 2ed. The Chicago, University of Chicago Press. 396p.) e das descrições fornecidas por Simmons & Voss (1998Simmons, N. B. & Voss, R. S. 1998.The mammals of Paracou, French Guiana: a Neotropical lowland rainforest fauna. Part I. Bats. Bulletin of American Museum of Natural History 237:1-219.), Dias et al. (2002Dias, D.; Peracchi, A. L. &Silva, S. S. P. 2002. Quirópteros do Parque Estadual da Pedra Branca, Rio de Janeiro, Brasil (Mammalia, Chiroptera). Revista Brasileira de Zoologia19(2):113-140.) e Dias & Peracchi (2008)Dias, D. & Peracchi, A. L. 2008. Quirópteros da Reserva Biológica do Tinguá, estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil (Mammalia: Chiroptera). Revista Brasileira de Zoologia 25(2):333-369. . O primeiro exemplar de cada espécie capturada, assim como os exemplares que geraram dúvidas quanto à identificação, foram sacrificados e incorporados em via úmida (álcool 70° GL) como material-testemunho na Coleção Adriano Lúcio Peracchi (ALP), depositada no Laboratório de Mastozoologia, Instituto de Biologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Para cada morcego capturado, foram tomadas as seguintes medidas: massa (em gramas), com auxílio de balança, e o comprimento de antebraço (em milímetros), com paquímetro. Também foram registrados data e horário de captura, sexo, categoria etária e estágio reprodutivo. A categoria etária foi verificada através da ossificação das epífises das falanges, classificando os indivíduos em filhotes, jovens ou adultos conforme Anthony (1988Anthony, E. L. P. 1988. Age determination in bats. In: Kunz, T. H. ed. Ecological and behavioral methods for the study of bats. Washington D.C., Smithsonian Institution Press, p. 47-58.). O estado reprodutivo das espécies foi verificado visualmente, sendo os indivíduos inseridos nas seguintes categorias: macho inativo, macho escrotado, fêmea inativa, fêmea grávida, fêmea lactante e fêmea pós-lactante, conforme critérios propostos por Zortéa (2003Zortéa, M. 2003. Reproductive patterns and feeding habits of three nectarivorous bats (Phylostomidae: Glossophaginae) from the Brazilian Cerrado. Brazilian Journal of Biology 63(1):159-168.).

Os morcegos analisados foram marcados, através do método de captura-marcação-recaptura, com coleiras plásticas numeradas conforme método de Esbérard & Daemon (1999Esbérard, C. E. L. & Daemon, C. 1999. Novo método para marcação de morcegos. Chiroptera Neotropical 5(1-2):116-117.) e posteriormente soltos.

Análise dos dados: (1) número absoluto de espécies capturadas de cada sítio de coleta; (2) esforço de captura (E= a x h x n, onde: E, esforço; a, área de redes; h, horas que as redes ficaram abertas; n, número de redes); (3) abundância relativa (número esperado de espécies) calculado através do índice de Shannon-Wiener (Magurran, 1988Magurran, A. E. 1988. Ecological diversity andits measurement. London, Croom Helm. 198p.) em cada área; (4) eficiência de captura, representado pela proporção de cada espécie, dividido pelo esforço de coleta realizado nas áreas; (5) curva de acumulação, representando a abundância das espécies em cada área e (6) índice de Jaccard, para a similaridade entre as duas áreas.

Morcegos colecionados. Diphilla ecaudata ALP 10665, Desmodus rotundus ALP 10666, Glossophaga soricina ALP 10667, Phyllotomus hastatus ALP 10668, Sturnira lilium ALP 10670, Carollia perspicillata ALP 10673, Artibeus obscurus ALP 10675, Dermanura cinerea ALP 10678.

RESULTADOS

As campanhas na área florestada proporcionaram a captura de 256 exemplares de 14 espécies, sendo todos pertencentes a Phyllostomidae. Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) foi a espécie mais capturada (n=112), seguida de Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) (n=46), Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 1810) (n=25), Artibeus obscurus (Schinz, 1821) (n=22), Artibeus lituratus (Olfers, 1818) (n=4), Artibeus fimbriatus Gray, 1838 (n=2), Anoura geoffroy Gray, 1838 (n=13), Glossophaga soricina (Pallas, 1766) (n=10), Platyrrhinus lineatus (E. Geoffroy, 1810) (n=6), Platyrrhinus recifinus (Thomas, 1901) (n=6), Diaemus youngi (Jentink, 1893) (n=4), Diphylla eucaudata Spix, 1823 (n=2), Phyllostomus hastatus (Pallas, 1767) (n=2) e Dermanura cinerea Gervais, 1856 (n=2) (Fig. 1).

Fig. 1
Abundância de espécies de morcegos capturadas na área florestada da RPPN Fazenda Bom Retiro, Rio de Janeiro, Brasil.

Na área aberta foram capturados 153 indivíduos, pertencentes a quatro famílias: Phyllostomidae com Carollia perspicillata (n=52), Desmodus rotundus (n=39), Artibeus lituratus (Olfers, 1818) (n=24), Artibeus fimbriatus Gray, 1838 (n=22), Sturnira lilium (n=8), Platyrrhinu slineatus (n=4) e Anoura geoffroyi (n=1); de Noctilidae foi capturado Noctilio leporinus (Linnaeus, 1758) (n=1), de Vespertilionidae Myotis nigricans (Schinz, 1821) (n=1) e de Molossidae, Molossus molossus (Pallas, 1766) (n=1) (Fig. 2).

Fig. 2
Abundância de espécies de morcegos capturadas na área aberta da RPPN Fazenda Bom Retiro, Rio de Janeiro, Brasil.

O índice de Shannon-Wiener (Magurran, 1988Magurran, A. E. 1988. Ecological diversity andits measurement. London, Croom Helm. 198p.) na área abrigada foi de H'1,812 e na área aberta de H'1,666. A similaridade de Jaccard revelou um índice de 20%.

Foi empregado o mesmo esforço nas duas áreas, 6.750h.m2. A área florestada apresentou eficiência de captura maior, 0,037 capturas/hora-rede; na área aberta, a eficiência de captura foi de 0,022 capturas/hora-rede. Na área florestada, foram capturadas oito espécies de frugívoros, três espécies hematófagas, a maior frequência de Desmodus rotundus, duas espécies nectarívoras e uma espécie onívora. Na área aberta, foram capturados indivíduos representantes de cinco guildas tróficas: cinco espécies frugívoras, uma hematófaga, duas insetívoras, uma piscívora e uma nectarívora.

As curvas de acumulação, tanto da área florestada quanto da área aberta, ainda não estabilizaram, revelando a necessidade de incremento no número de campanhas (Figs 3, 4). A área florestada apresentou aporte de espécies até a quarta campanha de coleta (Fig. 3) e a área aberta, o aporte foi até a última campanha (Fig. 4).

Fig. 3
Curva de acumulação de espécies de morcegos na área florestada da RPPN Fazenda Bom Retiro, Rio de Janeiro, Brasil.

Fig. 4
Curva de acumulação de espécies de morcegos na área aberta da RPPN Fazenda Bom Retiro, Rio de Janeiro, Brasil.

DISCUSSÃO

Diversos autores relataram uma significativa diversidade de espécies comumente distribuída nos vários níveis de estratificação (Kalko, 1998Kalko, E. K. V. 1998. Organization and diversity of tropical bat communities through space and time. Zoology 101:281-297.; Bernard, 2001). O maior número de filostomídeos é comum na Região Neotropical, mesmo tentando eliminar a seletividade das redes de neblina (Lim & Engstrom, 2001Lim, B. K. & Engstrom, M. D. 2001. Species diversity of bats (Mammalia: Chiroptera) in Iwokrama Forest, Guyana, and the Guianan subregion: implications for conservation. Biodiversity Conservation 10:613-657.; Bernard, 2002). A elevada quantidade de capturas na região florestada pode ser explicada por uma maior oferta de recursos, principalmente vegetais, como plantas pioneiras das famílias Piperaceae, Solanaceae e Cecropiaceae (Félix et al., 2001Félix, J. S.; Reis, N. R. dos; Lima, I. P.; Costa, E. F. & Peracchi, A. L. 2001. Is the area of the Arthur Thomas Park, with its 82.72ha, sufficient to maintain viable chiropteran populations? Chiroptera Neotropical7(1-2):129-133.).

Apesar do maior número de capturas e espécies, a região florestada registrou apenas uma família, Phyllostomidae. Carollia perspicillata foi a mais capturada, tanto na área florestada quanto na área aberta, sendo que na área florestada apresentou maior frequência de captura que na aberta, fato que pode estar relacionado a maior quantidade de plantas Piperaceae. Na área florestada foram capturados 85,2% de todos indivíduos de Sturnira lilium obtidos nesse inventário; tal superioridade pode ser explicada pela maior presença de Solanum (Solanaceae) empregada na dieta (Muller & Reis, 1992Muller, M. F. & Reis, N. R. 1992. Partição de recursos alimentares entre quatro espécies de morcegos frugívoros (Chiroptera, Phyllostomidae). Revista Brasileira de Zoologia9(3-4):345-355.).

O registro de morcegos hematófagos, tanto na área florestada quanto na área aberta, pode estar relacionado às pastagens de gado nas propriedades vizinhas; talvez os morcegos mantenham seus refúgios na área florestada e utilizem a área aberta como via de acesso ao pasto. Na área florestada foram capturadas três espécies de hematófagos, enquanto na área aberta apenas Desmodus rotundus, que representou 25% e 75% das capturas nas respectivas áreas.

Três espécies de Artibeus foram capturadas, sendo que Artibeus obscurus se apresentou restrita à área florestada, onde há maior quantidade de refúgios (Reis et al., 2006Reis, N. R.; Shibatta, O. A.; Peracchi, A. L.; Pedro, W. A. & Lima, I. P. 2006. Sobre os mamíferos do Brasil. In: Reis N. R.; Peracchi, A. L.; Pedro, W. A. & Lima, I. P. Mamíferos do Brasil. Londrina, Editora da Universidade Estadual de Londrina, p. 17-25.). Artibeus lituratus e Artibeus fimbriatus foram capturados nos dois ambientes, porém verificou-se maior frequência de captura na área aberta, pelo fato de serem frugívoros generalistas, com grande potencial de adaptação (Fleming, 1986Fleming, T. H.1986. Oportunism VS. Specialization: the evolution of feeding strategies in frugivorous bats. In: Estrada, A. & Fleming, T. H. eds. Frugivores and seed dispersal. Dordrecht, W. Junk Publishers, p. 105-118.; Passos & Graciolli, 2004Passos, F. C. & Graciolli, G. 2004. Observações da dieta de Artibeuslituratus em duas áreas do sul do Brasil. Revista Brasileira de Zoologia12(3):487-489.).

Além de Artibeus obscurus, outras seis espécies só ocorreram na área florestada: Glossophaga soricina, Platyrrhinus recifinus, Diaemus youngi, Diphilla ecaudata, Dermanura cinerea e Phyllotomus hastatus; tais registros também são explicados pela maior quantidade de alimentos, para os frugívoros, nectarívoros e onívoros, e abrigos, no caso dos hematófagos (Townsend et al., 2006Townsend, C. R.; Begon, M. & Harper, J. P. 2006. Fundamentos em Ecologia. 2ed. Porto Alegre, ARTMED. 592p.).

Na área aberta foram confirmadas quatro famílias, destacando a variedade maior de guildas, como piscívoros, Noctilio leporinus (Noctilidadae) e insetívoros - Myotis nigricans (Vespertilionidae) e Molossus molossus (Molossidade); as ocorrências podem ser explicadas pela existência de um lago com alevinos e girinos, importante para a captura de N. leporinus, e por apresentar vegetação mais aberta, com árvores mais espaçadas, o que facilita o forrageio dos insetívoros, permitindo um vôo mais baixo.

Segundo o índice de Jaccard, a similaridade entre as duas áreas foi de 20%, demonstrando a diferença entre a quiropterofauna dos dois ambientes. A área florestada demonstrou maior índice de Shannon Wiener (H'1,812), enquanto na área aberta foi de H'1,666. O tamanho do remanescente é importante, porém a qualidade dos recursos pode ter um efeito significativo na manutenção de populações viáveis; portanto, a área florestada possui as melhores condições para manter populações mais diversas de espécies por possuir maior variação de recursos (Zimmerman & Bierregaard, 1986Zimmerman, B. L. & Bierregaard, R. O. 1986. Relevance of the equilibrium theory of island biogeography and species-area relations to conservation with a case from Amazonia. Journal of Biogeography13:133-143.).

Agradecimentos

Ao IBAMA, pela licença concedida (n° 34216-1); ao proprietário da RPPN Fazenda Bom Retiro, Luiz Nelson, pela receptividade. À Isaac Passos de Lima, integrante do laboratório de Mastozoologia da UFRRJ, pelo auxílio na identificação de espécies e pelas trocas de ideias. Este trabalho faz parte da tese de doutorado do autor sênior (PPGBA/UFRRJ).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2014
  • Aceito
    02 Ago 2015
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