Acessibilidade / Reportar erro

Variação de peso e sobrevida de Micrurus corallinus sob diferentes condições de alimentação em biotério (Serpentes, Elapidae)

Variation of weight and survival rates of Micrurus corallinus under different feeding conditions in laboratory animal rooms (Serpentes, Elapidae)

Resumo

The weight variation in Micrurus corallinus (Merrem, 1820) during the first 60 days in laboratory animal rooms was very remarkable. This fact demonstrates the difficulty in adaptation of these animals to the captive environment. The weight loss was observed in animals under voluntary feeding as well as forced feeding. The survival rate was significantly higher in voluntarily fed animals. Sex differences were also observed with higher survival rates for males. Low survival rates were observed in both sexes under forced feeding.

Micrurus; feeding; captivity


Micrurus; feeding; captivity

VARIAÇÃO DE PESO E SOBREVIDA DE MICRURUS CORALLINUS SOB DIFERENTES CONDIÇÕES DE ALIMENTAÇÃO EM BIOTÉRIO (SERPENTES, ELAPIDAE)1 1 . Parte da Dissertação de Mestrado da autora sênior, Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo.

Eliana de Oliveira Serapicos2 1 . Parte da Dissertação de Mestrado da autora sênior, Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo.

José Luiz Bernardino Merusse3 1 . Parte da Dissertação de Mestrado da autora sênior, Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo.

ABSTRACT

VARIATION OF WEIGHT AND SURVIVAL RATES OF MICRURUS CORALLINUS UNDER DIFFERENT FEEDING CONDITIONS IN LABORATORY ANIMAL ROOMS (SERPENTES, ELAPIDAE). The weight variation in Micrurus corallinus (Merrem, 1820) during the first 60 days in laboratory animal rooms was very remarkable. This fact demonstrates the difficulty in adaptation of these animals to the captive environment. The weight loss was observed in animals under voluntary feeding as well as forced feeding. The survival rate was significantly higher in voluntarily fed animals. Sex differences were also observed with higher survival rates for males. Low survival rates were observed in both sexes under forced feeding.

KEYWORDS. Micrurus, feeding, captivity.

INTRODUÇÃO

A instalação de um biotério de serpentes envolve a captura de animais na natureza em diferentes regiões, custo elevado para a climatização dos ambientes de manutenção, técnicas de manejo adequadas e profissionais especializados. Contudo, a adaptação das serpentes ainda não é garantida (LELOUP,1984; BOYER et al., 1989). A criação e manutenção de serpentes pode ser de três tipos: intensiva, semi-extensiva e extensiva. Embora a criação intensiva não seja a mais adequada quanto aos aspectos econômicos, é a mais indicada por permitir a manutenção de animais procedentes de climas diferenciados através da climatização dos ambientes cativos (LELOUP, 1984; LEINZ et al., 1989). As serpentes peçonhentas dos gêneros Bothrops Wagler, 1824 e Crotalus Linnaeus, 1758 têm sido mantidas em cativeiro com sucesso, visando a extração de veneno para a produção de imunobiológicos. A alimentação destas espécies é basicamente constituída de roedores, permitindo assim, uma padronização das técnicas de manejo. Serpentes do gênero Micrurus Wagler, 1824 apresentam grande dificuldade de adaptação ao cativeiro, além de uma alimentação restrita a anfisbenídeos e gimnofionas (MARQUES & SAZIMA, 1997), animais de difícil criação e manutenção em cativeiro.

O objetivo é verificar a variação de peso e a sobrevida de Micrurus corallinus (Merrem, 1820) mantidas em biotério sob diferentes condições de alimentação.

MATERIAL E MÉTODOS

Os procedimentos de manutenção dos animais constam em SERAPICOS & MERUSSE (2002). Durante todo o período de permanência no biotério (quarentena + sala de manutenção), os exemplares de M. corallinus foram observados diariamente a fim de manter a higienização das caixas de manutenção, assim como o bem-estar dos animais. Bimestralmente foram tomados os dados biométricos dos animais até os seus respectivos óbitos, para posterior análise do peso e da sobrevida.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período de permanência de 60 dias na quarentena, foi observado que 93,7% dos exemplares perderam peso (tab. I), sendo de 25,4% a média da perda de peso (grupo A = 26,6% e o grupo B = 24,2%). Após a transferência dos animais para a sala de manutenção, o peso continuou em declínio, porém de forma mais discreta. Nessa sala, a perda de peso do grupo A foi de 11,52% e do grupo B, 7,42%. Considerando o período total de permanência no biotério (quarentena + sala de manutenção), a média da perda de peso dos animais que se alimentavam voluntariamente foi de 38,12%, e a dos que receberam alimentação forçada foi de 31,62% (tab. II). Este fato pode estar relacionado ao estresse causado pelo manuseio, à síndrome da má adaptação, ao espaço físico limitado, ao intervalo entre as alimentações (30 dias aproximadamente) e às extrações de veneno.

Em relação ao sexo, notou-se que os machos (fig. 1) que receberam alimentação voluntária foram a óbito após perderem em média 42,56% do peso inicial e as fêmeas 32,43%. Os animais que receberam alimentação forçada foram a óbito após perderem 27,55% e 36,86% respectivamente para os machos e para as fêmeas (tab. II).


O método estatístico utilizado, "t" de Student (TRIOLA, 1999), mostrou que não é significante a diferença entre os grupos experimentais, assim como, entre os sexos (tab. III). Ressalta-se que o grupo A apresentou sobrevida maior que o grupo B, justificando assim, maior perda de peso aparente no grupo A. NAKAMOTO et al. (1981), em estudos realizados com Trimeresurus flavoviridis (Hallowell, 1860), mostraram que quanto menor a variação do peso corporal, maior a longevidade da serpente, o que corrobora com os nossos resultados.

A média de sobrevida dos exemplares de M. corallinus que se alimentaram voluntariamente foi de 245,81 dias, enquanto que os que receberam alimentação forçada tiveram uma sobrevida de 157,12 dias (tab. IV). Segundo COWAN (1980), a energia despendida para manter as atividades vitais em equilíbrio, muitas vezes, é maior que a ingerida através da alimentação.

O teste "t" de Student indicou que os valores obtidos entre os dois grupos são estatisticamente significantes (tab. V). Segundo COWAN (1968), a não-adaptação às condições cativas é o principal fator responsável pelos óbitos dos animais nos dois primeiros anos de cativeiro. LEINZ et al. (1989) constataram que Bothrops jararacussu (Lacerda, 1884), mantida em sistema intensivo de manutenção, apresentou 50% de mortalidade nos primeiros 5,6 meses de cativeiro. Os estudos de SNYDER (1976) sugerem que o estresse, causado pela não-adaptação dos répteis a um ambiente, pode estar relacionado com o consumo de gordura. Os animais do grupo A, provavelmente, apresentaram maior reserva de energia e, consequentemente, puderam suportar por mais tempo as condições cativas.

Em relação ao sexo, a média de sobrevida dos machos que se alimentaram voluntariamente foi de 289,90 dias, enquanto a dos que receberam alimentação forçada foi de 147,80 dias (tab. IV), sendo estatisticamente significante (tab. V). As fêmeas não apresentaram diferenças relevantes nem significantes estatisticamente, sendo de 189,10 dias a média de sobrevida para as que receberam alimentação voluntária e de 169,10 dias para a alimentação forçada (tabs. IV, V).

Medidas profiláticas relacionadas à alimentação de M. corallinus, como a criação de colubrídeos ou anfisbenídeos, a utilização de alimentos congelados, ou ainda a implantação de métodos alternativos, podem contribuir para a melhoria das condições de saúde dos animais, favorecendo uma tentativa de adaptação e aumento da sobrevida em ambiente cativo.

Agradecimentos. Aos pesquisadores do Instituto Butantan, Maria de Fátima D. Furtado, Hana Suzuki e Thélia R. F. J. Cinqüini, pelas críticas e sugestões; a Wilson Fernandes pelo auxílio no experimento e Giuseppe Puorto pela fotografia.

Recebido em 15.04.2002; aceito em 15.10.2002.

2. Laboratório de Herpetologia, Instituto Butantan, Av. Vital Brazil, 1500, 05503-900, São Paulo, SP, Brasil. (serapicos@butantan.gov.br)

3. Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, Av. Prof. Orlando Marques de Paiva, 87, 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. (merusse@usp.br)

  • BOYER, D. M.; MITCHELL, L. A. & MURPHY, J. B. 1989. Reproduction and husbandry of the bushmaster Lachesis m. muta at the Dallas Zoo. International Zoo Yearbook, London, 28:190-194
  • COWAN, D. F. 1968. Diseases of captive reptiles. J. Am. Vet. Med. Assoc., Chicago, 153(7):848-859.
  • __. 1980. Adaptation, maladaptation and disease. In: MURPHY, J. B. Reproductive biology and diseases of captive reptiles Lawrence, Society for the Study of Amphibians and Reptiles. p.191-196.
  • LEINZ, F. F.; JANEIRO-CINQÜINI, T. R. F. et al. 1989. Sobrevivência de Bothrops jararacussu (Serpentes, Viperidae, Crotalinae) mantidas em cativeiro. Mems Inst. Butantan, São Paulo, 51(1):33-38.
  • LELOUP, P. 1984. Various aspects of venomous snake breeding on a large scale. Acta Zool. Pathol. Antverp., Antwerpen, 78(1):177-198.
  • MARQUES, O. A. V. & SAZIMA, I. 1997. Diet and behavior of the coral snake, Micrurus corallinus, from the Atlantic Forest of Brazil. Herpetol. Nat. Hist., Stanford, 5(1):88-93.
  • NAKAMOTO, E.; FUKUSHIMA, H. & SAWAI, Y. 1981. Longevity of habu (Trimeresurus flavoviridis) breeded in hungry condition. The Snake, Gunma, 13:61-62.
  • SNYDER, R. L. 1976. The biology of population growth London, Croom Helm. 227p.
  • TRIOLA, M. F. 1999. Introdução à estatística 7. ed. Rio de Janeiro, LTC. 410p.
  • 1
    . Parte da Dissertação de Mestrado da autora sênior, Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      15 Abr 2002
    • Aceito
      15 Out 2002
    Museu de Ciências Naturais Museu de Ciências Naturais, Secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura, Rua Dr. Salvador França, 1427, Jardim Botânico, 90690-000 - Porto Alegre - RS - Brasil, Tel.: + 55 51- 3320-2039 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: iheringia-zoo@fzb.rs.gov.br