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Um olhar sobre a indústria química brasileira

EDITORIAL

Um olhar sobre a indústria química brasileira

A indústria química brasileira teve um faturamento líquido de US$ 158 bilhões em 2011. Essa cifra coloca o Brasil na sétima posição no ranking mundial de fabricantes de produtos químicos.

A química é conhecida mundialmente por sua forte agregação de valor, capilaridade e efeito multiplicador positivo na economia, contribuindo para o desenvolvimento do País. Os produtos fabricados pelo setor têm uma presença marcante, direta e indiretamente, em praticamente todas as cadeias industriais. Por seu poder de transformação, a química está presente nas diversas soluções oferecidas à sociedade, especialmente contribuindo para a melhora da qualidade de vida. Além disso, oferece produtos que vão desde o complexo da saúde, da higiene e beleza, passando pelas possibilidades de melhora do meio ambiente (redução de emissão de CO2), redução do consumo de energia, construção civil, entre outras. Por essas razões, não há sequer um País desenvolvido que não tenha também uma indústria química forte.

A atividade química é altamente demandante de investimentos em pesquisa e desenvolvimento e seu progresso está diretamente atrelado à inovação. Nos EUA, as inversões médias em P&D são da ordem de 2 a 3% do faturamento líquido. Na Europa, cuja tradição é na produção de especialidades, os investimentos em P&D são ainda maiores, chegando próximo a uma média de 4%. A indústria química brasileira, apesar de realizar grandes esforços, ainda possui uma participação muito pequena das atividades de P&D sobre o faturamento, na média de 0,6%. Porém, há a expectativa de que, em um período de 10 anos, o Brasil eleve esses investimentos a 1,5% do seu faturamento líquido.

Apesar da pujança, da importância e das oportunidades, a indústria química brasileira tem perdido, de forma crescente, participação no atendimento da demanda interna. O Brasil importa, atualmente, produtos de todos os segmentos, inclusive as commodities, que poderiam ser produzidas aqui, e os produtos de elevado valor agregado, como fármacos e defensivos. E o pior, todos os segmentos da química são atualmente deficitários. No início da década de 1990, o déficit era da ordem de US$ 1,5 bilhão, mas chegou a US$ 26,9 bilhões em 2011 e as perspectivas não são nada animadoras para este ano, que deverá alcançar novo recorde. As importações representam, hoje, mais de um terço do consumo brasileiro de produtos químicos. No início da década de 90, essa participação não chegava a 7%.

O aumento do volume importado, em detrimento da produção local, não se explica apenas por problemas conjunturais, como a crise mundial (que tem gerado elevados excedentes no mercado internacional) e a apreciação do real em relação ao dólar. A indústria química brasileira tem sido afetada por questões estruturais, que a impedem de produzir em condições de acompanhar o crescimento da demanda interna.

Esse quadro de déficit crescente versus falta de competitividade local levou a Abiquim - Associação Brasileira da Indústria Química, em 2010, a elaborar um documento chamado de "Pacto Nacional da Indústria Química", que teve como objetivo fazer uma análise da situação da indústria, projetar sua demanda para os próximos anos, além de propor possíveis soluções de melhoria. O estudo tinha como objetivos estratégicos posicionar a química brasileira entre as cinco maiores do mundo até 2020, tornando o País superavitário em produtos químicos e líder em química verde. Conforme conclusões do Pacto, válidas até hoje, a indústria química possui oportunidades que podem atrair investimentos de US$ 167 bilhões nos próximos 10 anos. Esses investimentos seriam provenientes (a) do crescimento econômico que se espera para o período, (b) da tentativa de recuperar o déficit comercial, elevando substancialmente a parcela exportada e reduzindo as importações dos produtos que o Brasil tem capacidade de ofertar ao mercado, (c) do crescimento na química de base renovável e (d) da agregação de valor às matérias-primas que serão disponibilizadas no futuro próximo, oriundas do Pré-sal.

A realização das oportunidades previstas no Pacto significaria triplicar o nível atual de investimentos no setor. No período recente, a média anual tem sido da ordem de US$ 4 a US$ 5 bilhões de investimentos em química. Apesar de expressivo, esse volume é insuficiente para conter e/ou reverter a trajetória de crescimento das importações. Entretanto, para que essas oportunidades possam ser concretizadas, alguns problemas estruturais e específicos da química precisariam ser resolvidos: a) acesso a matérias-primas básicas mais competitivas em preços e com garantia de volumes no longo prazo; b) solução de distorções do sistema tributário, com a desoneração da cadeia produtiva; c) melhoria nas condições da infraestrutura logística, com destaque à distribuição de gás e à disponibilidade de portos, rodovias e outras soluções modais; d) apoio do Estado ao desenvolvimento tecnológico e à inovação; e) facilitação do acesso ao crédito, principalmente por pequenas e médias empresas, visando ao fortalecimento da cadeia produtiva.

O Pacto serviu como base para a elaboração do diagnóstico do setor no Conselho de Competitividade da Química, no âmbito do Plano Brasil Maior. A agenda final da química foi formulada por representantes do governo, dos trabalhadores e da indústria. Todos os principais problemas que afetam o setor foram tratados e para cada um deles foi identificada uma ou mais ações de correção de rumo. As medidas principais caminham na direção de se aumentar o investimento fixo, reduzir custos com a aquisição de matérias-primas, estimular a diversificação da produção química no Brasil, aumentar a capacitação dos recursos humanos, incentivar a produção local de produtos importados, estimular os investimentos em inovação das empresas, incentivar investimentos de produtos químicos de origem renovável, melhorar a infraestrutura para a indústria e aumentar a inserção internacional das empresas brasileiras.

Em um horizonte de médio e longo prazos, o Brasil reúne algumas das principais condições necessárias para ter uma indústria química forte: o tamanho do seu mercado consumidor, a estabilidade econômica e política, empresas maduras e com capacitação técnica, que estão interessadas em realizar investimentos. O Brasil caminha, no médio prazo, para possuir também um dos mais importantes quesitos para alcançar a competitividade nesse segmento, que é uma oferta abundante de matérias-primas básicas. As oportunidades provenientes da exploração de petróleo e de gás natural do Pré-sal e também das novas descobertas de gás on-shore colocam o País em uma nova condição, sem precedentes em sua história. Adiciona-se, ainda, a possibilidade de o Brasil explorar recursos provenientes do gás não convencional, como, aliás, já está acontecendo na Bacia do São Francisco. Além das tradicionais matérias-primas, o País desfruta de uma condição favorável também na produção de químicos de fonte renovável.

Entretanto, o Brasil precisa eliminar as travas que existem hoje e dar condições para que a indústria química sobreviva a essa fase de falta de competitividade. O caminho foi muito bem traçado e as propostas já estão na mesa, por meio do Conselho de Competitividade. A indústria espera que a pauta elaborada seja colocada em prática o quanto antes e que o Governo dê os sinais necessários para que os investimentos em química voltem. A volta dos investimentos, por sua vez, representará um reforço nas atividades de inovação das empresas, indispensáveis para garantir o seu futuro. A indústria química poderá se transformar no motor de um renascimento da indústria brasileira.

Pedro Wongtschowski

Presidente da ULTRAPAR, membro do Conselho Consultivo da ABIQUIM e Pesquisador Associado do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da USP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Nov 2012
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