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Células mesangiais: protagonistas ou coadjuvantes da função renal?

EDITORIAL EDITORIAL

Células mesangiais: protagonistas ou coadjuvantes da função renal?

Maurício Younes-Ibrahim

Departamento de Medicina Interna da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Livre Docente pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO

Correspondência para Correspondência para: Maurício Younes-Ibrahim Universidade do Estado do Rio de Janeiro Av. 28 de setembro, nº 77 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 20.551-030 Tel: +55 (21) 2868-8127 E-mail: myounes@terra.com.br

"O caminho da compreensão encontra resistência no ordenamento das ferramentas de investigação."

Prof Omar da Rosa Santos

Para realizar a homeostasia, cada rim possui cerca de 1 milhão de néfrons, que por sua vez, são compostos de diferentes tipos de células e tecidos. A harmonia funcional entre as células do parênquima renal depende de uma sofisticada rede de bioautomação para assegurar a hierarquia e a efetividade das respostas biológicas integradas. Descritas desde meados do século XIX, as células mesangiais (CM) e a matriz mesangial formam a região glomerular denominada mesangium (entre vasos). Analisadas pela simplicidade da microscopia óptica, durante muito tempo as CM foram consideradas apenas estruturas histológicas de sustentação axial para as alças capilares no interior dos glomérulos. Em 1951, Homer Smith1 se referia às CM como "raras, sendo um terceiro tipo celular presente no glomérulo, situado na estrutura axial intercapilar". À luz das atuais ferramentas de investigação, as CM são vistas como uma forma especial de pericitos microvasculares, que formam uma unidade de integração funcional mesangio-endotélio-epitélio. Estrategicamente localizadas, as CM estão diretamente envolvidas nos fenômenos biológicos que regem a embriologia e a fisiologia renal. Neste circuito triplamente integrado, as alterações que ocorrem em um tipo de célula podem produzir efeitos correspondentes em outras. As interações resultam do "cross-talk" modulado por vias de sinalização que incluem o contato celular (gap junctions), hormônios, citocinas e quimiocinas.2 As propriedades contrácteis das CM permitem que elas participem do controle do fluxo capilar intraglomerular, da área de ultrafiltração glomerular e, consequentemente, da taxa de filtração glomerular em cada néfron (Figura 1). As CM produzem componentes estruturais dos glomérulos, agentes vasoativos, fatores de crescimento, citocinas, quimiocinas, eritropoetina e elementos do sistema de complemento.2 Justificando efeitos parácrinos, as células mesangiais expressam receptores para diferentes agentes vasoativos, fatores de crescimento, moléculas de adesão, citocinas e quimiocinas, entre outros. Este conjunto de fatores insere fisiologicamente as CM na regulação funcional e no remodelamento do tecido renal.


As ferramentas de investigação mais modernas proporcionaram uma enorme quantidade de experimentos in vitro e in vivo, revelando a participação ativa das CM em diferentes processos fisiopatológicos que acometem o néfron. Dentre eles, se destaca a relação entre proliferação das CM e o desenvolvimento subsequente da matriz mesangial, verificada nos processos de injúria glomerular de origem imune e não imune, com ênfase especial na fisiopatologia da Nefropatia Diabética.3 A análise detalhada da intimidade do glomérulo mostra que as CM não são completamente homogêneas. Até 10% das CM apresentam fenótipo diferente das demais e exibem capacidade fagocítica, expressando marcadores de superfície e citocinas somente encontrados nas células do sistema imune, por isso denominadas células dendríticas mieloides.4 Ainda, as CM expressam receptores toll-like5 (TLR) TRL-1, 2, 4, 5 e 6 (reconhecem antígenos de superfície bacterianos) e TLR-3 (reconhece RNA viral), evidenciando estreita ligação do sistema de imunidade inata com as CM, tornando-as um gatilho para a resposta inflamatória e sítio de interação com imunocomplexos, no curso de insultos renais e de doenças sistêmicas. No aspecto proliferativo, o controle da celularidade renal também sofre interferência das CM, que produzem tanto citocina mitogênica (IL-6) como pró-apoptótica (TNF).

As ferramentas de pesquisa moleculares foram decisivas no avanço do conhecimento nefrológico. Dentre as moléculas envolvidas na fisiologia e fisiopatologia renal, a Angiotensina II (AgII) ocupa um papel especial. A AgII é um peptídeo cujos efeitos biológicos são dose-dependentes e se deflagram através dos receptores teciduais localizados no rim e em tecidos sistêmicos. Desde o final da década de 80, a AgII tem sido diretamente implicada no desenvolvimento da esclerose glomerular, por meio da indução da síntese e da secreção do fator transformador β. No mesângio, além dos efeitos contrácteis, a AgII também induz hipertrofia das CM e interfere na estrutura arquitetônica dos glomérulos e do rim. O artigo de Razvickas et al.6 contribui para o avanço no conhecimento do comportamento fisiopatológico das CM submetidas à hipóxia e reoxigenação (H/R). Utilizando o modelo experimental in vitro com cultura de CM imortalizadas, os autores verificaram que, após H/R, as CM apresentaram aumento na [Ca2+] intracelular basal e diminuição na reatividade celular à AII, fenômenos que se mostraram mediados pelo óxido nítrico, mas não por prostaglandinas ou por canais de potássio. Embora obtidos em condições artificiais, os resultados do estudo são potencialmente importantes para a compreensão dos fenômenos fisiopatológicos desencadeados pela H/R no parênquima renal in vivo. Estas observações também são relevantes para o entendimento do efeito da H/R sobre o eixo regulatório mesangio-endotélio-epitélio. A análise dos eventos celulares que ocorrem na injúria renal aguda pela hipóxia deixou de ser focada apenas no epitélio tubular e já se estende a todo o néfron.

Na linha do tempo, as CM saíram da condição de coadjuvantes para serem protagonistas da função renal, na saúde e na doença. Portanto, não será surpresa vê-las também transformadas em alvo terapêutico preferencial para uma geração de novos medicamentos visando o tratamento de doenças parenquimatosas renais.

Data de submissão: 14/10/2013.

Data de aprovação: 16/10/2013. FAPERJ.

  • 1. Smith HW. The Kidney: Structure and Function in Health and Disease. 4Ş ed. Oxford: University Press; 1951.
  • 2. Schlöndorff D, Banas B. The mesangial cell revisited: no cell is an island. J Am Soc Nephrol 2009;20:1179-87. DOI: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2008050549
  • 3. Brunskill EW, Potter SS. Changes in the gene expression programs of renal mesangial cells during diabetic nephropathy. BMC Nephrol 2012;13:70. DOI: http://dx.doi.org/10.1186/1471-2369-13-70
  • 4. Masuya M, Drake CJ, Fleming PA, Reilly CM, Zeng H, Hill WD, et al. Hematopoietic origin of glomerular mesangial cells. Blood 2003;101:2215-8. PMID: 12433693 DOI: http://dx.doi.org/10.1182/blood-2002-04-1076
  • 5. Migliorini A, Ebid R, Scherbaum CR, Anders HJ. The danger control concept in kidney disease: mesangial cells. J Nephol 2013;26:437-49. DOI: http://dx.doi.org/10.5301/jn.5000247
  • 6. Razvickas CV, Borges FT, Oliveira AS, Schor N, Boim MA. The effect of hypoxia and reoxygenation in the response of mesangial cells to angiotensin II in vitro. J Nephol 2013;35:259-264.
  • Correspondência para:
    Maurício Younes-Ibrahim
    Universidade do Estado do Rio de Janeiro
    Av. 28 de setembro, nº 77
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 20.551-030
    Tel: +55 (21) 2868-8127
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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