Avaliação nutricional em pacientes em diálise: muito mais do que a avaliação da composição corporal

A avaliação do estado nutricional em pacientes com doença renal crônica (DRC) é um dos pilares para assegurar cuidado nutricional apropriado. A adequada avaliação do estado nutricional guiará o clínico, especialmente o nutricionista, a planejar os objetivos dietéticos e nutricionais e as estratégias de intervenção, bem como o acompanhamento e a periodicidade da avaliação nutricional. A escolha do método e do intervalo de tempo que proporcione o melhor equilíbrio entre acurácia, confiabilidade e facilidade de uso dos instrumentos empregados para o atendimento nutricional na rotina clínica ainda é um desafio. Por esse motivo, um número importante de estudos tem sido publicado nas últimas décadas com o objetivo de investigar o método mais adequado a ser utilizado dentro da rotina clínica, bem como para fins de pesquisa que possibilite um diagnóstico adequado e preciso do estado nutricional¹,².

Um estudo publicado nesta edição do Jornal Brasileiro de Nefrologia traz informações valiosas. Sugizaki et al. (2021)³ mostraram que o estado nutricional avaliado pela aplicação da análise vetorial de bioimpedância elétrica (BIVA) pode ser utilizado como método complementar para avaliação do estado nutricional e, principalmente, do estado de hidratação em pacientes em hemodiálise crônica (HD). Neste estudo, que envolveu 104 pacientes em HD, a avaliação do estado nutricional por BIVA teve baixa sensibilidade (verdadeiro positivo), mas boa especificidade (verdadeiro negativo) para diagnosticar desnutrição usando a avaliação global subjetiva de 7 pontos (7p-AGS) como método de referência. A razão para esse achado pode ser explicada pelas diferenças entre os dois métodos. O BIVA visa avaliar a celularidade e o estado de hidratação com base na massa celular corporal (MCC), que por sua vez constitui todo o tecido metabólico ativo do corpo, incluindo músculos, órgãos internos, água intra e extracelular⁴. Já a 7p-SGA avalia o estado nutricional considerando aspectos relacionados à perda espontânea de peso corporal e apetite, alterações do estado funcional e do trato gastrointestinal, ocorrência de comorbidades e perda de massa muscular e de gordura subcutânea no exame físico⁵. Em outras palavras, como os dois métodos avaliam diferentes aspectos do estado nutricional, não se espera de qualquer forma uma concordância total entre eles.

No entanto, um achado importante no estudo de Sugizaki et al. (2021)³ não deve ser esquecido. Os autores mostraram um deslocamento na posição do vetor individual da BIVA antes e após a sessão de diálise devido ao aumento de Z (resistência) e reatância, indicando remoção de fluido extracelular. Digno de nota, após a sessão de diálise, todos os pacientes (tanto bem-nutridos quanto desnutridos) apresentaram um deslocamento para o quadrante de baixa hidratação. A desidratação é uma condição que muitas vezes é negligenciada neste cenário clínico. Nesse aspecto, a análise do vetor por BIVA antes e depois da diálise pode ser usada em associação com outros aspectos clínicos, incluindo alteração de peso corporal intradialítica e interdialítica, alterações na pressão arterial e bem-estar geral do paciente para melhor determinar o peso seco ideal de pacientes em HD. Além disso, ao comparar os resultados da BIVA entre pacientes bem nutridos e desnutridos que foram classificados de acordo com a 7p-SGA, foi encontrado um valor distinto para marcadores de celularidade, indicando o importante papel da BIVA como uma avaliação complementar ao estado nutricional, principalmente para a massa proteica.

Muito se aprendeu sobre a avaliação do estado nutricional em pacientes em HD. Uma das lições mais importantes é que não existe um método único que forneça uma visão geral completa do estado nutricional, conforme afirmado na diretriz de prática clínica (Kidney Disease Oucome Quality Initiative - KDOQI) para nutrição na DRC publicada em 2020². Ao contrário, sugere-se que seja adotada uma combinação de métodos que permitem avaliação completa do estado nutricional. A escolha dos métodos depende do propósito - para avaliação de rotina clínica ou para pesquisa. A publicação de Sugizaki et al. (2021)³ fornece prática baseada em evidências que apoia o uso da 7p-SGA e BIVA combinadas para avaliação individual do estado nutricional e de hidratação, juntamente com a condição clínica de cada paciente.

References

• ¹
  Carrero JJ, Johansen KL, Lindholm B, Stevinkel P, Cuppari L, Avesani CM. Screening for muscle wasting and dysfunction in patients with chronic kidney disease. Kidney Int. 2016 Jul;90(1):53-66.
• ²
  Ikizler TA, Cuppari L. The 2020 updated KDOQI clinical practice guidelines for nutrition in chronic kidney disease. Blood Purif. 2021;50(4-5):667-71.
• ³
  Sugizaki CSA, Queiroz NP, Silva DM, Freitas ATVS, Costa NA, Peixoto MRG. Comparison of bioelectrical impedance vector analysis (BIVA) to 7-point subjective global assessment for the diagnosis of malnutrition. Braz J Nephrol. 2021 Sep 09; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2021-0099
  » https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2021-0099
• ⁴
  Rondanelli M, Talluri J, Peroni G, Donelli C, Guerriero F, Ferrini K, et al. Beyond body mass index. Is the body cell mass index (BCMI) a useful prognostic factor to describe nutritional, inflammation and muscle mass status in hospitalized elderly?: Body Cell Mass Index links in elderly. Clin Nutr. 2018 Jun;37(3):934-9.
• ⁵
  Bigogno FG, Fetter RL, Avesani CM. Applicability of subjective global assessment and malnutrition inflammation score in the assessment of nutritional status on chronic kidney disease. Braz J Nephrol. 2014 Apr/Jun;36(2):236-40.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Fev 2022
• Data do Fascículo
  Apr-Jun 2022

Histórico

• Recebido
  22 Dez 2021
• Aceito
  11 Jan 2022