Acessibilidade / Reportar erro

Gravidez e diálise

RESUMO

O índice de gravidez de mulheres em diálise permanece ainda muito baixo quando comparado ao da população restante. Contudo, nos últimos anos, o sucesso dessas gestações tem aumentado. Entre os principais cuidados que se deve ter com as grávidas em diálise estão a manutenção de níveis baixos de ureia pré-diálise, a adequação do perfil tensional, o controle da anemia e os cuidados para evitar infecções, deficit nutricionais, alterações do metabolismo fosfo-cálcio e flutuações eletrolíticas. O monitoramento rigoroso do crescimento e desenvolvimento fetal é também necessário. Gravidezes em diálise estão associadas à maior probabilidade de complicações maternas e fetais, por isso é de extrema importância uma abordagem multidisciplinar entre nefrologistas, obstetras e pediatras. O objetivo principal do presente trabalho consiste na revisão da evidência literária disponível sobre a gravidez em diálise, sobre os princípios básicos da fisiopatologia da grávida e de suas particularidades na doença renal. Serão abordadas as opções de tratamento disponíveis, as vantagens e os riscos, antevendo possíveis desafios futuros. No final, será apresentado um caso clínico ilustrativo da temática.

Descritores:
Gravidez; Insuficiência Renal Crônica; Diálise

ABSTRACT

The pregnancy rate of women on dialysis is still very low when compared to that of the remaining population. However, recent years have seen an increase in the success rates of these pregnancies. Among the main precautions that must be taken with pregnant women on dialysis are the maintenance of low levels of pre-dialysis urea, the adequacy of the tension profile, the control of anemia and care to avoid infections, nutritional deficits, changes in phosphorus-calcium metabolism and electrolytic fluctuations. It is also necessary to strictly monitor fetal growth and development. Pregnant women on dialysis have a higher probability of maternal and fetal complications; thus the importance of a multidisciplinary approach among nephrologists, obstetricians and pediatricians. The main objective of this study was to review the literature evidence available on pregnancy on dialysis, on the basic principles of the pathophysiology of pregnant women and their particularities in kidney disease. We will address available treatment options, benefits and risks, anticipating possible future challenges. At the end, we will present a clinical case to illustrate the topic.

Keywords:
Pregnancy; Renal Insufficiency, Chronic; Dialysis

Introdução

Apesar do escasso número de pacientes grávidas em diálise, nos últimos anos, a par dos avanços diagnósticos e terapêuticos, essa tem sido uma realidade crescente. De acordo com a literatura, verificou-se um aumento da taxa de sucesso dessas gestações, de 25% na década de 1980 para mais de 90% na atualidade.11 Reddy S and Holley L. Management of the pregnant chronic dialysis patient. Adv Chronic Kidney Disease 2007;14(2):146-55.,22 Levy DP, Giatras I and Jungers P. Pregnancy and end-stage renal disease-past experience and new insights. Nephrol Dial Transplant 1998;13(12):3005-7.,33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9 Também no Registo de Diálise e Transplante da Austrália e da Nova Zelândia (ANZDATA), o índice de gravidezes foi de 3,3 por 1000 doentes ao ano entre 1996 e 2008, comparado com 0,54 e 0,67 de 1976 a 1985 e de 1986 a 1995, respectivamente.44 Shilpanjali J, Blair G and Stephen P. McDonald. Pregnancy Outcomes According to Dialysis Commencing Before or After Conception in Women with ESRD. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Jan; 9(1):143-9.

A maioria dos pacientes em diálise apresenta disfunção sexual não apenas em contexto de patologia orgânica, mas também mental. Atualmente, para taxas de filtração glomerular inferiores a 5,0 mL/min/1,73m2, a amenorreia e os ciclos anovulatórios são praticamente uma constante. Além disso, a diminuição da libido, a polifarmácia e a depressão são igualmente prevalentes na doença renal crônica avançada.33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9,55 Jungers P and Chauveau D. Pregnancy in renal disease. Kidney Int 1997;52(4):871-85.

Contudo, com o avanço tecnológico e a experiência adquirida ao longo das últimas décadas, verificou-se uma melhoria da adequação das técnicas dialíticas e das abordagens farmacológicas e nutricionais das grávidas em diálise, proporcionando um aumento significativo na qualidade de vida e aumento no índice de sucesso das gestações.55 Jungers P and Chauveau D. Pregnancy in renal disease. Kidney Int 1997;52(4):871-85.

Pensa-se que gestações que se iniciam antes do período dialítico ou no primeiro ano dele tenham mais hipóteses de termo favorável, quando comparadas com as de mulheres que engravidam depois de um considerável período de tempo em diálise.11 Reddy S and Holley L. Management of the pregnant chronic dialysis patient. Adv Chronic Kidney Disease 2007;14(2):146-55.,33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9 Alguns autores sugerem que esse fato pode ser explicado pela maior fertilidade nas mulheres com função renal residual prévia.77 Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44.

O diagnóstico da gravidez continua a ser um desafio, principalmente porque a dosagem da gonadotrofina coriônica sérica pode apresentar-se elevada mesmo na ausência de gestação. Também nessas pacientes a ecografia torna-se indispensável para a confirmação diagnóstica.55 Jungers P and Chauveau D. Pregnancy in renal disease. Kidney Int 1997;52(4):871-85.,66 Schaefer RM , Kokot F, Wernze H, Geiger H and Heidland A. Improved sexual function in hemodialysis patients on recombinant erythropoietin: a possible role for prolactin. Clin Nephrol 1989; 31(1):1-5.

Tanto a hemodiálise como a diálise peritoneal podem ser opções de terapêutica substitutiva na gravidez. Estudos com desfechos semelhantes em ambas as técnicas já foram apresentados.44 Shilpanjali J, Blair G and Stephen P. McDonald. Pregnancy Outcomes According to Dialysis Commencing Before or After Conception in Women with ESRD. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Jan; 9(1):143-9.,88 Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70. Apesar de todo o progresso realizado nessa área, a maioria dos recém-nascidos é prematura, e complicações materno-fetais, como hipertensão gestacional, anemia, infecções, polidrâmnio e restrição de crescimento fetal são também frequentes.88 Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70.

Esse é um tema discutível, pouco consensual, alvo de reuniões conjuntas de Nefrologia, Obstetrícia e Pediatria. Este trabalho pretende fazer uma abordagem teórica do tema, com apresentação do caso de uma grávida em diálise. Inicialmente, serão abordadas a fisiopatologia e as complicações da grávida sem doença renal, com posterior enquadramento das técnicas de substituição da função renal durante o período gestacional.

Materiais e Métodos

Foi elaborada uma pesquisa de normas de orientação clínica, artigos de revisão, revisões sistemáticas, meta-análises e ensaios clínicos aleatorizados e controlados na Medline, sites de medicina baseada na evidência, índex de revistas médicas portuguesas e referências bibliográficas dos artigos selecionados, publicados entre 1990 e 2018, nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola, utilizando as palavras-chave (termos MeSH) “chronic kidney disease”, “dialysis” e “pregnancy”. Os artigos que não abordavam a temática da diálise na gravidez, redigidos em outra língua que não as mencionadas e os casos clínicos sem revisão da temática foram excluídos. Com os critérios acima referidos foram incluídos 21 artigos com acesso integral ao texto.

No final, será apresentado um caso clínico real ilustrativo dessa temática.

Fundamentação Teórica

Fisiologia Renal na Gravidez

A gravidez é um dos períodos de vida mais importantes para a mulher e ocasiona diversas adaptações no organismo, para que o feto se desenvolva de forma saudável e o parto ocorra nas condições ideais. Ocorrem inúmeras alterações anatômicas e funcionais e o estado hormonal tem um enorme impacto nos vários órgãos e sistemas, não sendo o rim uma exceção.11 Reddy S and Holley L. Management of the pregnant chronic dialysis patient. Adv Chronic Kidney Disease 2007;14(2):146-55.,55 Jungers P and Chauveau D. Pregnancy in renal disease. Kidney Int 1997;52(4):871-85.

No período gestacional, os rins sofrem alterações: há um aumento do volume renal em 30%; no diâmetro bipolar renal, de 1,0 a 1,5 cm; e no fluxo de sangue renal, de 50 a 85%, sobretudo no primeiro trimestre. É normal o surgimento de proteinúria devido ao aumento da taxa de filtração glomerular e ao aumento da permeabilidade da membrana basal glomerular. Na mulher grávida, por causa desse excesso fisiológico de excreção de proteínas, o valor de referência é diferente do da população restante, e a proteinúria é considerada normal até 300 mg/24 horas.33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9,77 Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44.,99 Bagon A, Vernaeve H, Muylder X, Lafontaine J, Martens J and van Roost G: Pregnancy and dialysis. Am J Kidney Dis 1998, 31: 756-65. No início da gestação, aumenta o número de micções, devido essencialmente a fatores hormonais, e no final da gravidez essa frequência também aumenta, mas por motivos mecânicos. Uma gravidez normal gera em média um aumento ponderal de 10 a 14 kg, correspondendo no total a cerca de 9 litros de água corporal. Esse aumento de volume circulante conduz a um estado de hemodiluição, com aumento fisiológico do débito cardíaco.99 Bagon A, Vernaeve H, Muylder X, Lafontaine J, Martens J and van Roost G: Pregnancy and dialysis. Am J Kidney Dis 1998, 31: 756-65.

Hemodiálise Versus Diálise Peritoneal

Para as mulheres grávidas portadoras de doença renal crônica que precisam de tratamento dialítico podem ser oferecidas as duas modalidades: a hemodiálise e a diálise peritoneal.99 Bagon A, Vernaeve H, Muylder X, Lafontaine J, Martens J and van Roost G: Pregnancy and dialysis. Am J Kidney Dis 1998, 31: 756-65.,1010 Bamberg C, Diekmann F, Haase M, et al. Pregnancy on intensified hemodialysis: Fetal surveillance and perinatal outcome. Fetal Diagn Ther 2007, 22: 289-93.

No cenário atual, ambas as terapias têm vantagens e desvantagens (Tabela 1). A modalidade de tratamento não deve ser alterada com o surgimento da gravidez, no entanto, se houver necessidade de início urgente, pode ser mais fácil começar pela hemodiálise, uma vez que a inserção de um cateter de diálise peritoneal de Tenckhoff em qualquer período da gravidez eleva os riscos de abortamento.88 Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70.,99 Bagon A, Vernaeve H, Muylder X, Lafontaine J, Martens J and van Roost G: Pregnancy and dialysis. Am J Kidney Dis 1998, 31: 756-65. A taxa de gravidez é menor entre as pacientes em diálise peritoneal em comparação com as em hemodiálise. Numa análise de dados de registo incluindo 6.230 mulheres com idade entre 14 e 44 anos (1.699 em diálise peritoneal e 4.531 em hemodiálise), 2,4% das pacientes em hemodiálise engravidaram durante um período de quatro anos versus apenas 1,1% das pacientes em diálise peritoneal. Um resultado semelhante foi relatado a partir de uma análise de dados de ANZDATA, em que 2,54 gravidezes por 2.000 doentes ao ano ocorreram entre doentes de hemodiálise versus apenas 1,06 entre doentes de diálise peritoneal. As razões para a diferença nos resultados entre as modalidades não são conhecidas.44 Shilpanjali J, Blair G and Stephen P. McDonald. Pregnancy Outcomes According to Dialysis Commencing Before or After Conception in Women with ESRD. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Jan; 9(1):143-9.,1010 Bamberg C, Diekmann F, Haase M, et al. Pregnancy on intensified hemodialysis: Fetal surveillance and perinatal outcome. Fetal Diagn Ther 2007, 22: 289-93.

Tabela 1
Vantagens e desvantagens da hemodiálise e diálise peritoneal na gravidez.

A opção ideal ainda não está claramente definida e pode nunca vir a estar. Enfatiza-se a importância da experiência clínica da equipe assistencial e a necessidade de uma avaliação estritamente individualizada, com prioridade para o bem-estar da mãe e do futuro bebê.

Timing da Gestação

Antes da diálise

As gestações de sucesso são mais frequentes nas mulheres com função renal residual.77 Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44. Esse poderá ser um dos principais fatores para os melhores outcomes das gravidezes de mulheres em fase pré-dialítica ou no início da terapêutica substitutiva da função renal. Borgan et al. descreveram uma taxa de sucesso de cerca de 80% em mulheres que engravidaram antes de iniciar hemodiálise e de 50% nas que já se encontravam em tratamento.44 Shilpanjali J, Blair G and Stephen P. McDonald. Pregnancy Outcomes According to Dialysis Commencing Before or After Conception in Women with ESRD. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Jan; 9(1):143-9.,1111 Okundaye I, Abrinko P and Hou S. Registry of pregnancy in dialysis patients. Am J Kidney Dis 1998; 31:766-73. Outros estudos mostram também que a sobrevida dos nascidos vivos é 30% superior quando a gravidez ocorre na fase inicial da diálise.1212 Hou S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. Am J Kidney Dis 1994; 23: 60-3.,1313 Nakabayashi M, Adachi T, Itoh S, et al. Perinatal and infant outcome of pregnant patients undergoing chronic hemodialysis. Nephron 1999; 82: 27-31. Pensa-se que as elevadas taxas de abortamento antes das 20 semanas de gestação, em mulheres previamente em diálise, expliquem essa menor taxa de sobrevida global.77 Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44.,1414 Sachdeva M, Barta V, Thakkar J, Sakhiya V and Mille I. Pregnancy outcomes in women on hemodialysis: a national survey. Clin Kidney J. 2017 Apr; 10(2): 276-281.

Numa paciente com doença renal crônica avançada, a gravidez exacerba algumas alterações, conduzindo a um declínio mais rápido da função renal e gerando a necessidade de antecipar o início da terapêutica de substituição renal. Os mecanismos que podem estar associados a esse declínio são diversos e incluem hipertensão arterial mal controlada, proteinúria e infecções do trato urinário.1515 Hladunewich MA, Hou S, Odutayo A, et al. Intensive hemodialysis associates with improved pregnancy outcomes: a Canadian and United States cohort comparison. J Am Soc Nephrol 2014; 25:1103.

Durante a diálise

Quando comparada à hemodiálise, a diálise peritoneal permite a manutenção de um ambiente uterino mais estável, sem grandes flutuações de volemia, solutos, eletrólitos e pressão arterial. Está também associada a valores mais altos de hemoglobina, não havendo necessidade de heparinização sistêmica.1414 Sachdeva M, Barta V, Thakkar J, Sakhiya V and Mille I. Pregnancy outcomes in women on hemodialysis: a national survey. Clin Kidney J. 2017 Apr; 10(2): 276-281.,1616 Hou S. Pregnancy in chronic renal insufficiency and end-stage renal disease. Am J Kidney Dis 1999; 33(2):235-52. Há ainda a possibilidade de se utilizar a via peritoneal para administração de medicação, como insulina e sulfato de magnésio. Possíveis complicações são a obstrução do cateter, o aumento da pressão intra-abdominal e os processos infecciosos, como a infecção do orifício de saída, a infecção do túnel e a peritonite associada à diálise peritoneal.44 Shilpanjali J, Blair G and Stephen P. McDonald. Pregnancy Outcomes According to Dialysis Commencing Before or After Conception in Women with ESRD. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Jan; 9(1):143-9.,1212 Hou S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. Am J Kidney Dis 1994; 23: 60-3.,1515 Hladunewich MA, Hou S, Odutayo A, et al. Intensive hemodialysis associates with improved pregnancy outcomes: a Canadian and United States cohort comparison. J Am Soc Nephrol 2014; 25:1103.

Por sua vez, a hemodiálise pode provocar alterações hemodinâmicas graves devido à remoção rápida de volume, com alteração importante da pressão arterial a potenciar a redução do fluxo placentário. Para além disso, reduções abruptas na concentração sérica de ureia comprometem o equilíbrio fetal. O tempo semanal em que as grávidas devem ser submetidas à hemodiálise pode variar, e a prescrição médica deve ter em conta a manutenção de condições estáveis em termos de volemia, pressão arterial e ganho de peso interdialítico.11 Reddy S and Holley L. Management of the pregnant chronic dialysis patient. Adv Chronic Kidney Disease 2007;14(2):146-55.,77 Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44.,1111 Okundaye I, Abrinko P and Hou S. Registry of pregnancy in dialysis patients. Am J Kidney Dis 1998; 31:766-73.

Adequação do Tratamento de Substituição Renal

Com vistas à melhor adequação e tolerabilidade dialítica da mulher grávida, vários autores têm sugerido alterações no tratamento de substituição renal (Tabela 2).88 Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70.,1717 Lemos, K. Gravidez e maternidade em hemodiálise: limitações e sentimentos: dissertação de mestrado em enfermagem: políticas, práticas e cuidado em saúde e enfermagem. Universidade de brasília, 2015, p.116.

Tabela 2
Recomendações na prescrição dialítica durante a gravidez.

Na diálise peritoneal, recomenda-se a diminuição dos volumes de infusão para 1,5 L e um maior número de permutas. Alguns autores consideram também uma eventual associação de diálise peritoneal contínua ambulatorial com a automática.33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9,1212 Hou S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. Am J Kidney Dis 1994; 23: 60-3.,1515 Hladunewich MA, Hou S, Odutayo A, et al. Intensive hemodialysis associates with improved pregnancy outcomes: a Canadian and United States cohort comparison. J Am Soc Nephrol 2014; 25:1103.

Na hemodiálise são também inúmeras as alterações a considerar. Entre elas se destaca a intensificação de diálise para pelo menos 24 horas semanais (com seis a sete sessões por semana) e o aumento do peso seco de 0,3 a 0,5 kg a cada 7 a 10 dias a partir da vigésima semana de gestação. Sugere-se optar por hemodiálise de baixo fluxo e de baixa eficiência; utilizar dialisadores biocompatíveis (preferencialmente esterilizados a vapor), dialisante com potássio 3,00 mmol/L, cálcio 1,50 mmol/L e bicarbonato mais baixo (25 em vez de 28-32 mmol/L); e administrar a menor dose possível de heparina não fracionada, apesar de não atravessar a barreira hemato-placentária.1616 Hou S. Pregnancy in chronic renal insufficiency and end-stage renal disease. Am J Kidney Dis 1999; 33(2):235-52.,1717 Lemos, K. Gravidez e maternidade em hemodiálise: limitações e sentimentos: dissertação de mestrado em enfermagem: políticas, práticas e cuidado em saúde e enfermagem. Universidade de brasília, 2015, p.116. É importante rever regularmente o peso seco, o estado de volemia e o perfil tensional, bem como evitar ganhos de peso inter-dialíticos excessivos.33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9,77 Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44.,1515 Hladunewich MA, Hou S, Odutayo A, et al. Intensive hemodialysis associates with improved pregnancy outcomes: a Canadian and United States cohort comparison. J Am Soc Nephrol 2014; 25:1103. O principal objetivo é causar a menor instabilidade hemodinâmica possível, considerando que a cada hipotensão registrada há risco de hipoperfusão placentar e sofrimento fetal grave. Durante o período gestacional sugere-se a transição para hemodiálise hospitalar (e não no centro de ambulatório), para haver maior vigilância clínica, bem como uma articulação entre especialidades mais acessível, caso necessário.88 Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70.,1010 Bamberg C, Diekmann F, Haase M, et al. Pregnancy on intensified hemodialysis: Fetal surveillance and perinatal outcome. Fetal Diagn Ther 2007, 22: 289-93.,1616 Hou S. Pregnancy in chronic renal insufficiency and end-stage renal disease. Am J Kidney Dis 1999; 33(2):235-52.

Ajuste da Medicação e Dieta

Como ocorre com outros pacientes em técnica dialítica, também o controle da anemia, da hipertensão arterial e do estado nutricional se revestem de grande importância.

Anemia

Relativamente à anemia, sugere-se a administração de ácido fólico em dose duas vezes superior ao habitual, para minimizar alterações fetais do tubo neural. A administração de eritropoietina está também preconizada, juntamente com o óxido férrico sacarosado endovenoso, farmacologicamente seguros na gravidez e na amamentação.33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9,55 Jungers P and Chauveau D. Pregnancy in renal disease. Kidney Int 1997;52(4):871-85.,1111 Okundaye I, Abrinko P and Hou S. Registry of pregnancy in dialysis patients. Am J Kidney Dis 1998; 31:766-73. Durante a gravidez, poderá haver uma resistência relativa à eritropoietina, e por isso será necessário um aumento de 50% a 100% da dosagem administrada. A recomendação é manter os valores de hemoglobina acima de 10 g/dL; o hematócrito, entre 30 e 35%; e a saturação da transferrina superior, a 30%. Deve-se evitar, sempre que possível, o surgimento de sintomas decorrentes da anemia e a necessidade de suporte transfusional.99 Bagon A, Vernaeve H, Muylder X, Lafontaine J, Martens J and van Roost G: Pregnancy and dialysis. Am J Kidney Dis 1998, 31: 756-65.,1212 Hou S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. Am J Kidney Dis 1994; 23: 60-3.,1818 Pires, A, Branco, P, Adragão, A and Borges, A. Gravidez e diálise. Arquivos da maternidade Dr. Alfredo da Costa 2000. Vol. 16, nº 2, p. 81-5.

Hipertensão arterial

Para o controle da hipertensão arterial da gestante é preciso evitar o uso de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona, dando preferência ao uso de alfa-metildopa, antagonistas dos canais de cálcio e beta-bloqueadores. Apesar de discutível, alguns autores recomendam utilizar os diuréticos com cautela, sob o risco não desprezível de isquemia placentária.88 Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70.,1111 Okundaye I, Abrinko P and Hou S. Registry of pregnancy in dialysis patients. Am J Kidney Dis 1998; 31:766-73.,1616 Hou S. Pregnancy in chronic renal insufficiency and end-stage renal disease. Am J Kidney Dis 1999; 33(2):235-52.

Nutrição

Evitar a desnutrição é também um aspecto de grande importância, que requer acompanhamento nutricional rigoroso durante todo o período gestacional. A suplementação dirigida para corrigir deficit de zinco e de vitaminas hidrossolúveis é essencial, e deve ser administrado o dobro da dosagem habitual. A ingestão proteica também precisa ser aumentada para 1,8 g/kg, com suplemento adicional de 20 gramas diários para o crescimento fetal.1313 Nakabayashi M, Adachi T, Itoh S, et al. Perinatal and infant outcome of pregnant patients undergoing chronic hemodialysis. Nephron 1999; 82: 27-31.,1818 Pires, A, Branco, P, Adragão, A and Borges, A. Gravidez e diálise. Arquivos da maternidade Dr. Alfredo da Costa 2000. Vol. 16, nº 2, p. 81-5.

Também nesse período o controle do metabolismo mineral e ósseo se reveste de particular interesse. É necessária maior liberalização dietética, para conferir à grávida a ingestão de alimentos com fósforo. Contudo, nas pacientes com níveis de fósforo superiores a 5,5 mg/dL, e na ausência de hipercalcemia, recomenda-se a suplementação com carbonato de cálcio em dose máxima diária de 2 gramas; a ingestão do suplemento implica monitorização semanal dos níveis séricos de cálcio e fósforo. Se houver deficit de 1,25-di-hidroxivitamina D, é recomendada a ingestão de calcitriol, sem exceder a dosagem semanal de 1,5 µg. O uso de calcimiméticos não é aconselhado, pois ainda não foi comprovada a segurança de sua administração.66 Schaefer RM , Kokot F, Wernze H, Geiger H and Heidland A. Improved sexual function in hemodialysis patients on recombinant erythropoietin: a possible role for prolactin. Clin Nephrol 1989; 31(1):1-5.,1010 Bamberg C, Diekmann F, Haase M, et al. Pregnancy on intensified hemodialysis: Fetal surveillance and perinatal outcome. Fetal Diagn Ther 2007, 22: 289-93.,1212 Hou S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. Am J Kidney Dis 1994; 23: 60-3.

Avaliação Obstétrica e Follow-Up

Recomenda-se a monitorização fetal com ecografia obstétrica, a dopplerfluxometria da artéria umbilical e a cardiotocografia. A dosagem da gonadotrofina coriônica sérica, apesar de fazer parte dos exames protocolados durante a gravidez, pela sua elevada probabilidade de apresentar falsos positivos nas doentes em diálise, não é recomendada.44 Shilpanjali J, Blair G and Stephen P. McDonald. Pregnancy Outcomes According to Dialysis Commencing Before or After Conception in Women with ESRD. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Jan; 9(1):143-9.,1010 Bamberg C, Diekmann F, Haase M, et al. Pregnancy on intensified hemodialysis: Fetal surveillance and perinatal outcome. Fetal Diagn Ther 2007, 22: 289-93.,1919 Nevis F, Reitsma A, Dominic A, et al. Pregnancy outcomes in women with chronic kidney disease: A systematic review. Clin J Am Soc Nephrol 2011, 6: 2587-98.

Idealmente, a ecografia fetal e uterina deve ser realizada entre a décima oitava e a vigésima semana, e a monitorização do risco de pré-eclâmpsia a partir das 20 semanas.

Alguns autores sugerem a indução do parto a partir das 36-38 semanas, desde que haja maturidade pulmonar fetal, dado os elevados fatores de risco de natimortalidade. A cesariana só deve, contudo, ser realizada segundo as indicações formais de todas as gestantes.1515 Hladunewich MA, Hou S, Odutayo A, et al. Intensive hemodialysis associates with improved pregnancy outcomes: a Canadian and United States cohort comparison. J Am Soc Nephrol 2014; 25:1103.,1616 Hou S. Pregnancy in chronic renal insufficiency and end-stage renal disease. Am J Kidney Dis 1999; 33(2):235-52.

Por apresentarem concentrações de ureia e creatinina semelhantes às da mãe, e dado o elevado risco de complicações inerentes à uremia neonatal, os recém-nascidos devem ser admitidos em Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais.33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9,88 Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70.,1717 Lemos, K. Gravidez e maternidade em hemodiálise: limitações e sentimentos: dissertação de mestrado em enfermagem: políticas, práticas e cuidado em saúde e enfermagem. Universidade de brasília, 2015, p.116.

Principais Complicações Maternas e Fetais em Diálise

As complicações maternas mais frequentemente identificadas na mulher grávida em diálise são a anemia e a hipertensão arterial. A anemia secundária ao estado hemodilucional sistêmico frequentemente é de etiologia multifatorial, inclusive quando contextualizada com a doença renal crônica. Por sua vez, a hipertensão arterial afeta cerca de 80% das doentes, com valores de pressão arterial que ultrapassam 140/90 mmHg; destas, cerca de 40% desenvolvem hipertensão grave, com valores superiores a 170/110 mmHg, e precisam de três ou mais fármacos para controle.33 Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9,1717 Lemos, K. Gravidez e maternidade em hemodiálise: limitações e sentimentos: dissertação de mestrado em enfermagem: políticas, práticas e cuidado em saúde e enfermagem. Universidade de brasília, 2015, p.116.,2020 Luders C, Castro C, Titan M, et al. Obstetric outcome in pregnant women on long-term dialysis: A case series. Am J Kidney Dis 2010, 56: 77-85.

Salientam-se ainda duas outras condições, menos frequentes, mas de gravidade não desprezível: a pré-eclâmpsia e a síndrome HELLP. A pré-eclâmpsia corresponde ao surgimento de hipertensão arterial nova ou preexistente com proteinúria superior a 300 mg/dL; na ausência de proteinúria, considera-se a presença de insuficiência renal, insuficiência hepática, trombocitopenia, alterações cerebrais ou visuais e edema pulmonar. A síndrome HELLP integra, por sua vez, o padrão hemolítico típico, com alteração da enzimologia hepática e trombocitopenia sobrepostas.77 Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44.,1212 Hou S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. Am J Kidney Dis 1994; 23: 60-3. As gestantes portadoras de doença renal em diálise são consideradas de alto risco para pré-eclâmpsia. A profilaxia com aspirina em baixas doses demonstrou redução de pré-eclâmpsia em mulheres com risco moderado a alto da doença. Contudo, são necessários mais estudos que apoiem o seu benefício nessa população. A mortalidade materna é um evento raro.1515 Hladunewich MA, Hou S, Odutayo A, et al. Intensive hemodialysis associates with improved pregnancy outcomes: a Canadian and United States cohort comparison. J Am Soc Nephrol 2014; 25:1103.,2121 Chao S, Huang Y, Lien R, Kung T, Chen J and Hsieh C. Pregnancy in women who undergo long-term hemodialysis. Am J Obstet Gynecol 2002, 187: 152-6.

Relativamente às complicações fetais, a prematuridade é a principal, ocorrendo em cerca de 80% dos casos, seguida da restrição do crescimento intrauterino, em 36% dos casos, o sofrimento fetal e o polidrâmnio. Mais de um quarto dos recém-nascidos tem baixo peso para a idade gestacional, ficando abaixo do percentil adequado. As alterações congênitas são raras, reportadas em menos de 5% dos casos.1212 Hou S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. Am J Kidney Dis 1994; 23: 60-3.,1818 Pires, A, Branco, P, Adragão, A and Borges, A. Gravidez e diálise. Arquivos da maternidade Dr. Alfredo da Costa 2000. Vol. 16, nº 2, p. 81-5.

Cuidados Pós-Parto

A assistência pós-parto de rotina para as mulheres em diálise é semelhante à assistência para aquelas com função renal normal. Não há contraindicações para a amamentação, sendo importante evitar a ultrafiltração agressiva, pois a depleção de volume pode interferir.88 Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70.,1414 Sachdeva M, Barta V, Thakkar J, Sakhiya V and Mille I. Pregnancy outcomes in women on hemodialysis: a national survey. Clin Kidney J. 2017 Apr; 10(2): 276-281.,2020 Luders C, Castro C, Titan M, et al. Obstetric outcome in pregnant women on long-term dialysis: A case series. Am J Kidney Dis 2010, 56: 77-85.,2121 Chao S, Huang Y, Lien R, Kung T, Chen J and Hsieh C. Pregnancy in women who undergo long-term hemodialysis. Am J Obstet Gynecol 2002, 187: 152-6.

No pós-parto, muitas mulheres retomam seus programas de diálise pré-gestacional, três vezes por semana, uma vez que os horários intensivos recomendados durante a gravidez se tornam difíceis de ser mantidos.77 Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44.,1010 Bamberg C, Diekmann F, Haase M, et al. Pregnancy on intensified hemodialysis: Fetal surveillance and perinatal outcome. Fetal Diagn Ther 2007, 22: 289-93.

Como Enfrentar Esse Desafio no Centro de Diálise?

Um caso ilustrativo da temática: mulher de 26 anos, portadora de doença renal crônica secundária a nefrite lúpica classe IV, em programa regular de hemodiálise iniciado três meses antes, por fístula arteriovenosa, submetida a imunossupressão prévia com ciclofosfamida (dose cumulativa 6,5 gramas), micofenolato mofetil e corticoide. Sem outros antecedentes médicos de relevo. Gesta II, Para II, com primeira gravidez não intercorrente e nascimento de nado-vivo de termo, e gravidez atual não planejada, diagnosticada às 16 semanas com confirmação ecográfica.

Foi reajustada e intensificada a terapêutica intradialítica, com aumento do número de sessões de diálise para 5 sessões semanais de 4 horas, sem heparinização (com recurso a lavagens frequentes do circuito extracorpóreo), e com correção no dialisante da concentração de potássio e bicarbonato para 3,0 e 20 mmol/L, respectivamente.

Foi dada particular atenção ao estado de volemia e ajustes do peso seco, com revisões regulares, para evitar ultrafiltrações excessivas; a partir do 2º trimestre, foram verificados acréscimos de 300 mg, em média, a cada semana.

Para manter níveis de hemoglobina na ordem dos 10-11 g/dL, verificou-se a necessidade de aumentar a dose da eritropoietina recombinante humana em 50%. Foi também reforçada a suplementação nutricional e, atendendo à nefro e teratogenicidade de alguns fármacos que a doente fazia (como os inibidores da enzima conversora da angiotensina e os calcimiméticos), foi também otimizado o tratamento da hipertensão arterial e da doença mineral e óssea. Apesar de verificada uma esperada redução dos valores da pressão arterial durante o 2º trimestre, a posteriori apresentaram nova elevação, o que motivou o início de terapêutica anti-hipertensora com alfa-metildopa. Com o calcimimético suspenso, sob calcitriol 1,5 µg por semana e com níveis de fosforemia adequados sem recurso a quelantes, conseguiu-se um controle razoável do hiperparatireoidismo secundário.

A gestante, porém, não cumpriu regularmente as recomendações, sobretudo quanto à assiduidade à diálise, evoluindo com uma gestação intercorrente de pré-eclâmpsia, que motivou uma cesariana na 28ª semana de gestação. Verificou-se o nascimento de nado-vivo pré-termo, com baixo peso para a idade gestacional, sem malformações ou deficit grosseiros aparentemente identificados; com necessidade de permanência em Unidade de Cuidados Neonatais durante 6 semanas. Apresentou boa evolução global sob corticoterapia, para acelerar a maturação fetal.

A mãe teve um período pós-parto sem intercorrências, retomando o programa regular de hemodiálise com 3 sessões de 4 horas por semana, com vigilância restrita da pressão arterial nos primeiros meses do puerpério.

À semelhança do caso apresentado, e apesar de algum incumprimento por parte da paciente, a gravidez de mulheres com doença renal terminal pode efetivamente ser possível. Tal fato se deve provavelmente à melhoria na qualidade dos materiais e de técnicas de diálise, ao conhecimento e acesso farmacológico crescente e a uma maior consciencialização quanto às necessidades e carências nutricionais desse período. Para a obtenção de um desfecho com sucesso, reforça-se a enorme importância da articulação entre a Unidade de Hemodiálise Periférica e o Hospital Estatal, com apoio e colaboração de especialistas de diferentes áreas. Em particular no presente caso, e atendendo às dificuldades apresentadas pela paciente de cumprir algumas das recomendações, os autores reconhecem a necessidade de integração de profissionais na área da Psicologia Clínica, na prestação de apoio à grávida em diálise e a seus familiares diretos.

Conclusão

A gravidez bem-sucedida é possível nas mulheres em idade fértil, sob terapêutica substitutiva da função renal. Nas últimas décadas, a otimização do tratamento dialítico condicionou um aumento da taxa de nascidos vivos, contudo, essas gestações apresentam um risco superior de complicações fetais e maternas quando comparadas às gestações de mulheres que não estão em diálise.

Atualmente, sabe-se que tanto a hemodiálise como a diálise peritoneal podem ser opções de terapêutica substitutiva para serem oferecidas à mulher grávida. Na literatura, as principais medidas a instituir incluem o aumento do tempo semanal de diálise, a manutenção de níveis baixos de ureia pré-diálise, o controle da anemia e evitar infecções e oscilações tensionais e eletrolíticas.

Com vistas à obtenção dos melhores outcomes finais, assume-se de importância crescente a articulação multidisciplinar entre nefrologistas, obstetras, pediatras, nutricionistas e psicólogos.

Agradecimentos

As autoras agradecem à Unidade Periférica de Hemodiálise, Caledial, Centro de Hemodiálise de Gaia SA, em particular ao dr. Serafim Guimarães e à Dra. Clara Santos, pela colaboração no acompanhamento da paciente e por terem cedido informações do caso clínico citado.

References

  • 1
    Reddy S and Holley L. Management of the pregnant chronic dialysis patient. Adv Chronic Kidney Disease 2007;14(2):146-55.
  • 2
    Levy DP, Giatras I and Jungers P. Pregnancy and end-stage renal disease-past experience and new insights. Nephrol Dial Transplant 1998;13(12):3005-7.
  • 3
    Manisco G, Poti M, Maggiulli G, Di Tullio M, Losappio V and Vernaglione L. Pregnancy in end stage renal disease patients on dialysis: how to achieve a successful deliver. Clin Kidney J 2015; 8(3):293-9
  • 4
    Shilpanjali J, Blair G and Stephen P. McDonald. Pregnancy Outcomes According to Dialysis Commencing Before or After Conception in Women with ESRD. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Jan; 9(1):143-9.
  • 5
    Jungers P and Chauveau D. Pregnancy in renal disease. Kidney Int 1997;52(4):871-85.
  • 6
    Schaefer RM , Kokot F, Wernze H, Geiger H and Heidland A. Improved sexual function in hemodialysis patients on recombinant erythropoietin: a possible role for prolactin. Clin Nephrol 1989; 31(1):1-5.
  • 7
    Schmidt J and Holley L. Fertility and contraception in end-stage renal disease. Adv Ren Replace Ther 1998;5(1):38-44.
  • 8
    Chou Y, Ting W, Lin H and Lee N. Pregnancy in patients on chronic dialysis: a single center experience and combined analysis of reported results. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008; 136:165-70.
  • 9
    Bagon A, Vernaeve H, Muylder X, Lafontaine J, Martens J and van Roost G: Pregnancy and dialysis. Am J Kidney Dis 1998, 31: 756-65.
  • 10
    Bamberg C, Diekmann F, Haase M, et al. Pregnancy on intensified hemodialysis: Fetal surveillance and perinatal outcome. Fetal Diagn Ther 2007, 22: 289-93.
  • 11
    Okundaye I, Abrinko P and Hou S. Registry of pregnancy in dialysis patients. Am J Kidney Dis 1998; 31:766-73.
  • 12
    Hou S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. Am J Kidney Dis 1994; 23: 60-3.
  • 13
    Nakabayashi M, Adachi T, Itoh S, et al. Perinatal and infant outcome of pregnant patients undergoing chronic hemodialysis. Nephron 1999; 82: 27-31.
  • 14
    Sachdeva M, Barta V, Thakkar J, Sakhiya V and Mille I. Pregnancy outcomes in women on hemodialysis: a national survey. Clin Kidney J. 2017 Apr; 10(2): 276-281.
  • 15
    Hladunewich MA, Hou S, Odutayo A, et al. Intensive hemodialysis associates with improved pregnancy outcomes: a Canadian and United States cohort comparison. J Am Soc Nephrol 2014; 25:1103.
  • 16
    Hou S. Pregnancy in chronic renal insufficiency and end-stage renal disease. Am J Kidney Dis 1999; 33(2):235-52.
  • 17
    Lemos, K. Gravidez e maternidade em hemodiálise: limitações e sentimentos: dissertação de mestrado em enfermagem: políticas, práticas e cuidado em saúde e enfermagem. Universidade de brasília, 2015, p.116.
  • 18
    Pires, A, Branco, P, Adragão, A and Borges, A. Gravidez e diálise. Arquivos da maternidade Dr. Alfredo da Costa 2000. Vol. 16, nº 2, p. 81-5.
  • 19
    Nevis F, Reitsma A, Dominic A, et al. Pregnancy outcomes in women with chronic kidney disease: A systematic review. Clin J Am Soc Nephrol 2011, 6: 2587-98.
  • 20
    Luders C, Castro C, Titan M, et al. Obstetric outcome in pregnant women on long-term dialysis: A case series. Am J Kidney Dis 2010, 56: 77-85.
  • 21
    Chao S, Huang Y, Lien R, Kung T, Chen J and Hsieh C. Pregnancy in women who undergo long-term hemodialysis. Am J Obstet Gynecol 2002, 187: 152-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2020
  • Aceito
    10 Jun 2020
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com