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Declínio cognitivo, depressão e qualidade de vida em pacientes de diferentes estágios da doença renal crônica

Resumos

INTRODUÇÃO: Os pacientes portadores de doença renal crônica constituem uma população de alto risco para o declínio cognitivo, pois, frequentemente, são usuários de "polifarmácias" e apresentam comorbidades como diabetes e hipertensão arterial. OBJETIVO: Avaliar a função cognitiva, a depressão e a qualidade de vida de pacientes em diferentes estágios da doença renal crônica. MÉTODO: Estudo transversal realizado nos meses de junho a dezembro de 2007, em 119 pacientes, sendo 27 em diálise peritoneal, 30 em hemodiálise, 32 em pré-diálise e 30 com hipertensão arterial. Realizou-se bateria de testes: Mini-mental, Teste de Fluência Verbal, Dígitos, Teste do Relógio, Códigos, SF-36 (Qualidade de Vida) e Inventário Beck de Depressão. Coletaram-se dados clínicos e laboratoriais dos pacientes e foi feita sondagem, análise de prontuário, sobre uso de medicamentos. RESULTADOS: Não se observou diferença na média de idade dos pacientes nos diferentes grupos. Não houve diferença estatística na avaliação do MEEM (p = 0,558). Os pacientes em hemodiálise apresentaram pior performance nos testes de avaliação cognitiva Dígitos ordem direta (p = 0,01) e Relógio (0,02) e, no teste Código (p = 0,09), houve uma tendência de pior desempenho. O pior resultado no teste de Fluência Verbal foi observado nos pacientes do grupo da pré-diálise. Não houve diferença entre os grupos quanto ao nível de depressão e qualidade de vida. CONCLUSÃO: Esses resultados evidenciam a ocorrência de déficit cognitivo nos pacientes com DRC, notadamente naqueles tratados pela hemodiálise, e sugerem a necessidade de se realizar estudos longitudinais para confirmar ou não a influência do tratamento dialítico no declínio cognitivo.

depressão; qualidade de vida; envelhecimento; distúrbios cognitivos


INTRODUCTION: Patients with chronic kidney disease constitute a population at high risk for cognitive decline. Therefore they are often users of "polypharmacy" and present comorbidities such as diabetes and hypertension. OBJECTIVE: To evaluate cognitive function, depression and quality of life in patients at different stages of chronic kidney disease. METHOD: Cross-sectional study carried out from June to December 2007 in 119 patients: 27 in peritoneal dialysis, 30 in hemodialysis, 32 in pre-dialysis and 30 with arterial hypertension. Several tests were performed: Mini-Mental State Examination (MMSE), Verbal Fluency Test, Digits, Clock Test, Codes, SF-36 (Quality of Life) and the Beck Depression Inventory. Additionally, clinical and laboratory data of the patients were collected and medication use was recorded. RESULTS: There was no difference in mean age of the patients among the groups. There was no statistical difference when cognitive impairment was assessed by the Mini-mental test (p = 0.558). The Digit Span test (p = 0.01) and Clock test (p = 0.02) were significantly worse in the hemodialysis patients, and there was a trend with Code test (p = 0.09) in these patients. There was no difference between groups in the level of depression and Quality of Life. CONCLUSION: These results show that cognitive impairment is frequent among patients in with CKD, particularly in those undergoing hemodialysis and suggest the need to conduct longitudinal studies to confirm whether or not there is an influence of dialysis treatment on the cognitive decline.

depression; quality of life; aging; cognitive disorders


ARTIGO ORIGINAL

Declínio cognitivo, depressão e qualidade de vida em pacientes de diferentes estágios da doença renal crônica

Simone Aparecida de Lima CondéI; Natália FernandesII; Fabiane Rossi dos SantosI; Alfredo ChouabIII; Márcia Maria Elia Peruzzi da MotaIV; Marcus Gomes BastosI

IUniversidade Federal de Juiz de Fora - UFJF

IIUFJF, Fundação Instituto Mineiro de Ensino e Pesquisas em Nefrologia - IMEPEN

IIIDepartamento de Estatística da UFJF, Programa de Pós-Graduação em Saúde da UFJF

IVUniversidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

Correspondência para Correspondência para: Marcus G. Bastos NIEPEN / Fundação IMEPEN Rua José Lourenço Kelmer, 1300. São Pedro Juiz de Fora - Minas Gerais CEP: 33036-330 E-mail: marcusgb@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os pacientes portadores de doença renal crônica constituem uma população de alto risco para o declínio cognitivo, pois, frequentemente, são usuários de "polifarmácias" e apresentam comorbidades como diabetes e hipertensão arterial.

OBJETIVO: Avaliar a função cognitiva, a depressão e a qualidade de vida de pacientes em diferentes estágios da doença renal crônica.

MÉTODO: Estudo transversal realizado nos meses de junho a dezembro de 2007, em 119 pacientes, sendo 27 em diálise peritoneal, 30 em hemodiálise, 32 em pré-diálise e 30 com hipertensão arterial. Realizou-se bateria de testes: Mini-mental, Teste de Fluência Verbal, Dígitos, Teste do Relógio, Códigos, SF-36 (Qualidade de Vida) e Inventário Beck de Depressão. Coletaram-se dados clínicos e laboratoriais dos pacientes e foi feita sondagem, análise de prontuário, sobre uso de medicamentos.

RESULTADOS: Não se observou diferença na média de idade dos pacientes nos diferentes grupos. Não houve diferença estatística na avaliação do MEEM (p = 0,558). Os pacientes em hemodiálise apresentaram pior performance nos testes de avaliação cognitiva Dígitos ordem direta (p = 0,01) e Relógio (0,02) e, no teste Código (p = 0,09), houve uma tendência de pior desempenho. O pior resultado no teste de Fluência Verbal foi observado nos pacientes do grupo da pré-diálise. Não houve diferença entre os grupos quanto ao nível de depressão e qualidade de vida.

CONCLUSÃO: Esses resultados evidenciam a ocorrência de déficit cognitivo nos pacientes com DRC, notadamente naqueles tratados pela hemodiálise, e sugerem a necessidade de se realizar estudos longitudinais para confirmar ou não a influência do tratamento dialítico no declínio cognitivo.

Palavras-chave: depressão, qualidade de vida, envelhecimento, distúrbios cognitivos.

Introdução

Os pacientes portadores de doença renal crônica (DRC) constituem uma população de alto risco para o declínio cognitivo, pois, frequentemente, a DRC é causada por Diabetes Mellitus e Hipertensão Arterial (HA) e, portanto, esses pacientes são usuários de "polifarmácias", fator que pode afetar a cognição.1,2 Além disso, apresentam alterações metabólicas representadas pela retenção de toxinas urêmicas, microinflamação e alterações vasculares que afetam de forma variada a função de vários órgãos e sistemas.3

Um estudo com 10.963 pacientes hipertensos e diabéticos, com idade entre 47 e 70 anos, mostrou que esses pacientes têm maior tendência a perder a agilidade mental do que pessoas saudáveis. Os pesquisadores não encontraram relação da perda cognitiva com o fumo, o colesterol ou medicamentos anti-inflamatórios e, dessa forma, acreditam que o declínio possa estar ligado a microinfartes ou a minúsculas áreas cerebrais danificadas. Em outro estudo sobre declínio cognitivo, com pacientes renais crônicos, avaliou-se a prevalência de declínio cognitivo em pacientes renais crônicos em fase pré-dialítica e diálise. Foram selecionados 80 indivíduos nos estágios 3 e 4, e 80 no estágio 5 em hemodiálise (HD). Foram aplicados os testes Miniexame Estado Mental (MEEM), Trail Marking Test B (Trails B), California Verbal Learning Trial (CVLT). Os resultados mostraram que ocorreu uma relação entre função cognitiva e severidade da doença renal crônica.4

Em estudo prévio, Kurella et al. demonstraram correlação entre DRC e declínio cognitivo. Os autores observaram curso longitudinal no declínio cognitivo, que difere se o indivíduo tem ou não DRC, mas destacam que as causas são desconhecidas, além de demonstrarem que pacientes idosos portadores de doença renal apresentam mais risco para o prejuízo cognitivo.5

Os sintomas de depressão podem interferir no tratamento dos pacientes hipertensos, pois, frequentemente, se associa a falta de energia e de iniciativa, desesperança e déficit cognitivo associado à depressão, favorecendo menor adesão às medicações e aos exercícios, e consequente diminuição da qualidade de vida. A depressão é extremamente comum em pacientes portadores de doença renal crônica, mas suas causas são desconhecidas. É importante se reconhecer o desenvolvimento de sintomas depressivos e declínio cognitivo, particularmente quando ambos estão presentes no mesmo paciente.6

A função cognitiva, a depressão e a qualidade de vida foram avaliadas em 51 pacientes em diálise por meio de um teste de Depressão (MADRS-Escala de Montgomery & Åsberg), dois testes cognitivos (MEEM e BEC 96- Bateria de Avaliação Cognitiva) e um questionário de qualidade de vida (NHP-Nottingham Health Profile).7 Sessenta por cento dos pacientes estavam deprimidos, e 30% a 47% apresentaram prejuízo cognitivo. Os autores recomendam avaliações regulares da depressão, habilidade cognitiva e qualidade de vida, principalmente em pacientes idosos em diálise.7

O diagnóstico da demência consiste atualmente de avaliações clínicas integradas. O teste neuropsicológico sozinho não pode ser usado com a finalidade de diagnosticar e deve ser usado seletivamente em ajustes clínicos. Esses testes também podem auxiliar na distinção entre o envelhecimento normal, declínio cognitivo leve ou declínio cognitivo sem demência e demência adiantada ou doença de Alzheimer.8

Pacientes com doença renal crônica apresentam maior prevalência de declínio cognitivo, depressão e menor qualidade de vida, porém estudos que comparem esse grupo na fase pré-dialítica e nas diversas modalidades de TRS (hemodiálise e diálise peritoneal) são escassos na literatura.

O objetivo deste estudo foi avaliar a ocorrência de declínio cognitivo, depressão e qualidade de vida em uma coorte de pacientes em diálise peritoneal, hemodiálise, pré-diálise em tratamento conservador e com hipertensão arterial.

Método

O estudo foi realizado em 119 pacientes: 27 em diálise peritoneal (22,6% dos nossos pacientes em DP), 30 em hemodiálise (25,2% da população em HD no nosso programa de TRS) e 32 em pré-diálise (26,8% da população PD do nosso ambulatório de prevenção). Como grupo-controle foram avaliados 30 pacientes (25,2% da população HA do nosso ambulatório) portadores de hipertensão arterial e sem evidências de DRC. A nossa abordagem interdisciplinar garante suporte psicoterápico sistemático para os pacientes que frequentam os nossos diferentes programas. Foram selecionados os pacientes que compareceram para controle clínico mensal nos meses de junho a dezembro de 2007 e que assinaram o termo de consentimento livre e informado. O projeto teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFJF.

Os critérios de inclusão utilizados foram: ter feito acompanhamento nos ambulatórios por mais de 3 meses, ter mais de 18 anos de idade, aceitar participar do estudo e não ter apresentado infecções agudas nos últimos e meses.

Os pacientes foram testados por uma única psicóloga (SALC), em uma sessão de aproximadamente 50 minutos para cada paciente. Para pacientes em hemodiálise, essa avaliação foi realizada antes do início das sessões.

Foram coletados do prontuário dados clínicos, etiologia da DRC, comorbidades (diabetes mellitus, hipertensão arterial, acidente vascular encefálico, insuficiência cardíaca, insuficiência coronariana, arritmia, doença vascular periférica, tireoidopatias); necessidade de cuidador; exames laboratoriais (creatinina, ureia, Kt/V, cálcio, fósforo, hemoglobina [média dos últimos 3 meses]). Os parâmetros bioquímicos alvos foram recomendados pelo KDOQI da National Kidney Foundation Americana.9

Instrumentos para rastreamento de declínio cognitivo, depressão e qualidade de vida.

Instrumentos cognitivos

Miniexame do Estado Mental (MEEM)

Instrumento de rastreio para detecção de perdas cognitivas que avalia, por meio de pontuação (máximo atingível de 30 pontos), as cinco áreas da cognição: "orientação", "registro", "atenção e cálculo", "recuperação", "linguagem". Pontuações < 24 sugerem a presença de declínio: 23-21, declínio leve; entre 20-11, declínio moderado e < 10, declínio grave.10,11

Dígitos

Avalia, na ordem direta, a atenção verbal e, na ordem inversa, a memória de procedimento. Consiste em repetir oralmente uma série de sequências numéricas em ordem direta e inversa. A pontuação máxima da ordem direta é de 16 pontos e a da ordem inversa é de 14 pontos. Os escores brutos são transformados para serem ponderados com relação à faixa etária de cada examinando.12,13

Códigos

Avalia habilidades motoras e cognitivas relacionadas com a memória. Nesse subteste, o examinando deve copiar símbolos simples que estão associados a números. Usando uma chave, o examinando desenha símbolos sob o número correspondente. A pontuação é determinada pelo número de símbolos escritos corretamente, dentro do tempo limite de 120 segundos. Como ponto de corte, pontua-se com um ponto cada símbolo desenhado corretamente dentro do tempo limite. Não são pontuados os itens feitos fora da sequência.12, 13

Teste do Relógio (TR)

Instrumento de rastreio das funções cognitivas. O teste do Relógio tem como objetivo rastrear funcionamento cognitivo e fornecer indícios sobre alterações sutis da cognição. Consiste em desenhar um relógio completo, com todos os números. Avalia as habilidades cognitivas relacionadas com a memória, habilidade visuoespacial e construtiva e funções executivas. Esse teste pode refletir sobre o funcionamento dos lobos frontal, temporal e parietal. Os pontos de corte do instrumento foram estabelecidos por Schullman,14 que são: 5 = desenho perfeito, 4 = pequenos erros visuoespaciais, 3 = para uma representação inadequada do horário 11h10min, 2 = desorganização visuoespacial moderada dos números e impossibilidade de identificar os ponteiros marcando 11h10min, 1 = para desorganizações visuoespaciais severas e 0 = desempenho que não demonstre a representação mínima de um relógio.

Teste fluência verbal (categoria animais)

Avalia a capacidade de busca e de recuperação de dados estabelecidos na memória de longo prazo, a organização, a autorregulação, a memória operacional (funções executivas). Os pontos de corte são: nove animais/min - até 8 anos de escolaridade; 13 animais/min - acima de 8 anos de escolaridade.15

Instrumento de depressão

Inventário Beck de Depressão (BDI)

Instrumento de rastreio. É uma medida da intensidade da depressão. Apresenta itens cognitivo-afetivos e outros que subentendem queixas somáticas e de desempenho, que constituem subescalas. Neste trabalho, a intensidade da depressão foi avaliada segundo Cunha: 0-11, depressão mínima; 12-19, depressão leve; 20-35, depressão moderada; e 36-63 depressão grave.16

Instrumento de qualidade de vida

SF-36

Instrumento utilizado para avaliar qualidade de vida, é um questionário composto por 36 itens e 11 questões, distribuídas dentro de oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais, saúde mental e mais uma questão que permite avaliar a condição de saúde atual.17

Análise estatística

Realizou-se inicialmente uma análise descritiva. Os dados foram expressos como média ± desvio-padrão, mediana ou percentagem conforme a característica da variável. Os testes MEEM, Relógio, Dígitos, Códigos, Fluência Verbal, Inventário Beck de Depressão e SF-36 (Qualidade de Vida) dos quatro grupos, Hemodiálise, Diálise Peritoneal, Pré-Diálise e Hipertensão Arterial, foram comparados através do teste de ANOVA seguido de análise post hoc através do teste de Bonferroni, Kruskal-Wallis e χ2, conforme as variáveis fossem classificadas como normais (avaliação da normalidade pelo Teste de Kolmogorov Smirnoff) ordinais ou de frequência, respectivamente. Considerado significativo um p < 0,05. Utilizou-se o software SPSS 13.0.18

Resultados

Os dados demográficos e sociais dos pacientes são apresentados na Tabela 1. Não se observou diferença nas médias de idade dos pacientes nos diferentes grupos. A maioria dos pacientes era do sexo feminino nos grupos diálise peritoneal (56%) e hipertensão arterial (68%) e do sexo masculino nos grupos hemodiálise (40%) e pré-diálise (47%) (p = 0,18). A escolaridade dos pacientes está concentrada no nível fundamental incompleto, não apresentando diferença estatística significativa entre os grupos (p = 0,2). O maior número de aposentados foi observado na pré-diálise (60%, p = 0,01). O tempo de tratamento no grupo de pacientes em hemodiálise foi maior, 56,4 meses (p = 0,01).

Os níveis plasmáticos de creatinina foram mais elevados nos grupos com DRC em comparação aos pacientes hipertensos do grupo-controle (p < 0,000), o mesmo observado com relação à ureia (p < 0,000), ao fosfato (p < 0,000) e ao PTH (p < 0,03). Por outro lado, os níveis de hemoglobina sanguínea foram menores nos pacientes em hemodiálise comparativamente aos outros grupos (p < 0,000). O Kt/V médio (± desviopadrão) dos pacientes em HD foi de 1,4 ± 0,4 e dos pacientes em DP foi de 1,8 ± 0,3. A Figura 1 mostra a porcentagem dos pacientes que apresentaram alterações nos testes cognitivos MEEM e no teste de Fluência Verbal. No teste MEEM, os pacientes em hemodiálise com menor média de idade foram os que apresentaram porcentagem maior de alterações, embora não se tenha observado diferença estatística entre os grupos (p = 0,55). Também não observamos diferença estatística significativa no teste de Fluência Verbal entre os grupos (p = 0,22).


Na Tabela 2, observamos diferença estatística no teste Dígitos (ordem direta) quando comparamos os pacientes em hemodiálise com os da pré-diálise (p < 0,1), no teste Dígitos (ponderado) quando o grupo diálise peritoneal é comparado com os pacientes da prédiálise (p = 0,03), e no teste do Relógio quando o grupo hemodiálise é comparado ao grupo hipertensão arterial (p < 0,02). Não observamos diferença estatisticamente nos testes Dígitos ordem inversa (p = 0,164) e Códigos (p = 0,09). Não houve diferença estatística entre os grupos (p = 0,6) no teste de Depressão (BDI) (Tabela 3).

A avaliação da qualidade de vida não evidenciou diferença estatística entre os grupos. Observamos tendência para significância estatística nos itens capacidade funcional, menor na diálise peritoneal (p = 0,06) e aspecto físico, menor na hemodiálise (p = 0,06) (Figura 2).


Discussão

O pior desempenho cognitivo avaliado pelo MEEM observado com a progressão da DRC pode apresentar importantes consequências clínicas.4 No presente estudo, observamos que os pacientes em hemodiálise apresentaram pior desempenho nos testes cognitivos MEEM, relógio e códigos, relativamente as pacientes dos demais grupos. O pior desempenho no teste cognitivo Fluência Verbal foi observado nos pacientes da pré-diálise.

O teste do MEEM não demonstrou diferença estatística entre os grupos analisados, mas os pacientes da hemodiálise apresentaram o pior desempenho neste teste. A escolaridade e a idade são variáveis de muita influência na pontuação do MEEM. Vários estudos em diferentes países demonstraram que, mesmo em indivíduos que não apresentavam evidências de declínio cognitivo, quanto menor a escolaridade e maior a idade, menor é a pontuação obtida no MEEM. Não há consenso na literatura de que maior nível de escolaridade "proteja" contra pior desempenho na avaliação do declínio cognitivo. Não ocorreu diferença no nível de escolaridade (p = 0,24) entre os grupos.

O processo de envelhecimento pode ser acompanhado pelo declínio das capacidades tanto físicas como cognitivas, de acordo com suas características de vida. No nosso estudo, os pacientes da pré-diálise eram os mais idosos e foram os que apresentaram pior desempenho no teste de Fluência Verbal, categoria animal-gráfico 2, compatível com a observação de declínio da memória de evocação com o envelhecimento.19

Com o envelhecimento, a velocidade de processamento de informação tende a se tornar prejudicada, alterando a memória de trabalho e as funções executivas. Observamos que a atenção verbal (teste Dígitos ordem direta) foi pior entre os pacientes em tratamento hemodialítico e que, após ponderação para a faixa etária, os pacientes tratados pela diálise peritoneal apresentaram maior déficit de atenção. Recentemente, Ochiai et al avaliaram a associação entre a evolução do comprometimento cognitivo, envelhecimento e insuficiência cardíaca avançada. O estudo evidenciou comprometimento cognitivo importante em pacientes idosos com insuficiência cardíaca avançada.20 Declínio cognitivo moderado e grave também foi observado em 70% dos pacientes com idade > 55 anos em tratamento hemodialítico.21

No teste de Dígitos, houve diferença estatística (p = 0,03), e os pacientes da diálise peritoneal apresentaram pior desempenho. Esse teste investiga as habilidades cognitivas, as habilidades atentivas e memória de procedimento (memória de trabalho). Com o envelhecimento, a velocidade de processamento de informação é mais prejudicada, alterando a memória de trabalho e as funções executivas. Geralmente, os pacientes em diálise peritoneal também são pacientes mais idosos, e estudos comprovam que a idade influencia significativamente o desempenho dos testes de memória de trabalho. O grupo da hemodiálise apresentou pior desempenho no teste Dígitos ordem direta, que avalia atenção, e o grupo da diálise peritoneal apresentou pior desempenho no teste Dígitos ordem inversa, que avalia memória de procedimento.

Os pacientes do grupo hemodiálise apresentaram pior desempenho no teste do Relógio (p = 0,02). Maineri et al., estudando idosos, observaram associação entre maior escore para eventos cerebrovasculares e disfunção executiva avaliada pelo teste do Relógio e que, sujeitos com fatores de risco para AVC apresentavam escore significativamente inferior ao escore dos sujeitos sem fatores de risco.22

No teste cognitivo Códigos, que avalia habilidades motoras e cognitivas relacionadas com a memória, houve uma tendência à significância (p = 0,09) e, novamente, os pacientes em hemodiálise apresentaram os piores resultados, possivelmente pela ocorrência da alta frequência de doenças cardiovasculares que geralmente apresentam.23

Quanto ao teste BDI, não houve diferença estatística entre os grupos testados (p = 0,6). A depressão é um sintoma comum em doentes renais crônicos. Diefenthaeler et al., em um estudo sobre depressão e risco de mortalidade em pacientes hemodialisados, sugerem que a presença de sintomas depressivos pode ser um fator de risco independente para óbito de pacientes em hemodiálise crônica e que seria necessária maior investigação sobre o tema. O nosso estudo demonstrou que os pacientes em diálise peritoneal apresentaram maior índice de depressão, no entanto não apresentaram maior índice de declínio cognitivo nos testes realizados.24

A avaliação da qualidade de vida demonstrou não haver diferenças significativas entre os grupos estudados. No entanto, pacientes em HD e DP apresentaram menores escores relacionados aos aspectos físicos. Em comparação aos pacientes que não estão em terapia renal substitutiva, é esperado que as limitações físicas acarretadas pelos tratamentos dialíticos comprometam de fato mais significativamente esses aspectos. Os comprometimentos na QV decorrentes da doença e do tratamento, especialmente relacionados aos aspectos físicos, têm sido descritos com frequência na literatura.25,26

Com relação aos pacientes hipertensos, observou-se que estes apresentavam pior desempenho com relação à saúde mental. Em geral, pacientes hipertensos apresentam comprometimentos relacionados aos aspectos emocionais. Mac Fadden et al. destacaram em seu estudo que, ao observar diferentes esferas da personalidade de pacientes hipertensos, estes tendem a apresentar uma retração emocional.27 Iamac et al. também observaram que algumas características específicas da personalidade de hipertensos os levam a inibições e dificuldades em lidar com questões emocionais.28

Conclusão

Os doentes renais crônicos constituem uma população de alto risco para o declínio cognitivo. Os pacientes em hemodiálise apresentaram o pior desempenho nos testes cognitivos relacionados com função executiva, atenção e memória. O declínio dessas habilidades cognitivas está relacionado com o envelhecimento cerebral. A hemodiálise constitui o grupo de menor média de idade e apresentou maior declínio cognitivo. Torna-se importante a realização de estudos que avaliassem a influência do tratamento dialítico no declínio cognitivo.

Data de submissão: 28/11/2009

Data de aprovação: 22/06/2010

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

O referido estudo foi realizado no NIEPEN / Fundação IMEPEN.

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  • Correspondência para:

    Marcus G. Bastos
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      22 Jun 2010
    • Recebido
      28 Nov 2009
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