Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação de métodos para identificar desnutrição energético-protéica de pacientes em hemodiálise

Resumos

INTRODUÇÃO: O método capaz de melhor identificar desnutrição energético-protéica (DEP) em pacientes em hemodiálise (HD) ainda se mantém em debate. Logo, avaliamos o estado nutricional de pacientes em HD por diferentes métodos e verificamos qual deles identificava o maior número de pacientes com DEP. MÉTODOS: Quinze pacientes em HD (52,7 ± 10 anos; 33,3% Masculino). O estado nutricional foi avaliado por medidas antropométricas, pela avaliação subjetiva global (ASG), por albumina plasmática e pelo consumo alimentar (recordatório de 24 horas). A gordura corporal foi avaliada por antropometria. O critério de diagnóstico de DEP preconizado pela International Society of Renal Nutrition and Metabolism (ISRNM) foi empregado. RESULTADOS: Observou-se que o índice de massa corporal esteve dentro da normalidade (24,2 ± 4,4 kg/m²). Ao avaliar a condição nutricional pela adequação da circunferência muscular do braço CMB) e da prega cutânea de tríceps (PCT) notou-se que a adequação da CMB esteve dentro dos parâmetros de normalidade (102,6 ± 13%), ao passo que a adequação da PCT esteve abaixo da normalidade (Feminino: 75,3 ± 40,4%; Masculino: 73,5 ± 20,6%). Contudo, o percentual de gordura corporal esteve elevado (Feminino: 34,5 ± 7,3%; Masculino: 23,6 ± 4,2%). Com relação à ASG, a maioria dos pacientes (n = 12) apresentou algum grau de desnutrição e este constituiu o método que identificou o maior número de pacientes com DEP. Ao empregar os critérios da ISRNM, notou-se que apenas dois pacientes apresentaram DEP. CONCLUSÃO: Todos os pacientes avaliados encontravam-se com DEP por algum dos métodos utilizados. A ASG foi o método que, isoladamente, conseguiu detectar o maior número de pacientes com DEP.

insuficiência renal crônica; desnutrição proteico-energética; avaliação nutricional; diálise


INTRODUCTION: The method capable of best identifying protein-energy wasting (PEW) in hemodialysis (HD) patients is controversial. Thus, we assessed the nutritional status of HD patients by use of different methods and verified which one identified the highest number of patients with PEW. METHODS: The study assessed the nutritional status of 15 HD patients (age: 52.7 ± 10.1 years; males: 33.3%) by use of anthropometric measurements, subjective global assessment (SGA), serum albumin, and dietary intake (24-hour food recall). Body fat was assessed by use of anthropometry. The International Society of Renal Nutrition and Metabolism (ISRNM) criteria were used to diagnose PEW. RESULTS: The body mass index (24.2 ± 4.4 kg/m²) and the percentage of standard value for mid-arm muscle circumference were within the normal limits (102.6 ± 13%). Nevertheless, the percentage of standard value for triceps skinfold was below the normal limits (females, 75.3 ± 40.4%; and males, 73.5 ± 20.6%), although a high body fat percentage was observed (females, 34.5 ± 7.3%; males, 23.6 ± 4.2%). When assessing the nutritional status by use of SGA, most patients (80%, n = 12) were malnourished, and SGA was the method that identified the highest number of patients with PEW. By using the ISRNM criteria, PEW was diagnosed in only two patients. CONCLUSION: All patients were diagnosed with PEW by use of one of the methods studied. The SGA was the method that, in isolation, could detect the greatest number of patients with PEW.

chronic kidney failure; protein- energy malnutrition; nutritional assessment; dialysis


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Avaliação de métodos para identificar desnutrição energético-protéica de pacientes em hemodiálise

Patrícia Marçal VegineI; Ana Carolina Packness FernandesII; Márcia Regina Simas Gonçalves TorresII; Maria Inês Barreto SilvaIII; Carla Maria AvesaniI

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

IIHospital Universitário Pedro Ernesto - HUPE, UERJ

IIIUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO; UERJ

Correspondência Correspondência para: Carla Maria Avesani Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ R São Francisco Xavier, 524, 12º andar, Bloco D, sala 12.029, Maracanã Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP: 20550-900 Tel. : 55 (21) 2334-0270, Ramal 215 E-mail: carla.avesani@gmail.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O método capaz de melhor identificar desnutrição energético-protéica (DEP) em pacientes em hemodiálise (HD) ainda se mantém em debate. Logo, avaliamos o estado nutricional de pacientes em HD por diferentes métodos e verificamos qual deles identificava o maior número de pacientes com DEP.

MÉTODOS: Quinze pacientes em HD (52,7 ± 10 anos; 33,3% Masculino). O estado nutricional foi avaliado por medidas antropométricas, pela avaliação subjetiva global (ASG), por albumina plasmática e pelo consumo alimentar (recordatório de 24 horas). A gordura corporal foi avaliada por antropometria. O critério de diagnóstico de DEP preconizado pela International Society of Renal Nutrition and Metabolism (ISRNM) foi empregado.

RESULTADOS: Observou-se que o índice de massa corporal esteve dentro da normalidade (24,2 ± 4,4 kg/m2). Ao avaliar a condição nutricional pela adequação da circunferência muscular do braço CMB) e da prega cutânea de tríceps (PCT) notou-se que a adequação da CMB esteve dentro dos parâmetros de normalidade (102,6 ± 13%), ao passo que a adequação da PCT esteve abaixo da normalidade (Feminino: 75,3 ± 40,4%; Masculino: 73,5 ± 20,6%). Contudo, o percentual de gordura corporal esteve elevado (Feminino: 34,5 ± 7,3%; Masculino: 23,6 ± 4,2%). Com relação à ASG, a maioria dos pacientes (n = 12) apresentou algum grau de desnutrição e este constituiu o método que identificou o maior número de pacientes com DEP. Ao empregar os critérios da ISRNM, notou-se que apenas dois pacientes apresentaram DEP.

CONCLUSÃO: Todos os pacientes avaliados encontravam-se com DEP por algum dos métodos utilizados. A ASG foi o método que, isoladamente, conseguiu detectar o maior número de pacientes com DEP.

Palavras-chave: insuficiência renal crônica, desnutrição proteico-energética, avaliação nutricional, diálise.

INTRODUÇÃO

A desnutrição energético-protéica (DEP) pode ocorrer em 13 a 51% dos pacientes em tratamento de hemodiálise (HD). 1 Essa elevada prevalência de DEP é de grande preocupação por ser um importante preditor de morbimortalidade. 2 Diversos fatores contribuem para essa condição nutricional, sendo o processo inflamatório uma importante causa desse quadro. 3 Dentre as diversas causas da DEP podemos citar ainda a baixa ingestão energética e protéica; a perda de nutrientes e aminoácidos pelo dialisato; o catabolismo muscular induzido pela própria diálise e pela acidose metabólica; o aumento do gasto energético que ocorre durante e até 2 horas após o procedimento dialítico; a resistência à insulina e aos hormônios anabólicos, como o hormônio do crescimento; o estresse oxidativo e a inflamação. 3

Em razão dessa alta prevalência de DEP na HD, fica clara a importância de realização da avaliação nutricional para identificar as causas de risco e/ou deterioração do estado nutricional, além de se fazer o diagnóstico nutricional. Com isso, busca-se traçar metas nutricionais para prevenir e/ou tratar a DEP. 4

Contudo, não há um marcador isolado que seja capaz de avaliar o estado nutricional de pacientes com DRC, em razão das diversas anormalidades inerentes à própria enfermidade. 5 Recentemente, tem-se dado ênfase à avaliação subjetiva global (ASG), pois é um método simples, de baixo-custo e validado para avaliação do estado nutricional nessa população. 6 Além da ASG, rotineiramente, costuma-se avaliar o consumo de nutrientes, principalmente pelo registro de 3 dias ou pelo recordatório alimentar de 24 horas; a reserva de massa muscular e adiposa por antropometria ou bioimpedância elétrica e de marcadores bioquímicos pela albumina plasmática. 7-9 Pesquisadores renomados dessa área acreditam que seja necessário empregar em conjunto vários parâmetros para avaliar de forma adequada a condição nutricional dessa população, de forma a contornar as limitações que cada um desses métodos apresenta quando empregados isoladamente. Apesar de todo o esforço em se aproximar do diagnóstico nutricional preciso, faltava ainda uma normatização dos parâmetros nutricionais a serem aplicados nos pacientes portadores de DRC. Nesse sentido, o comitê da International Society of Renal Nutrition and Metabolism propôs recentemente um painel com um conjunto de indicadores nutricionais que devem ser usados para identificar o paciente com DRC portador de DEP, em que pacientes que apresentem um item de pelo menos três dos quatro critérios propostos apresentados no Quadro 1 são classificados com desnutrição energético-protéica. 10


No entanto, na prática clínica, o nutricionista pode não ter disponível todas essas ferramentas. Desta forma, é importante conhecer qual dos parâmetros usados para avaliar o estado nutricional é capaz de identificar melhor a presença de DEP no paciente com DRC. O presente trabalho tem como objetivo avaliar o estado nutricional de pacientes com DRC em tratamento crônico de HD por meio de diferentes parâmetros de avaliação nutricional e verificar quais deles conseguem identificar o maior número de pacientes em HD com DEP.

PACIENTES E MÉTODO

PACIENTES

Este trabalho foi realizado na unidade de HD do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entre novembro de 2008 a fevereiro de 2009. Foram incluídos no estudo pacientes em tratamento crônico de HD durante esse período. Os critérios de inclusão neste estudo compreendem pacientes com idade maior ou igual a 18 anos e em tratamento de HD por no mínimo dois meses. Foram adotados como critérios de exclusão síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), câncer, gestação, internação durante o estudo, amputação, isolamento de contato e doença degenerativa. Dos 28 pacientes em tratamento crônico de HD no HUPE, 10 foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão e exclusão (2 gestantes, 1 amputado, 1 em isolamento de contato, 4 com menos de 2 meses de HD, 1 internado e 1 com mal de Alzeimer); 2 pacientes foram à óbito durante o estudo e 1 paciente foi internado durante a segunda visita. Sendo assim, participaram um total de 15 pacientes. As causas de DRC foram glomerulopatia (n = 2); lúpus eritematoso sistêmico (LES) (n = 1); doença parenquimatosa difusa bilateral (n = 2); cálculo coraliforme bilateral (n = 1); nefroesclerose (n = 1); hipertensão (HAS) (n = 1); e causa desconhecida (n = 7). As comorbidades observadas foram HAS (n=14); hepatite A (n = 1); hepatite B (n = 2); hepatite C (n = 1) e diabetes mellitus (DM) (n = 4). Todos os pacientes faziam HD 3 vezes por semana, cada sessão com duração de 3,5 a 4 horas.

DESENHO E PROTOCOLO DO ESTUDO

O presente estudo é de corte transversal. Após a obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido, os pacientes foram entrevistados quanto aos dados demográficos e consumo alimentar. Os dados relacionados à etiologia da DRC, comorbidades, esquema de diálise, exames laboratoriais e peso corporal de três meses anteriores a essa avaliação foram coletados dos prontuários dos pacientes. Logo após o término da sessão de HD (aproximadamente 30 minutos) foram realizadas a avaliação antropométrica, ASG e avaliação do consumo alimentar.

MÉTODOS

Todas as medidas antropométricas foram realizadas pós-sessão de HD. A aferição da massa corporal foi feita com auxílio de uma balança eletrônica FILIZOLA® com capacidade máxima de 150 quilogramas (kg) e subdivisões a cada 100 gramas (g). Já a estatura foi obtida com o auxílio do estadiômetro acoplado à balança. O índice de massa corporal (IMC) foi obtido pela razão entre a massa corporal e o quadrado da estatura. 11 As pregas cutâneas do tríceps (PCT), bíceps, subescapular e supra-ilíaca foram aferidas com um adipômetro calibrado da marca Lange®. Também foi aferida a circunferência do braço (CB) com uma fita métrica não extensível graduada em centímetros. O cálculo da circunferência muscular do braço (CMB) foi feito pela seguinte equação: CMB =CB (cm) - 3,14 x [PCT (mm) ÷ 10]. 12 As adequações da PCT, CB e CMB foram obtidas utilizando a tabela com os valores de referência adaptados por Blackburn & Thornton (1979). 13

Para aferição dos compartimentos corporais (massa magra e gordura corpórea) foi utilizada a técnica do somatório de quatro pregas cutâneas: bicipital, tricipital, subescapular e supra-ilíaca, utilizando-se a equação de Durnin & Womersley (1974) para o cálculo da densidade corporal e a equação de Siri (1956) para avaliação do percentual da gordura corporal. 14,15 Os cálculos foram efetuados para posterior classificação de acordo com Lohman et al. (1991). 16

Com relação a ASG, empregou-se um modelo adaptado e validado para pacientes em HD. 6 Nesse modelo, o estado nutricional é pontuado de 1 a 7 pontos, sendo valores mais próximos de 7 indicativos de pacientes bem nutridos. Com base nessa pontuação, os pacientes com score 7 a 6 são classificados como bem nutridos; 5 a 3 desnutrição leve a moderada e 2 e 1 desnutridos graves. 6 Para dados de análise, foram considerados pacientes portadores de DEP com ASG £ 5. 6

Os exames laboratoriais foram coletados dos prontuários médicos e incluíram: albumina (g/dL), creatinina (mg/dL), colesterol (mg/dL) e ureia pré e pós-diálise (mg/dL). Com exceção da ureia, que foi coletada antes e depois da sessão de HD, os exames foram sempre coletados antes da sessão de HD.

O consumo alimentar foi realizado utilizando-se a técnica do recordatório de 24 horas de um dia com e outro sem HD. O software Avanutri foi utilizado para o cálculo de consumo de energia e dos 3 macronutrientes. Os dados apresentados se referem à média dos dois dias avaliados (com e sem HD).

As adequações do consumo de energia e nutrientes para os pacientes foram comparadas segundo as recomendações do NKF/KDOQI (2000). 17 Os valores de ingestão de energia e proteína são expressos em kg de peso atual por dia.

Os critérios propostos pelo comitê da International Society of Renal Nutrition and Metabolism foram utilizados para classificar o estado nutricional dos pacientes com DRC em tratamento dialítico (Quadro 1). 10 Os critérios listados no documento original estão descritos no Quadro 1. Contudo, alguns dos critérios listados no trabalho original não foram considerados para o diagnóstico de DEP neste estudo, uma vez que os mesmos não foram avaliados. Os critérios não considerados compreenderam perda de peso não intencional de 5% em 3 meses ou de 10% em 6 meses, redução de massa muscular de 5% em 3 meses ou de 10% em 6 meses e presença de pré-albumina sérica (transtiretina) < 30 mg/mL. Para o critério de ingestão alimentar, foi considerada a avaliação realizada em um momento. Foram considerados como portadores DEP os pacientes que apresentaram 1 item de ao menos 3, dos 4 critérios apresentados no Quadro 1.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUPE sobre o protocolo número 2258-CEP/HUPE.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os dados serão apresentados em média ± desvio padrão, uma vez que apresentavam distribuição normal. Para comparar os dados obtidos entre pacientes dos gêneros masculino e feminino foi empregado o teste-t Student para amostras independentes. Foi utilizado o nível de significância de 0,05. Os testes foram realizados no pacote de análises estatísticas JMP IN© Version 5.0 (SAS Institute Inc. , Cary, NC, EUA. 24,23

RESULTADOS

Como observado na Tabela 1, a média de idade dos pacientes encontrava-se na 5ª década de vida, com minoria do gênero masculino. O acesso venoso para HD da maioria dos pacientes era por fistula artériovenosa e a média do Kt/V de ureia foi indicativa de boa eficiência de diálise. Além disso, nota-se ainda que a albumina plasmática esteve abaixo de 3,8 g/dL.

Para fins de análise comparativa, os dados antropométricos e de composição corporal foram avaliados por gênero, como pode ser visualizado na Tabela 2. A média do peso corporal dos homens não diferiu da média de mulheres. Com relação ao IMC, a média total dos indivíduos foi indicativa de eutrofia, porém, ao estratificar por gênero, as mulheres apresentaram uma tendência a maior IMC, sendo indicativa de sobrepeso. De acordo com a adequação da CB, a amostra se encontrou eutrófica, entretanto, a população masculina apresentou, em média, um grau indicativo de desnutrição leve. Ao analisar a CMB, pode-se notar que a população apresenta-se eutrófica mesmo quando estratificada por gênero. Ao analisar a adequação da PCT, considerada indicativa de reserva de tecido adiposo, nota-se a presença de desnutrição moderada tanto nos homens quanto nas mulheres. Entretanto, ao analisar o percentual de gordura, o mesmo encontra-se acima da média para ambos os gêneros, sendo significantemente maior nas mulheres.

Com relação aos dados referentes ao consumo alimentar, pode-se observar que a média de ingestão de energia foi de 22,7 ±7,0 kcal/kg de peso atual/dia, cujo valor encontra-se abaixo do recomendado para essa população. De forma semelhante, a média da ingestão protéica também esteve abaixo do preconizado para pacientes em HD, sendo encontrado 1,0 ±0,6 g/kg de peso atual/dia.

Segundo a ASG, a maioria dos pacientes (n = 12; 80%) apresentou algum grau de desnutrição, sendo desnutrição de leve à moderada presente em 10 pacientes (73,3%) e desnutrição grave em 2 (6,7%). Apenas 3 pacientes (20%) foram classificados como bem nutridos.

Ao avaliar o estado nutricional pelos cinco parâmetros estudados, notou-se que todos os pacientes pontuaram ao menos 1 dos 5 métodos utilizados para classificar a DEP. O método com maior número de pacientes com DEP foi a ASG (n = 12; 80%), seguida do parâmetro bioquímico de albumina sérica (n = 10; 66,7%), da massa corporal total avaliada pelo IMC (n = 9; 60%), do consumo alimentar (n = 9; 60%) e, por fim, da massa muscular (n = 2; 13,3%). A Figura 1 descreve a presença de DEP diagnosticada por mais de um dos métodos avaliados. Nota-se que todos os pacientes pontuaram ao menos um desses métodos.


Quando utilizamos os critérios propostos pela International Society of Renal Nutrition and Metabolism para classificar a DEP (que não utiliza a ASG), notamos que apenas 13,3% (n = 2) dos pacientes eram considerados portadores de DEP, ou seja, que pontuavam 3 critérios indicativos de desnutrição.

DISCUSSÃO

Este trabalho avaliou o estado nutricional de pacientes com DRC em tratamento de HD por meio de diferentes métodos de avaliação nutricional, incluindo os critérios estabelecidos pelo comitê da International Society of Renal Nutrition and Metabolism. 10 Os resultados obtidos mostram que a presença de DEP variou de 13 a 80% quando avaliada isoladamente pelos diferentes métodos empregados. Isso mostra que o diagnóstico de DEP quando avaliado por apenas um método pode não detectar a presença de DEP em possíveis casos positivos e levar a erros no diagnóstico nutricional. Chama a atenção que mesmo em uma amostra pequena, todos os pacientes avaliados pontuaram ao menos um dos métodos para o diagnóstico de DEP, o que alerta para o elevado risco nutricional dessa população.

Os resultados observados são semelhantes aos de outros trabalhos que também encontram uma elevada prevalência de DEP na HD. 1,4,18 O agravante da ocorrência da DEP na HD é a sua forte associação com aumento na morbimortalidade,1,2 maior taxa de hospitalização e piora da qualidade de vida. 18

A avaliação nutricional tem como objetivo identificar as causas de risco ou deterioração do estado nutricional, auxiliando na terapia específica e na determinação das necessidades nutricionais de cada nutriente. Conhecer e caracterizar adequadamente o estado nutricional de uma população em diálise é fundamental para tratar e prevenir o desenvolvimento e o agravo da DEP, e para determinar e avaliar o impacto da terapia dietética sobre o desfecho nutricional. 4

Recentemente, diversos parâmetros nutricionais têm sido utilizados para a implementação do diagnóstico de desnutrição em indivíduos com DRC. Dentre eles, os mais comuns consistem na antropometria, bioimpedância elétrica, albumina plasmática e recordatórios alimentares. 19 Contudo, não se sabe ainda qual ou quais desses métodos devem ser empregados para detectar com maior precisão o paciente com DEP. A dificuldade de se estabelecer o melhor método para avaliar a DEP está no fato de que todos esses parâmetros apresentam limitações quando avaliados isoladamente. 5 Nesse sentido, a ASG tem se mostrado eficiente por ser um instrumento que avalia a história médica, o exame clínico e físico (reservas corporais de tecido adiposo e muscular) do paciente. Um trabalho recente com pacientes em HD mostrou que a avaliação das reservas corporais obtida pela ASG tinha boa concordância com a avaliação de reserva de tecido adiposo e muscular obtida por medidas objetivas desses compartimentos corporais. 20 Em outro trabalho, mostrou-se que a ASG aplicada em pacientes em HD tinha poder preditivo para ocorrência de hospitalizações. 6 As principais limitações da ASG compreendem a baixa sensibilidade para avaliar pequenas mudanças e na variação interindividual quando a mesma é realizada por uma equipe. Vale mencionar que o modelo de ASG aplicado no presente trabalho foi recentemente validado para essa população e, como inclui a possibilidade de níveis de classificação a partir da graduação em 7 pontos, atenua a baixa sensibilidade para pequenas mudanças do estado nutricional. 6 No presente estudo, a ASG foi o método que isoladamente detectou o maior número de pacientes com DEP.

Com relação à análise da ingestão alimentar, a maior dificuldade está nos fatores que levam a erros pertinentes ao entrevistado e aqueles pertinentes ao entrevistador. Dentre os primeiros, podemos citar a incompreensão das questões, a omissão, ou a superestimativa do consumo, o erro na estimativa do tamanho da porção e falha na memória do entrevistado. Já com relação ao entrevistador, pode ocorrer registro incorreto das respostas, omissão intencional, descrição incompleta, distração devido ao ambiente da entrevista, empatia pelo entrevistado e erro na conversão das medidas caseiras em gramas. 12 Particularmente para pacientes em HD, uma dificuldade encontrada é a mudança que o paciente pode apresentar em seu padrão alimentar entre os dias com e sem diálise, já que nos dias em que o tratamento dialítico é realizado, o paciente pode ocultar uma de suas refeições diárias. 5

Dentre os diversos parâmetros bioquímicos disponíveis para a avaliação do estado nutricional, a albumina tem sido a mais empregada, devido à sua estreita associação com as taxas de morbimortalidade nessa população. 21 No entanto, tanto os parâmetros bioquímicos quanto os imunológicos podem sofrer alteração de acordo com o grau de inflamação do paciente. 21,22 De fato, já está bem descrito na literatura que um percentual importante de pacientes em HD apresenta valores de proteína C-reativa elevados, os quais são indicativos de um quadro de inflamação. Como a albumina é uma proteína de fase aguda negativa, que fica com sua síntese hepática reduzida em quadros inflamatórios, não se sabe se sua estreita associação com as taxas de morbimortalidade seja decorrente de quadro de DEP ou de inflamação ou ainda da congruência de ambas as condições. 21 Sendo assim, o uso isolado da albumina sérica como marcador de desnutrição nesta população pode não ser adequado. 21,22 Em nosso trabalho, 10 pacientes apresentaram valores de albumina plasmática abaixo de 3,8 g/dL, sendo que todos esses pacientes também apresentaram ASG de indicativa de algum grau de DEP.

Pela dificuldade em diagnosticar o paciente portador de DEP, o comitê da International Society of Renal Nutrition and Metabolism se reuniu com o objetivo de criar critérios capazes de diagnosticar a DEP. Os critérios sugeridos por esse comitê (Quadro 1) incluem a avaliação da massa corporal, massa muscular, parâmetros bioquímicos e de consumo alimentar. Dessa forma, busca-se contornar as dificuldades de empregar um método isolado para avaliar o estado nutricional. 10 No presente estudo, 3 critérios propostos no trabalho original não foram considerados, embora todos os parâmetros propostos pelo comitê da ISRNM (massa corporal, massa muscular, parâmetros bioquímicos e de consumo alimentar) tenham sido avaliados.Quando foi aplicada a proposta desse comitê, notamos que apenas 2 pacientes (13,3%) avaliados nessa amostra seriam considerados desnutridos. Desse modo, destacamos a importância da realização de mais estudos de avaliação do estado nutricional de pacientes em HD que empreguem esses critérios.

Dentre os pacientes em HD avaliados nesse estudo, 80% (n = 12) foram diagnosticados com desnutrição de acordo com a ASG. Até que se tenha estabelecido um método padrão ouro para se diagnosticar desnutrição nessa população, a ASG parece ser o método capaz de detectar o maior número de pacientes com DEP. A baixa sensibilidade da ASG para detectar pequenas mudanças no estado nutricional é uma limitação conhecida e merece ser estudada, no sentido de melhor adequar seu poder de avaliação do estado nutricional longitudinalmente.

Considerando a importância da identificação da desnutrição para se iniciar medidas de controle e monitoramento da saúde do paciente, a ASG apresenta abrangência suficiente para que os verdadeiramente desnutridos não fiquem sem atenção especial.

CONCLUSÃO

Em conclusão, dentre os parâmetros nutricionais empregados para avaliar o estado nutricional de pacientes em HD, a ASG que é um método simples, de baixo custo e de alta aplicabilidade na prática clínica, foi o que detectou o maior número de pacientes com DEP. 2

Data de submissão: 25/10/2010

Data de aprovação: 28/12/2010

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

O referido estudo foi realizado no HUPE/UERJ.

  • 1. Qureshi AR, Alvestrand A, Danielsson A et al. Factors predicting malnutrition in hemodialysis patients: a cross-sectional study. Kidney Int 1998; 53:773-82.
  • 2. Marcen R, Teruel JL, de la Cal MA, Gámez C. The impact of malnutrition in morbidity and mortality in stable hemodialysis patients. Spanish Cooperative Study of Nutrition in Hemodialysis. Nephrol Dial Transplant 1997; 12:2324-31.
  • 3. Avesani CM, Carrero JJ, Axelsson J, Qureshi AR, Lindholm B, Stenvinkel P. Inflammation and wasting in chronic kidney disease: partners in crime. Kidney Int 2006; 70:8-13.
  • 4. Valenzuela RGV, Giffoni AG, Cuppari L, Canziani MEF. Estado nutricional de pacientes com insuficiência renal crônica em hemodiálise no Amazonas. Rev Assoc Med Bras 2003; 49:72-8.
  • 5. Kamimura MA, Avesani CM, Cuppari L. Métodos de avaliação nutricional no paciente com doença renal crônica. In: CRUZ, J. Atualidades em Nefrologia.1.ed. São Paulo: Sarvier, 2006.
  • 6. Steiber A, Leon JB, Secker D et al. Multicenter study of the validity and reliability of subjective global assessment in the hemodialysis population. J Ren Nutr 2007; 17:336-42.
  • 7. Kalantar-Zadeh K, Kleiner M, Dunne E, Lee GH, Luft FC. A modified quantitative subjective global assessment of nutrition for dialysis patients. Nephrol Dial Transplant 1999; 14:1732-38.
  • 8. Steinman TI. Serum albumin: its significance in patients with ESRD. Semin Dial 2000; 13:4048.
  • 9. Johansen KL, Young B, Kaysen GA, Chertow GM. Association of body size with outcomes among patients beginning dialysis. Am J Clin Nutr 2004; 80:324-32.
  • 10. Fouque D, Kalantar-Zadeh K, Kopple J et al. A proposed nomenclature and diagnostic criteria for protein-energy wasting in acute and chronic kidney disease. Kidney Int 2008; 73:391-8.
  • 11. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of WHO, Consultation on Obesity. Genebra: WHO, 1997.
  • 12. Kamimura MA, Baxmann A, Sampaio LR, Cuppari L. Avaliação nutricional. In: CUPPARI, L. Guias de Medicina ambulatorial e hospitalar UNIFESP/Escola Paulista de Medicina: Nutrição - Nutrição Clínica no Adulto. 2.ed. São Paulo: Manole, 2005.
  • 13. Blackburn GL, Thornton PA. Nutritional assessment of the hospitalized patient. Med Clin North Am 1979; 63:1103-15.
  • 14. Durnin JVGA, Womersley I. Body fat assessed from total body density ad its estimation from skinfold thickness: measurement on 481 men and women aged from 16 to 72 years. Br J Nutr 1974; 32:77-97.
  • 15. Siri WE (1961). Body composition from fluid analysis and density: analysis of methods. In: Brozek J, Henschel A (eds). Techniques for measuring body composition. Washington: National Research Council.
  • 16. Lohman TG, Roche AF, Martorelli R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Abridged Edition, p.91, 1991.
  • 17. National Kidney Foundation I. Kidney Disease-Dialysis Outcome Quality Initiative: K/DOQI. Clinical practice guidelines for nutrition in chronic renal failure. Am J Kidney Dis 2000; 35:1-140.
  • 18. Kalantar-zadeh K. Recent advances in understanding the malnutrition-inflammation-caquexia syndrome in chronic kidney disease patients: What is next? Semin Dial 2005; 18:365-9.
  • 19. Cano NJM, miolane-Debouit M, Léger J, heng AE. Assessment of body protein: energy status in chronic kidney disease. Semin Nephrol 2009; 29:59-66.
  • 20. Carrero JJ, Chmielewski M, Axelsson J et al. Muscle atrophy, inflammation and clinical outcome in incident and prevalent dialysis patients. Clin Nutr 2008; 27:557-64.
  • 21. Kaysen GA, Eiserich JP. The role of oxidative stress-altered lipoprotein structure and function and microinflammation on cardiovascular risk in patients with minor renal dysfunction. J Am Soc Nephrol 2004; 15:538-48.
  • 22. Santos NS, Draibe SA, Kamimura MA et al. Is serum albumin a marker of nutritional status in hemodialysis patients without evidence of inflammation? Artif Organs 2003; 27:681-6.
  • Correspondência para:

    Carla Maria Avesani
    Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
    R São Francisco Xavier, 524, 12º andar, Bloco D, sala 12.029, Maracanã
    Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP: 20550-900
    Tel. : 55 (21) 2334-0270, Ramal 215
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Out 2010
    • Aceito
      28 Dez 2010
    Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: bjnephrology@gmail.com