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Alterações do metabolismo mineral e ósseo após um ano de transplante renal

Resumo

Introdução:

A persistência de distúrbios do metabolismo mineral ósseo após o transplante renal (Tx) parece possuir um impacto negativo sobre a sobrevida do enxerto e do paciente.

Objetivos:

avaliar os parâmetros do metabolismo mineral e a persistência de hiperparatiroidismo (pHPT) 12 meses após o Tx.

Métodos:

Análise retrospectiva de 41 transplantes (18 mulheres- 44%, idade de 39 ± 15 anos) realizados em um Hospital Universitário, avaliando cálcio (Ca), fósforo (P), hormônio da paratireóide (PTH) e a prevalência de pHPT. Pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com os níveis de PTH pré Tx: Grupo 1: PTH ≤ 300 pg/ml (n = 21) e Grupo 2: PTH > 300 pg/ml (n = 20). pHPT foi definida como PTH ≥ 100pg/mL após o Tx. A evolução dos parâmetros bioquímicos e a pHPT foram analisadas após 1 ano de Tx. Resultados: após um ano, 5% dos pacientes apresentaram hipofosfatemia (p < 2,7mg/dL), 24% hipercalcemia (Ca > 10,2 mg/dL) e 48% persistência de HPT (PTH ≥ 100 pg/mL ). Houve correlação positiva entre PTH pré e pós Tx (r = 0,42/p = 0,006) e correlação negativa entre PTH e Ca pré-Tx (r = -0,45/p = 0,002). Entretanto, não houve diferença significativa entre os grupos 1 e 2 em relação aos níveis de PTH pré e pós-Tx.

Conclusão:

Os resultados sugerem que alterações do metabolismo mineral e a pHPT podem ocorrer após um ano do Tx, principalmente em pacientes com níveis elevados de PTH pré-Tx.

Palavras-chave:
hipercalcemia; hiperparatireoidismo; hipofosfatemia; transplante de rim

Abstract

Introduction:

The persistence of mineral metabolism disorders after renal transplant (RT) appears to possess a negative impact over graft and patient's survival.

Objectives:

To evaluate the parameters of mineral metabolism and the persistence of hyperparathyroidism (HPT) in transplanted patients for a 12-month period after the procedure.

Methods:

Retrospective analysis of 41 transplants (18 women- 44%, mean age of 39 ± 15 years) performed in a University Hospital, evaluating changes of calcium (Ca), phosphorus (P) and parathyroid hormone (PTH) and the prevalence of persistent HPT. The patients were divided into two groups accordingly to PTH levels prior to Tx: Group 1 with PTH ≤ 300 pg/mL (n = 21) and Group 2 with PTH > 300 pg/mL (n = 20). The persistency of HPT after transplant was defined as PTH ≥ 100 pg/mL. The evolution of biochemical parameters and the persistency of HPT were analyzed in each group after 1 year of transplant.

Results:

After a one-year of follow up, 5% of the patients presented hypophosphatemia (p < 2.7 mg/dL), 24% hypercalcemia (Ca > 10.2 mg/dL) and 48% persistency of HPT (PTH ≥ 100 pg/mL). There was a positive correlation between the PTH pre and post Tx (r = 0.42/p = 0.006) and a negative correlation between PTH and Ca pre-Tx (r = -0.45/p = 0.002). However, there was no significant difference among groups 1 and 2 regarding PTH levels pre and post Tx.

Conclusion:

The findings in this article suggest that mineral metabolism alterations and the persistency of HPT may occur after one year of renal Tx, mainly in patients which present high PTH levels prior toTx.

Keywords:
hypercalcemia; hyperparathyroidism; hypophosphatemia; kidney transplantation

Introdução

A história do transplante renal (TxR) no Brasil apresenta uma trajetória de sucesso. Na última década, o número de TxR aumentou cerca de 40%, sendo que em 2013 foram realizados 5.433 e, atualmente, somos o segundo país do mundo em número absoluto de transplantes renais.11 Brasil. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Registro Brasileiro de Transplantes. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2006-2013). Registro Brasileiro de Transplantes; 2013. [Acesso 2016 Jul 25]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2013/rbt2013-parcial(1).pdf
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Os avanços terapêuticos, especialmente os novos imunossupressores, aumentaram a sobrevida do paciente e do enxerto, melhorando significativamente a qualidade de vida dos transplantados. Segundo o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), em 4 anos, a sobrevida dos pacientes e do enxerto é superior a 90% para doadores vivos, e em torno de 80 % para doadores falecidos.11 Brasil. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Registro Brasileiro de Transplantes. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2006-2013). Registro Brasileiro de Transplantes; 2013. [Acesso 2016 Jul 25]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2013/rbt2013-parcial(1).pdf
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Apesar desses resultados promissores, novos desafios têm surgido, principalmente relacionados a complicações tardias do TxR, dentre eles, a persistência dos distúrbios do metabolismo mineral e ósseo (DMO).22 Ambrus C, Molnar MZ, Czira ME, Rosivall L, Kiss I, Remport A, et al. Calcium, phosphate and parathyroid metabolism in kidney transplanted patients. Int Urol Nephrol 2009;41:1029-38. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s11255-009-9631-0
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,33 Sadideen H, Covic A, Goldsmith D. Mineral and bone disorder after renal transplantation: a review. Int Urol Nephrol 2008;40:171-84. PMID: 18085426 DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s11255-007-9310-y
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Após o primeiro ano de um TxR bem-sucedido, é esperado que os níveis séricos de cálcio (Ca), fósforo (P), fosfatase alcalina (FA), paratormônio (PTH) calcitriol e fator de crescimento do fibroblasto 23 (FGF23), se normalizem. Entretanto, muitos pacientes persistem com alterações do metabolismo mineral, resultado de uma complexa interposição de fatores como o funcionamento deficiente do enxerto, doença óssea pré-existente ao TxR e o uso de drogas imunossupressoras, especialmente os glicocorticoides, com seus efeitos tóxicos para o tecido ósseo.44 Canalis E, Delany AM. Mechanisms of glucocorticoid action in bone. Ann N Y Acad Sci 2002;966:73-81. PMID: 12114261 DOI:http://dx.doi.org/10.1111/j.1749-6632.2002.tb04204.x
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5 Weinstein RS, Jilka RL, Parfitt AM, Manolagas SC. Inhibition of osteoblastogenesis and promotion of apoptosis of osteoblasts and osteocytes by glucocorticoids. Potential mechanisms of their deleterious effects on bone. J Clin Invest 1998;102:274-82. DOI: http://dx.doi.org/10.1172/JCI2799
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6 Schlosberg M, Movsowitz C, Epstein S, Ismail F, Fallon MD, Thomas S. The effect of cyclosporin A administration and its withdrawal on bone mineral metabolism in the rat. Endocrinology 1989;124:2179-84. DOI: http://dx.doi.org/10.1210/endo-124-5-2179
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-77 Neves CL, dos Reis LM, Batista DG, Custodio MR, Graciolli FG, Martin Rde C, et al. Persistence of bone and mineral disorders 2 years after successful kidney transplantation. Transplantation 2013;96:290-6. PMID: 23823648 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/TP.0b013e3182985468
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Alguns pacientes desenvolvem hipercalcemia, secundária à hipofosfatemia, persistência do hiperparatireoidismo (HPT) e ao uso de corticoide.88 Evenepoel P, Claes K, Kuypers D, Maes B, Bammens B, Vanrenterghem Y. Natural history of parathyroid function and calcium metabolism after kidney transplantation: a single-centre study. Nephrol Dial Transplant 2004;19:1281-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfh128
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,99 Torregrosa JV, Barros X. Management of hypercalcemia after renal transplantation. Nefrologia 2013;33:751-7. A hipofosfatemia, que ocorre em 90% dos pacientes, é resultado da ação fosfatúrica do FGF23 e do PTH.88 Evenepoel P, Claes K, Kuypers D, Maes B, Bammens B, Vanrenterghem Y. Natural history of parathyroid function and calcium metabolism after kidney transplantation: a single-centre study. Nephrol Dial Transplant 2004;19:1281-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfh128
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,1010 Evenepoel P, Naesens M, Claes K, Kuypers D, Vanrenterghem Y. Tertiary "hyperphosphatoninism" accentuates hypophosphatemia and suppresses calcitriol levels in renal transplant recipients. Am J Transplant 2007;7:1193-200. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2007.01753.x
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O hiperparatireoidismo secundário (HPTS), que acomete aproximadamente 45% dos pacientes em diálise, pode persistir em 25%-50% deles, mesmo com o enxerto funcionando adequadamente.1111 Lehmann G, Ott U, Stein G, Steiner T, Wolf G. Renal osteodystrophy after successful renal transplantation: a histomorphometric analysis in 57 patients. Transplant Proc 2007;39:3153-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.transproceed.2007.10.001
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Após o TxR, os níveis séricos de PTH diminuem rapidamente, apresentando uma queda mais lenta entre o terceiro e sexto mês, se estabilizando ao final do primeiro ano.1212 Bonarek H, Merville P, Bonarek M, Moreau K, Morel D, Aparicio M, et al. Reduced parathyroid functional mass after successful kidney transplantation. Kidney Int 1999;56:642-9. PMID: 10432404 DOI: http://dx.doi.org/10.1046/j.1523-1755.1999.00589.x
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Os principais preditores da persistência do HPT são o tempo de doença renal crônica (DRC), níveis séricos elevados de PTH prévios ao transplante, glândulas paratireoideanas com provável hiperplasia nodular e recuperação incompleta da função renal.1313 Torres A, Rodríguez AP, Concepción MT, García S, Rufino M, Martín B, et al. Parathyroid function in long-term renal transplant patients: importance of pre-transplant PTH concentrations. Nephrol Dial Transplant 1998;13:94-7. PMID: 9568830 DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/13.suppl_3.94
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,1414 Hamidian Jahromi A, Roozbeh J, Raiss-Jalali GA, Dabaghmanesh A, Jalaeian H, Bahador A, et al. Risk factors of post renal transplant hyperparathyroidism. Saudi J Kidney Dis Transpl 2009;20:573-6. Apesar dos vários estudos que avaliaram a persistência do HPT, ainda não há um consenso sobre os níveis séricos ideais de PTH no período pós-transplante.1515 Gueiros AP, Neves CL, Sampaio E de A, Custódio MR; Sociedade Brasileira de Nefrologia. Guidelines for bone and mineral disorders after kidney transplantation. J Bras Nefrol 2011;33:37-41.,1616 Matuszkiewicz-Rowinska J. KDIGO clinical practice guidelines for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of mineral and bone disorders in chronic kidney disease. Pol Arch Med Wewn 2010;120:300-6. PMID: 20693962 No Brasil, temos alguns estudos sobre distúrbios do metabolismo mineral e doença óssea pós-TxR, valendo ressaltar dois deles, que apresentaram resultados de biópsias ósseas antes e 6-12 meses após o TxR, respectivamente.77 Neves CL, dos Reis LM, Batista DG, Custodio MR, Graciolli FG, Martin Rde C, et al. Persistence of bone and mineral disorders 2 years after successful kidney transplantation. Transplantation 2013;96:290-6. PMID: 23823648 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/TP.0b013e3182985468
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,1717 Cruz EA, Lugon JR, Jorgetti V, Draibe SA, Carvalho AB. Histologic evolution of bone disease 6 months after successful kidney transplantation. Am J Kidney Dis 2004;44:747-56. PMID: 15384027 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0272-6386(04)00955-2
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Esse estudo teve como objetivo avaliar a evolução dos marcadores do metabolismo mineral e a prevalência da persistência do HPT, em uma população de pacientes transplantados renais, após 12 meses do procedimento.

Métodos

Trata-se de estudo retrospectivo, realizado no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, entre abril de 2005 a setembro de 2011. Nesse período, 322 pacientes foram submetidos a TxR e, dentre eles, 41 pacientes foram incluídos, conforme os seguintes critérios: pacientes com mais de 18 anos, com taxa de filtração glomerular ≥ 30 ml/min (avaliada pelo método MDRD), com registros clínicos e bioquímicos completos, obtidos no momento e um ano após o transplante. O restante dos pacientes apresentou dados incompletos nos seus prontuários e eles foram excluídos.

Para avaliar a evolução dos parâmetros do metabolismo mineral, todos os pacientes tiveram os níveis séricos de Ca, P e PTH analisados pré e 12 meses após o TxR. Para analisar o impacto do HPTS, anterior ao TxR, na evolução dos parâmetros do metabolismo mineral e na incidência da persistência do HPT, dividimos os pacientes em dois grupos, segundo as diretrizes do KDOQI:1818 Annual Data Report National Kidney Foundation Kidney Early Evaluation ProgramTM. Am J Kidney Dis 2003;42:S1-60. Grupo I: PTH ≤ 300 pg/mL (n = 21) e Grupo II: PTH > 300 pg/mL (n = 20).

Foi considerada hipofosfatemia: P < 2,7 mg/dL, hipercalcemia: Ca > 10,2 mg/dL e persistência do HPT: PTH ≥ 100 pg/ml, associados ou não à hipercalcemia.1616 Matuszkiewicz-Rowinska J. KDIGO clinical practice guidelines for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of mineral and bone disorders in chronic kidney disease. Pol Arch Med Wewn 2010;120:300-6. PMID: 20693962 Outras variáveis, que parecem estar associadas à persistência do quadro de HPT, tais como idade, gênero e tempo de diálise, também foram avaliadas.

Análise estatística

Os dados foram analisados quanto à normalidade de sua distribuição. Quando apresentaram distribuição normal, foi realizado o teste t de Student para comparação de grupos, com correção de Welch se necessário. Caso contrário, foi utilizada a comparação por teste de Mann-Whitney. A análise de associação foi feita por teste de Fisher. As variáveis foram correlacionadas utilizando teste de correlação de Pearson (quando normais) ou teste de Spearman (caso contrário). Os resultados foram expressos como média ± desvio padrão ou mediana (mínimo; máximo) e valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Para as análises foi utilizado o software estatístico GraphPad Prism versão 4.

Resultados

Dos 41 pacientes avaliados, 18 (44%) eram do sexo feminino, com média de idade de 39 ± 15 anos. A maioria dos pacientes (90%) estava em programa de hemodiálise e 10% em diálise peritoneal, sendo o tempo médio de tratamento dialítico de 33 ± 31 meses. Quanto à doença de base da DRC, 20 pacientes (49%) apresentavam glomerulonefrite crônica, 10 pacientes (25%) nefropatia hipertensiva e 11 pacientes (26%) outras causas.

Os pacientes foram submetidos a diferentes esquemas de imunossupressão: 66% com prednisona, micofenolatomofetil (MMF), micofenolato sódico (MMS) e tacrolimus, 30% com prednisona, MMF/MMS e ciclosporina, 2% com prednisona, rapamicina e ciclosporina, 2% com prednisona, rapamicina e tacrolimus.

Análise bioquímica de todos os pacientes pré e pós-tx

Todos os pacientes apresentaram uma redução significativa dos níveis séricos de P, PTH, creatinina e aumento significativo no RFG e Ca sérico (Tabela 1).

Tabela 1
Características clínicas e laboratoriais da população

Após 12 meses, observamos que dois pacientes (5%) permaneceram em hipofosfatemia, 10 pacientes (24%) em hipercalcemia e 20 pacientes (48%) com persistência de HPT.

As variáveis tais como idade, gênero, doença de base, tempo de diálise e esquema imunossupressor não estiveram associadas a presença de HPT. Por outro lado, observou-se correlação significativamente positiva entre o PTH pré e pós-TxR (r = 0,42/p = 0,006) e significativamente negativa entre PTH pré e cálcio pré-TxR (r = 0,45/p = 0,002).

Comparação entres pacientes dos grupos 1 e 2

Grupo 1: PTH ≤ 300 pg/ml

Os níveis séricos de Ca e PTH apresentaram um aumento discreto, e houve uma queda significativa dos níveis séricos de P e o aumento da RFG, conforme Tabela 2. Observamos hipofosfatemia em um paciente, hipercalcemia em sete pacientes, e persistência de HPT em seis pacientes.

Tabela 2
Características clínicas e laboratoriais do grupo I (pth ≤ 300 pg/ml)

Grupo II: PTH > 300 pg/ml

Os níveis séricos de Ca e a função renal aumentaram significativamente, enquanto os níveis séricos de P e PTH também apresentaram diminuição significativa, conforme Tabela 3. Observamos hipofosfatemia em dois pacientes, hipercalcemia em três e persistência de HPT em nove pacientes.

Tabela 3
Características clínicas e laboratoriais do grupo II (pth > 300 pg/ml)

comparação da persistência de hpt entre os grupos I e II

Observamos uma maior incidência de pacientes com PTH ≥ 100 pg/mL no Grupo II, embora não tenha apresentado significância estatística (Tabela 4).

Tabela 4
Evolução dos níveis séricos de pth pré e pós-TXR

Discussão

Este estudo avaliou a evolução dos parâmetros do metabolismo mineral em pacientes submetidos a TxR, após 12 meses, assim como a incidência do HPT persistente e seus fatores predisponentes. O principal achado deste estudo aponta para uma tendência de persistência do HPT após o TxR, principalmente na população que apresentava níveis séricos de PTH elevados, antes da realização deste procedimento.

O Brasil é um dos países com maior número de TxR em todo mundo, e o estudo da persistência do HPT é relevante, visto que apresenta um impacto negativo na função do enxerto e na evolução clínica dos pacientes.

Espera-se que a maioria das alterações metabólicas se normalize em torno de 12 meses pós-TxR. Ao se avaliar o comportamento do cálcio, fósforo e do PTH, nossos resultados parecem estar de acordo com a literatura.1212 Bonarek H, Merville P, Bonarek M, Moreau K, Morel D, Aparicio M, et al. Reduced parathyroid functional mass after successful kidney transplantation. Kidney Int 1999;56:642-9. PMID: 10432404 DOI: http://dx.doi.org/10.1046/j.1523-1755.1999.00589.x
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,1313 Torres A, Rodríguez AP, Concepción MT, García S, Rufino M, Martín B, et al. Parathyroid function in long-term renal transplant patients: importance of pre-transplant PTH concentrations. Nephrol Dial Transplant 1998;13:94-7. PMID: 9568830 DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/13.suppl_3.94
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,1919 Bleskestad IH, Bergrem H, Leivestad T, Gøransson LG. Intact parathyroid hormone levels in renal transplant patients with normal transplant function. Clin PMID: 21955131 Em relação aos níveis séricos de P, inferimos que houve uma queda imediata após o TxR, entretanto, apenas verificamos esses dados após um ano do TxR, em que quase todos os pacientes apresentavam níveis séricos de P dentro da normalidade. A hipofosfatemia pode ser explicada pela predominância da ação fosfatúrica do FGF23, que ocorre nos primeiros meses pós TxR, e posteriormente, à ação fosfatúrica do PTH, quando o FGF23 e o calcitriol já apresentam níveis séricos diminuídos.1010 Evenepoel P, Naesens M, Claes K, Kuypers D, Vanrenterghem Y. Tertiary "hyperphosphatoninism" accentuates hypophosphatemia and suppresses calcitriol levels in renal transplant recipients. Am J Transplant 2007;7:1193-200. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2007.01753.x
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Em relação à calcemia, os níveis séricos de Ca apresentaram uma elevação discreta após o TxR, sendo que cerca de um quarto dos pacientes persistiram com hipercalcemia, provavelmente, secundária a fatores já comentados anteriormente (hipofosfatemia, persistência do HPT e uso de corticoide). Outros estudos88 Evenepoel P, Claes K, Kuypers D, Maes B, Bammens B, Vanrenterghem Y. Natural history of parathyroid function and calcium metabolism after kidney transplantation: a single-centre study. Nephrol Dial Transplant 2004;19:1281-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfh128
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,2020 Messa P, Cafforio C, Alfieri C. Clinical impact of hypercalcemia in kidney transplant. Int J Nephrol 2011;2011:906832 PMID: 21760999 DOI:http://dx.doi.org/10.4061/2011/906832
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descrevem uma incidência muito variável da hipercalcemia, entre 5 e 50%.88 Evenepoel P, Claes K, Kuypers D, Maes B, Bammens B, Vanrenterghem Y. Natural history of parathyroid function and calcium metabolism after kidney transplantation: a single-centre study. Nephrol Dial Transplant 2004;19:1281-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfh128
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A hipercalcemia é uma das consequências mais deletérias da persistência do HPT, podendo levar à perda tardia do enxerto, por nefrocalcinose, além de ter um impacto negativo no sistema hematopoiético, gastrointestinal e cardiovascular, aumentando a mortalidade dos pacientes.2020 Messa P, Cafforio C, Alfieri C. Clinical impact of hypercalcemia in kidney transplant. Int J Nephrol 2011;2011:906832 PMID: 21760999 DOI:http://dx.doi.org/10.4061/2011/906832
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No presente estudo, os achados de hipercalcemia, mesmo sem elevação dos níveis séricos do PTH, poderiam indicar a persistência do HPTS.

É bem estabelecido o conceito de persistência de HPT ou HPT terciário,2121 Jamal SA, Miller PD. Secondary and tertiary hyperparathyroidism. J Clin Densitom 2013;16:64-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jocd.2012.11.012
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em que há uma elevação persistente dos níveis séricos de PTH, acompanhado ou não de hipercalcemia. Essa hipersecreção de PTH parece ser decorrente da hiperplasia monoclonal das glândulas paratireoides, que apresentam perdas de receptores de vitamina D, receptores de Ca e alteração do set-point de Ca.1919 Bleskestad IH, Bergrem H, Leivestad T, Gøransson LG. Intact parathyroid hormone levels in renal transplant patients with normal transplant function. Clin PMID: 21955131 Na literatura, os estudos divergem sobre o nível sérico adequado de PTH pós TxR. Alguns autores, classificam como persistência de HPT, níveis séricos de PTH > 2,5 vezes o valor superior da referência de normalidade ou PTH > 130- 150 pg/mL.1919 Bleskestad IH, Bergrem H, Leivestad T, Gøransson LG. Intact parathyroid hormone levels in renal transplant patients with normal transplant function. Clin PMID: 21955131 Nesse estudo, estabeleceu-se a faixa de PTH = 70-100 pg/ml,1616 Matuszkiewicz-Rowinska J. KDIGO clinical practice guidelines for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of mineral and bone disorders in chronic kidney disease. Pol Arch Med Wewn 2010;120:300-6. PMID: 20693962 baseada na função renal do paciente e estágio da DRC (KDOQI), como valores dentro da faixa da normalidade.

Quando avaliamos o comportamento dos níveis de PTH nesta amostra, eles apresentaram uma queda gradativa pós TxR, e, ao final do primeiro ano, 48% dos pacientes permaneceram com persistência de HPT. Outros estudos mostraram uma incidência entre 17 a 28% de pacientes que apresentaram níveis séricos de PTH elevados, em período equivalente.1212 Bonarek H, Merville P, Bonarek M, Moreau K, Morel D, Aparicio M, et al. Reduced parathyroid functional mass after successful kidney transplantation. Kidney Int 1999;56:642-9. PMID: 10432404 DOI: http://dx.doi.org/10.1046/j.1523-1755.1999.00589.x
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A análise dos fatores relacionados à persistência do HPT, em todos os pacientes, não mostrou ser influenciada pela etiologia da doença renal e pelos imunossupressores utilizados. Reconhecidamente, sabe-se que o corticoide é a droga que mais interfere no metabolismo mineral e, neste estudo, tanto as doses quanto o tempo de uso foram semelhantes nos diferentes esquemas de imunossupressão empregados. O tempo de diálise é considerado um importante determinante na persistência de HPT, visto que favorece uma evolução para quadros severos de HPTS, não responsivos a tratamento clínico. No entanto, não pudemos observar a influência deste parâmetro sobre a persistência do HPT.

Esse estudo apresenta algumas limitações: o fato de seu desenho ser retrospectivo, o que dificultou a coleta de dados, resultando em um grande número de prontuários que necessitaram ser excluídos, limitando a análise a 41 pacientes. Apesar disto, a amostra parece ser representativa em relação à população transplantada, no estado do Paraná. Ainda consideramos a ausência de dados como biópsia óssea, exames de imagem das paratireoides, dosagens de fosfatase alcalina e vitamina D, dados importantes para a interpretação dos parâmetros bioquímicos e clínicos analisados.

Conclusão

A doença óssea, até recentemente, era uma complicação pouco valorizada no pós-TxR, apesar do seu impacto na sobrevida do paciente e do enxerto. A persistência do HPT deve ser uma preocupação importante no dia a dia dos nefrologistas, alertando para o controle desta patologia antes do transplante. Dessa maneira, pode-se evitar quadros dramáticos de hipercalcemia no pós-TxR, que muitas vezes são encaminhados para paratireoidectomia (PTx). Este procedimento pode levar à alteração da função do enxerto, mesmo que temporariamente, além de expor o paciente ao risco cirúrgico, condições pouco desejáveis em um TxR recente.2222 Parikh S, Nagaraja H, Agarwal A, Samavedi S, Von Visger J, Nori U, et al. Impact of post-kidney transplant parathyroidectomy on allograft function. Clin Transplant 2013;27:397-402. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/ctr.12099
http://dx.doi.org/10.1111/ctr.12099...

Nossos achados sugerem que as alterações do metabolismo mineral e o HPT podem persistir após o TxR, mesmo quando bem-sucedido, principalmente naqueles pacientes com níveis de PTH elevados no pré TxR.

Outros estudos são necessários para acrescentar conhecimentos e condutas na doença óssea no pós-TxR.

  • Trabalho com fomento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2015
  • Aceito
    18 Jan 2016
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