Inibidores da mTOR são a primeira escolha no tratamento de angiomiolipomas renais associados à esclerose tuberosa

Caro Editor

Lemos com grande interesse o relato de caso “Tratamento endovascular de sangramentos e angiomiolipomas de aneurismas intrarrenais em um paciente com esclerose tuberosa e doença renal policística” de Leite et al.¹, os quais reportam o sucesso terapêutico da embolização. Esse tratamento intervencionista preemptivo e curativo, nos casos de hemorragias, é preferencial às nefrectomias, tanto parciais quanto totais, para preservar o parênquima e a função renais². Porém, vale ressaltar que, atualmente, o tratamento preemptivo de primeira escolha angiomiolipomas renais secundários à esclerose tuberosa é o medicamentoso, com inibidores da mTOR (imTOR), e não a embolização³,⁴.

A esclerose tuberosa é uma doença autossômica dominante causada por variantes patogênicas nos genes TSC1 e TSC2, que codificam as proteínas hamartina e tuberina, respectivamente. A perda de função dessas proteínas causa a ativação aberrante da via mTOR e, consequentemente, a modificação do ciclo celular, alterações na síntese de proteínas, de fatores de crescimento e de lipídeos que acarretam proliferação e crescimento celulares exacerbados e o desenvolvimento de tumores³. Os imTOR são considerados o tratamento de primeira escolha para diversas manifestações da esclerose tuberosa, incluindo angiomiolipomas renais em crescimento com mais de 3 cm de diâmetro³. Do ponto de vista renal, seus potenciais benéficos são: redução do tamanho dos angiomiolipomas, menor risco de sangramento por redução dos aneurismas intratumorais, menor necessidade de intervenções cirúrgicas e preservação da função renal³,⁴. Estudos de coorte demonstram também a mudança do uso histórico de embolização, como tratamento preventivo de angiomiolipomas renais, para imTOR⁴.

Em concordância com a literatura³,⁵, os dados preliminares de um estudo de coorte observacional de pacientes com esclerose tuberosa acompanhados pelo serviço de Nefrologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (dados pessoais) demonstram maior prevalência de angiomiolipomas, de complicações renais, de intervenções cirúrgicas, e de doença renal crônica nos adultos em comparação com os pediátricos. Nossos dados alertam para a necessidade de mudança na atenção à saúde desses pacientes. Dentre as intervenções cirúrgicas, a nefrectomia parcial e a total ainda foram as mais utilizadas. Adicionalmente, antes da primeira avaliação com equipe de nefrologistas, o percentual de pacientes em uso de tratamento específico com imTOR, apesar de já haver indicação para o uso, é pequeno (Tabela 1).

Tabela 1
Características clínicas do envolvimento renal de pacientes com esclerose tuberosa

	Pacientes pediátricos (< 18 anos)	Pacientes adultos (≥ 18 anos)
Pacientes, n (%)	23 (48,9%)	24 (51,1%)
Idade (anos)	9 ± 4	25 ± 7
Sexo masculino, n (%)	13 (56,5%)	13 (54,1%)
Angiomiolipomas renais, n (%)	6 (26%)	18 (75%)
bilateralidade (%)	5 (83,3%)	17 (94,4%)
Cistos renais, n (%)	7 (30,4%)	7 (29,1%)
Estágio DRC
DRC G2, n (%)	0	1 (4,1%)
DRC G3a, n (%)	0	3 (12,5%)
DRC G3b, n (%)	0	0
DRC G4, n (%)	0	0
DRC G5, n (%)	0	0
TRS, n (%)	0	1 (4,1%)
HAS, n (%)	2 (8,6%)	4 (16,6%)
Uso de imTOR, n (%)	7 (30,4%)	6 (25%)
indicação neurológica, n (%)	4 (57,1%)	2 (33,3%)
indicação cardíaca, n (%)	1 (14,2%)	1 (16,6%)
indicação renal, n (%)	0	3 (50%)
indicação dermatológica, n (%)	2 (28,5%)	0
Episódios prévios de complicações renais, n (%)	0	7
hemorragia retroperitoneal, n (%)	0	2 (28,5%)
nefrectomia parcial, n (%)	0	1 (14,3%)
nefrectomia total, n (%)	0	2 (28,5%)
embolização arterial, n (%)	0	1 (14,3%)
óbito por choque hemorrágico, n (%)	0	1 (14,3%)

• DRC: doença renal crônica; HAS: hipertensão arterial sistêmica; imTOR: inibidores da mTOR; TRS: terapia renal substitutiva.

O relato de caso de Leite et al. sinaliza que intervenções cirúrgicas menos invasivas, que preservam o parênquima renal, podem ser usadas com sucesso no tratamento de uma das complicações mais temidas de angiomiolipomas renais, o sangramento, que pode resultar em choque hemorrágico e óbito¹,³. Complementarmente, gostaríamos de reforçar a necessidade de um olhar adicional no cuidado dos pacientes com esclerose tuberosa. Eles precisam ser acompanhados regularmente por um nefrologista desde a infância, a fim de possibilitar o diagnóstico precoce do envolvimento renal e de sua evolução, de monitorar a função renal, e permitir o início oportuno do tratamento específico com imTOR para reduzir o risco de complicações renais e a necessidade de intervenção cirúrgica. O tratamento multidisciplinar, aliado à difusão do conhecimento sobre esclerose tuberosa entre os profissionais de saúde, é crucial para a melhoria da sobrevida e da qualidade de vida desses pacientes.

Agradecimentos

Nosso agradecimento à equipe multidisciplinar do Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CENEP – CHC/UFPR) pela coparticipação no atendimento aos pacientes com esclerose tuberosa.

References

• ^1.
  Leite T, Pazinato LV, Vidal MJA, Freitas D, Leal Fo JMM. Endovascular treatment of intrarenal aneurysms bleeding and angiomyolipomas in a patient with tuberous sclerosis and polycystic kidney disease. J Bras Nefrol. 2023;45(1):111–5. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2021-0023. PubMed PMID: 34328493.
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  Williams JM, Racadio JM, Johnson ND, Donnelly LF, Bissler JJ. Embolization of renal angiomyolipomata in patients with tuberous sclerosis complex. Am J Kidney Dis. 2006;47(1):95–102. doi: http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2005.09.028. PubMed PMID: 16377390.
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  Li M, Zhou Y, Chen C, Yang T, Zhou S, Chen S, et al. Efficacy and safety of mTOR inhibitors (rapamycin and its analogues) for tuberous sclerosis complex: a meta-analysis. Orphanet J Rare Dis. 2019;14(1):39. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s13023-019-1012-x. PubMed PMID: 30760308.
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  » https://doi.org/10.3389/fneur.2020.00972

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Jul 2023
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2023

Histórico

• Recebido
  02 Jun 2023
• Aceito
  19 Jun 2023