Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação metabólica e volêmica no maior intervalo interdialítico de pacientes em hemodiálise com e sem função renal residual

Resumo

Introdução:

Não se sabe ao certo se a função renal residual (FRR) de pacientes dialíticos pode atenuar o impacto metabólico do maior intervalo interdialítico (MII) de 68 horas, no qual ocorre acúmulo de volume, ácidos e eletrólitos.

Objetivo:

Avaliar os níveis séricos de eletrólitos, balanço hídrico e status ácido-básico de pacientes dialíticos com e sem FRR ao longo do MII.

Metodologia:

Tratou-se de estudo unicêntrico, transversal e analítico, que comparou pacientes com e sem FRR, definida como diurese acima de 200 mL em 24 horas. Para tal, os pacientes foram pesados e submetidos à coleta de amostras séricas para análise bioquímica e gasométrica no início e fim do MII.

Resultados:

Foram avaliados 27 e 24 pacientes com e sem FRR, respectivamente. Pacientes sem FRR apresentaram maior aumento de potássio sérico durante o MII (2,67 x 1,14 mEq/L, p < 0,001) atingindo valores mais elevados no fim (6,8 x 5,72 mEq/L, p < 0,001); menor valor de pH no início do intervalo (7,40 x 7,43, p = 0,018), maior proporção de pacientes com bicarbonato sérico < 18 mEq/L (50 x 14,8 %, p = 0,007) e distúrbio ácido-básico misto (70,8 x 42,3 %, p = 0,042), além de maior ganho de peso interdialítico (14,67 x 8,87 mL/kg/h, p < 0,001) e menor natremia (137 x 139 mEq/L, p = 0,02) no fim do intervalo. A calcemia e fosfatemia não foram diferentes entre os grupos.

Conclusão:

Pacientes com FRR apresentaram melhor controle dos níveis séricos de potássio, sódio, status ácido-básico e da volemia ao longo do MII.

Palavras-chave:
Insuficiência Renal Crônica; Diálise Renal; Hiperpotassemia; Acidose; Hiperfosfatemia

Abstract

Introduction:

It is unclear whether residual renal function (RRF) in dialysis patients can attenuate the metabolic impact of the long 68-hour interdialytic interval, in which water, acid, and electrolyte accumulation occurs.

Objective:

to evaluate serum electrolyte levels, water balance, and acid-base status in dialytic patients with and without RRF over the long interdialytic interval (LII).

Methodology:

this was a single-center, cross-sectional, and analytical study that compared patients with and without RRF, defined by diuresis above 200 mL in 24 hours. Patients were weighed and serum samples were collected for biochemical and gasometric analysis at the beginning and at the end of the LII.

Results:

27 and 24 patients with and without RRF were evaluated, respectively. Patients without RRF had a higher increase in serum potassium during the LII (2.67 x 1.14 mEq/L, p < 0.001), reaching higher values at the end of the study (6.8 x 5.72 mEq/L, p < 0.001) and lower pH value at the beginning of the interval (7.40 x 7.43, p = 0.018). More patients with serum bicarbonate < 18 mEq/L (50 x 14.8%, p = 0.007) and mixed acid-base disorder (57.7 x 29.2%, p = 0.042), as well as greater interdialytic weight gain (14.67 x 8.87 mL/kg/h, p < 0.001) and lower natremia (137 x 139 mEq/L, p = 0.02) at the end of the interval. Calcemia and phosphatemia were not different between the groups.

Conclusion:

Patients with RRF had better control of serum potassium, sodium, acid-base status, and volemia throughout the LII.

Keywords:
Renal Insufficiency, Chronic Renal; Dialysis; Hyperkalemia; Acidosis; Hyperphosphatemia

Introdução

Pacientes dialíticos apresentam elevado risco de morbidade e mortalidade quando comparados à população em geral.11 Collins AJ, Foley RN, Herzog C, Chavers BM, Gilbertson D, Ishani A, et al. Excerpts from the US Renal Data System 2009 Annual Data Report. Am J Kidney Dis 2010;55:S1-420. Esse risco parece estar aumentado no maior intervalo interdialítico (MII), período de 68 horas sem hemodiálise (HD), ao qual estão submetidos pacientes em tratamento convencional de HD três vezes por semana e no qual ocorre maior número de internações e eventos cardiovasculares.22 Georgianos PI, Sarafidis PA, Sinha AD, Agarwal R. Adverse effects of conventional thrice-weekly hemodialysis: is it time to avoid 3-day interdialytic intervals? Am J Nephrol 2015;41:400-8.,33 Fotheringham J, Fogarty DG, El Nahas M, Campbell MJ, Farrington K. The mortality and hospitalization rates associated with the long interdialytic gap in thrice-weekly hemodialysis patients. Kidney Int 2015;88:569-75. Provavelmente, tal fato decorre de maior acúmulo de toxinas urêmicas, ácidos, eletrólitos, principalmente o potássio, e volume no referido intervalo.44 Keshaviah PR, Nolph KD, Van Stone JC. The peak concentration hypothesis: a urea kinetic approach to comparing the adequacy of continuous ambulatory peritoneal dialysis (CAPD) and hemodialysis. Perit Dial Int 1989;9:257-60.

5 Marano M, Marano S, Gennari FJ. Beyond bicarbonate: complete acid-base assessment in patients receiving intermittent hemodialysis. Nephrol Dial Transplant 2017;32:528-33.

6 Sigrist MK, Devlin L, Taal MW, Fluck RJ, McIntyre CW. Length of interdialytic interval influences serum calcium and phosphorus concentrations. Nephrol Dial Transplant 2005;20:1643-46.

7 Brunelli SM, Du Mond C, Oestreicher N, Rakov V, Spiegel DM. Serum Potassium and Short-term Clinical Outcomes Among Hemodialysis Patients: Impact of the Long Interdialytic Interval. Am J Kidney Dis 2017;70:21-9.
-88 Agarwal R, Light RP. Arterial stiffness and interdialytic weight gain influence ambulatory blood pressure patterns in hemodialysis patients. Am J Physiol Renal Physiol 2008;294:F303-8. Além disso, a remoção desses elementos na primeira sessão de HD subsequente ao MII ocorre de forma mais intensa, acarretando flutuação abrupta de eletrólitos e maior instabilidade hemodinâmica.99 Rhee CM, Kalantar-Zadeh K. Implications of the long interdialytic gap: a problem of excess accumulation vs. excess removal? Kidney Int 2015;88:442-4.

Adicionalmente, a presença de função renal residual (FRR), que pode ser definida como um volume maior que 200 mL de urina em 24 horas, está associada a menor risco de morbidade e mortalidade em pacientes dialíticos.1010 Moist LM, Port FK, Orzol SM, Young EW, Ostbye T, Wolfe RA, et al. Predictors of loss of residual renal function among new dialysis patients. J Am Soc Nephrol 2000;11:556-64.,1111 Obi Y, Streja E, Rhee CM, Ravel V, Amin AN, Cupisti A, et al. Incremental Hemodialysis, Residual Kidney Function, and Mortality Risk in Incident Dialysis Patients: A Cohort Study. Am J Kidney Dis 2016;68:256-65.

De fato, pacientes com FRR apresentam maior excreção de sódio e água, com consequente menor ganho de peso interdialítico (GPID) e valores de pressão arterial (PA) mais adequados.1212 Vilar E, Wellsted D, Chandna SM, Greenwood RN, Farrington K. Residual renal function improves outcome in incremental haemodialysis despite reduced dialysis dose. Nephrol Dial Transplant 2009;24:2502-10.,1313 Menon MK, Naimark DM, Bargman JM, Vas SI, Oreopoulos DG. Long-term blood pressure control in a cohort of peritoneal dialysis patients and its association with residual renal function. Nephrol Dial Transplant 2001;16:2207-13. Além disso, apresentam controle mais adequado dos níveis séricos de potássio, fósforo e bicarbonato.1414 Khedr E, Abdelwhab S, El-Sharkawy M, Ali M, El Said K. Prevalence of hyperkalemia among hemodialysis patients in Egypt. Ren Fail 2009;31:891-8.

15 Rhee H, Yang JY, Jung WJ, Shin MJ, Yang BY, Song SH, et al. Significance of residual renal function for phosphate control in chronic hemodialysis patients. Kidney Res Clin Pract 2014;33:58-64.
-1616 Suda T, Hiroshige K, Ohta T, Watanabe Y, Iwamoto M, Kanegae K, et al. The contribution of residual renal function to overall nutritional status in chronic haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant 2000;15:396-401.

Visto que pacientes dialíticos com FRR demonstram maior capacidade de excretar eletrólitos, ácidos e volume comparativamente aos pacientes sem FRR, é provável que apresentem menor acúmulo corporal desses elementos durante o MII e exibam melhor perfil metabólico e hemodinâmico nesse período. Entretanto, existem poucos estudos que comparam pacientes com e sem FRR quanto aos níveis séricos de eletrólitos (sódio, potássio, cálcio e fósforo), status ácido-básico (pH, pCO2 e bicarbonato) e balanço hídrico especificamente ao longo do MII. Entendemos que a obtenção desses dados é importante, visto que pode incentivar práticas que visem à preservação da FRR, além de promover estratégias terapêuticas voltadas para a minimização dos efeitos deletérios do MII na população de pacientes sem FRR. Dessa forma, este estudo tem como objetivo avaliar as variações de eletrólitos, status ácido-básico e da volemia que ocorrem ao longo do MII em pacientes com e sem FRR.

Pacientes e métodos

Pacientes

O estudo foi realizado com pacientes submetidos à HD na Unidade de Hemodiálise Raimundo Bezerra, na cidade de Crato, Ceará. Essa unidade possui 289 pacientes distribuídos em três turnos em dias alternados: segundas, quartas e sextas (SQS); e terças, quintas e sábados (TQS). Foram selecionados pacientes dos primeiro e segundo turnos da SQS e do primeiro turno da TQS. Foram excluídos pacientes com menos de 18 anos, em HD havia menos de três meses, que possuíam menos de 12 horas semanais de diálise prescritas e os incapazes de medir o volume urinário. Os pacientes utilizavam dialisadores com membrana de polietersulfona: Elisio-19 H e 21 H (Nipro; Japão, 2016); e dialisato comercial com as seguintes concentrações: sódio: 138 mEq/L, potássio: 2 mEq/L, cálcio: 3.5 mEq/L e bicarbonato: 32 mEq/L. O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os pacientes. O estudo foi conduzido de acordo com os princípios da declaração de Helsinki e aprovado pelo comitê de ética da Faculdade de medicina do ABC, Santo André, São Paulo.

Desenho do estudo

Tratou-se de um estudo unicêntrico de caráter transversal e analítico cujo objetivo foi avaliar as alterações metabólicas e hemodinâmicas no MII em pacientes com e sem FRR. Em maio de 2017, 128 pacientes dialíticos que preencheram os critérios de inclusão foram questionados quanto à presença de FRR, definida como um volume de diurese > 200 mL em 24 horas. Desses, 42 pacientes relataram presença da FRR e 86, ausência. Foram, então, selecionados aleatoriamente, por meio de sorteio, 30 pacientes de cada grupo.

Coleta de dados

Os pacientes com FRR foram orientados a coletar urina para medida da depuração plasmática de ureia e creatinina no último dia do MII. Para aqueles em hemodiálise na SQS, a coleta de urina iniciou a partir do momento que os pacientes esvaziaram a bexiga pela primeira vez no domingo até o mesmo horário na segunda-feira. Pacientes em HD na TQS realizaram o mesmo procedimento da segunda para a terça-feira.

As amostras de sangue foram coletadas no início e no fim do MII. As amostras obtidas após a última sessão de HD que antecedia o MII foram coletadas no fim da quarta hora de diálise através da linha de sangue arterial do circuito de HD, e as amostras no fim do MII foram coletadas anteriormente à sessão de HD da linha arterial do circuito, logo após sua conexão com o paciente.

Foram coletadas duas amostras de 3 mL em cada momento descrito; sendo uma para análise bioquímica, em que foram dosados ureia, sódio, potássio, cálcio e fósforo; e outra para gasometria, em que foram dosados pH, bicarbonato e pCO2. Para medir a depuração plasmática de creatinina, foi dosada a creatinina na amostra sérica coletada no fim do MII. A albumina sérica foi dosada no fim do MII para correção do cálcio sérico.

As informações sobre a etiologia da doença renal, medicamentos utilizados e KT/V foram obtidas no prontuário eletrônico dos pacientes.

O peso foi aferido no início e fim do MII e o GPID calculado a partir da diferença entre os dois valores. A PA foi aferida por profissionais treinados após o MII, utilizando um esfigmanômetro de mercúrio com o paciente em posição sentada após 10 minutos de repouso.

Análise bioquímica

As amostras bioquímicas foram analisadas pelo equipamento Vitros 5600 Integrated System da empresa Ortho Clinical Diagnostics (Johnson & Johnson; New Jersey, Estados Unidos da América) pela metodologia de Espectofotometria de Reflectância (química seca).

A Gasometria foi analisada no gasímetro GEM Premier (Instrumentation Laboratory; Massachusetts, Estados Unidos da América), utilizando o método potenciométrico. As análises seguiram as boas práticas em análises clínicas.

Cálculos e definições

A variação dos eletrólitos (potássio, sódio, cálcio e fósforo) e parâmetros gasométricos (pH, pCO2 e bicarbonato) foi calculada pela diferença entre o valor encontrado após e antes o MII.

O valor de KT/V registrado no prontuário eletrônico foi obtido pela fórmula de Daugirdas1717 Daugirdas JT. The post: pre-dialysis plasma urea nitrogen ratio to estimate K.t/V and NPCR: mathematical modeling. Int J Artif Organs 1989;12:411-9. no mês anterior ao do estudo e consideraram-se adequados valores maiores ou iguais a 1,2 por sessão.1818 KDOQI Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for 2006 Updates: Hemodialysis Adequacy, Peritoneal Dialysis Adequacy and Vascular Access. Am J Kidney Dis 2006;48:S1-322.

Calculou-se a depuração plasmática de ureia e creatinina pela fórmula:

Concentração urinária de ureia ou creatinina (mg/dL) x Volume urinário (mL)

Concentração sérica de ureia ou creatinina (mg/dL) x 1440

Os valores de ureia e creatinina urinários foram obtidos pelas amostras de urina de 24 horas, enquanto os níveis de ureia e creatinina séricos foram obtidos de amostras coletadas no fim do intervalo. Os valores obtidos foram corrigidos para 1,73 m2 de área de superfície corporal. A depuração média de ureia e creatinina foi calculada através da média aritmética das depurações de ureia e creatinina.

O nível sérico de cálcio foi corrigido de acordo com a albumina sérica pela fórmula:

Cálcio corrigido = Cálcio medido + (0,8 x (4 - albumina sérica))

A pCO2 esperada foi estimada, para cada paciente, a partir do bicarbonato dosado na gasometria, pela fórmula HCO3 + 15.1919 Marano M, D'Amato A, Marano S. A very simple formula to compute pCO2 in hemodialysis patients. Int Urol Nephrol 2015;47:691-4. Para pacientes portadores de fístula, foram consideradas para análise gasometrias nas quais a saturação de oxigênio fosse > 95% e foram considerados adequados valores de PCO2 medidos de no máximo 5 mmHg maiores ou menores que o valor esperado. Para os pacientes com cateter, foram subtraídos 4 mmHg do valor de PCO2 encontrado na gasometria, visto que a PCO2 medida em veia central é cerca de 4 mmHg maior que a arterial, e considerados adequados valores resultantes até no máximo 5 mmHg maiores ou menores que a PCO2 esperada.55 Marano M, Marano S, Gennari FJ. Beyond bicarbonate: complete acid-base assessment in patients receiving intermittent hemodialysis. Nephrol Dial Transplant 2017;32:528-33.

A nPCR (normalized protein catabolic rate) foi calculada por meio da variação de ureia no MII, levando-se em conta a ureia urinária no caso de pacientes que possuíam FRR.2020 Jindal KK, Goldstein MB. Urea Kinetic Modelling in Chronic Hemodialysis: Benefits, Problems, and Practical Solutions. Semin Dial 1988;1:82-5. Como a diurese foi coletada em apenas um dia do intervalo, foi considerado para o cálculo o mesmo valor de ureia urinária para o dia não coletado. Foram considerados adequados valores maiores que 1,2 g/Kg/dia.2121 Tattersall J, Martin-Malo A, Pedrini L, Basci A, Canaud B, Fouque D, et al. EBPG guideline on dialysis strategies. Nephrol Dial Transplant 2007;22:ii5-21.

O GPID foi descrito como volume de ultrafiltração requerido por hora de hemodiálise dividido pelo peso do paciente.

Foram considerados adequados o GPID < 13/mL/h/kg e a PA pré-HD: sistólica entre 130 e 159 mmHg, e diastólica entre 60 e 89 mmHg.2222 Flythe JE, Kimmel SE, Brunelli SM. Rapid fluid removal during dialysis is associated with cardiovascular morbidity and mortality. Kidney Int 2011;79:250-7.,2323 Turner JM, Peixoto AJ. Blood pressure targets for hemodialysis patients. Kidney Int 2017;92:816-23.

Análise estatística

Foram empregadas estatísticas descritivas de tendência central, média e desvio-padrão para todas as variáveis contínuas, e de distribuição de frequência para as variáveis categóricas. O teste t para amostras independentes foi conduzido para avaliar possíveis diferenças entre variáveis contínuas dos dois grupos, e o teste de associação qui-quadrado (linear por linear) para verificar possíveis diferenças entre as variáveis categóricas. Valores de p < 0.05 foram considerados significativos. O programa Jasp (Versão Livre 0.8.5.0) foi utilizado em todas as análises.

Resultados

Dos 30 pacientes alocados inicialmente em cada grupo, 7 (2 com FRR e 5 sem FRR) foram excluídos por terem efetuado menos que 12 horas de HD na semana de coleta das amostras séricas. Um paciente do grupo com FRR foi excluído por não ter coletado a diurese para análise e 1 paciente do grupo sem FRR foi excluído por estar em outra cidade no período da coleta. Foram, então, avaliados 27 e 24 pacientes com e sem FRR, respectivamente.

As características de base dos pacientes estão demonstradas na Tabela 1. A depuração média mensurada de ureia e creatinina foi 3,6 mL/min/1,73 m2 no grupo com FRR. Os grupos eram semelhantes, inclusive em relação ao KTV e ao tipo de acesso vascular para HD, apresentando diferença estatisticamente significante apenas em relação ao tempo em hemodiálise (2,1 x 7,2 anos; p < 0,001, nos grupos com e sem FRR, respectivamente) e à quantidade de comprimidos de carbonato de cálcio utilizados, maior no grupo sem FRR.

Tabela 1
Avaliação das características clínicas de pacientes em hemodiálise na cidade de Crato, CE

Em relação às alterações de eletrólitos, os pacientes sem FRR, apesar de partirem de valores séricos semelhantes de potássio, apresentaram aumento significativamente maior (2,67 x 1,14 mEq/L, p < 0,001) do eletrólito ao longo do MII, culminando em valores mais elevados no fim (Tabela 2 e Figura 1A). Além disso, exibiram níveis séricos menores de sódio no fim do MII (Tabela 2), com maior proporção de pacientes com natremia menor que 137 mEq/L (Figura 1B), apesar de apresentarem níveis semelhantes no início do intervalo. Calcemia e fosfatemia foram semelhantes nos grupos com e sem FRR ao longo do MII (Tabela 2). Não houve diferença entre os grupos em relação à proporção de pacientes com fosfatemia normal (entre 2,5 e 4,5 mg/dL) no fim do intervalo (44,4 x 66,6 %, p = 0,11).

Tabela 2
Variação de eletrólitos ao longo do MII de acordo com a FRR

Figura 1
Alterações hidroeletrolíticas e ácidos após o MII de acordo com a FRR

Com relação ao status ácido-básico, o grupo sem FRR apresentou menor valor de pH no início e tendência a menor valor no fim do MII (Tabela 3). Apesar do nível sérico de bicarbonato ter sido semelhante entre os grupos ao longo do período avaliado (Tabela 3), o grupo sem FRR apresentou maior proporção de pacientes com valores de bicarbonato menor que 18 mEq/L no fim do MII (Figura 1C). Não houve diferença entre os grupos com e sem FRR em relação aos valores de pCO2 no início e fim do intervalo (Tabela 3). A variação média também foi semelhante entre os grupos, no entanto, no grupo sem FRR, houve maior proporção de pacientes com valores de pCO2 inadequados para os valores de bicarbonato encontrado, ou seja, com distúrbio ácido-básico misto no fim do MII (Figura 1D). Salienta-se que o distúrbio respiratório encontrado foi acidose respiratória (pCO2 excedendo em 5 mmHg o valor esperado) em 100% dos pacientes com distúrbio ácido-básico misto no grupo sem FRR e em 91,7% no grupo com FRR (apenas um paciente apresentou alcalose respiratória associada à acidose metabólica). Não foi evidenciada alcalose metabólica em nenhum dos pacientes avaliados no fim do MII.

Tabela 3
Variação do status ácido-básico ao longo do MII de acordo com a FRR

Os pacientes sem FRR apresentaram maior GPID (14,67 x 8,87 mL/kg/h, p < 0,001) durante o MII, assim como maior proporção de pacientes com GPID inadequado, embora os níveis pressóricos não tenham alcançado diferença estatisticamente significante entre os grupos (Tabela 4).

Tabela 4
Alterações hemodinâmicas, nPCR e albumina de acordo com a FRR

Não houve diferença entre os níveis séricos de albumina e a nPCR dos dois grupos (Tabela 4)

Discussão

Os pacientes com FRR apresentaram níveis séricos mais adequados de potássio e sódio, melhor status ácido-básico e menor GPID quando comparados aos resultados dos pacientes sem FRR. Também estavam em HD havia menos tempo, conforme esperado, visto que ocorre perda de FRR com o passar dos anos após início da terapia dialítica.1515 Rhee H, Yang JY, Jung WJ, Shin MJ, Yang BY, Song SH, et al. Significance of residual renal function for phosphate control in chronic hemodialysis patients. Kidney Res Clin Pract 2014;33:58-64. Até onde se sabe, este é o primeiro estudo que compara eletrólitos e status ácido-básico (pH, pCO2 e bicarbonato) ao longo de todo o MII em pacientes com e sem FRR.

Em relação ao potássio, os achados foram semelhantes aos encontrados na literatura. De fato, um estudo egípcio de 2009, ao comparar níveis séricos de potássio de 400 pacientes dialíticos com e sem FRR, no início e fim do intervalo interdialítico, também encontrou valores maiores de potássio no fim do intervalo no grupo sem FRR (5,89 x 5,12 mEq/L, p < 0,001), embora, diferentemente deste estudo, esses autores avaliaram pacientes em diferentes intervalo dialíticos.1414 Khedr E, Abdelwhab S, El-Sharkawy M, Ali M, El Said K. Prevalence of hyperkalemia among hemodialysis patients in Egypt. Ren Fail 2009;31:891-8. Em contrapartida, o potássio no início do intervalo interdialítico foi maior no grupo sem FRR (4,29 x 3,60 mEq/L, p < 0,001), enquanto que, neste trabalho, os valores aferidos nesse momento foram semelhantes, o que poderia ser resultado de fatores relacionados à eficiência da HD, não avaliados no referido estudo. Os autores também não compararam os valores médios de variação de potassemia no intervalo avaliado entre os dois grupos, ao contrário deste estudo, no qual ela foi significativamente maior no grupo sem FRR.

De forma semelhante, Vilar et al.,1212 Vilar E, Wellsted D, Chandna SM, Greenwood RN, Farrington K. Residual renal function improves outcome in incremental haemodialysis despite reduced dialysis dose. Nephrol Dial Transplant 2009;24:2502-10. ao compararem o nível sérico de potássio pré-HD em coleta mensal de 650 pacientes ingleses incidentes em hemodiálise com e sem FRR, ao longo de seis meses após início da HD, encontraram valores significativamente maiores no grupo sem FRR na maioria dos meses em que o eletrólito foi dosado (5,37 x 5,10 mEq/L; p = 0,005, no mês com maior nível sérico nos dois grupos). No entanto, diferentemente do nosso estudo, também não houve avaliação de todo intervalo interdialítico e o critério usado para definir FRR foi a presença de uma depuração de ureia maior que 1/mL/min/1,73 m2.

Salienta-se que, nos estudos mencionados acima, os níveis séricos de potássio no fim do intervalo interdialítico foram menores do que os encontrados em nosso estudo. Uma das possíveis explicações para isso é que esses dados, ao contrário dos nossos, não foram obtidos exclusivamente após o MII, quando o nível sérico de potássio geralmente é maior que no meio da semana. Nesse sentido, Yusuf et al.2424 Yusuf AA, Hu Y, Singh B, Menoyo JA, Wetmore JB. Serum Potassium Levels and Mortality in Hemodialysis Patients: A Retrospective Cohort Study. Am J Nephrol 2016;44:179-86. encontraram prevalência 2 a 2,4 vezes maior de hipercalemia após o MII quando comparada ao menor, em coorte de pacientes dialíticos americanos entre 2007 e 2010. No entanto, nos dados obtidos do DOPPS 2525 Karaboyas A, Zee J, Brunelli SM, Usvyat LA, Weiner DE, Maddux FW, et al. Dialysate Potassium, Serum Potassium, Mortality, and Arrhythmia Events in Hemodialysis: Results From the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis 2017;69:266-77. (Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study, que avaliou dados oriundos de 20 países entre 1996 a 2015), a diferença entre os níveis séricos de potássio entre o maior e o menor intervalo interdialítico variou de apenas 0.01 mEq/L na China a 0.19 mEq/L na Alemanha.

É importante ressaltar dois fatores que evidenciaram a grande vulnerabilidade dos pacientes sem FRR durante o MII: i) a morbimortalidade associada à hipercalemia de pacientes em HD é ainda mais significativa quando os valores de potássio estão acima de 6 mEq/L, o que ocorreu em 83% dos pacientes sem FRR em nosso estudo;2424 Yusuf AA, Hu Y, Singh B, Menoyo JA, Wetmore JB. Serum Potassium Levels and Mortality in Hemodialysis Patients: A Retrospective Cohort Study. Am J Nephrol 2016;44:179-86.,2525 Karaboyas A, Zee J, Brunelli SM, Usvyat LA, Weiner DE, Maddux FW, et al. Dialysate Potassium, Serum Potassium, Mortality, and Arrhythmia Events in Hemodialysis: Results From the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis 2017;69:266-77. ii) esses pacientes apresentaram grande variação dos níveis séricos de potássio ao longo do MII, visto que, apesar de partirem de valores de potássio semelhantes aos dos pacientes com FRR no início do intervalo, atingiram valores significativamente maiores no fim, o que os expõe a um maior gradiente do eletrólito durante a sessão de HD, situação que também acarreta riscos de eventos adversos.99 Rhee CM, Kalantar-Zadeh K. Implications of the long interdialytic gap: a problem of excess accumulation vs. excess removal? Kidney Int 2015;88:442-4.

Embora não tenha sido avaliado o potássio sérico após o efeito rebote, que ocorre em até 6 horas após o término da diálise, sabe-se que esse efeito ocorre mais intensamente quanto mais altos forem os níveis de potássio sérico pré-dialíticos, o que poderia tornar os pacientes sem RRF ainda mais vulneráveis a ele.2626 Niemczyk L, Szamotulska K, Niemczyk S, Paklerska E, Klatko W, SokalsKi A, et al. Hyperpotassemia after hemodialysis (HD) and hemodiafiltration (HDF) - is there any difference in rebound effect? Nefrol Dializ Pol 2009;13:58-62.

Em relação aos distúrbios do equilíbrio ácido-básico, os pacientes com FRR apresentaram maiores valores de pH no início do MII, mantendo essa tendência ao longo do intervalo, embora sem significância estatística no fim. Entretanto, os níveis séricos de bicarbonato não foram diferentes durante o período estudado. Em contrapartida, Suda et al.,1616 Suda T, Hiroshige K, Ohta T, Watanabe Y, Iwamoto M, Kanegae K, et al. The contribution of residual renal function to overall nutritional status in chronic haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant 2000;15:396-401. ao compararem 41 pacientes de um centro dialítico no Japão com e sem FRR no fim do MII, encontraram valores significativamente maiores de bicarbonato no grupo com FRR (19,5 x 18,2 mEq/L; p = 0,032), embora não tenham avaliado outros parâmetros gasométricos. Porém, apesar do valor médio de bicarbonato não ter sido diferente entre os grupos no nosso estudo, a prevalência de pacientes com níveis séricos de bicarbonato < 18 mEq/L no fim do MII foi significativamente maior (50 x 14,8%) no grupo sem FRR, ressaltando-se que essa faixa de valores é associada à maior mortalidade.2727 Misra M. Pro: Higher serum bicarbonate in dialysis patients is protective. Nephrol Dial Transplant 2016;31:1220-4. De forma semelhante, Raikou et al.,2828 Raikou VD, Kyriaki D. Association between Low Serum Bicarbonate Concentrations and Cardiovascular Disease in Patients in the End-Stage of Renal Disease. Diseases 2016;4:pii:E36. ao dividirem 52 pacientes dialíticos em dois grupos de acordo com o nível sérico de bicarbonato maior ou menor que 22 mEq/L, encontraram associação positiva (log-rank = 3,9; p = 0,04) entre a ausência de FRR e os menores valores de bicarbonato.

No entanto, pelos resultados conflitantes de estudos sobre valores de bicarbonato e mortalidade em pacientes dialíticos, acredita-se que sua análise conjunta com o pH e pCO2 leve ao entendimento mais adequado do status ácido-básico do paciente, devido à grande prevalência de distúrbios mistos nessa população.2727 Misra M. Pro: Higher serum bicarbonate in dialysis patients is protective. Nephrol Dial Transplant 2016;31:1220-4.,2929 Wu DY, Shinaberger CS, Regidor DL, McAllister CJ, Kopple JD, Kalantar-Zadeh K. Association between serum bicarbonate and death in hemodialysis patients: is it better to be acidotic or alkalotic? Clin J Am Soc Nephrol 2006;1:70-8. Dessa forma, nosso trabalho evidenciou proporção significativamente maior de pacientes com distúrbio misto no grupo sem FRR (57,7 x 29,2%), representado por acidose respiratória associada à metabólica em todos os pacientes desse grupo. Tal fato poderia evidenciar a menor capacidade desses pacientes de compensar as variações de bicarbonato, eliminando C02 pela respiração.

Nosso estudo sugere que pacientes sem FRR são mais propensos a apresentar níveis mais baixos de bicarbonato (< 18 mEq/L) e resposta respiratória inadequada à acidose metabólica. Uma possível explicação para isso seria a congestão pulmonar, uma vez que esses pacientes apresentam também maior GPID, conforme constatado neste estudo.

Não encontramos diferença entre a nPCR e a albumina sérica entre os dois grupos avaliados, ao contrário dos achados da literatura, em que a FRR está associada a melhores parâmetros nutricionais, possivelmente devido ao pequeno tamanho da amostra.1616 Suda T, Hiroshige K, Ohta T, Watanabe Y, Iwamoto M, Kanegae K, et al. The contribution of residual renal function to overall nutritional status in chronic haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant 2000;15:396-401. Os pacientes dos dois grupos apresentaram valor médio de nPCR abaixo do adequado, embora tenha sido superior ao valor crítico (0,8 g / kg / dia); a albumina sérica foi maior que o valor mínimo recomendado (3,8 g / dL) e o valor médio de KTV foi adequado em ambos os grupos. É possível que os baixos valores de nPCR encontrados estejam relacionados aos níveis médios de bicarbonato dos dois grupos considerados abaixo do nível recomendado (< 22 meq / L) ou relacionados a questões sociais ou comorbidades não avaliadas neste estudo.1818 KDOQI Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for 2006 Updates: Hemodialysis Adequacy, Peritoneal Dialysis Adequacy and Vascular Access. Am J Kidney Dis 2006;48:S1-322.

Os níveis séricos de fósforo não foram diferentes ao longo do MII entre os dois grupos. Esses resultados divergem dos encontrados na maioria dos trabalhos na literatura,1515 Rhee H, Yang JY, Jung WJ, Shin MJ, Yang BY, Song SH, et al. Significance of residual renal function for phosphate control in chronic hemodialysis patients. Kidney Res Clin Pract 2014;33:58-64.,3030 Wang M, You L, Li H, Lin Y, Zhang Z, Hao C, Chen J. Association of circulating fibroblast growth factor-23 with renal phosphate excretion among hemodialysis patients with residual renal function. Clin J Am Soc Nephrol 2013;8:116-25.,3131 Penne EL, van der Weerd NC, Grooteman MP, Mazairac AH, van den Dorpel MA, Nubé MJ, et al. Role of residual renal function in phosphate control and anemia management in chronic hemodialysis patients. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:281-9. embora não em todos.3232 Shin DH, Lee YK, Oh J, Yoon JW, Rhee SY, Kim EJ, et al. Vascular calcification and cardiac function according to residual renal function in patients on hemodialysis with urination. PLoS One 2017;12:e0185296. É possível que o pequeno tamanho da amostra, assim como o valor da depuração de ureia e creatinina dos pacientes deste estudo tenham contribuído para esses achados. De fato, Penne et al.,3131 Penne EL, van der Weerd NC, Grooteman MP, Mazairac AH, van den Dorpel MA, Nubé MJ, et al. Role of residual renal function in phosphate control and anemia management in chronic hemodialysis patients. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:281-9. em 2010, ao avaliarem a fosfatemia de 552 pacientes com e sem FRR após o MII, encontraram maior proporção de pacientes com níveis séricos de fósforo normais apenas no subgrupo com depuração média de ureia e creatinina superior a 4,13 mL/min comparado ao subgrupo de pacientes sem FRR (64 x 48%, odds ratio 2,4; p < 0,005). Quando compararam o subgrupo com depuração média inferior a 4,13 mL/min, como a deste estudo, com o subgrupo de pacientes sem FRR, não houve diferença significativa entre os grupos. De forma semelhante, Rhee et al.1515 Rhee H, Yang JY, Jung WJ, Shin MJ, Yang BY, Song SH, et al. Significance of residual renal function for phosphate control in chronic hemodialysis patients. Kidney Res Clin Pract 2014;33:58-64. avaliaram 77 pacientes de um centro dialítico coreano, evidenciando valores de fosfatemia menores no grupo com FRR em relação ao grupo sem FRR (4,32 x 5,32; p = 0,017), porém a depuração média de ureia e creatinina do grupo com FRR também foi superior à do nosso estudo (6,4 x 3,6 mL/min).

Os níveis séricos de cálcio foram semelhantes nos dois grupos durante o intervalo. Os resultados na literatura são controversos a esse respeito. De fato, Shin et al.,3232 Shin DH, Lee YK, Oh J, Yoon JW, Rhee SY, Kim EJ, et al. Vascular calcification and cardiac function according to residual renal function in patients on hemodialysis with urination. PLoS One 2017;12:e0185296. ao compararem pacientes com depuração de ureia maior e menor que 0,9 mL/min em três unidades coreanas de HD, também não encontraram diferença entre os grupos quanto aos níveis séricos de cálcio (8,7 x 8,6 mg/dL; p = 0,92). Em contrapartida, Wang et al.,3030 Wang M, You L, Li H, Lin Y, Zhang Z, Hao C, Chen J. Association of circulating fibroblast growth factor-23 with renal phosphate excretion among hemodialysis patients with residual renal function. Clin J Am Soc Nephrol 2013;8:116-25. ao realizarem um estudo unicêntrico com 134 pacientes chineses, encontraram valores menores de cálcio no grupo com FRR (9,1 x 9,8 mg/dl; p < 0,001). A grande variação da calcemia em pacientes dialíticos, influenciada por outros fatores que não a excreção renal, poderia explicar esses diferentes resultados.3333 Levitt H, Smith KG, Rosner MH. Variability in calcium, phosphorus, and parathyroid hormone in patients on hemodialysis. Hemodial Int 2009;13:518-25.

Conforme esperado e encontrado em outros estudos,1212 Vilar E, Wellsted D, Chandna SM, Greenwood RN, Farrington K. Residual renal function improves outcome in incremental haemodialysis despite reduced dialysis dose. Nephrol Dial Transplant 2009;24:2502-10.,3232 Shin DH, Lee YK, Oh J, Yoon JW, Rhee SY, Kim EJ, et al. Vascular calcification and cardiac function according to residual renal function in patients on hemodialysis with urination. PLoS One 2017;12:e0185296. evidenciamos GPID significativamente maior nos pacientes sem FRR quando comparado aos pacientes com FRR, além de maior prevalência de pacientes com ganho de peso considerado inadequado (> 13/mL/kg/h) no primeiro grupo. Sabe-se que esse excesso de acúmulo de fluido, mais acentuado no MII, está associado tanto à morbidade cardiovascular em longo prazo, provavelmente por aumentar o risco de hipertrofia ventricular esquerda, como à probabilidade de hipotensão e instabilidade cardiovascular durante a sessão de HD.99 Rhee CM, Kalantar-Zadeh K. Implications of the long interdialytic gap: a problem of excess accumulation vs. excess removal? Kidney Int 2015;88:442-4.,3434 Agarwal R, Light RP. Chronobiology of arterial hypertension in hemodialysis patients: implications for home blood pressure monitoring. Am J Kidney Dis 2009;54:693-701.

Embora exista relação entre GPID e aumento de PA no MII, essa relação não é linear.3535 Waikar SS, Curhan GC, Brunelli SM. Mortality associated with low serum sodium concentration in maintenance hemodialysis. Am J Med 2011;124:77-84. Dessa forma, não foi encontrada diferença entre os dois grupos em relação à PA média, proporção de paciente com níveis pressóricos pré-dialíticos adequados e quantidade de anti-hipertensivos utilizados, achados semelhantes aos da literatura.1212 Vilar E, Wellsted D, Chandna SM, Greenwood RN, Farrington K. Residual renal function improves outcome in incremental haemodialysis despite reduced dialysis dose. Nephrol Dial Transplant 2009;24:2502-10.,3030 Wang M, You L, Li H, Lin Y, Zhang Z, Hao C, Chen J. Association of circulating fibroblast growth factor-23 with renal phosphate excretion among hemodialysis patients with residual renal function. Clin J Am Soc Nephrol 2013;8:116-25.,3232 Shin DH, Lee YK, Oh J, Yoon JW, Rhee SY, Kim EJ, et al. Vascular calcification and cardiac function according to residual renal function in patients on hemodialysis with urination. PLoS One 2017;12:e0185296.

Por fim, em relação aos níveis séricos de sódio, verificou-se que os pacientes sem FRR apresentaram valores significativamente mais baixos no fim do MII, o que poderia estar associado ao maior GPID evidenciado nos pacientes desse grupo.3636 Albalate Ramón M, de Sequera Ortiz P, Pérez-García R, Ruiz-Álvarez MJ, Corchete Prats E, Talaván T, et al. Sodium set-point in haemodialysis: is it what we see clinically? Nefrologia 2013;33:808-15.,3737 Hecking M, Karaboyas A, Saran R, Sen A, Inaba M, Rayner H, et al. Dialysate sodium concentration and the association with interdialytic weight gain, hospitalization, and mortality. Clin J Am Soc Nephrol 2012;7:92-100. No entanto, Abalate et al.,3737 Hecking M, Karaboyas A, Saran R, Sen A, Inaba M, Rayner H, et al. Dialysate sodium concentration and the association with interdialytic weight gain, hospitalization, and mortality. Clin J Am Soc Nephrol 2012;7:92-100. ao avaliarem 98 pacientes dialíticos de um centro espanhol em relação à natremia, não encontraram diferença na proporção de pacientes que possuíam FRR nos grupos divididos por faixa de valores séricos de sódio: Na < 138 mEq/L, entre 138 e 140 e > 142 mEq/L (25, 33,3 e 41,7%, respectivamente; p = não significativo), embora a natremia tenha tido uma relação negativa com o GPID. Nesse estudo, o MII não foi especificamente avaliado, em que ocorre maior diferença de GPID e possivelmente de natremia entre pacientes com e sem FRR. De qualquer forma, menores valores de sódio estão associados à maior mortalidade em pacientes dialíticos em diversos estudos; mesmo quando ajustada para outros possíveis fatores de confusão, como maior GPID, insuficiência cardíaca e FRR, tendo o valor abaixo de 137 mEq/L sido associado a maior risco de desfechos negativos no estudo de Hecking et al.3838 Hecking M, Karaboyas A, Saran R, Sen A, Hörl WH, Pisoni RL, et al. Predialysis serum sodium level, dialysate sodium, and mortality in maintenance hemodialysis patients: the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis 2012;59:238-48. e salientando-se a maior proporção de pacientes nessa faixa de valores no grupo sem FRR (45 x 11 %) neste estudo.3535 Waikar SS, Curhan GC, Brunelli SM. Mortality associated with low serum sodium concentration in maintenance hemodialysis. Am J Med 2011;124:77-84.,3838 Hecking M, Karaboyas A, Saran R, Sen A, Hörl WH, Pisoni RL, et al. Predialysis serum sodium level, dialysate sodium, and mortality in maintenance hemodialysis patients: the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis 2012;59:238-48.

Este estudo tem limitações. Uma delas é o pequeno tamanho da amostra, o que provavelmente dificultou a obtenção de resultados estatisticamente significantes em algumas variáveis analisadas. Além disso, não foi avaliada a dieta dos pacientes no intervalo analisado, nem suas comorbidades; fatores que poderiam ter interferido nos resultados. Embora seja possível medir a FRR nas últimas 24 horas do MII, o ideal é que a medida seja efetuada durante todo o intervalo. Outra limitação é que a FRR foi definida como um volume urinário maior que 200 mL, de acordo com alguns estudos, embora outros considerem 100 mL como ponto de corte, o que também poderia interferir nos resultados.

Conclusão

Pacientes sem função renal residual apresentaram maior acúmulo de potássio e ganho de peso ao longo do maior intervalo interdialítico; além de menor natremia e maior prevalência de distúrbios ácido-básicos mistos no fim do intervalo quando comparados a pacientes com função renal residual. Mais estudos se fazem necessários no referido intervalo, com maior número de pacientes, visando confirmar esses dados e encontrar outras associações possivelmente não evidenciadas pelo pequeno tamanho da amostra.

Agradecimentos

Agradecemos a valiosa contribuição de João Halisson Lemos Carvalho e Jessica Lissandra Alves Leite, responsáveis pelo suporte técnico laboratorial nas dosagens bioquímicas realizadas no estudo; e a Paulo Felipe Bandeira, responsável pelo apoio estatístico.

References

  • 1
    Collins AJ, Foley RN, Herzog C, Chavers BM, Gilbertson D, Ishani A, et al. Excerpts from the US Renal Data System 2009 Annual Data Report. Am J Kidney Dis 2010;55:S1-420.
  • 2
    Georgianos PI, Sarafidis PA, Sinha AD, Agarwal R. Adverse effects of conventional thrice-weekly hemodialysis: is it time to avoid 3-day interdialytic intervals? Am J Nephrol 2015;41:400-8.
  • 3
    Fotheringham J, Fogarty DG, El Nahas M, Campbell MJ, Farrington K. The mortality and hospitalization rates associated with the long interdialytic gap in thrice-weekly hemodialysis patients. Kidney Int 2015;88:569-75.
  • 4
    Keshaviah PR, Nolph KD, Van Stone JC. The peak concentration hypothesis: a urea kinetic approach to comparing the adequacy of continuous ambulatory peritoneal dialysis (CAPD) and hemodialysis. Perit Dial Int 1989;9:257-60.
  • 5
    Marano M, Marano S, Gennari FJ. Beyond bicarbonate: complete acid-base assessment in patients receiving intermittent hemodialysis. Nephrol Dial Transplant 2017;32:528-33.
  • 6
    Sigrist MK, Devlin L, Taal MW, Fluck RJ, McIntyre CW. Length of interdialytic interval influences serum calcium and phosphorus concentrations. Nephrol Dial Transplant 2005;20:1643-46.
  • 7
    Brunelli SM, Du Mond C, Oestreicher N, Rakov V, Spiegel DM. Serum Potassium and Short-term Clinical Outcomes Among Hemodialysis Patients: Impact of the Long Interdialytic Interval. Am J Kidney Dis 2017;70:21-9.
  • 8
    Agarwal R, Light RP. Arterial stiffness and interdialytic weight gain influence ambulatory blood pressure patterns in hemodialysis patients. Am J Physiol Renal Physiol 2008;294:F303-8.
  • 9
    Rhee CM, Kalantar-Zadeh K. Implications of the long interdialytic gap: a problem of excess accumulation vs. excess removal? Kidney Int 2015;88:442-4.
  • 10
    Moist LM, Port FK, Orzol SM, Young EW, Ostbye T, Wolfe RA, et al. Predictors of loss of residual renal function among new dialysis patients. J Am Soc Nephrol 2000;11:556-64.
  • 11
    Obi Y, Streja E, Rhee CM, Ravel V, Amin AN, Cupisti A, et al. Incremental Hemodialysis, Residual Kidney Function, and Mortality Risk in Incident Dialysis Patients: A Cohort Study. Am J Kidney Dis 2016;68:256-65.
  • 12
    Vilar E, Wellsted D, Chandna SM, Greenwood RN, Farrington K. Residual renal function improves outcome in incremental haemodialysis despite reduced dialysis dose. Nephrol Dial Transplant 2009;24:2502-10.
  • 13
    Menon MK, Naimark DM, Bargman JM, Vas SI, Oreopoulos DG. Long-term blood pressure control in a cohort of peritoneal dialysis patients and its association with residual renal function. Nephrol Dial Transplant 2001;16:2207-13.
  • 14
    Khedr E, Abdelwhab S, El-Sharkawy M, Ali M, El Said K. Prevalence of hyperkalemia among hemodialysis patients in Egypt. Ren Fail 2009;31:891-8.
  • 15
    Rhee H, Yang JY, Jung WJ, Shin MJ, Yang BY, Song SH, et al. Significance of residual renal function for phosphate control in chronic hemodialysis patients. Kidney Res Clin Pract 2014;33:58-64.
  • 16
    Suda T, Hiroshige K, Ohta T, Watanabe Y, Iwamoto M, Kanegae K, et al. The contribution of residual renal function to overall nutritional status in chronic haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant 2000;15:396-401.
  • 17
    Daugirdas JT. The post: pre-dialysis plasma urea nitrogen ratio to estimate K.t/V and NPCR: mathematical modeling. Int J Artif Organs 1989;12:411-9.
  • 18
    KDOQI Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for 2006 Updates: Hemodialysis Adequacy, Peritoneal Dialysis Adequacy and Vascular Access. Am J Kidney Dis 2006;48:S1-322.
  • 19
    Marano M, D'Amato A, Marano S. A very simple formula to compute pCO2 in hemodialysis patients. Int Urol Nephrol 2015;47:691-4.
  • 20
    Jindal KK, Goldstein MB. Urea Kinetic Modelling in Chronic Hemodialysis: Benefits, Problems, and Practical Solutions. Semin Dial 1988;1:82-5.
  • 21
    Tattersall J, Martin-Malo A, Pedrini L, Basci A, Canaud B, Fouque D, et al. EBPG guideline on dialysis strategies. Nephrol Dial Transplant 2007;22:ii5-21.
  • 22
    Flythe JE, Kimmel SE, Brunelli SM. Rapid fluid removal during dialysis is associated with cardiovascular morbidity and mortality. Kidney Int 2011;79:250-7.
  • 23
    Turner JM, Peixoto AJ. Blood pressure targets for hemodialysis patients. Kidney Int 2017;92:816-23.
  • 24
    Yusuf AA, Hu Y, Singh B, Menoyo JA, Wetmore JB. Serum Potassium Levels and Mortality in Hemodialysis Patients: A Retrospective Cohort Study. Am J Nephrol 2016;44:179-86.
  • 25
    Karaboyas A, Zee J, Brunelli SM, Usvyat LA, Weiner DE, Maddux FW, et al. Dialysate Potassium, Serum Potassium, Mortality, and Arrhythmia Events in Hemodialysis: Results From the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis 2017;69:266-77.
  • 26
    Niemczyk L, Szamotulska K, Niemczyk S, Paklerska E, Klatko W, SokalsKi A, et al. Hyperpotassemia after hemodialysis (HD) and hemodiafiltration (HDF) - is there any difference in rebound effect? Nefrol Dializ Pol 2009;13:58-62.
  • 27
    Misra M. Pro: Higher serum bicarbonate in dialysis patients is protective. Nephrol Dial Transplant 2016;31:1220-4.
  • 28
    Raikou VD, Kyriaki D. Association between Low Serum Bicarbonate Concentrations and Cardiovascular Disease in Patients in the End-Stage of Renal Disease. Diseases 2016;4:pii:E36.
  • 29
    Wu DY, Shinaberger CS, Regidor DL, McAllister CJ, Kopple JD, Kalantar-Zadeh K. Association between serum bicarbonate and death in hemodialysis patients: is it better to be acidotic or alkalotic? Clin J Am Soc Nephrol 2006;1:70-8.
  • 30
    Wang M, You L, Li H, Lin Y, Zhang Z, Hao C, Chen J. Association of circulating fibroblast growth factor-23 with renal phosphate excretion among hemodialysis patients with residual renal function. Clin J Am Soc Nephrol 2013;8:116-25.
  • 31
    Penne EL, van der Weerd NC, Grooteman MP, Mazairac AH, van den Dorpel MA, Nubé MJ, et al. Role of residual renal function in phosphate control and anemia management in chronic hemodialysis patients. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:281-9.
  • 32
    Shin DH, Lee YK, Oh J, Yoon JW, Rhee SY, Kim EJ, et al. Vascular calcification and cardiac function according to residual renal function in patients on hemodialysis with urination. PLoS One 2017;12:e0185296.
  • 33
    Levitt H, Smith KG, Rosner MH. Variability in calcium, phosphorus, and parathyroid hormone in patients on hemodialysis. Hemodial Int 2009;13:518-25.
  • 34
    Agarwal R, Light RP. Chronobiology of arterial hypertension in hemodialysis patients: implications for home blood pressure monitoring. Am J Kidney Dis 2009;54:693-701.
  • 35
    Waikar SS, Curhan GC, Brunelli SM. Mortality associated with low serum sodium concentration in maintenance hemodialysis. Am J Med 2011;124:77-84.
  • 36
    Albalate Ramón M, de Sequera Ortiz P, Pérez-García R, Ruiz-Álvarez MJ, Corchete Prats E, Talaván T, et al. Sodium set-point in haemodialysis: is it what we see clinically? Nefrologia 2013;33:808-15.
  • 37
    Hecking M, Karaboyas A, Saran R, Sen A, Inaba M, Rayner H, et al. Dialysate sodium concentration and the association with interdialytic weight gain, hospitalization, and mortality. Clin J Am Soc Nephrol 2012;7:92-100.
  • 38
    Hecking M, Karaboyas A, Saran R, Sen A, Hörl WH, Pisoni RL, et al. Predialysis serum sodium level, dialysate sodium, and mortality in maintenance hemodialysis patients: the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis 2012;59:238-48.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2018
  • Aceito
    14 Out 2018
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com