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Consequências do diagnóstico tardio de paracoccidioidomicose: relato de caso

RESUMO

INTRODUÇÃO:

A paracoccidioidomicose é uma infecção fúngica endêmica de grande prevalência na América Latina.

RELATO DE CASO:

Paciente do sexo masculino, 68 anos de idade, foi encaminhado à Universidade Federal do Maranhão (UFMA) devido a uma lesão ulcerada de aspecto moriforme em toda a extensão do palato, com sintomatologia. O diagnóstico clínico foi de carcinoma epidermoide, e a biópsia incisional confirmou o diagnóstico de paracoccidioidomicose crônica. Grocott-Gomori e ácido periódico Schiff (PAS) foram utilizados como colorações especiais.

CONCLUSÃO:

É importante observar as características clínicas da lesão, bem como orientar a população acerca dessa infecção, uma vez que a educação em saúde é um passo fundamental para prevenir e diagnosticar a lesão.

Unitermos:
paracoccidioidomicose; diagnóstico precoce; educação em saúde

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Paracoccidioidomycosis is an endemic fungal infection of great prevalence in Latin America.

CASE REPORT:

A 68-year-old male patient was referred to the Universidade Federal do Maranhão (UFMA) due to an ulcerated lesion with moriform appearance throughout the palate, with symptoms. The clinical diagnosis was squamous cell carcinoma and the incisional biopsy confirmed the diagnosis of chronic paracoccidioidomycosis. Grocott-Gomori and periodic acid Schiff (PAS) were used as special stains.

CONCLUSION:

It is important to observe the clinical characteristics of the lesion, as well as to clarify the population about this infection since health education is a fundamental step to prevent and diagnose the lesion.

Key words:
paracoccidioidomycosis; early diagnosis; health education

RESUMEN

INTRODUCCIÓN:

La paracoccidioidomicosis es una infección fúngica endémica de gran prevalencia en Latinoamérica.

REPORTE DE CASO:

Paciente del sexo masculino, 68 anos de edad, fue referido a la Universidade Federal do Maranhão (UFMA) debido a una lesión ulcerada de aspecto moriforme en toda la superficie del paladar, con síntomas. El diagnóstico clínico fue carcinoma epidermoide, y la biopsia incisional confirmó el diagnóstico de paracoccidioidomicosis crónica. Grocott-Gomori y ácido periódico de Schiff (PAS) fueron utilizados como tinciones especiales.

CONCLUSIÓN:

Es importante observar las características clínicas de la lesión, así como orientar la población sobre esa infección, una vez que la educación en salud es un paso fundamental para prevenir y diagnosticar la lesión.

Palabras clave:
paracoccidioidomicosis; diagnóstico precoz; educación en salud

INTRODUÇÃO

A paracoccidioidomicose (PMC) é uma doença granulomatosa crônica causada pelo fungo dimórfico Paracoccidioidis brasiliensis. É a micose mais observada em pacientes que moram na América do Sul; o Brasil é a principal área afetada(11 Alves R, Marote J, Armas FM, et al. Paracoccidioidomicose: caso clínico. Med Cutan Iber Lat Am. 2013; 1(2): 63-6.

2 Ricci CD, Evangelista C, Tomaz BCA, Silva MV, Barbo MLP. Paracoccidiomicose: forma crônica cutânea. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2018; 20(1): 51-4.

3 Azenha MR, Caliento R, Brentegani LG, Lacerda SA. Retrospectivo de manifestações bucais em pacientes com paracoccidioidomicose. Braz Dent J. 2012; 23(6): 753-7.
-44 Pereira DA, Stamm AMNF, Schimdt HM, Nunes EOL, Vitorino O. Paracoccidioidomicose medular: relato de caso. Arq Catarin Med. 2014; 43(3): 69-72.). O fungo proveniente dos solos contaminados consegue alcançar as vias áreas superiores pela inalação, e os pulmões são os primeiros locais acometidos; em seguida, pode ocorrer a disseminação para órgãos como pele, membranas mucosas, região gastrointestinal, baço e sistema linfático. Mascar gravetos contaminados com o fungo é outra forma de contágio muito comum entre os trabalhadores da zona rural(11 Alves R, Marote J, Armas FM, et al. Paracoccidioidomicose: caso clínico. Med Cutan Iber Lat Am. 2013; 1(2): 63-6.,44 Pereira DA, Stamm AMNF, Schimdt HM, Nunes EOL, Vitorino O. Paracoccidioidomicose medular: relato de caso. Arq Catarin Med. 2014; 43(3): 69-72.,55 Bisinelli JC, Telles FQ, Sobrinho JA, Rapoport A. Manifestações estomatológicas da paracoccidioidomicose. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001; 67(5): 683-7.).

A PMC é classificada clinicamente em aguda, subaguda e crônica. As características dependem de fatores como: virulência da cepa do P. brasiliensis, resposta imunológica do hospedeiro, sítios anatômicos acometidos e particularidade de cada paciente(22 Ricci CD, Evangelista C, Tomaz BCA, Silva MV, Barbo MLP. Paracoccidiomicose: forma crônica cutânea. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2018; 20(1): 51-4.,66 Pedreira RPG, Guimarães EP, de Cali ML, Magalhães EM, Hanemann JA. Paracoccidioidomycosis mimicking squamous cell carcinoma on the dorsum of the tongue and review of published literature. Mycopathologia. 2014; 177: 325-9.). Existe uma significativa predileção pelo sexo masculino, na faixa etária entre 30 e 50 anos, tendo como fator de risco a profissão desses pacientes, que se relaciona com o manejo de solo(44 Pereira DA, Stamm AMNF, Schimdt HM, Nunes EOL, Vitorino O. Paracoccidioidomicose medular: relato de caso. Arq Catarin Med. 2014; 43(3): 69-72.,55 Bisinelli JC, Telles FQ, Sobrinho JA, Rapoport A. Manifestações estomatológicas da paracoccidioidomicose. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001; 67(5): 683-7.).

O diagnóstico da PMC pode ser realizado por meio do isolamento do fungo em cultura, testes sorológicos, histopatológico da pele e das mucosas, além da radiografia do tórax para observar comprometimento pulmonar(11 Alves R, Marote J, Armas FM, et al. Paracoccidioidomicose: caso clínico. Med Cutan Iber Lat Am. 2013; 1(2): 63-6.,22 Ricci CD, Evangelista C, Tomaz BCA, Silva MV, Barbo MLP. Paracoccidiomicose: forma crônica cutânea. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2018; 20(1): 51-4.,55 Bisinelli JC, Telles FQ, Sobrinho JA, Rapoport A. Manifestações estomatológicas da paracoccidioidomicose. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001; 67(5): 683-7.). Histologicamente, a coloração feita com hematoxilina e eosina (HE) muitas vezes não permite reconhecer a morfologia parasitária, sendo necessário utilizar a coloração de Grocott-Gomori e o método de ácido periódico Schiff (PAS)(77 Abreu e Silva MA, Salum FG, Figueiredo MA, Cherubini k. Important aspects of oral paracoccidioidomycosis - a literature review. Mycoses. 2013; 56: 189-99.), o que permite a visualização de múltiplos brotamentos de filhos ligados à mãe, resultando em uma aparência semelhante à de “orelhas de Mickey Mouse” ou de “leme de marinheiro”(88 Vieira T, Martinez R, Ferreira CM, et al. Lesões de paracoccidioidomicose acometendo tecido cutâneo e mucosa bucal: relato de caso clínico. Rev Bahiana Odontologia, Salvador. 2013; 4(1): 54-64.).

O tratamento dos pacientes depende da gravidade do processo infeccioso em que ele se encontra. As drogas derivadas das sulfamidas são utilizadas desde a década de 1940 e ainda são uma ótima opção de tratamento para os casos com pouco ou médio comprometimento. A anfotericina B intravenosa é a droga mais indicada para os quadros mais graves e com risco de óbito. Nos casos com gravidade acentuada, mas sem risco de morte, antifúngicos como itraconazol ou cetoconazol apresentam bons resultados e podem ser utilizados por longos períodos(11 Alves R, Marote J, Armas FM, et al. Paracoccidioidomicose: caso clínico. Med Cutan Iber Lat Am. 2013; 1(2): 63-6.,55 Bisinelli JC, Telles FQ, Sobrinho JA, Rapoport A. Manifestações estomatológicas da paracoccidioidomicose. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001; 67(5): 683-7.).

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 68 anos de idade, pardo, residente no interior do estado do Maranhão, procurou atendimento médico no posto de saúde em decorrência de uma lesão bucal em toda a extensão do palato duro e mole, com o aspecto de ulceração moriformes. Após exame físico, foi encaminhado para atendimento odontológico na capital do estado, onde foi direcionado para o curso de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) devido ao provável diagnóstico clínico de carcinoma epidermoide. Na anamnese, não relatou nenhuma alteração sistêmica; passa a maior parte do dia no trabalho (agricultura) e possui o hábito de colocar gravetos na boca para mascar.

No exame extrabucal, apresentava lesões semelhantes na região do dedo indicador do pé, emagrecimento intenso, dificuldade respiratória e debilidade física; todas essas alterações foram percebidas por ele há mais de três meses. No exame intrabucal, apresentava perdas dentárias, higiene bucal insatisfatória, cálculos dentais remanescentes e uma extensa lesão ulcerada no palato duro com extensão ao palato mole (Figura 1A). Diante desses achados clínicos, a hipótese diagnóstica foi de carcinoma de epidermoide ou PMC. Foi realizada a biópsia incisional da lesão em quatro áreas diferentes para elucidação do diagnóstico. O material foi encaminhado para o laboratório de patologia bucal do curso de Odontologia da UFMA.

FIGURA 1
Aspectos clínicos e histopatológicos. A) aspecto clínico; B) presença de granulomas (setas azuis); C) presença de granulomas (setas azuis) com visualização da levedura; D) forma de leveduras do fungo (setas verdes).

O processamento foi realizado no próprio laboratório, e as lâminas foram coradas em HE. A lesão era granulomatosa, caracterizada por focos de células necrosadas ou infectadas com algum agente específico, além de ser circundada por um colar de linfócitos e plasmócitos entremeados ao tecido conjuntivo denso. O fungo foi identificado nos cortes examinados (Figura 1B).

Para melhor elucidação do caso, colorações especiais (PAS e Gomori-Grocott) foram realizadas para visualização da fase leveduriforme do fungo do material coletado (Figura 1C e D). O diagnóstico definitivo foi de PMC crônica, visto que o paciente apresentou alterações sistêmicas. Em seguida, ele foi encaminhado para tratamento e acompanhamento médico – devido à sua debilidade e à gravidade do caso.

O tratamento inicial foi com o uso de anfotericina B endovenosa. O paciente ficou internado no hospital universitário e, após 15 dias de tratamento, não apresentou evolução do quadro respiratório e foi a óbito.

DISCUSSÃO

No Brasil, micoses sistêmicas não integram a lista de notificação compulsória, o que dificulta o estabelecimento da correta prevalência da PMC(66 Pedreira RPG, Guimarães EP, de Cali ML, Magalhães EM, Hanemann JA. Paracoccidioidomycosis mimicking squamous cell carcinoma on the dorsum of the tongue and review of published literature. Mycopathologia. 2014; 177: 325-9.,99 Yasuda MAS, Bernad G. Brazilian guidelines for the clinical management of paracoccidioidomycosis. Consenso Epidemiol Serviço Saúde. 2018; 16(1).). Como não é uma doença notificada, a informação sobre sua existência é reduzida. Na ausência do registro regular de dados epidemiológicos e clínicos sobre essa micose, o conhecimento, infelizmente, é baseado apenas em estudos de série de caso e estudos isolados do microrganismo e suas linhagens(99 Yasuda MAS, Bernad G. Brazilian guidelines for the clinical management of paracoccidioidomycosis. Consenso Epidemiol Serviço Saúde. 2018; 16(1).), o que impossibilita análises mais adequadas em relação à real prevalência dos casos e à implementação de campanhas preventivas para ajudar a população, tanto na não contaminação quanto na busca de atendimento prévio.

A ausência de campanhas destinadas à orientação sobre essa doença dificulta ainda mais o diagnóstico precoce. A desinformação dos profissionais de saúde gera baixo índice de identificação de pacientes no estágio inicial da doença(1010 Matos WB, Santos GMC, Silva VEB, Gonçalves EGR, Silva AF. Paracoccidioidomycosis in the state of Maranhão, Brazil: geographical and clinical aspects. Rev Soc Bras Med Trop, Uberaba. 2012; 45(3).). O diagnóstico é realizado apenas em momento tardio e impossibilita a cura e a sobrevida dos pacientes, o que foi observado no caso relatado.

Para a realização do diagnóstico definitivo e o tratamento adequado, é necessária a visualização do fungo. Neste caso, os métodos de escolha para a coloração ‍– PAS e Gomori-Grocott(88 Vieira T, Martinez R, Ferreira CM, et al. Lesões de paracoccidioidomicose acometendo tecido cutâneo e mucosa bucal: relato de caso clínico. Rev Bahiana Odontologia, Salvador. 2013; 4(1): 54-64.), este último detecta a presença de mucina e glicogênio –, possibilitaram a liberação de grupos aldeídos, resultantes do pré-tratamento com ácido crômico. Em seguida, ocorreu a detecção de redução do complexo alcalino pelo nitrato de prata, já que a parede celular do fundo é rica em polissacarídeos(55 Bisinelli JC, Telles FQ, Sobrinho JA, Rapoport A. Manifestações estomatológicas da paracoccidioidomicose. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001; 67(5): 683-7.,1111 Millington MA, Nishioka SA, Martins ST, Santos ZMG, Júnior FEFL, Alves RV. Paracoccidioidomicose: abordagem histórica e perspectivas de implantação da vigilância e controle. Epidemiol Serviço Saúde. 2018; 27: 16.). Quando identificado, o tratamento adequado é implementado imediatamente, e os pacientes em estágio grave têm maior possibilidade de cura.

O tratamento de escolha é a terapia medicamentosa com altas doses, além de suporte nutricional, manejo das sequelas e manutenção do paciente em boa saúde com acompanhamento rigoroso(88 Vieira T, Martinez R, Ferreira CM, et al. Lesões de paracoccidioidomicose acometendo tecido cutâneo e mucosa bucal: relato de caso clínico. Rev Bahiana Odontologia, Salvador. 2013; 4(1): 54-64.). Nosso relatado demonstra que a demora do diagnóstico, e consequentemente da terapêutica, diminui a recuperação do infectado.

CONCLUSÃO

Diante do exposto e com base na análise da literatura, concluímos que é muito importante observar as características clínicas da lesão e realizar a indicação para o correto e rápido diagnóstico. Além disso, é necessário estimular a educação e promover a informação e comunicação para a população sobre as diversas formas de infecção da doença, com o objetivo de diminuir a ocorrência de casos.

REFERENCES

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    Alves R, Marote J, Armas FM, et al. Paracoccidioidomicose: caso clínico. Med Cutan Iber Lat Am. 2013; 1(2): 63-6.
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    Millington MA, Nishioka SA, Martins ST, Santos ZMG, Júnior FEFL, Alves RV. Paracoccidioidomicose: abordagem histórica e perspectivas de implantação da vigilância e controle. Epidemiol Serviço Saúde. 2018; 27: 16.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2019
  • Revisado
    12 Nov 2019
  • Aceito
    15 Jan 2021
  • Publicado
    27 Out 202020
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