Acessibilidade / Reportar erro

Importância do cariótipo em leucemia linfocítica crônica: relato de 18 casos

Importance of karyotype in chronic lymphocytic leukemia: report of 18 cases

Resumos

INTRODUÇÃO: A leucemia linfocítica crônica (LLC) é doença neoplásica caracterizada pelo acúmulo de linfócitos B maduros CD 5, CD 19 e CD 23 positivos. Alterações cromossômicas têm sido descritas pela citogenética clássica em 30% a 50% dos casos de LLC. OBJETIVO: O objetivo do presente trabalho é demonstrar as alterações de cariótipo observadas em pacientes com LLC em nosso meio. PROCEDIMENTOS: Foram selecionados 18 casos de nosso arquivo, avaliados no período de quatro anos, com LLC diagnosticada com base nos achados morfológicos e imunofenotípicos. Havia 13 homens e cinco mulheres, uma relação de 2,6:1, com mediana de 63 anos. RESULTADOS: Foram detectadas alterações de cariótipo em 39% dos casos (7/18). CONCLUSÕES: O cariótipo permitiu a identificação de diferentes clones em um grupo homogêneo de LLC sob os pontos de vista morfológico e imunofenotípico, demonstrando que as alterações genéticas são indicativas de comportamento biológico diferente.

LLC; Cariótipo; Prognóstico


BACKGROUND: Chronic lymphocytic leukemia (CLL) is a neoplasic disorder characterized by the accumulation of mature B lymphocytes CD 5, CD 19 and CD 23 positive. Chromosomal abnormalities have been described in 30% to 50% of the cases by conventional cytogenetics. OBJECTIVE: The objective of the present work was to describe chromosomal abnormalities detected in Brazilian CLL patients. METHODS: Eighteen cases with CLL selected from our files, in a 4 year period, were studied. The diagnosis was based on morphology and immunophenotype. There were 13 men and 5 women, a 2.6:1 ratio, with 63 median age. RESULTS: Chromosomal abnormalities were detected in 39% of the cases (7/18). CONCLUSION: The karyotype allowed the identification of different clones in a heterogenous CLL group under morphology and immunophenotype point of view demonstrating that genetic alterations are indicative of a different biological behavior.

CLL; Karyotype; Prognosis


RELATO DE CASO CASE REPORT

Importância do cariótipo em leucemia linfocítica crônica: relato de 18 casos

Importance of karyotype in chronic lymphocytic leukemia: report of 18 cases

Maria de Lourdes L. Ferrari ChauffailleI; Samantha VieiraII; Sérgio Luiz Ramos MartinsIII

IMD; Ph.D.; professora-adjunta da disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP); assessora médica do Fleury – Centro de Medicina Diagnóstica

IIBiomédica técnica especializada do Fleury – Centro de Medicina Diagnóstica

IIIMD; Ph.D.; assessor médico do Fleury – Centro de Medicina Diagnóstica

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria de Lourdes L. Ferrari Chauffaille Fleury – Centro de Medicina Diagnóstica Av. Gal. Waldomiro Lima 508 CEP 04344-070 – São Paulo-SP Tel.: (11) 5014-7621 Fax: (11) 5014-7651 E-mail: mlourdes.chauffaille@fleury.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A leucemia linfocítica crônica (LLC) é doença neoplásica caracterizada pelo acúmulo de linfócitos B maduros CD 5, CD 19 e CD 23 positivos. Alterações cromossômicas têm sido descritas pela citogenética clássica em 30% a 50% dos casos de LLC.

OBJETIVO: O objetivo do presente trabalho é demonstrar as alterações de cariótipo observadas em pacientes com LLC em nosso meio.

PROCEDIMENTOS: Foram selecionados 18 casos de nosso arquivo, avaliados no período de quatro anos, com LLC diagnosticada com base nos achados morfológicos e imunofenotípicos. Havia 13 homens e cinco mulheres, uma relação de 2,6:1, com mediana de 63 anos.

RESULTADOS: Foram detectadas alterações de cariótipo em 39% dos casos (7/18).

CONCLUSÕES: O cariótipo permitiu a identificação de diferentes clones em um grupo homogêneo de LLC sob os pontos de vista morfológico e imunofenotípico, demonstrando que as alterações genéticas são indicativas de comportamento biológico diferente.

Unitermos: LLC, Cariótipo, Prognóstico

ABSTRACT

BACKGROUND: Chronic lymphocytic leukemia (CLL) is a neoplasic disorder characterized by the accumulation of mature B lymphocytes CD 5, CD 19 and CD 23 positive. Chromosomal abnormalities have been described in 30% to 50% of the cases by conventional cytogenetics.

OBJECTIVE: The objective of the present work was to describe chromosomal abnormalities detected in Brazilian CLL patients.

METHODS: Eighteen cases with CLL selected from our files, in a 4 year period, were studied. The diagnosis was based on morphology and immunophenotype. There were 13 men and 5 women, a 2.6:1 ratio, with 63 median age.

RESULTS: Chromosomal abnormalities were detected in 39% of the cases (7/18).

CONCLUSION: The karyotype allowed the identification of different clones in a heterogenous CLL group under morphology and immunophenotype point of view demonstrating that genetic alterations are indicative of a different biological behavior.

Key words: CLL, Karyotype, Prognosis

Introdução

A leucemia linfóide crônica (LLC) é doença neoplásica caracterizada pelo acúmulo de linfócitos pequenos e maduros no sangue periférico, na medula óssea e em tecidos linfóides. É a leucemia mais freqüente em adultos no Ocidente, e a maioria dos casos ocorre em indivíduos idosos.

A imunofenotipagem revolucionou a avaliação desta doença e, atualmente, permite que se caracterize perfeitamente a LLC diferenciando-a de outras proliferações linfocitárias malignas. Caracteristicamente, as células B maduras são CD 19, CD 5 e CD 23 positivas.

A associação de morfologia, imunofenotipagem e citogenética tornou-se necessária para a perfeita caracterização desta moléstia.

O grande interesse na identificação das alterações citogenéticas, ao diagnóstico, deve-se ao seu valor prognóstico e à possibilidade de melhor subclassificação da doença. Além disso, algumas anomalias podem auxiliar na escolha das opções terapêuticas.

Alterações cromossômicas têm sido descritas pela citogenética clássica em 30% a 50% dos casos de LLC. A anormalidade mais comum, segundo alguns autores, é a trissomia 12, seguida pela del 13q, que é considerada indicativa de sobrevida mais longa(8). A deleção 11p está relacionada à doença mais avançada, enquanto a deleção 17p, à sobrevida mais curta(3).

Objetivo

O objetivo do presente trabalho é demonstrar as alterações de cariótipo observadas em uma série de pacientes com LLC em nosso meio.

Material e método

Foram selecionados casos de nosso arquivo avaliados, no período de quatro anos, com diagnóstico de LLC. Este foi feito com base nos achados morfológicos e imunofenotípicos e classificados conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS)(7).

A medula óssea ou o sangue periférico foram colhidos para análise morfológica, que foi feita em esfregaços corados por Leishman.

A imunofenotipagem foi feita usando-se um painel de anticorpos monoclonais conjugados com fluorocromos. As células foram coradas com 5ul de várias combinações de anticorpos monoclonais marcados com isotiocianato fluoresceinado (FITC) ou ficoeritrina (PE) contra os seguintes antígenos: CD 10, CD 19, CD 20, CD 5, CD 23, FMC-7, CD 3, capa e lambda de superfície, CD 11c, cadeias pesadas IgM, IgG, IgD, IgA e, eventualmente, CD 25 (Becton Dickinson). Após a incubação, foi realizada a lise eritrocitária com solução FACSLysing. Todas as amostras foram analisadas com citômetro de fluxo FACScan e através do software CellQuest (Becton Dickinson).

O cariótipo foi realizado através de culturas de 72 horas, sendo uma com mitógeno B (TPA 0,05ug/ml) e outra sem mitógenos. Na última hora de cultura foi adicionado Colcemid (0,1ug/ml) por 60 minutos a 37°C. Em seguida as células foram tratadas com solução hipotônica (KCL 0,075mol/l) por 20 minutos a 37°C, ressuspensas em fixador de Carnoy (ácido acético 1:3 metanol) quatro vezes. As lâminas foram feitas da forma habitual e submetidas à banda G (GTG)(1). Sempre que possível, pelo menos 20 metáfases foram analisadas para o cariótipo, e as anormali-dades foram descritas de acordo com a International System for Human Cytogenetic Nomenclature (ISCN 1995)(9).

Foram excluídos do trabalho todos os casos em que pairou qualquer dúvida quanto ao diagnóstico de LLC, os que não possuíam dados suficientes para assim classificá-los e os que pudessem ser classificados como linfoma ou outras linfoproliferações crônicas.

Resultados

Foram avaliados 18 casos de LLC CD 5, CD 19 e CD 23 positivos, sendo 13 homens e cinco mulheres, numa relação de 2,6:1. As idades variaram de 33 a 76 anos com mediana de 63 anos.

Em sete casos foram detectadas alterações de cariótipo (Tabela).

Discussão

Habitualmente, mais da metade dos casos de LLC têm resultado de cariótipo normal devido à dificuldade em se obter metáfase da célula maligna. No presente estudo foi possível observar alterações cromossômicas em 39% dos casos, valor esperado para essa técnica.

O cariótipo permitiu a identificação de diferentes clones em um grupo homogêneo de LLC sob os pontos de vista morfológico e imunofenotípico, demonstrando que as alterações genéticas são indicativas de comportamento biológico diferente.

A grande maioria das LLC é diagnosticada quando a massa tumoral é pequena ou moderada. Porém cerca de 20% a 30% dos pacientes progredirão e necessitarão de terapia, havendo, portanto, necessidade de parâmetros que os identifiquem. As alterações cromossômicas podem servir como indicadores prognósticos.

Segundo a literatura mundial(5, 8), a trissomia 12 é uma das alterações mais freqüentemente observadas em LLC, e sendo mais prevalente em nossa casuística (três casos). No entanto, como alteração isolada, ocorreu em apenas um caso. A trissomia 12 é observada em casos de morfologia de linfócitos atípica e tem sido considerada um evento genético secundário, pois habitualmente esses pacientes apresentam a doença em progressão(2). A alta incidência dessa alteração implica existência de um protoncogene neste cromossomo, que contribui para a doença e tem sido relacionado à presença de gene IgVh não-mutante(10). A trissomia 12 é detectada em maior número de casos quando se utiliza a hibridação in situ fluorescente (Fish), pois muitas vezes as células não entram em divisão, não sendo, portanto, detectadas pelo cariótipo convencional(1).

A deleção 13q foi observada em um caso de forma isolada, sendo a única alteração considerada de prognóstico favorável. Vários autores referem que a região deletada afeta o lócus telomérico do gene RB1 (retinoblastoma) e um marcador D13S25 que teria relação com o gene supressor tumoral(11). Essa deleção tem sido mais recentemente detectada com maior freqüência em 45% a 50% dos casos graças ao uso de outras técnicas como Fish, Southern blot ou PCR microssatélite para perda de heterozigosidade(3).

Trissomia 3 foi observada isoladamente em um paciente e associada à trissomia 12 em outro. Esta anomalia ainda não tem sua importância bem definida(12). Aliás, trissomia 3 é mais freqüente em associação a +12 (Figura). De fato, algumas alterações ocorrem juntas, como +3, +18, +19 e +12.

Alterações envolvendo cromossomo 1, como a presença de material adicional no braço longo, aqui observada, são consideradas possíveis anomalias primárias(6).

Cariótipos com diversas anomalias concomitantes, ou chamados complexos, sugerem que o desenvolvimento de alterações cromossômicas seqüenciais pode responder pela agressividade no curso clínico.

Estudos mais recentes têm complementado a análise citogenética clássica com a chamada citogenética molecular através da Fish. Esta técnica utiliza uma sonda (seqüência de DNA marcado) complementar à região que se pretende estudar e tem sido útil na demonstração da presença de alterações não-detectáveis no cariótipo, seja porque as células portadoras da anomalia não entraram em divisão, seja porque passaram despercebidas, pois, por serem um clone pequeno, seriam necessárias dezenas de células analisadas para que pudessem ser detectadas. Segundo alguns autores(1, 3, 4), quando se associam as duas metodologias, tem sido detectada maior porcentagem de alterações, até 80%.

Conclusões

Em conclusão, o cariótipo é uma ferramenta importante e útil para se distinguir clones dentro de um grupo homogêneo de LLC sob os pontos de vista morfológico e imunofenotípico, demonstrando que as alterações genéticas são indicativas de comportamento biológico diferente. Ainda que nossa casuística não seja grande, foi possível observar os mesmos tipos de alterações de outras séries internacionais.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer aos colegas do Grupo do Relatório Hematológico Integrado, bem como àqueles que enviam casos para estudo.

  • 1. CHAUFFAILLE, M. L. L. F. et al. Detection of trisomy 12 by Fish in CLL. Genetics and Mol Biol, v. 23, n. 3, p. 531-3, 2000.
  • 2. CUNEO, A.; BIGONI, R.; CASTOLDI, G. Towards a clinically relevant cytogenetic classification of chronic lymphocytic leukemia and related disorders. Haematol, v. 83, p. 577-9, 1998.
  • 3. DOHNER, H.; STILGENBAUER, S.; BENNER, A. Genomic aberrations and survival in CLL. N Engl J Med, v. 343, p. 1910-8, 2000.
  • 4. DOHNER, H. Prognostic implications of findings from cytogenetics and molecular genetics. American Society of Hematology Educational Book, 141-5, 2001.
  • 5. HALLEK, M.; KUHN-HALLEK, I.; EMMERICH, B. Prognostic factors in CLL. Leukemia Suppl. 2.S4-S13, 1997.
  • 6. HURET, J. L. et al. Karyotypes of 33 patients with clonal aberrations in CLL. Ann Geet, v. 32, n. 3, p. 155-9, 1989.
  • 7. JAFFE, E. S. et al. (Eds.). World Health Organization classification of tumors. Pathology and genetics of tumor of hematopoeitic and lymphoid tissues Lyon: IARC Press, 2001.
  • 8. JULIUSSON, G.; MERUP M. Cytogenetics in chronic lymphocytic leukemia. Sem Oncol, v. 25, p. 19-26, 1998.
  • 9. MITELMAN, F. International System for Human Cytogenetic Nomenclature Basel: S. Karger, 1995.
  • 10. OSCIER, D. G. et al. Multivariate analysis of prognostic factors in CLL: clinical stage, IgVh gene mutational status and loss or mutation of the p53 gene are independent prognostic factors. Blood, v. 100, n. 4, p. 1177-84, 2002.
  • 11. PANAYIOTIDIS, P.; KOTSI, P. Genetics of small lymphocyte disorders. Sem in Hematol, v. 36, n. 2, p. 171-7, 1999.
  • 12. WONG, K. F. et al. Gain of chromosome 3/3q in B-cell chronic lymphoproliferative disorder is associated with plasmocytoid differentiation with or without IgM overproduction. Cancer Genet Cytogenet, v. 136, n. 1,p. 82-5, 2002.
  • Endereço para correspondência
    Maria de Lourdes L. Ferrari Chauffaille
    Fleury – Centro de Medicina Diagnóstica
    Av. Gal. Waldomiro Lima 508
    CEP 04344-070 – São Paulo-SP
    Tel.: (11) 5014-7621
    Fax: (11) 5014-7651
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004
    Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete, CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408, Fax.: +55 21 - 2205-3386 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: jbpml@sbpc.org.br