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Monitoramento em cabine de segurança biológica: manipulação de cepas e descontaminação em um laboratório de micobactérias

Biological safety cabinet monitoring: strains manipulation and decontamination in a mycobacteria laboratory

Resumos

OBJETIVOS: Verificar evidências da formação de aerossóis durante a manipulação de cepas de micobactérias para teste de sensibilidade às drogas (ANT) e identificação (TIP) e o efeito da descontaminação com solução de álcool 70% e luz ultravioleta (UV) na cabine de segurança biológica (CSB), após os procedimentos laboratoriais. MÉTODOS: Uma placa foi exposta na CSB durante os procedimentos de ANT e TIP. Ao término, a CSB foi limpa e descontaminada com álcool 70% e exposta à luz UV por 15 minutos. Após esse tempo outra placa foi exposta por duas horas, somente com a ventilação da CSB ligada. As placas foram incubadas a 37°C e observadas por 30 dias. Os esfregaços das colônias isoladas foram corados pelas técnicas de Ziehl Neelsen e Gram, e as colônias de bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR) foram identificadas pelos métodos tradicionais. RESULTADOS: Nas 38 placas expostas durante o ANT, cresceram micobactérias em 10 placas (26,3%), fungos em uma (2,6%) e outros bacilos em duas (5,3%). Das placas com micobactérias, oito (80%) foram identificadas como M. tuberculosis e duas (20%) tiveram identificação inconclusiva. Mesmo após a descontaminação com álcool 70% e uso de UV, cresceram fungos em duas placas (5,3%) e cocos em outras duas (5,3%). Nas 30 placas colocadas nas CSB durante a TIP, cresceram micobactérias em 10 placas (33,3%), fungos em duas (6,6%), cocos em uma (3,4%) e uma mistura de micobactérias e outro bacilo em uma (3,4%). Não houve crescimento nas placas expostas após descontaminação das CSB com álcool a 70% e uso de UV ao término da TIP. CONCLUSÃO: Durante os procedimentos houve formação de aerossóis contendo micobactérias, fato que ficou comprovado pelo crescimento de colônias de micobactérias nas placas expostas. Técnicas laboratoriais adequadas devem ser respeitadas para minimizar a formação de aerossóis como também observar a experiência dos profissionais, a manutenção de um programa de capacitação e a manutenção periódica da CSB.

Cabine de segurança biológica; Radiação ultravioleta; Micobactérias


OBJECTIVES: To verify the evidence of aerosol formation during the manipulation of mycobacteria strains for susceptibility (ST) and identification tests (IT) as well as the decontamination effect of alcohol solution 70% and ultraviolet (UV) radiation in biological safety cabinets (BSC) after laboratory procedures. METHODS: One plate was exposed in a BSC during ST and IT procedures. Afterwards, the BSC was cleaned and decontaminated with alcohol solution 70% and exposed to UV radiation for 15 minutes. After that, another plate was exposed for two hours, only with the BSC ventilation on. Both plates were incubated at 37°C and observed for 30 days. The smears from the isolated colonies were stained with Ziehl Neelsen and Gram techniques, and acid fast bacilli (AFB) were identified by conventional methods. RESULTS: In 38 plates exposed during ST, there was mycobacteria growth in 10 plates (26.3%), fungi in one (2.6%) and bacilli in two (5.3%). Among those plates that presented mycobacteria growth, eight (80%) were identified as M. tuberculosis and two (20%) had inconclusive identification. Even after decontamination with alcohol solution 70% and UV radiation, two plates presented fungi growth (5.3%) and other two presented cocci growth (5.3%). Among 30 plates exposed during IT procedures, there was mycobacteria growth in 10 of them (33.3%), fungi in two (6.6%), cocci in one (3.4%) and one (3.4%) mixed mycobacteria and another bacillus. No growth was observed when alcohol solution 70% and UV radiation were used for decontamination after IT procedures. CONCLUSION: During the procedures there was aerosol formation with mycobacteria, which was proved by mycobacteria growth on the exposed plates. Not only should adequate laboratory techniques be respected to minimize aerosol formation, but professional expertise, the continuity of capacity programs and periodic BSC maintenance should also be observed.

Biological safety cabinet; Ultraviolet radiation; Mycobacteria


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Monitoramento em cabine de segurança biológica: manipulação de cepas e descontaminação em um laboratório de micobactérias

Biological safety cabinet monitoring: strains manipulation and decontamination in a mycobacteria laboratory

Suely Yoko Mizuka UekiI; Erica ChimaraII; Jonas Umeoka YamauchiIII; Fábio de Oliveira LatrilhaIV; Fernanda Cristina dos Santos SimeãoV; Letícia Lisboa MonizVI; Carmen Maria Saraiva GiampagliaVII; Maria Alice da Silva TellesVIII

IEspecialista em Saúde Pública; pesquisadora científica do Instituto Adolfo Lutz

IIDoutora em ciências; pesquisadora científica do Instituto Adolfo Lutz

IIIGraduado em Biomedicina; assessor (Projeto Fundo Global TB-Brasil) da Fundação Ataulpho de Paiva

IVGraduado em Biomedicina; biologista de apoio à pesquisa do Instituto Adolfo Lutz

VGraduada em Biologia; técnica de apoio à pesquisa do Instituto Adolfo Lutz

VIGraduada em Biomedicina; aprimoranda do Instituto Adolfo Lutz

VIIMestra; pesquisadora científica do Instituto Adolfo Lutz

VIIIEspecialista em Saúde Pública; pesquisadora científica; encarregada do Setor de Micobactérias do Instituto Adolfo Lutz

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Suely Yoko Mizuka Ueki Instituto Adolfo Lutz Seção de Bacteriologia/Setor de Micobactérias Av. Dr. Arnaldo, 351 – 9º andar – Cerqueira César CEP 01246-902 – São Paulo-SP e-mail: satie@osite.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Verificar evidências da formação de aerossóis durante a manipulação de cepas de micobactérias para teste de sensibilidade às drogas (ANT) e identificação (TIP) e o efeito da descontaminação com solução de álcool 70% e luz ultravioleta (UV) na cabine de segurança biológica (CSB), após os procedimentos laboratoriais.

MÉTODOS: Uma placa foi exposta na CSB durante os procedimentos de ANT e TIP. Ao término, a CSB foi limpa e descontaminada com álcool 70% e exposta à luz UV por 15 minutos. Após esse tempo outra placa foi exposta por duas horas, somente com a ventilação da CSB ligada. As placas foram incubadas a 37°C e observadas por 30 dias. Os esfregaços das colônias isoladas foram corados pelas técnicas de Ziehl Neelsen e Gram, e as colônias de bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR) foram identificadas pelos métodos tradicionais.

RESULTADOS: Nas 38 placas expostas durante o ANT, cresceram micobactérias em 10 placas (26,3%), fungos em uma (2,6%) e outros bacilos em duas (5,3%). Das placas com micobactérias, oito (80%) foram identificadas como M. tuberculosis e duas (20%) tiveram identificação inconclusiva. Mesmo após a descontaminação com álcool 70% e uso de UV, cresceram fungos em duas placas (5,3%) e cocos em outras duas (5,3%). Nas 30 placas colocadas nas CSB durante a TIP, cresceram micobactérias em 10 placas (33,3%), fungos em duas (6,6%), cocos em uma (3,4%) e uma mistura de micobactérias e outro bacilo em uma (3,4%). Não houve crescimento nas placas expostas após descontaminação das CSB com álcool a 70% e uso de UV ao término da TIP.

CONCLUSÃO: Durante os procedimentos houve formação de aerossóis contendo micobactérias, fato que ficou comprovado pelo crescimento de colônias de micobactérias nas placas expostas. Técnicas laboratoriais adequadas devem ser respeitadas para minimizar a formação de aerossóis como também observar a experiência dos profissionais, a manutenção de um programa de capacitação e a manutenção periódica da CSB.

Unitermos: Cabine de segurança biológica, Radiação ultravioleta, Micobactérias

ABSTRACT

OBJECTIVES: To verify the evidence of aerosol formation during the manipulation of mycobacteria strains for susceptibility (ST) and identification tests (IT) as well as the decontamination effect of alcohol solution 70% and ultraviolet (UV) radiation in biological safety cabinets (BSC) after laboratory procedures.

METHODS: One plate was exposed in a BSC during ST and IT procedures. Afterwards, the BSC was cleaned and decontaminated with alcohol solution 70% and exposed to UV radiation for 15 minutes. After that, another plate was exposed for two hours, only with the BSC ventilation on. Both plates were incubated at 37°C and observed for 30 days. The smears from the isolated colonies were stained with Ziehl Neelsen and Gram techniques, and acid fast bacilli (AFB) were identified by conventional methods.

RESULTS: In 38 plates exposed during ST, there was mycobacteria growth in 10 plates (26.3%), fungi in one (2.6%) and bacilli in two (5.3%). Among those plates that presented mycobacteria growth, eight (80%) were identified as M. tuberculosis and two (20%) had inconclusive identification. Even after decontamination with alcohol solution 70% and UV radiation, two plates presented fungi growth (5.3%) and other two presented cocci growth (5.3%). Among 30 plates exposed during IT procedures, there was mycobacteria growth in 10 of them (33.3%), fungi in two (6.6%), cocci in one (3.4%) and one (3.4%) mixed mycobacteria and another bacillus. No growth was observed when alcohol solution 70% and UV radiation were used for decontamination after IT procedures.

CONCLUSION: During the procedures there was aerosol formation with mycobacteria, which was proved by mycobacteria growth on the exposed plates. Not only should adequate laboratory techniques be respected to minimize aerosol formation, but professional expertise, the continuity of capacity programs and periodic BSC maintenance should also be observed.

Key words: Biological safety cabinet, Ultraviolet radiation, Mycobacteria

Introdução

A cabine de segurança biológica (CSB) é o principal equipamento de contenção no laboratório de microbiologia para proteger tanto os funcionários quanto o material (evitando contaminações) e o meio ambiente. Dependendo das características de construção e aplicações específicas, as cabines são classificadas em três tipos (classes I, II e III).

A CSB classe I oferece proteção ao manipulador e ao meio ambiente, mas não protege o produto a ser manipulado. É semelhante à exaustão de uma capela química, porém possui um filtro high efficiency particulated air (HEPA) para proteção do meio ambiente e um fluxo de ar interior com velocidade mínima de 75 pés lineares/minuto(3) para proteção do manipulador. A CSB classe II é projetada com um fluxo de ar interior com velocidade de 75 a 100 pés lineares/minuto para proteger os funcionários; um fluxo de ar laminar vertical para proteger o produto; e um fluxo de ar de saída, de exaustão com um sistema de filtração, para proteger o meio ambiente.

Todo esse sistema é filtrado pelo HEPA com fluxo de ar sobre toda a superfície de trabalho (fluxo laminar vertical). A cabine classe II é classificada em dois tipos (A e B), com base na construção, na velocidade e nos padrões do fluxo de ar dos sistemas de exaustão. As cabines do tipo B são subdivididas em tipos B1, B2 e B3 de acordo com o volume de ar que recircula e a exaustão(3, 5). A CSB classe III é totalmente fechada e ventilada, adequada para o trabalho com agentes perigosos que requerem a contenção de um nível de biossegurança 4. É operada com pressão negativa, e o trabalho é realizado por meio de braços com luvas de borracha. Todo o sistema é controlado por filtros HEPA, e o material utilizado é seguido de esterilização antes de ser descartado para o ambiente(3).

Todos esses tipos de CSB devem ter como acessório uma lâmpada ultravioleta (UV). Chamamos de UV a região do espectro eletromagnético onde o comprimento de onda dos raios luminosos situa-se entre 400 nm e 15 nm. A radiação UV divide-se em três categorias, UV-A, UV-B e UV-C, de acordo com o comprimento de onda: 400-320 nm (UV-A), 320-280 nm (UV-B) e 280-15 nm (UV-C). A radiação UV-C com comprimento de onda de 254 nm é a que possui a maior atividade germicida, letal para bactérias, esporos, vírus, fungos, algas, embora as doses inativantes sejam variáveis. A UV-C é absorvida por materiais orgânicos, e sua habilidade de penetração é baixa. Por isso, a limpeza das superfícies antes da exposição à UV-C é necessária(1).

No Brasil ainda não existe uma norma reguladora sobre a construção desses tipos de equipamentos, por isso muitos fabricantes seguem a norma americana(13), que omite qualquer referência à utilização da luz UV.

Segundo normas de biossegurança(7-10), após utilização da CSB, a superfície desta deve ser descontaminada com UV. No presente trabalho destacamos a importância da limpeza com um agente químico antes da descontaminação com luz UV. Várias soluções descontaminantes têm sido citadas, mas a efetividade depende da concentração, do agente infeccioso a ser eliminado e do tempo de ação. São citados os compostos orgânicos (fenóis e derivados, hexaclorofeno, álcoois, compostos quaternários), halogênios (iodo, cloro) e peróxidos. Para o trabalho com micobactérias, o manual do Ministério da Saúde recomenda o uso de solução de fenol a 5% e solução de álcool a 70%(10).

Os técnicos devem ser treinados para o uso adequado das cabines como em qualquer equipamento de laboratório. Devem evitar procedimentos que possam romper o fluxo de direcionamento do ar para o interior da cabine, que causem a liberação de partículas aerolizadas de dentro para fora devido a movimentos bruscos dentro da mesma; evitar abertura e fechamento das portas do laboratório e uma caminhada mais vigorosa próxima à CSB enquanto esta estiver sendo utilizada.

As características dos ensaios também devem ser levadas em consideração: se geram aerossóis, exigem rapidez na execução, necessitam de técnicas assépticas, utilizam altas concentrações e grandes volumes de materiais de risco, utilizam culturas em meio sólido ou em meio líquido. Por isso, quando práticas laboratoriais padrão não forem seguidas, podem ocorrer riscos associados a um agente biológico, em conseqüência de borrifos ou aerossóis infecciosos provocados por vários procedimentos incorretos, levando à contaminação dos produtos expostos na cabine, do técnico e do ambiente(4, 9, 11).

Considerando que as características dos ensaios e os métodos de descontaminação das CSB podem aumentar ou diminuir os riscos na manipulação de agentes infecciosos, este estudo teve como objetivo: a) verificar evidências da formação de aerossóis durante a manipulação de cepas de micobactérias no laboratório de biossegurança nível 3 (NB3) do Setor de Micobactérias do Instituto Adolfo Lutz/São Paulo; e b) avaliar o efeito da descontaminação com solução de álcool 70% e exposição da área de trabalho da CSB à luz UV durante 15 minutos, após os procedimentos laboratoriais.

Materiais e métodos

O teste de sensibilidade às drogas antituberculose (ANT) e o teste de identificação de micobactérias (TIP) da rotina laboratorial do Setor de Micobactérias são realizados em duas cabines de segurança biológica (CSB1 e CSB2), instaladas no NB3 do Instituto Adolfo Lutz/São Paulo. Os modelos das cabines utilizadas são da classe II, B2. Dois funcionários utilizando as duas cabines realizam os procedimentos de ANT e TIP semanalmente, seguindo os procedimentos:

1. ligar a luz UV e a ventilação antes de iniciar as atividades, durante 15 minutos, e desligar a luz UV após esse período;

2. preparar suspensões bacterianas em frascos com pérolas de vidro com 1 ml de água destilada estéril, utilizando um suabe;

3. preparar suspensões bacterianas em Eppendorf com miçangas de vidro e 0,5 ml de meio de Sauton com 10% de glicerol, utilizando uma alça descartável;

4. acertar a concentração das suspensões bacterianas, comparando com a turvação nº 1 da escala de McFarland, utilizando uma pipeta Pasteur;

5. preparar suspensões bacterianas em Eppendorfs para a extração do DNA, utilizando uma alça descartável;

6. semear suspensões bacterianas nos diversos meios com drogas, utilizando pipetas e ponteiras descartáveis.

O estudo foi realizado do mesmo modo nas duas CSBs, durante os procedimentos de 38 ANT (nos quais foram manipuladas 789 cepas) e 30 TIP (manipuladas 344 cepas). Uma placa contendo meio de Middlebrook 7H10 foi colocada dentro da CSB. A placa foi exposta com a tampa aberta e deixada durante todo o procedimento dos testes (duas a três horas) sobre a superfície da cabine, na parte central da mesma. Depois desse período, a placa foi fechada, lacrada com fita adesiva e incubada a 37°C. Após o término dos testes, realizaram-se limpeza e descontaminação da área de trabalho da cabine com solução de álcool 70% e exposição à luz UV durante 15 minutos. Outra placa foi colocada na CSB e mantida por aproximadamente duas horas, com a UV desligada, mas mantendo a ventilação. Em seguida, a placa foi fechada, lacrada com fita adesiva e incubada a 37°C.

As leituras foram realizadas após o sétimo, o 15º e o 30º dia, para observar o aparecimento de colônias. Foram feitos esfregaços das colônias formadas em duas lâminas. Uma delas foi corada pela técnica de Ziehl Neelsen; a outra, pela técnica de Gram. As colônias cujos esfregaços confirmaram presença de bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR) foram subcultivadas em meio de Lowenstein-Jensen e submetidas à identificação de espécie. A presença de fungos e outras bactérias foi detectada somente por microscopia.

Resultados

Entre as 38 placas expostas nas duas cabines durante o processamento dos ANT, houve crescimento de micobactérias em 10 placas (26,3%), fungos (2,6%) em uma e outros bacilos (5,3%) em duas. Nas 25 (65,8%) restantes, não houve crescimento. Das placas com micobactérias, oito (80%) foram identificadas como Mycobacterium tuberculosis e duas (20%) não tiveram a identificação concluída, pois não cresceram no subcultivo no meio de Lowenstein-Jensen, mas apresentaram características macroscópicas de M. tuberculosis, pela observação morfológica das colônias e pela presença de fator corda no esfregaço. Não foram identificadas outras espécies de micobactérias.

Entre as 38 placas expostas após limpeza e descontaminação com álcool a 70% e exposição da superfície de trabalho com UV durante 15 minutos, após realização dos ANT, houve crescimento de fungos em duas (5,3%) e cocos em outras duas (5,3%). Nas 34 (89,4%) restantes, não houve crescimento.

Entre as 30 placas colocadas nas duas cabines durante a realização da TIP, houve crescimento de micobactérias em 10 placas (33,3%), fungos em duas (6,6%), cocos em uma (3,4%) e com mistura de micobactérias e outro bacilo Gram negativo em uma (3,4%). Nas 16 placas (53,3%) restantes não houve crescimento. Nas placas onde cresceram micobactérias (Figura 1), uma placa apresentou dois tipos de colônias, sendo uma identificada como Mycobacterium kansasii e a outra apenas como micobactéria não-tuberculosa (MNT), pelas características morfológicas e pela microscopia. As outras espécies identificadas foram Mycobacterium avium, Mycobacterium abscessus, Mycobacterium terrae, complexo Mycobacterium avium (MAC), micobactéria de crescimento rápido acromógena (CRA), micobactéria de crescimento lento escotocromógena (CLE) e M. tuberculosis (Tabela 2).


Após limpeza e descontaminação com álcool a 70% e UV durante 15 minutos (Figura 2) seguintes ao processamento da TIP, não houve crescimento.


O número de colônias de micobactérias que cresceram variou de um a 16 por placa, entre os dois procedimentos. No caso de fungos houve crescimento espalhado; cocos e outro bacilo apresentaram uma a duas colônias.

Discussão

A contenção primária é uma estratégia importante para minimizar a exposição a riscos químicos e biológicos encontrados no laboratório. Como parte dessa contenção, as CSBs são essenciais no trabalho seguro de agentes infecciosos. No entanto a manipulação e a manutenção corretas são fundamentais para assegurar o trabalho seguro e a prevenção de infecções aos manipuladores.

O presente trabalho demonstrou que durante os procedimentos de inoculação dos organismos para os diferentes testes (ANT e TIP) ocorreu, dentro da cabine, formação de aerossóis contendo micobactérias. Esse fato ficou comprovado pelo crescimento de colônias de micobactérias nas placas durante a realização dos testes.

Na realização do ANT, no qual as cepas manipuladas foram todas pertencentes ao complexo M. tuberculosis, segundo triagem realizada observando-se a presença de fator corda e características fenotípicas da cultura, as colônias que cresceram nas placas expostas também foram todas identificadas como M. tuberculosis, indicando que o organismo manipulado ficou circulante dentro da CSB.

Durante a realização da TIP, na qual as cepas manipuladas são na grande maioria de MNT, segundo os critérios acima, as placas apresentaram crescimento de MNT. Estas foram identificadas como M. avium, M. kansasii, M. abscessus, MAC, CRA e CLA. A contaminação de uma única placa por M. tuberculosis durante a realização da TIP pode ser justificada, pois cerca de 4% a 5% das cepas para identificação são de M. tuberculosis.

O número de placas contaminadas por M. tuberculosis (26,3%), durante a realização do ANT, quando foram manipuladas 789 cepas dessa espécie, sugere que foram realizados procedimentos adequados dentro da cabine, promovendo a minimização de geração de aerossóis. O mesmo aconteceu com as placas colocadas nas cabines durante a realização da TIP. A manipulação de 344 cepas com contaminação de 10 placas com MNT pode justificar esses procedimentos. Caso esses procedimentos tivessem sido realizados de maneira inadequada, a recuperação desses agentes seria muito superior ao obtido.

A preparação das suspensões bacterianas, o descarte dos suabes e das pipetas, podem ser as principais causas da formação de aerossóis na manipulação das cepas. A retirada da massa bacilar do meio de Lowenstein-Jensen com auxílio do suabe e a homogeneização com movimentos rotatórios devem ser realizadas com muito cuidado para evitar a formação de aerossóis e o derramamento da suspensão dentro da CSB. O descarte dos materiais nos recipientes com sacos plásticos descartáveis deixados dentro da CSB também deve seguir os mesmos critérios.

Macher et al.(6) estudaram o nível de contenção das CSB durante procedimentos e observaram que os organismos ficam aerolisados no fluxo de ar dentro da CSB. O grande problema é que esses aerossóis podem sair da CSB dependendo da movimentação do manipulador, do local onde o manipulador está trabalhando, do fluxo de ar externo e do tamanho da abertura da CSB, ocasionando risco para o manipulador e para o ambiente. A inserção e a retirada repetida dos braços dos manipuladores para dentro e para fora das cabines, a abertura e o fechamento das portas do laboratório, a colocação ou a operação imprópria dos materiais ou dos equipamentos dentro da cabine são fatores de risco que poderão levar a uma contaminação cruzada e, conseqüentemente, a um falso resultado(3, 6, 14).

Pelos resultados obtidos, a descontaminação das CSB com álcool a 70% e UV após realização dos procedimentos foi efetiva, pois houve crescimento de apenas uma ou duas colônias de fungos e outros microrganismos, não havendo crescimento de micobactérias. A observação é concordante com um estudo desse grupo, no qual a UV foi efetiva na morte de micobactérias expostas diretamente por no mínimo cinco minutos(15), mas vai de encontro a algumas publicações que não recomendam o uso da UV para descontaminação(2, 7). Esses trabalhos baseiam-se no fato de que a ação da UV é limitada por diversos fatores, tornando-se não-apropriada para descontaminação como único método de escolha.

As limitações de fato existem, porém se alguns cuidados forem tomados, o uso da UV pode ser um grande aliado do manipulador de CSB. O manipulador deve sempre lembrar que: a) a luz UV é um método secundário de descontaminação e deve ser usada em conjunto com outro método; b) a luz UV não penetra em materiais, agindo somente na superfície; c) a intensidade da lâmpada de UV é afetada pelo acúmulo de sujidades em sua superfície e pela distância da superfície a ser descontaminada; d) a lâmpada de UV não deve ser tocada com as mãos nuas, pois o óleo natural da pele pode criar uma barreira para a luz; e) a luz deve estar desligada enquanto o manipulador estiver trabalhando dentro da CSB; f) o tempo de utilização da lâmpada deve ser registrado para controle da vida útil da mesma(12).

Além dos cuidados citados, é muito importante a manutenção periódica da CSB, realizando-se a troca dos filtros HEPA e verificando-se a velocidade do fluxo de ar, a direção do fluxo, a contagem do número de partículas e o nível de estanqueidade da CSB. A manutenção da lâmpada de UV, além das recomendações citadas, pode ser feita medindo o comprimento de onda que a luz está emitindo.

Conclusão

Este estudo demonstrou a produção de aerossóis dentro da CSB durante os procedimentos e a eficiência da descontaminação com solução de álcool a 70% e luz UV após o processamento das amostras, salientando que a utilização das boas práticas é fundamental na minimização de riscos.

Primeira submissão em 09/11/07

Última submissão em 07/06/08

Aceito para publicação em 09/07/08

Publicado em 20/06/08

Este trabalho foi apresentado no III Encontro Nacional de Tuberculose, realizado entre 18 e 21 de junho de 2008.

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  • Endereço para correspondência:
    Suely Yoko Mizuka Ueki
    Instituto Adolfo Lutz
    Seção de Bacteriologia/Setor de Micobactérias
    Av. Dr. Arnaldo, 351 – 9º andar – Cerqueira César
    CEP 01246-902 – São Paulo-SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Revisado
      07 Jun 2008
    • Recebido
      09 Nov 2007
    • Aceito
      09 Jul 2008
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