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Expressão das proteínas BCL-2 e BAX em tumores astrocíticos humanos

Expression of BCL-2 and BAX proteins in human astrocytic tumors

Resumos

INTRODUÇÃO: Os astrocitomas constituem os mais freqüentes tumores primários do sistema nervoso central (SNC). Admite-se que parte do crescimento tumoral seja resultante da inibição da morte celular programada: a apoptose. Tal fenômeno é basicamente regulado pelo equilíbrio entre moléculas antiapoptóticas (ex.: B-cell lymphoma protein 2 [BCL-2]) e pró-apoptóticas (ex.: BCL-2 associated protein X [BAX]). OBJETIVO: O presente estudo objetivou avaliar a expressão de BCL-2 e BAX em tumores astrocíticos humanos. MATERIAL E MÉTODOS: Procedeu-se ao estudo imuno-histoquímico dessas proteínas utilizando-se o método da avidina-biotina-peroxidase em 55 astrocitomas (13 do grau I, 14 do II, sete do III e 21 do grau IV) e cinco amostras de tecido cerebral não-tumoral (grupo controle). RESULTADOS: Os índices de positividade para BCL-2 e BAX demonstraram propensão ao acréscimo, de acordo com a gradação tumoral, com positividade geral de 43,26% e 24,67%, respectivamente. Essas proteínas não foram detectadas entre os espécimes não-tumorais. Os escores de marcação para BCL-2 apresentaram tendência ao aumento conforme a progressão histológica, enquanto os para BAX mostraram-se semelhantes nas diversas graduações. A análise conjunta dessas proteínas demonstrou significativa correlação com a gradação tumoral (p < 0,05; teste H), sendo mais evidente nos glioblastomas (grau IV) em comparação com os astrocitomas de baixo grau (I e II) (p < 0,05; teste U). A relação BCL-2/BAX indicou o aumento da orientação à sobrevida celular dos tumores astrocíticos de acordo com a progressão maligna. CONCLUSÕES: Tais resultados indicam as alterações na expressão das proteínas BCL-2 e BAX como resultantes do processo tumorigênico nos astrocitomas, com o crescente predomínio do perfil antiapoptótico de acordo com a transformação maligna. Nesse sentido, sugere-se que a superexpressão de BCL-2 nos tumores astrocíticos possa ser indicativa de fenótipos mais agressivos, configurando ainda um potencial alvo terapêutico.

Astrocitomas; BCL-2; BAX; Apoptose; Imuno-histoquímica


BACKGROUND: Astrocytomas represent the most frequent primary tumors of the central nervous system. Admittedly, part of tumor growth is due to inhibition of programmed cell death: the apoptosis. This phenomenon is basically regulated by the balance between anti-apoptotic (e.g.: B-cell lymphoma protein 2 [BCL-2]) and pro-apoptotic (e.g.: BCL-2 associated protein X [BAX]) molecules. OBJECTIVE: The present study aimed to evaluate the expression of BCL-2 and BAX in human astrocytic tumors of different histopathological grades. MATERIAL AND METHOD: An immunohistochemical study of those proteins using the avidin-biotin-peroxidase method was performed in 55 astrocytomas (13 grade I, 14 grade II, seven grade III and 21 grade IV) and five samples of non-tumor brain tissue (control group). RESULTS: The BCL-2 and BAX positive indices tended to increase according to astrocytomas graduation, with general positivity of 43.26% and 24.67%, respectively. These proteins were not detected among non-tumor specimens. BCL-2 labeling scores demonstrated a tendency to increase in accordance with histopathological advancing, while BAX values were similar in all graduations. The combined analyses of these proteins expression presents a significant correlation with tumor grade (p < 0.05; H test), witch is more evident among glioblastomas (grade IV) in comparison with low-grade astrocytomas (I and II) (p < 0.05; U test). BCL-2/BAX ratio denoted increasing of cellular survival orientation of the astrocytic tumors according to malignant progression. CONCLUSIONS: The results indicate alterations in BCL-2 and BAX proteins expression as resultant of the tumorigenic process in astrocytomas, with increasing predominance of the anti-apoptotic profile in consonance of malignant transformation. In this way, we propose that BCL-2 overexpression in astrocytic tumors may be indicative of more aggressive phenotypes, furthermore configuring a potential therapeutic target.

Astrocytomas; BCL-2; BAX; Apoptosis; Immunohistochemistry


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL PAPER

Expressão das proteínas BCL-2 e BAX em tumores astrocíticos humanos

Expression of BCL-2 and BAX proteins in human astrocytic tumors

Mário Henrique Girão FariaI; Régia Maria do Socorro Vidal do PatrocínioII; Manoel Odorico de Moraes FilhoIII; Silvia Helena Barem RabenhorstIV

IMédico; mestre em Farmacologia; pesquisador do Laboratório de Genética Molecular (LABGEM) da Universidade Federal do Ceará (UFC)

IIMédica patologista pelo Departamento de Patologia e Medicina Legal da Faculdade de Medicina (DPML/FM) da UFC; patologista do Laboratório Biomédica, Pesquisas e Serviços Ltda. (BIOPSE®) (Fortaleza-CE); membro da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP)

IIIMédico oncologista; doutor em Farmacologia; professor-adjunto do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da FMUFC; coordenador do Laboratório de Oncologia Experimental (LOE) da UFC

IVBióloga; doutora em Genética; professora-adjunta do DPML da Faculdade de Medicina da UFC; coordenadora do LABGEM/UFC

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mário Henrique Girão Faria LABGEM/DPML/UFC Av. Benjamim Brasil, 1.080 – 4/102 CEP 60712-000 – Fortaleza-CE Tel.: (85) 3467-0457, Fax: (85) 3267-3840 e-mail: mariofaria@doctor.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os astrocitomas constituem os mais freqüentes tumores primários do sistema nervoso central (SNC). Admite-se que parte do crescimento tumoral seja resultante da inibição da morte celular programada: a apoptose. Tal fenômeno é basicamente regulado pelo equilíbrio entre moléculas antiapoptóticas (ex.: B-cell lymphoma protein 2 [BCL-2]) e pró-apoptóticas (ex.: BCL-2 associated protein X [BAX]).

OBJETIVO: O presente estudo objetivou avaliar a expressão de BCL-2 e BAX em tumores astrocíticos humanos.

MATERIAL E MÉTODOS: Procedeu-se ao estudo imuno-histoquímico dessas proteínas utilizando-se o método da avidina-biotina-peroxidase em 55 astrocitomas (13 do grau I, 14 do II, sete do III e 21 do grau IV) e cinco amostras de tecido cerebral não-tumoral (grupo controle).

RESULTADOS: Os índices de positividade para BCL-2 e BAX demonstraram propensão ao acréscimo, de acordo com a gradação tumoral, com positividade geral de 43,26% e 24,67%, respectivamente. Essas proteínas não foram detectadas entre os espécimes não-tumorais. Os escores de marcação para BCL-2 apresentaram tendência ao aumento conforme a progressão histológica, enquanto os para BAX mostraram-se semelhantes nas diversas graduações. A análise conjunta dessas proteínas demonstrou significativa correlação com a gradação tumoral (p < 0,05; teste H), sendo mais evidente nos glioblastomas (grau IV) em comparação com os astrocitomas de baixo grau (I e II) (p < 0,05; teste U). A relação BCL-2/BAX indicou o aumento da orientação à sobrevida celular dos tumores astrocíticos de acordo com a progressão maligna.

CONCLUSÕES: Tais resultados indicam as alterações na expressão das proteínas BCL-2 e BAX como resultantes do processo tumorigênico nos astrocitomas, com o crescente predomínio do perfil antiapoptótico de acordo com a transformação maligna. Nesse sentido, sugere-se que a superexpressão de BCL-2 nos tumores astrocíticos possa ser indicativa de fenótipos mais agressivos, configurando ainda um potencial alvo terapêutico.

Unitermos: Astrocitomas, BCL-2, BAX, Apoptose, Imuno-histoquímica

ABSTRACT

BACKGROUND: Astrocytomas represent the most frequent primary tumors of the central nervous system. Admittedly, part of tumor growth is due to inhibition of programmed cell death: the apoptosis. This phenomenon is basically regulated by the balance between anti-apoptotic (e.g.: B-cell lymphoma protein 2 [BCL-2]) and pro-apoptotic (e.g.: BCL-2 associated protein X [BAX]) molecules.

OBJECTIVE: The present study aimed to evaluate the expression of BCL-2 and BAX in human astrocytic tumors of different histopathological grades.

MATERIAL AND METHOD: An immunohistochemical study of those proteins using the avidin-biotin-peroxidase method was performed in 55 astrocytomas (13 grade I, 14 grade II, seven grade III and 21 grade IV) and five samples of non-tumor brain tissue (control group).

RESULTS: The BCL-2 and BAX positive indices tended to increase according to astrocytomas graduation, with general positivity of 43.26% and 24.67%, respectively. These proteins were not detected among non-tumor specimens. BCL-2 labeling scores demonstrated a tendency to increase in accordance with histopathological advancing, while BAX values were similar in all graduations. The combined analyses of these proteins expression presents a significant correlation with tumor grade (p < 0.05; H test), witch is more evident among glioblastomas (grade IV) in comparison with low-grade astrocytomas (I and II) (p < 0.05; U test). BCL-2/BAX ratio denoted increasing of cellular survival orientation of the astrocytic tumors according to malignant progression.

CONCLUSIONS: The results indicate alterations in BCL-2 and BAX proteins expression as resultant of the tumorigenic process in astrocytomas, with increasing predominance of the anti-apoptotic profile in consonance of malignant transformation. In this way, we propose that BCL-2 overexpression in astrocytic tumors may be indicative of more aggressive phenotypes, furthermore configuring a potential therapeutic target.

key words: Astrocytomas, BCL-2, BAX, Apoptosis, Immunohistochemistry

Introdução

Os astrocitomas constituem o principal tipo histológico entre os tumores primários do sistema nervoso central (SNC). Na classificação histopatológica da Organização Mundial da Saúde (OMS) para os tumores próprios do SNC, admite-se que as diversas apresentações histológicas dos astrocitomas possam ser divididas em diferentes graus de malignidade, variando de I a IV(13). Em grande parte, essa graduação resulta do reconhecimento de indicadores de anaplasia (atipia nuclear, pleomorfismo, atividade mitótica, hiperplasia endotelial e necrose) típicos de cada variante tumoral através da análise histológica rotineira por microscopia ótica. Como regra geral, o grau tumoral é baseado nas áreas de maior atipia, admitindo-se que essa população de células é a que determina o curso da doença. Além de manifestar o comportamento biológico tumoral, permitindo inferências prognósticas, o acúmulo de achados anaplásicos parece refletir a progressão das alterações moleculares adquiridas durante o processo de transformação neoplásica(17).

A despeito da complexidade de tais desordens moleculares, elas parecem convergir para a promoção do crescimento tumoral através do estímulo à proliferação celular e/ou da inibição da morte celular, notadamente do mecanismo programado: a apoptose. O fato de os tumores astrocíticos humanos apresentarem, via de regra, baixos índices proliferativos em relação às outras neoplasias desperta o interesse pela determinação do status apoptótico nesses tumores(7). Dessa forma, admite-se que o estudo dos reguladores da apoptose possa desvendar alguns aspectos enigmáticos acerca do processo de tumoração e da progressão dos astrocitomas, revelando ainda novas possibilidades terapêuticas.

Os eventos bioquímicos responsáveis pela apoptose dependem de uma família de proteases denominadas caspases, as quais são sintetizadas a partir de seus precursores inativos, ou procaspases. Uma vez ativadas, as caspases clivam (e assim ativam) outras procaspases, resultando na amplificação da cascata proteolítica. Esse mecanismo, além de destrutivo e autopropagado, é também irreversível(1).

A ativação das caspases pode ser deflagrada através de estímulos intra e/ou extracelulares. Células normais, como os linfócitos T killer, podem induzir a apoptose de células tumorais pela produção de FAS (também conhecido por APO-1, de apoptosis inducing protein 1), um ligante específico dos receptores CD95. A ligação FAS-CD95 ativa o receptor, que se acopla à proteína FAS-associated death domain (FADD), uma carreadora da procaspase iniciadora tipo 8. Essa interação permite a liberação das procaspases, que, após sofrerem auto-ativação, desencadeiam a liberação de caspases executoras(20).

A caspase-8 também pode ativar proteínas pró-apoptóticas que promovem a formação de poros na membrana externa mitocondrial, denominada fenômeno mitochondrial-outer-membrane permeabilization (MOMP). Isso ativa a liberação do citocromo C no citoplasma, o qual, associado ao apoptotic protease-activating factor 1 (APAF1) e à procaspase-9, forma o chamado apoptossomo. Na presença de trifosfato de adenosina (ATP), a procaspase-9 é ativada, levando à liberação em cadeia de caspases executoras, incluindo a caspase-3(2).

As proteínas intracelulares que regulam diretamente o processo de ativação das caspases constituem a denominada família BCL-2(5, 6). Os membros dessa família podem ser divididos em moléculas pró-apoptóticas (BAX, BAK, BCL-xS, BAD, BID, BIK, HRK, BIM e BOK) e antiapoptóticas (BCL-2, BCL-xL, BCL-w, BFL-1, BRSAG-1, MCL-1, A1, E1B19K, LMW5-HL e EBV BHRF1). O equilibro relativo entre as diferentes proteínas, refletindo a formação de homodímeros e heterodímeros (neutralização), define a via de atuação sobre o mecanismo de morte celular programada(25).

A BCL-2 associated protein X (BAX), codificada pelo gene localizado na região cromossômica 19q13.3-q13.4, representa o protótipo das proteínas pró-apoptóticas. Na presença de um sinal apoptótico, a BAX é translocada do citoplasma para as proximidades das mitocôndrias, onde sofre ativação e modificação conformacional, aderindo à membrana mitocondrial externa. Pequenas unidades de proteínas BAX ativadas tendem ao agrupamento, formando oligômeros que acabam por penetrar a membrana mitocondrial externa. Essa integração possibilita a rápida liberação do citocromo c(3).

Por outro lado, a B-cell lymphoma protein 2 (BCL-2), codificada pelo gene localizado no cromossomo 18q21, favorece a sobrevida celular. Ela impede o escape do citocromo c, possivelmente pela formação de heterodímeros com moléculas pró-apoptóticas como a proteína BAX(2).

Nesse contexto, a presente investigação objetivou avaliar a expressão de genes reguladores da apoptose (BCL-2 e BAX) em tumores astrocíticos humanos de diferentes graduações histopatológicas (segundo a OMS).

Material e métodos

Casuística

Realizou-se levantamento dos tumores astrocíticos humanos fixados em formalina e incluídos em parafina provenientes do arquivo do Laboratório Biomédica, Pesquisas e Serviços Ltda. (BIOPSE®), em Fortaleza, Ceará, referentes aos exames histopatológicos rotineiros realizados no período entre 1999 e 2003. Admitiram-se como critérios de inclusão a existência de mais de uma amostra (bloco) para cada caso, o bom estado de conservação dos blocos e a adequação da graduação histológica utilizada quando do diagnóstico em relação à padronizada pela OMS(13). Dessa forma, 55 astrocitomas foram selecionados: 13 do grau I, 14 do II, sete do III e 21 do grau IV, configurando uma amostragem não-probabilística.

Como parâmetro de normalidade, cinco amostras de tecido cerebral não-tumoral fixadas em formalina e incluídas em parafina foram obtidas do material de rotina do Setor de Necropsia do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FMUFC). Foram selecionados casos em que a causa imediata da morte e a doença de base em nada remetessem à presença de neoplasia intra ou extracerebral.

A coleta das amostras foi autorizada pelos responsáveis de cada instituição, sendo o projeto de pesquisa aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do complexo hospitalar da UFC sob protocolo 32/04, dentro das normas que regulamentam a pesquisas em seres humanos segundo as Resoluções nos 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (CNS/MS).

Preparo das lâminas e dos cortes histológicos

Procedeu-se à manufatura de cortes histológicos a 5µm em lâminas tratadas com silano a 4%. Uma lâmina de cada bloco foi destinada à coloração por hematoxilina e eosina para reavaliação histopatológica e as restantes, para o estudo proteômico in situ (imuno-histoquímica).

Reação imuno-histoquímica

No presente ensaio foram estudadas as proteínas BCL-2 e BAX através dos anticorpos primários BCL2 (clone 124 – DakoCytomation®, EUA; diluição 1:80) e BAX (policlonal – DakoCytomation®, EUA; diluição 1:400). Utilizou-se o método imuno-histoquímico da estreptoavidina-biotina-peroxidase (SABP) modificado(11), constando de: a) passagem das lâminas em estufa pré-aquecida a 60ºC por 120 minutos; b) desparafinização e hidratação em gradiente xileno/álcool/água; c) bloqueio da peroxidase endógena com peróxido de hidrogênio (H2O2) a 3%; d) recuperação antigênica em forno de microondas utilizando tampão citrato 10mM pH = 6 (± 99ºC) por 15 minutos; e) incubação das lâminas com o anticorpo primário (± 4ºC) por 16 horas; f) detecção pelo sistema LSAB+ (DakoCytomation®, EUA); g) revelação pelo sistema DAB+ (DakoCytomation®, EUA), conforme orientações do fabricante; h) contracoloração com hematoxilina de Harrys a 40%; i) desidratação em gradiente água/álcool/xileno, montagem com lamínula e bálsamo do Canadá.

Análise imuno-histoquímica

A avaliação imuno-histoquímica, bem como a revisão histopatológica, foi realizada por três analistas experientes de forma independente. Os eventuais resultados conflitantes foram discutidos pelos mesmos em conjunto para definição consensual da análise.

Considerou-se marcação a coloração distinta em marrom (castanho) no citoplasma celular em contraposição ao azul/violeta da contracoloração (hematoxilina). A expressão dos marcadores foi quantificada através da contagem manual por microscopia ótica de pelo menos mil células astrocíticas, em diferentes campos representativos, utilizando magnificação de 400x. Procedeu-se então ao cálculo do labelling index (LI)(16), segundo a fórmula:

LI (%) = (número de células imunopositivas)/(número total de células contadas) x 100

Admitiu-se como critério de positividade a presença dos antígenos pesquisados em no mínimo 5% das células analisadas (LI > 5). Realizou-se também contagem semiquantitativa da mesma amostragem celular, levando-se em consideração a intensidade de marcação. Foram atribuídos os valores 0 (ausente), 1+ (fraca), 2+ (moderada) e 3+ (intensa), de acordo com a intensidade observada. Tais valores configuram índices aos quais foram multiplicados os valores percentuais (%) da fração de células que representam a respectiva categoria de intensidade, sendo calculado o H-score(19):

H-score = (% 0) x 0 + (% 1+) x 1 + (% 2+) x 2 + (% 3+) x 3.

Análise estatística

Os escores referentes à análise imuno-histoquímica foram tabulados utilizando-se o programa SPSS® 13.0. Os dados foram comparados através de abordagens não-paramétricas (teste de Shapiro-Wilk, teste H de Kruskal-Wallis e teste U de Mann-Whitney), sendo os resultados expressos como média ± 2 desvios padrão da média (DPM). Foram considerados significativas valores de p < 0,05.

Resultados

Exemplos de reações imuno-histoquímicas para BCL-2 e BAX estão ilustrados na Figura 1 e a Tabela apresenta detalhadamente os resultados obtidos. O percentual de casos que demonstraram imunoexpressão da proteína BCL-2 aumentou conforme a malignidade dos tumores astrocíticos (23,07% no grau I; 35,71% no II; 42,86% no III; 71,43% no IV). A expressão da proteína BAX mostrou semelhante tendência (15,38%; 7,14%; 28,57%; 47,62%), apesar da menor positividade verificada entre os astrocitomas de grau II. A positividade para BCL-2 e BAX na totalidade dos tumores astrocíticos investigados foi de 43,26% e 24,67%, respectivamente, sendo a porcentagem de casos imunopositivos para BCL-2 superior à dos imunopositivos para BAX em todas as graduações tumorais. Tais proteínas não foram evidenciadas entre as amostras não-tumorais pesquisadas (Figura 2).



Observou-se propensão ao acréscimo dos índices de marcação para BCL-2 (LI [4,3; 6,57; 8,71; 16,85] e H [10,84; 14,42; 18,85; 27,85]), de acordo com a graduação histopatológica dos tumores astrocíticos, enquanto os valores para BAX (LI [5; 0,57; 9,28; 9,38] e H [11,53; 0,57; 17,14; 11,66]) demonstraram escores semelhantes nas diferentes gradações, exceto pelos menores índices novamente verificados para os tumores de grau II (Figura 3).


As marcações para BCL-2 (LI) e BAX (LI) manifestaram correlação significativa com a graduação dos astrocitomas (p < 0,05; teste H de Kruskal-Wallis), sendo mais freqüente a detecção dessas moléculas nos tumores de grau IV em comparação com os de baixo grau (I e II) (p < 0,05; teste U de Mann-Whitney). O balanço qualiquantitativo entre os escores de marcação verificados para BCL-2 (estímulo antiapoptótico) e BAX (estímulo pró-apoptótico) revelou tendência crescente à sobrevida celular, de acordo com a progressão maligna dos tumores astrocíticos (Figura 4).


Discussão

No presente estudo, tanto a porcentagem de casos positivos quanto os escores médios de marcação (LI e H) para a proteína antiapoptótica BCL-2 demonstraram tendência de aumento, segundo a graduação dos tumores astrocíticos (Figuras 2 e 3), indicando a superexpressão dessa proteína como um evento freqüente nos astrocitomas e diretamente proporcional ao grau de malignidade tumoral. Fels et al.(9) haviam detectado propensão similar quanto à positividade para BCL-2 nos tumores astrocíticos de alto grau (48% no grau III; 51% no IV), ao passo que Ellison et al.(8) descreveram inclinação oposta (44% no grau II; 42% no III; 28% no IV). Recentemente, Strik et al.(22) e Kraus et al.(15) confirmaram a tendência de maior positividade entre os astrocitomas grau IV (94,6% e 60,25%, respectivamente), reforçando o perfil aqui reportado. Possíveis comparações semiquantitativas acerca da expressão de BCL-2 em tumores astrocíticos foram impossibilitadas pela inexistência de estudos anteriores que apresentassem escores de marcação compatíveis com os aqui realizados, reafirmando o ineditismo da corrente investigação.

Com relação à expressão da proteína pró-apoptótica BAX, demonstraram-se propensão ao acréscimo na positividade e relativa constância entre as médias de marcação (LI e H), conforme a graduação dos tumores astrocíticos, excetuando-se a relativa redução verificada em todos os valores referentes aos astrocitomas grau II (Figuras 2 e 3). Tais resultados confirmam a superexpressão de BAX como decorrente do processo de tumoração nos astrocitomas, sendo tal fenômeno cada vez mais freqüente conforme a malignidade desses tumores. Quanto à intrigante redução da marcação para BAX nos tumores de grau II, admite-se que particularidades referentes à histogênese dessa classe tumoral possam provocar variações na expressão de moléculas relacionadas à apoptose(10), consolidando as diferenças entre os tumores do grau I estudados (astrocitomas pilocíticos) e os astrocitomas grau II, esses últimos sabidamente propensos à progressão para fenótipos mais malignos(13). Todavia essas variações podem ser mais bem compreendidas quando avaliadas ante o equilíbrio entre as tendências pró e antiapoptótica(25). Os escassos estudos até então publicados acerca da expressão imuno-histoquímica de BAX nos tumores astrocíticos relatam apenas a alta freqüência da detecção de BAX nos glioblastomas (78%(22), 94%(4), 98%(14)), diferentemente da moderada positividade reportada no presente estudo (47,62%).

A despeito da ausência de significância estatística verificada entre os índices de marcação (LI e H) para BCL-2 e BAX na análise seqüencial (teste U) das diferentes gradações dos astrocitomas, o exame do conjunto dos valores (teste H) relativos à fração de células positivas (LI) para essas proteínas demonstrou correlação significativa com o grau histopatológico. Tal distinção foi reforçada pela expressiva superioridade dos escores para BCL-2 e BAX nos tumores de grau IV (glioblastomas) em relação aos de baixo grau (I e II) (teste U). Diante do exposto, notabilizou-se o aumento paralelo na detecção das proteínas BAX e BCL-2, conforme a gradação dos astrocitomas (notadamente entre os de baixo e alto graus), sugerindo mecanismos de co-regulação entre a expressão dessas proteínas durante a progressão maligna dos tumores astrocíticos(18).

Além disso, através da comparação quantitativa entre os índices de marcação (LI) das proteínas BCL-2 e BAX, foi demonstrada crescente orientação à sobrevida celular consoante a progressão dos tumores astrocíticos (Figura 4). Acredita-se que essa diminuição gradual do estímulo apoptótico, associada ao pressuposto aumento progressivo do incentivo proliferativo, resulte na promoção cada vez maior das células mais anaplásicas (mais alteradas geneticamente), contribuindo para a evolução do fenótipo maligno dos astrocitomas(23). Apesar disso, nenhuma correlação prognóstica categórica foi detectada a partir da expressão das proteínas BCL-2 e BAX nos tumores astrocíticos até este momento(9, 10, 21, 22).

Por fim, a constatação do aumento na expressão da proteína antiapoptótica BCL-2 conforme a progressão dos tumores astrocíticos, resultando em crescente tendência à sobrevida celular, abre espaço para abordagens que promovam o bloqueio transcricional dessa proteína e, assim, estimulem o mecanismo apoptótico. Neste sentido, Zhu et al.(24) reportaram considerável inibição do crescimento tumoral, completa perda do potencial tumoral e significativo incremento da sensibilidade à cisplatina em culturas de astrocitomas malignos humanos tratados com oligonucleotídeos antisense para BCL-2. Jiang et al.(12) obtiveram semelhantes resultados com o uso de oligonucleotídeos antisense para BCL-2/BCL-xL (biespecíficos) nas linhagens de glioblastomas U87 e NS008.

Primeira submissão em 08/12/05

Última submissão em 04/04/06

Aceito para publicação em 22/05/06

Publicado em 20/08/06

Artigo baseado na dissertação de mestrado Estudo imuno-histoquímico das alterações moleculares nos tumores astrocíticos: vias tumorigênicas e indicadores de resistência apresentada na Faculdade de Medicina da UFC, em 2005. Trabalho selecionado para apresentação oral/premiação no XXV Congresso Brasileiro de Patologia, Natal-RN, 12 a 15 de outubro de 2005.

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  • Endereço para correspondência:

    Mário Henrique Girão Faria
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      08 Dez 2005
    • Revisado
      04 Abr 2006
    • Aceito
      22 Maio 2006
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