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O que permanece no tecido pulmonar após a COVID-19 aguda?

O que resta após a devastação da fase crítica da pandemia de COVID-19, vivida em 2020-2021? Após dois anos de pandemia, os sistemas de saúde em todo o mundo estão enfrentando problemas que vão além daqueles enfrentados no início da pandemia, como diagnóstico, definição de caso, tratamento adequado e controle da disseminação do SARS-CoV-2. Algumas das principais questões neste momento são quais pacientes não se recuperarão totalmente da fase aguda da doença e quais mecanismos estão envolvidos nos diferentes desfechos. Sabemos agora que pacientes com COVID-19 com diversos perfis clínicos podem desenvolver a COVID longa, uma condição clínica com sintomas sistêmicos persistentes que podem durar meses ou até anos após a doença aguda.11 Soriano JB, Murthy S, Marshall JC, Relan P, Diaz JV; WHO Clinical Case Definition Working Group on Post-COVID-19 Condition. A clinical case definition of post-COVID-19 condition by a Delphi consensus. Lancet Infect Dis. 2022;22(4):e102-e107. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(21)00703-9
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Dado o grande número de casos de COVID-19 em todo o mundo, sequelas de longo prazo podem levar a um grande contingente de indivíduos com disfunções que necessitarão de acompanhamento por especialistas de diferentes áreas.

Embora a COVID longa ainda careça de padronização em termos de definição e nomenclatura,22 Alwan NA, Johnson L. Defining long COVID: Going back to the start. Med (N Y). 2021;2(5):501-504. https://doi.org/10.1016/j.medj.2021.03.003
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,33 Munblit D, O'Hara ME, Akrami A, Perego E, Olliaro P, Needham DM. Long COVID: aiming for a consensus. Lancet Respir Med. 2022;S2213-2600(22)00135-7. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(22)00135-7
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está claro que ela pode acometer diversos órgãos e sistemas; em virtude da alta prevalência e gravidade do acometimento pulmonar na fase aguda da COVID-19, o acometimento pulmonar crônico na COVID longa é uma das principais preocupações. Estudos clínicos e radiológicos mostram que a persistência de sintomas pulmonares, alterações na função pulmonar e sinais tomográficos de alterações pulmonares meses após a doença podem afetar entre 24% e 50% (ou até mais) dos pacientes internados por COVID-19.44 Wu X, Liu X, Zhou Y, Yu H, Li R, Zhan Q, et al. 3-month, 6-month, 9-month, and 12-month respiratory outcomes in patients following COVID-19-related hospitalisation: a prospective study. Lancet Respir Med. 2021;9(7):747-754. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(21)00174-0
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,55 Li X, Shen C, Wang L, Majumder S, Zhang D, Deen MJ, et al. Pulmonary fibrosis and its related factors in discharged patients with new corona virus pneumonia: a cohort study. Respir Res. 2021;22(1):203. https://doi.org/10.1186/s12931-021-01798-6
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Estudos clínicos e epidemiológicos demonstraram o risco de desenvolver fibrose pulmonar após o início da doença.55 Li X, Shen C, Wang L, Majumder S, Zhang D, Deen MJ, et al. Pulmonary fibrosis and its related factors in discharged patients with new corona virus pneumonia: a cohort study. Respir Res. 2021;22(1):203. https://doi.org/10.1186/s12931-021-01798-6
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,66 George PM, Wells AU, Jenkins RG. Pulmonary fibrosis and COVID-19: the potential role for antifibrotic therapy. Lancet Respir Med. 2020;8(8):807-815. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30225-3
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Pacientes idosos com comorbidades (especialmente hipertensão arterial sistêmica, obesidade e diabetes mellitus), doença pulmonar prévia, febre na fase aguda da doença, tempo prolongado para clearance viral, internação prolongada, ventilação mecânica prolongada e acometimento pulmonar extenso na TCAR na fase aguda apresentam maior risco de desenvolver fibrose pulmonar e comprometimento funcional após a COVID-19.55 Li X, Shen C, Wang L, Majumder S, Zhang D, Deen MJ, et al. Pulmonary fibrosis and its related factors in discharged patients with new corona virus pneumonia: a cohort study. Respir Res. 2021;22(1):203. https://doi.org/10.1186/s12931-021-01798-6
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,66 George PM, Wells AU, Jenkins RG. Pulmonary fibrosis and COVID-19: the potential role for antifibrotic therapy. Lancet Respir Med. 2020;8(8):807-815. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30225-3
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Alterações histopatológicas em pacientes com COVID-19 com doença pulmonar persistente foram relatadas em poucos estudos, a maioria deles descrevendo a patologia pulmonar em amostras de necrópsia ou de explante pulmonar de pacientes com doença aguda grave e internação prolongada. As principais alterações pulmonares descritas em indivíduos com tempo de doença superior a 30 dias incluem fibrose intersticial difusa, alteração em favo de mel microscópica, bronquiolectasias, inflamação intersticial e intra-alveolar linfocítica e macrofágica, neoangiogênese capilar intersticial, trombos recanalizados envolvendo pequenas artérias pulmonares e infarto pulmonar.77 Aesif SW, Bribriesco AC, Yadav R, Nugent SL, Zubkus D, Tan CD, et al. Pulmonary Pathology of COVID-19 Following 8 Weeks to 4 Months of Severe Disease: A Report of Three Cases, Including One With Bilateral Lung Transplantation. Am J Clin Pathol. 2021;155(4):506-514. https://doi.org/10.1093/ajcp/aqaa264
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8 Polak SB, Van Gool IC, Cohen D, von der Thüsen JH, van Paassen J. A systematic review of pathological findings in COVID-19: a pathophysiological timeline and possible mechanisms of disease progression. Mod Pathol. 2020;33(11):2128-2138. https://doi.org/10.1038/s41379-020-0603-3
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9 Flaifel A, Kwok B, Ko J, Chang S, Smith D, Zhou F, et al. Pulmonary Pathology of End-Stage COVID-19 Disease in Explanted Lungs and Outcomes After Lung Transplantation. Am J Clin Pathol. 2022;157(6):908-926. https://doi.org/10.1093/ajcp/aqab208
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10 Bharat A, Machuca TN, Querrey M, Kurihara C, Garza-Castillon R Jr, Kim S, et al. Early outcomes after lung transplantation for severe COVID-19: a series of the first consecutive cases from four countries. Lancet Respir Med. 2021;9(5):487-497. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(21)00077-1
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11 Konopka KE, Perry W, Huang T, Farver CF, Myers JL. Usual Interstitial Pneumonia is the Most Common Finding in Surgical Lung Biopsies from Patients with Persistent Interstitial Lung Disease Following Infection with SARS-CoV-2. EClinicalMedicine. 2021;42:101209. https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.101209
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-1212 Flikweert AW, Grootenboers MJJH, Yick DCY, du Mée AWF, van der Meer NJM, Rettig TCD, et al. Late histopathologic characteristics of critically ill COVID-19 patients: Different phenotypes without evidence of invasive aspergillosis, a case series. J Crit Care. 2020;59:149-155. https://doi.org/10.1016/j.jcrc.2020.07.002
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O padrão fibrótico de dano alveolar difuso que caracteriza a doença grave é mais proeminente três semanas após o início da doença.88 Polak SB, Van Gool IC, Cohen D, von der Thüsen JH, van Paassen J. A systematic review of pathological findings in COVID-19: a pathophysiological timeline and possible mechanisms of disease progression. Mod Pathol. 2020;33(11):2128-2138. https://doi.org/10.1038/s41379-020-0603-3
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,1212 Flikweert AW, Grootenboers MJJH, Yick DCY, du Mée AWF, van der Meer NJM, Rettig TCD, et al. Late histopathologic characteristics of critically ill COVID-19 patients: Different phenotypes without evidence of invasive aspergillosis, a case series. J Crit Care. 2020;59:149-155. https://doi.org/10.1016/j.jcrc.2020.07.002
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,1313 Mauad T, Duarte-Neto AN, da Silva LFF, de Oliveira EP, de Brito JM, do Nascimento ECT,et al. Tracking the time course of pathological patterns of lung injury in severe COVID-19. Respir Res. 2021;22(1):32. https://doi.org/10.1186/s12931-021-01628-9
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A patogênese dessas alterações é provavelmente multifatorial, envolvendo lesões virais na fase aguda, infecções pulmonares secundárias e lesão associada à ventilação mecânica.77 Aesif SW, Bribriesco AC, Yadav R, Nugent SL, Zubkus D, Tan CD, et al. Pulmonary Pathology of COVID-19 Following 8 Weeks to 4 Months of Severe Disease: A Report of Three Cases, Including One With Bilateral Lung Transplantation. Am J Clin Pathol. 2021;155(4):506-514. https://doi.org/10.1093/ajcp/aqaa264
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O sequenciamento de RNA de célula única do tecido pulmonar de pacientes com COVID-19 em estágio avançado mostra semelhança com o tecido pulmonar de pacientes com fibrose pulmonar por outras condições, com aumento da expressão de genes envolvidos na produção de matriz extracelular.1414 Bharat A, Querrey M, Markov NS, Kim S, Kurihara C, Garza-Castillon R, et al. Lung transplantation for patients with severe COVID-19. Sci Transl Med. 2020;12(574):eabe4282. https://doi.org/10.1126/scitranslmed.abe4282
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Entretanto, estudos de necrópsia e de explantes não são capazes de prever quantas das alterações pulmonares provavelmente se resolverão ao longo do tempo em pacientes que sobrevivem à COVID-19 aguda com diversos níveis de gravidade. Até o momento, faltam estudos sobre a patologia pulmonar envolvendo sobreviventes da COVID-19. Nesse sentido, neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, o bem-vindo estudo de Baldi et al.1515 Baldi BG, Fabro AT, Franco AC, Machado MHC, Prudente RA, Franco ET, et al. Clinical, radiological, and transbronchial biopsy findings in patients with long COVID-19: a case series. J Bras Pneumol. 2022;48(3):e20210438. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210438
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analisou 6 pacientes pós-COVID-19 e descreveu o acompanhamento após a fase aguda por pelo menos quatro meses. Apenas 1 paciente foi ventilado mecanicamente durante a fase aguda. Embora todos os 6 pacientes tenham se recuperado ao final do acompanhamento, eles apresentavam sintomas respiratórios persistentes e alterações pulmonares intersticiais na TCAR por pelo menos quatro meses após a alta. As biópsias transbrônquicas mostraram alterações discretas, presentes em todos os pacientes, caracterizadas principalmente por remodelamento peribrônquico com deposição de matriz extracelular e espessamento focal dos septos alveolares. Não foram observadas alterações vasculares como trombose, vasculite e infartos. O estudo1515 Baldi BG, Fabro AT, Franco AC, Machado MHC, Prudente RA, Franco ET, et al. Clinical, radiological, and transbronchial biopsy findings in patients with long COVID-19: a case series. J Bras Pneumol. 2022;48(3):e20210438. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210438
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ganha importância como um dos primeiros estudos a avaliar biópsias transbrônquicas de pacientes com COVID-19 com um período de acompanhamento de vários meses. As limitações do estudo já foram apontadas pelos autores: o pequeno número de pacientes e a quantidade limitada de tecido para análise, já que a biópsia transbrônquica não avalia o tecido pulmonar periférico onde se localiza a maioria das alterações tomográficas.1515 Baldi BG, Fabro AT, Franco AC, Machado MHC, Prudente RA, Franco ET, et al. Clinical, radiological, and transbronchial biopsy findings in patients with long COVID-19: a case series. J Bras Pneumol. 2022;48(3):e20210438. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210438
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Ravaglia et al.1616 Ravaglia C, Doglioni C, Chilosi M, Piciucchi S, Dubini A, Rossi G, et al. Clinical, radiological, and pathological findings in patients with persistent lung disease following SARS-CoV-2 infection [published online ahead of print, 2022 Mar 17]. Eur Respir J. 2022;2102411. https://doi.org/10.1183/13993003.02411-2021
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descreveram recentemente as características morfológicas e imunomoleculares de criobiópsias pulmonares transbrônquicas realizadas em 10 pacientes com doença pulmonar persistente após pelo menos 30 dias da recuperação da pneumonia por COVID-19. Nenhum dos pacientes tinha sido ventilado mecanicamente, e todos apresentavam envolvimento pulmonar persistente na TCAR e sintomas respiratórios e/ou sistêmicos persistentes. A avaliação histológica revelou três diferentes “cluster de casos” com características clínicas e radiológicas específicas. O cluster 1 (“fibrosante crônico”) caracterizou-se pela progressão pós-infecção de pneumonias intersticiais pré-existentes; o cluster 2 (“lesão aguda/subaguda”) caracterizou-se por diferentes tipos e graus de lesão pulmonar, desde pneumonia em organização e pneumonia intersticial inespecífica fibrosante até dano alveolar difuso; e o cluster 3 (“alterações vasculares”) mostrou aumento vascular difuso, dilatação vascular e distorção de capilares e vênulas em meio ao parênquima normal. O estudo1616 Ravaglia C, Doglioni C, Chilosi M, Piciucchi S, Dubini A, Rossi G, et al. Clinical, radiological, and pathological findings in patients with persistent lung disease following SARS-CoV-2 infection [published online ahead of print, 2022 Mar 17]. Eur Respir J. 2022;2102411. https://doi.org/10.1183/13993003.02411-2021
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também foi limitado pelo pequeno tamanho amostral e pelo curto período de tempo. Konopka et al.1111 Konopka KE, Perry W, Huang T, Farver CF, Myers JL. Usual Interstitial Pneumonia is the Most Common Finding in Surgical Lung Biopsies from Patients with Persistent Interstitial Lung Disease Following Infection with SARS-CoV-2. EClinicalMedicine. 2021;42:101209. https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.101209
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revisaram biópsias pulmonares cirúrgicas de 18 pacientes com evidência de doença pulmonar intersticial persistente entre 2 e 12 meses após a fase aguda da COVID -19. A pneumonia intersticial usual foi o padrão histológico mais comum nesses pacientes, possivelmente correspondendo a doença pulmonar fibrosante difusa presente anteriormente à infecção por SARS-CoV-2.

Espera-se que em breve surjam novos estudos morfológicos caracterizando a COVID longa. Mais estudos são necessários para uma melhor compreensão da patologia e patogênese da doença pós-COVID. As criobiópsias podem reduzir as limitações do tamanho amostral, com a possibilidade de uma melhor análise dos principais compartimentos pulmonares (vias aéreas e tecido alveolar) sem aumentar os riscos do procedimento de biópsia transbrônquica. A avaliação de um maior número de casos com diferentes perfis do amplo espectro da doença na fase aguda (doença leve, moderada e grave) ou tardia (persistência do comprometimento clínico, funcional e tomográfico), combinada com características basais (idade, sexo, IMC e comorbidades), duração da doença, necessidade de ventilação mecânica e uso de corticoides, nos ajudarão a compreender os diferentes padrões de acometimento pulmonar crônico, os elementos inflamatórios e vias envolvidas e a prevalência e distribuição de alterações pulmonares irreversíveis em pacientes com COVID pulmonar longa. Esperamos que esses estudos morfológicos nos forneçam insights sobre os mecanismos patogênicos e forneçam conhecimentos que possam ter impacto no tratamento e prevenção de alterações pulmonares crônicas na COVID-19.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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