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Asma e síndrome de Churg-Strauss

Resumos

Relata-se o caso de uma mulher de 25 anos com síndrome de Churg-Strauss, cujos sintomas surgiram aos dezesseis anos, logo após o início do uso de contraceptivo oral. O quadro clínico evoluiu rapidamente com asma persistente grave, polipose nasal, rinite perene obstrutiva, eosinofilia periférica e tecidual, e mononeurite. A síndrome de Churg-Strauss é uma doença que exige suspeita precoce, diagnóstico preciso, tratamento agressivo e monitoramento periódico, devendo ser considerada no diagnóstico diferencial de asma persistente moderada e grave. O caso relatado chama a atenção para possível participação hormonal e surgimento em idade precoce.

Asma; Síndrome de Churg-Strauss; Eosinofilia; Pólipos nasais; Vasculites; Relatos de casos


We report the case of a 25-year-old woman with Churg-Strauss syndrome, the symptoms of which had first appeared soon after she began taking oral contraceptive at the age of sixteen. The clinical profile evolved rapidly to severe persistent asthma, nasal polyposis, perennial obstructive rhinitis, eosinophilia (peripheral/tissue) and mononeuritis. Churg-Strauss syndrome is the type of disease that demands early detection, accurate diagnosis, aggressive treatment and periodic monitoring. It should be considered in the differential diagnosis of moderate and severe persistent asthma. The case reported calls attention to possibility that there is a hormonal component and that the disease can present early onset.

Asthma; Churg-Strauss syndrome; Eosinophilia; Nasal polyps; Vasculitis; Case reports


RELATO DE CASO

Asma e síndrome de Churg-Strauss* * Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rop de Janeiro (RJ) Brasil.

Soloni Afra Pires LevyI; Alfeu Tavares FrançaII; Denise de La RezaIII; Solange Oliveira Rodrigues ValleIII; Ana Helena Pereira CorreiaIV

IMédica do serviço de Imunologia do Hospital São Zacarias e da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IILivre-Docente. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - e da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques - FTESM - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IIIMestre em Imunologia Clínica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IVMestre em Ciências Morfológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Soloni Afra Pires Levy Rua Afonso Pena, 38/802, Tijuca CEP 20270-240, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Relata-se o caso de uma mulher de 25 anos com síndrome de Churg-Strauss, cujos sintomas surgiram aos dezesseis anos, logo após o início do uso de contraceptivo oral. O quadro clínico evoluiu rapidamente com asma persistente grave, polipose nasal, rinite perene obstrutiva, eosinofilia periférica e tecidual, e mononeurite. A síndrome de Churg-Strauss é uma doença que exige suspeita precoce, diagnóstico preciso, tratamento agressivo e monitoramento periódico, devendo ser considerada no diagnóstico diferencial de asma persistente moderada e grave. O caso relatado chama a atenção para possível participação hormonal e surgimento em idade precoce.

Descritores: Asma; Síndrome de Churg-Strauss; Eosinofilia; Pólipos nasais; Vasculites; Relatos de casos [tipo de publicação]

INTRODUÇÃO

Em 1866, Kussmaul e Maier identificaram pela primeira vez a poliarterite nodosa ao descreverem um quadro de vasculite envolvendo grandes artérias elásticas, que se caracterizava pela formação de aneurismas macroscópicos. Na década de 1930, foi reconhecida a granulomatose de Wegener, uma vasculite necrosante de pequenos vasos acompanhada de comprometimento renal. Vinte anos depois, Churg e Strauss descreveram uma tríade constituída pela associação de granulomatose alérgica, angeíte alérgica e periarterite nodosa, a partir de observações de necropsia.(1) O reconhecimento dessa tríade foi fundamental para o estabelecimento da síndrome de Churg-Strauss (SCS) como uma forma distinta de vasculite, embora atualmente o diagnóstico possa ser feito tanto por critérios clínicos quanto patológicos. Devido à grande variabilidade de nomenclatura, em 1994, a Chapel Hill Consensus Conference on the Nomenclature of Systemic Vasculitis classificou-a entre as vasculites de pequenos vasos.(2) Apesar de nenhuma destas classificações incluir o exame de anticorpo anticitoplasmático para neutrófilo, é importante enfatizar sua positividade em aproximadamente 70% dos casos.

A SCS é mais comum em adultos, manifestando-se principalmente na quarta e quinta décadas de vida. A asma pode preceder a vasculite sistêmica em até 30 anos. Um intervalo pequeno entre o aparecimento da asma e da vasculite sugere mau prognóstico. É freqüente o aparecimento dos sintomas e sinais da SCS após redução da dose de corticosteróide sistêmico. O diagnóstico é feito pela combinação de características clínicas e laboratoriais, sendo essencial a presença de asma, eosinofilia e vasculite sistêmica necrosante. A SCS deve ser fortemente suspeitada quando do aparecimento de mononeurite múltipla, púrpura palpável, infiltrados pulmonares transitórios e cardiomegalia com ou sem insuficiência cardíaca. Sintomas menos freqüentes são a dor abdominal, diarréia, proteinúria ou hematúria, linfadenopatia progressiva e sinusite crônica.

A patogênese da SCS não está totalmente esclarecida, mas provavelmente envolve mecanismos auto-imunes com a participação de células endoteliais e leucócitos. Recentemente, foi observada alteração da apoptose de linfócitos e eosinófilos mediada pelo ligante CD95. Além disto, foi relatado o aumento dos níveis séricos de proteína catiônica eosinofílica, e de trombomodulina solúvel, responsáveis por lesões de células endoteliais. O aumento do receptor solúvel de IL-2 sugere ativação de célula T.(3) Foi aventada também a possibilidade de a SCS ser induzida por drogas tais como zafirlucast, montelucast, zileuton, fluticasona, salmeterol, antibióticos macrolídeos, estrógenos, cocaína, paroxetina e carbamazepina. Essas drogas atuariam por mecanismos pseudoalérgicos, idiossincrásicos ou de hipersensibilidade.(1,3-4) Cabe ressaltar que as drogas relacionadas não têm uma estrutura química comum, o que dificulta uma única explicação na patogênese da SCS. Não está definido se o uso de corticosteróide no tratamento da asma mascara os sintomas da SCS, adia o aparecimento da vasculite, ou se independente do seu uso esta seria uma condição agressiva.(5) Algumas ações dos estrógenos sobre o sistema imune já foram identificadas.(6)

RELATO DO CASO

Uma mulher, branca, de 25 anos, iniciou uso de contraceptivo oral aos dezesseis anos, tendo apresentado, três meses após, sintomas compatíveis com rinite obstrutiva e asma persistente. Fez uso desta medicação durante seis meses, interrompendo-a por acreditar na sua relação com o quadro respiratório, e engravidou três meses depois. Na gestação, mesmo com o uso de corticosteróide, houve piora da asma, levando a paciente a ser internada diversas vezes, o que a levou a suspeitar da ineficácia desta medicação. Usou corticosteróide injetável de ação prolongada durante dois anos, desde o início dos sintomas respiratórios, sem controle médico, interrompendo-o logo após o parto. Persistiram a asma moderada e a rinite obstrutiva perene, mas aproximadamente oito meses depois surgiu palidez cutânea nas extremidades, ao contato com água fria, que se acompanhou de dor abdominal, vômitos e diarréia com muco, pus e sangue, e perda de peso importante, necessitando a paciente de internação por tempo prolongado em alguns hospitais, e sem relato de apresentar infiltrado pulmonar.

Após sua internação no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, queixou-se de cãibras nos membros inferiores, seguidas de parestesia progressiva e seriada nos membros superiores e inferiores, em um quadro compatível com mononeurite múltipla. Os exames complementares revelaram: eosinofilia de 25% - 2.300; VHS elevado - 63mm; plaquetas - 540.000/mm3; IgE - 166 U; globulina - 1,7 g (25,8%). Testes cutâneos de leitura imediata com antígenos inaláveis, inclusive com Aspergillus fumigatus, foram negativos. A espirometria basal foi normal. O teste de broncoprovocação com metacolina não foi realizado porque já houve queda significativa do volume expiratório forçado no primeiro segundo após inalação de solução salina, o que é compatível com importante hiperresponsividade brônquica. A biópsia do nervo sural revelou neuropatia axonal grave com vasculite necrosante sem granulomas (Figura 1). A paciente evoluiu com sinusopatia crônica (Figura 2) e polipose nasal (Figura 3). Não referia asma ou rinite na infância e adolescência, mas havia histórico familiar de atopia. A associação de asma, rinossinusite, polipose nasal, eosinofilia e vasculite preencheram os critérios para SCS.




Foi realizada pulsoterapia de ciclofosfamida (500 mg) e corticosteróide (1 gEV/dia) durante seis meses. Recebeu meperidina, amitriptilina, carbamazepina, continuando-se o uso de corticosteróide oral (30 mg/dia) e inalatório por mais um ano. Atualmente, a paciente encontra-se assintomática, com manifestação residual neural e limitação dos movimentos dos dedos da mão, espirometria com padrão obstrutivo grau leve, com prova broncodilatadora positiva com normalização do exame, rinite obstrutiva leve, e em uso de corticosteróides inalatórios oral e nasal.

DISCUSSÃO

A SCS é uma doença que requer reconhecimento precoce, diagnóstico preciso, tratamento agressivo e monitorização periódica. É fundamental suspeitar desta condição em pacientes com asma moderada ou grave em uso freqüente de corticosteróide oral, com presença de eosinofilia periférica. O fenômeno ocorre geralmente com a retirada do corticosteróide sistêmico.

O caso aqui apresentado chama a atenção por se tratar de uma paciente jovem, na qual se observaram sintomas precoces de rinite e asma de difícil controle após uso de contraceptivo oral, com agravamento durante a gravidez. Ela evoluiu com quadro disabsortivo gastrentérico raro e aparecimento de vasculite num curto tempo de evolução, o que acarreta um pior prognóstico. Ainda não está totalmente esclarecido se a SCS se constitui numa doença agressiva que independe do uso do corticosteróide,(5) ou se o corticosteróide mascara os sintomas da SCS, enquanto está sendo utilizado para o controle da asma. Existe muita discussão sobre os fatores fisiopatológicos da SCS e uma necessidade de estudos prospectivos controlados para melhor conhecimento das drogas correlacionadas.

O tratamento da asma com corticosteróide inalatório de alta potência e corticosteróide oral pode reduzir a freqüência de vasculites em uma população suscetível. Há dificuldade de se determinar uma população de risco para esta rara síndrome.(1) Hormônios sexuais podem ser considerados como possíveis determinantes da gravidade da asma. Mais estudos são necessários para o conhecimento dos mecanismos patogênicos envolvendo a interação de asma e hormônios sexuais.(3,6) Em face da falta de estudos controlados na literatura e com base na evolução clínica no caso relatado, a associação dos sintomas após o início do uso de contraceptivo oral relatado pela própria paciente leva à suspeita de ser este um possível fator desencadeante para SCS.

Na fase inicial do tratamento da SCS pode ser instituído o uso de corticosteróide sistêmico. Em caso de vasculite, corticosteróide sistêmico e ciclofosfamida (2 mg/kg/dia oral) são recomendados durante um ano. Metotrexato (15 a 25 mg uma vez na semana) também pode ser usado. A ciclofosfamida atua inibindo células T e B, e macrófagos. Os efeitos colaterais incluem leucopenia e cistite hemorrágica. Existe uma relação entre tratamento eficaz e redução de eosinofilia no soro. Os níveis de imunoglobulinas e de anticorpo anticitoplasmático para neutrófilo também diminuem. Tratamentos alternativos incluem o uso de trimetoprim/sulfametoxazol e pulsoterapia com ciclofosfamida, imunoglobulina intravenosa e interferon. Terapia experimental tem sido testada com antagonista de fator de necrose tumoral e anticorpo monoclonal para fator de necrose tumoral.(1)

Recebido para publicação em 17/6/05. Aprovado, após revisão, em 6/10/05.

  • 1. Lilly CM, Churg A, Lazarovich M, Pauwels R, Hendeles L, Rosenwasser LJ, et al. Asthma therapies and Churg-Strauss syndrome. J Allergy Clin Immunol. 2002;109(1):S1-19. Comment in: J Allergy Clin Immunol. 2002;110(3):536; author reply 536-7.
  • 2. Jennette JC, Falk RJ, Andrassy K, Bacon PA, Churg J, Gross WL, et al. Nomenclature of systemic vasculitides. Proposal of an international consensus conference. Arthritis Rheum. 1994;37(2):187-92.
  • 3. Weller PF, Plaut M, Taggart V, Trontell A. The relationship of asthma therapy and Churg-Strauss syndrome: NIH workshop summary report. J Allergy Clin Immunol. 2001;108(2):175-83.
  • 4. Wechsler ME, Garpestad E, Flier SR, Kocher O, Weiland DA, Polito AJ, et al. Pulmonary infiltrates, eosinophilia, and cardiomyopathy following corticosteroid withdrawal in patients with asthma receiving zafirlukast. JAMA. 1998;279 (6):455-7. Comment in: JAMA. 1998;279(24):1949-50; JAMA. 1998;279(24):1949; author reply 1950.
  • 5. Chrug A, Brallas M, Cronin SR, Churg J. Formes frustes of Churg-Strauss syndrome: Chest. 1995;108(2):320-3.
  • 6. Balzano G, Fuschillo S, Melillo G, Bonini S. Asthma and sex hormones. Allergy. 2001;56(1):13-20.
  • Endereço para correspondência:
    Soloni Afra Pires Levy
    Rua Afonso Pena, 38/802, Tijuca
    CEP 20270-240, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
  • *
    Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rop de Janeiro (RJ) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      17 Jun 2005
    • Aceito
      06 Out 2005
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