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BCGite: Uma complicação rara da terapia intravesical com BCG

AO EDITOR:

Na maioria dos casos, o carcinoma de bexiga situa-se superficialmente, e a abordagem terapêutica é geralmente a resseção transuretral seguida de terapia intravesical (quimioterapia ou imunoterapia).(11. Manfredi R, Dentale N, Piergentili B, Pultrone C, Brunocilla E. Tubercular disease caused by bacillus of Calmette-Guerin administered as a local adjuvant treatment of relapsing bladder carcinoma Pathogenetic, diagnostic and therapeutic issues, and literature review. AVFT [serial on the Internet]. 2009 Jul [cited 2015 Jun 15];28(2):54-60. Available from: http://www.revistaavft.com/avft%202%202009/hoja4.html
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,22. Lamm DL, van der Meijden PM, Morales A, Brosman SA, Catalona WJ, Herr HW, et al. Incidence and treatment of complications of bacillus Calmette-Guerin intravesical therapy in superficial bladder cancer. J Urol. 1992;147(3):596-600.) Inicialmente produzido como uma vacina contra a tuberculose, o BCG - uma cepa atenuada de Mycobacteriumbovis - tem sido amplamente usado na imunoterapia nas últimas décadas.(11. Manfredi R, Dentale N, Piergentili B, Pultrone C, Brunocilla E. Tubercular disease caused by bacillus of Calmette-Guerin administered as a local adjuvant treatment of relapsing bladder carcinoma Pathogenetic, diagnostic and therapeutic issues, and literature review. AVFT [serial on the Internet]. 2009 Jul [cited 2015 Jun 15];28(2):54-60. Available from: http://www.revistaavft.com/avft%202%202009/hoja4.html
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,33. Harbjerg JL, Bjerre CC, Lillebæk T, Weinreich UM. Pulmonal bacillus Calmette-Guérin infection two years after intravesical bacillus Calmette-Guérin installation [Article in Danish]. Ugeskr Laeger. 2014;176(25A) pii:V07120381.) Embora o uso do BCG na imunoterapia não tenha produzido os melhores resultados em muitos cânceres, tem-se obtido êxito clínico com o uso do BCG no tratamento intravesical de carcinomas superficiais de bexiga.(44. de Saint Martin L, Boiron C, Poveda JD, Herreman G. Generalized BCG infection after intravesical instillations of Calmette-Guérin bacillus [Article in French]. Presse Med. 1993;22(29):1352-6.) A imunoterapia com BCG intravesical erradica o tumor residual, retarda a progressão da doença, reduz a necessidade de cistectomia e prolonga a sobrevida. (44. de Saint Martin L, Boiron C, Poveda JD, Herreman G. Generalized BCG infection after intravesical instillations of Calmette-Guérin bacillus [Article in French]. Presse Med. 1993;22(29):1352-6.) O tratamento com BCG é bem tolerado por mais de 95% dos pacientes. Os efeitos colaterais mais comuns são locais (inflamação, febre e adenopatia pélvica). No entanto, há relatos de complicações sistêmicas, embora sejam raras.(11. Manfredi R, Dentale N, Piergentili B, Pultrone C, Brunocilla E. Tubercular disease caused by bacillus of Calmette-Guerin administered as a local adjuvant treatment of relapsing bladder carcinoma Pathogenetic, diagnostic and therapeutic issues, and literature review. AVFT [serial on the Internet]. 2009 Jul [cited 2015 Jun 15];28(2):54-60. Available from: http://www.revistaavft.com/avft%202%202009/hoja4.html
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,33. Harbjerg JL, Bjerre CC, Lillebæk T, Weinreich UM. Pulmonal bacillus Calmette-Guérin infection two years after intravesical bacillus Calmette-Guérin installation [Article in Danish]. Ugeskr Laeger. 2014;176(25A) pii:V07120381.

4. de Saint Martin L, Boiron C, Poveda JD, Herreman G. Generalized BCG infection after intravesical instillations of Calmette-Guérin bacillus [Article in French]. Presse Med. 1993;22(29):1352-6.

5. Sicard D, Steg A, Leleu C, Boccaccio F, Abadia R, Tulliez M, et al. "BCGitis", a systemic complication of intravesical BCG therapy of bladder tumor [Article in French]. Ann Med Interne (Paris). 1987;138(7):555-6.
-66. Deeks SL, Clark M, Scheifele DW, Law BJ, Dawar M, Ahmandipour N, et al. Serious adverse events associated with bacille Calmette-Guérin vaccine in Canada. Pediatr Infect Dis J. 2005;24(6):538-41. http://dx.doi.org/10.1097/01.inf.0000164769.22033.2c
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) A disseminação sistêmica do bacilo M. bovis atenuado é conhecida como BCGite. É mais comum em indivíduos com imunodeficiência primária ou secundária subjacente, mas pode ocorrer em pacientes imunocompetentes.(11. Manfredi R, Dentale N, Piergentili B, Pultrone C, Brunocilla E. Tubercular disease caused by bacillus of Calmette-Guerin administered as a local adjuvant treatment of relapsing bladder carcinoma Pathogenetic, diagnostic and therapeutic issues, and literature review. AVFT [serial on the Internet]. 2009 Jul [cited 2015 Jun 15];28(2):54-60. Available from: http://www.revistaavft.com/avft%202%202009/hoja4.html
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,66. Deeks SL, Clark M, Scheifele DW, Law BJ, Dawar M, Ahmandipour N, et al. Serious adverse events associated with bacille Calmette-Guérin vaccine in Canada. Pediatr Infect Dis J. 2005;24(6):538-41. http://dx.doi.org/10.1097/01.inf.0000164769.22033.2c
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) Há apenas alguns relatos de casos de BCGite respiratória.(11. Manfredi R, Dentale N, Piergentili B, Pultrone C, Brunocilla E. Tubercular disease caused by bacillus of Calmette-Guerin administered as a local adjuvant treatment of relapsing bladder carcinoma Pathogenetic, diagnostic and therapeutic issues, and literature review. AVFT [serial on the Internet]. 2009 Jul [cited 2015 Jun 15];28(2):54-60. Available from: http://www.revistaavft.com/avft%202%202009/hoja4.html
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,22. Lamm DL, van der Meijden PM, Morales A, Brosman SA, Catalona WJ, Herr HW, et al. Incidence and treatment of complications of bacillus Calmette-Guerin intravesical therapy in superficial bladder cancer. J Urol. 1992;147(3):596-600.,66. Deeks SL, Clark M, Scheifele DW, Law BJ, Dawar M, Ahmandipour N, et al. Serious adverse events associated with bacille Calmette-Guérin vaccine in Canada. Pediatr Infect Dis J. 2005;24(6):538-41. http://dx.doi.org/10.1097/01.inf.0000164769.22033.2c
http://dx.doi.org/10.1097/01.inf.0000164...
) Relatamos aqui o caso de um paciente que recebeu imunoterapia local com BCG para o tratamento de carcinoma urotelial de bexiga e apresentou grave infecção respiratória por M. bovis.

Em março de 2013, um homem de 72 anos apresentou hematúria. O paciente apresentava também hipertensão, dislipidemia, doença cerebrovascular (acidente vascular cerebral anterior), insuficiência renal crônica e depressão. Estava sendo tratado com perindopril, indapamida, atorvastatina, ácido acetilsalicílico, furosemida e escitalopram. Não tinha alergias medicamentosas conhecidas. A ultrassonografia revelou um pólipo de 2,5 cm na bexiga. O paciente foi submetido a resseção transuretral do tumor da bexiga. O exame histológico revelou carcinoma de células uroteliais (grau 2), sem invasão vascular ou muscular. O paciente passou a receber quimioterapia e imunoterapia com instilação intravesical de BCG, que prosseguiram até dezembro de 2013. Em fevereiro de 2014, o paciente foi ao pronto-socorro; apresentava dispneia e tosse produtiva (escarro mucopurulento) havia uma semana. O paciente não referiu febre, dor torácica, hemoptise, sudorese ou outros sintomas. O exame físico revelou que o paciente estava afebril, com frequência respiratória aumentada, estabilidade hemodinâmica e SpO2 de 89% em ar ambiente. A auscultação revelou murmúrio vesicular bilateral, com estertores crepitantes em ambas as bases pulmonares. Não havia nenhuma outra alteração significativa. Os resultados de testes complementares revelaram um nível de proteína C reativa de 10 mg/dl, sem leucocitose, com função hepática e renal normal, sobrepondo-se a estudos anteriores do paciente. A gasometria (com FiO2 de 24%) revelou pH de 7,43, PaO2 de 66 mmHg, PaCO2 de 45 mmHg e HCO3 de 29,9 mEq/l. A radiografia de tórax revelou infiltrado reticulonodular difuso bilateral. A TC de tórax revelou micronódulos distribuídos aleatoriamente nos pulmões, além de linfonodomegalia hilar e mediastinal (Figura 1). Após a coleta de escarro para análise, o paciente passou a receber antibioticoterapia empírica (amoxicilina e ácido clavulânico). Em virtude de insuficiência respiratória e suspeita de tuberculose miliar ou metástase pulmonar difusa, o paciente foi internado na enfermaria de pneumologia do hospital.

Figura 1
TC de tórax mostrando micronódulos distribuídos aleatoriamente nos pulmões, além de linfonodomegalia hilar e mediastinal.

Durante a internação, os resultados das culturas microbiológicas e micobacteriológicas de amostras de escarro foram negativos. A broncoscopia revelou secreções mucopurulentas bilaterais, edema e congestão difusa da mucosa. Os resultados das culturas microbiológicas de amostras de lavado brônquico e lavado broncoalveolar foram negativos. A baciloscopia do lavado broncoalveolar foi negativa para M. tuberculosis, mas o teste de DNA do complexo M. tuberculosis e a cultura para M. bovis foram positivos. A citologia do lavado broncoalveolar foi negativa para células malignas. Além disso, os testes dos marcadores virais de infecção por HIV, HCV e HBV foram negativos. Como o resultado do teste de amplificação dos ácidos nucleicos do lavado broncoalveolar foi positivo, o paciente passou a receber tratamento para tuberculose com isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol. Apesar da melhora nos resultados dos testes e da resolução clínica da insuficiência respiratória, o paciente apresentou um ligeiro aumento das enzimas hepáticas (para menos que o dobro dos valores normais). O paciente foi submetido a ultrassonografia abdominal superior, que revelou esteatose hepática sem outras anormalidades. Como a cultura do lavado broncoalveolar fora positiva para M. bovis (que é naturalmente resistente à pirazinamida), a pirazinamida foi suspensa, e os valores das enzimas hepáticas então voltaram ao normal.

O paciente recebeu alta hospitalar e passou a ser tratado em regime ambulatorial. As instilações de BCG que já haviam sido programadas foram suspensas. Na fase inicial do tratamento, foi usada a associação medicamentosa de isoniazida, rifampicina e etambutol, ao passo que na fase de manutenção foi usada a associação de isoniazida e rifampicina. Após um total de 6 meses de tratamento, o paciente apresentou boa resposta. No momento, o paciente está recebendo acompanhamento para a avaliação de sua bexiga, e não há sinais de recidiva. O paciente assinou um termo de consentimento livre e esclarecido por meio do qual autorizou o relato de seu caso.

Vários estudos recentes têm analisado os desfechos de pacientes com carcinoma de bexiga submetidos a instilação intravesical terapêutica de BCG. O estudo de Lamm et al. mostrou que a BCGite disseminada é extremamente rara.(22. Lamm DL, van der Meijden PM, Morales A, Brosman SA, Catalona WJ, Herr HW, et al. Incidence and treatment of complications of bacillus Calmette-Guerin intravesical therapy in superficial bladder cancer. J Urol. 1992;147(3):596-600.) Alguns estudos mostraram que, em pacientes com câncer de bexiga, há uma relação entre as complicações da instilação de BCG e um diagnóstico prévio de tuberculose; essas complicações não ocorrem em pacientes sem história de tuberculose e sem evidências de sequelas na radiografia de tórax.(11. Manfredi R, Dentale N, Piergentili B, Pultrone C, Brunocilla E. Tubercular disease caused by bacillus of Calmette-Guerin administered as a local adjuvant treatment of relapsing bladder carcinoma Pathogenetic, diagnostic and therapeutic issues, and literature review. AVFT [serial on the Internet]. 2009 Jul [cited 2015 Jun 15];28(2):54-60. Available from: http://www.revistaavft.com/avft%202%202009/hoja4.html
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)

Neste relato, apresentamos o caso de um paciente do sexo masculino sem história de tuberculose que apresentou infecção respiratória logo após o tratamento com instilação intravesical de BCG. As hipóteses diagnósticas iniciais incluíram doença maligna. No entanto, após cuidadosa investigação, o paciente recebeu diagnóstico de BCGite, sem nenhuma dúvida de que a doença pulmonar ocorrera em virtude da disseminação do BCG usado no tratamento de seu carcinoma de bexiga. Apesar da raridade dessa complicação, nosso relato de caso ressalta a necessidade de atenção à possibilidade de disseminação do BCG, já que o bacilo é amplamente usado em pacientes com carcinoma de bexiga.

REFERENCES

  • 1
    Manfredi R, Dentale N, Piergentili B, Pultrone C, Brunocilla E. Tubercular disease caused by bacillus of Calmette-Guerin administered as a local adjuvant treatment of relapsing bladder carcinoma Pathogenetic, diagnostic and therapeutic issues, and literature review. AVFT [serial on the Internet]. 2009 Jul [cited 2015 Jun 15];28(2):54-60. Available from: http://www.revistaavft.com/avft%202%202009/hoja4.html
    » http://www.revistaavft.com/avft%202%202009/hoja4.html
  • 2
    Lamm DL, van der Meijden PM, Morales A, Brosman SA, Catalona WJ, Herr HW, et al. Incidence and treatment of complications of bacillus Calmette-Guerin intravesical therapy in superficial bladder cancer. J Urol. 1992;147(3):596-600.
  • 3
    Harbjerg JL, Bjerre CC, Lillebæk T, Weinreich UM. Pulmonal bacillus Calmette-Guérin infection two years after intravesical bacillus Calmette-Guérin installation [Article in Danish]. Ugeskr Laeger. 2014;176(25A) pii:V07120381.
  • 4
    de Saint Martin L, Boiron C, Poveda JD, Herreman G. Generalized BCG infection after intravesical instillations of Calmette-Guérin bacillus [Article in French]. Presse Med. 1993;22(29):1352-6.
  • 5
    Sicard D, Steg A, Leleu C, Boccaccio F, Abadia R, Tulliez M, et al. "BCGitis", a systemic complication of intravesical BCG therapy of bladder tumor [Article in French]. Ann Med Interne (Paris). 1987;138(7):555-6.
  • 6
    Deeks SL, Clark M, Scheifele DW, Law BJ, Dawar M, Ahmandipour N, et al. Serious adverse events associated with bacille Calmette-Guérin vaccine in Canada. Pediatr Infect Dis J. 2005;24(6):538-41. http://dx.doi.org/10.1097/01.inf.0000164769.22033.2c
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015
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