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Epidemiologia

2. Epidemiologia

Devido ao seu quadro clínico multifacetado e à sua natureza muitas vezes silenciosa, a TEP é uma doença ainda enigmática do ponto de vista epidemiológico. Os dados da literatura são provenientes de prontuários hospitalares, de atestados de óbito e/ou de autópsias, e seus resultados são díspares, uma vez que tanto episódios ocorridos fora do ambiente hospitalar quanto os não diagnosticados clinicamente não podem ser detectados e, consequentemente, computados. Portanto, a incidência real da TEP, isto é, sua incidência populacional, está provavelmente sendo subestimada.

Nos EUA, estima-se que a TEV acomete cerca de 100 pessoas para cada 100.000 habitantes, sendo que um terço desses pacientes apresenta TEP, e dois terços apresentam TVP, com mortalidade no primeiro mês após o episódio de, respectivamente, 12% e 6%.(1)Dados de hospitais americanos revelam a incidência de TEP em 1 caso por 1.000 pessoas por ano ou 200.000-300.000 hospitalizações por ano.(1)

Os estudos sobre a epidemiologia de TEP no Brasil são raros, todos com dados de autópsias, e mostram que, nessas condições, a prevalência de TEP varia de 3,9% a 16,6%.(1-7) Esses resultados são similares a estudos nos EUA, nos quais a prevalência de TEP varia de 3,4% a 14,8%, enquanto que na Ásia essa prevalência é menor, variando de 2,0% a 4,7%.(8-11)

A TEP aguda ocorre predominantemente em pacientes acima da meia-idade, havendo um aumento quase linear na prevalência com a idade.(10-12) Entretanto, um grupo de autores,(13) em um estudo na população geral, mostrou que o aumento linear da incidência de TEP de acordo com a idade ocorre aproximadamente até os 65 anos, havendo a seguir uma queda brusca nessa incidência, possivelmente devido à baixa acurácia de diagnóstico de TEP nos indivíduos mais idosos. Alguns estudos mostraram que, entre pacientes com TEP diagnosticada em vida, mais da metade tinha entre 65 e 85 anos de idade, enquanto apenas 5% tinham menos de 24 anos.(3,14) É provável, conforme observado por alguns autores(2) em um estudo baseado em dados hospitalares, que o aumento quase exponencial da incidência de TEP com a idade seja devido ao aumento concomitante do número dos fatores de risco.

Não há um consenso em relação à prevalência de TEP entre os sexos. Alguns autores relatam uma prevalência de TEP de 20-30% maior entre homens, independentemente da raça e da idade; outros relatam uma prevalência maior entre mulheres; e outros não observaram nenhuma diferença significativa.(2,15-19) Variações sazonais interferindo com o número de casos de TEP é ainda um ponto controverso.(13)

Provavelmente devido à melhora dos recursos diagnósticos, da profilaxia e do tratamento, a prevalência mensurável e a mortalidade por TEP têm diminuindo nas últimas décadas. Nos EUA, estima-se que cerca de 50-100 mil pessoas morram anualmente de TEP, e dados compilados de atestados de óbito revelam que a TEP é responsável por aproximadamente um terço das doenças associadas ao óbito.(16,17) Os resultados do PIOPED(17,18) mostram que, três meses após o diagnóstico de TEP, há cerca de 15% de casos fatais; porém, desses, apenas 10% dos óbitos são diretamente atribuídos à TEP. Um grupo de autores(10) observou uma redução de 30% na mortalidade de TEP no período entre 1979 e 1998, fenômeno também encontrado na população idosa, que tem elevada prevalência da doença.(20)

No Brasil, os trabalhos de um grupo de autores,(4,12) um deles envolvendo uma série de 544 autópsias de indivíduos com TEP, realizados entre 1979 e 2000, revelaram uma redução de 0,8% na prevalência e de 3,5% nos casos de TEP fatal, reforçando os achados de vários outros autores de que a prevalência e a mortalidade por TEP estão diminuindo.

Entretanto, deve-se salientar que diversos estudos de autópsias não selecionadas e realizadas em hospitais gerais, utilizando-se técnicas rígidas e sistemáticas, mostram que a taxa de TEP sem suspeita clínica antes do óbito é ainda muito elevada - variando de 67% a 91% - apesar da melhoria dos recursos diagnósticos e do aumento dos conhecimentos sobre a doença. Essa taxa elevada de subdiagnóstico é provavelmente um marcante reflexo da alta mortalidade da TEP quando seu diagnóstico é esquecido e, portanto, ela não é tratada.(4,5,13,21)

Por razões ainda não elucidadas, em negros, a taxa de mortalidade por TEP, ajustada para a idade, é cerca de 50% maior do que em brancos e, nesses, essa taxa é 50% maior do que em outras raças (asiáticos, índios americanos, etc.).(10) Essas diferenças têm explicações em geral complexas e, às vezes, presuntivas, que incluem as influências ambientais, o estilo de vida, dietas e a genética. Nos asiáticos, a baixa prevalência de TEP está associada à menor frequência de traços trombofílicos, como o fator V Leiden e o baixo nível sérico de fibrinogênio e dos fatores VIIc e VIIIc; outra variante genética trombofílica, como o gene G20210A da trombina, que é associada ao aumento da protrombina plasmática, pode ser menos frequente em asiáticos.(22,23)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 2010
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