Saúde mental de trabalhadores da saúde: o que aprendemos com a pandemia?

Mental health of health workers: what have we learned from the pandemic?

Três anos se passaram desde que a Organização Mundial da Saúde decretou estado de pandemia em relação à COVID-19, cujas repercussões ainda necessitarão ser acompanhadas e compreendidas com grande atenção. Num primeiro momento, implicou um forçado ajuste ao trabalho remoto para muitos, gerando sentimentos de isolamento, problemas físicos e ergonômicos, sobrecarga para as mulheres, especialmente as mães de crianças pequenas, e aumento da violência doméstica¹. Por outro lado, observaram-se impactos positivos imediatos em ecossistemas, na qualidade do ar e água e na vida selvagem². Em alguma medida, também se reconhece o aumento da consciência crítica social e da importância das relações, sejam elas como fonte de estresse ou de resiliência³.

Pode-se afirmar que os trabalhadores da saúde (TSs) representam uma das categorias profissionais que estiveram mais expostas aos desafios da pandemia. Estudos constataram sintomas de ansiedade, depressão, estresse ocupacional, transtorno de estresse pós-traumático e insônia, além de um sentimento progressivo de desgaste psíquico, que passou a se manifestar de forma crônica, típica do burnout ⁴. Vale lembrar que o ambiente laboral dessas pessoas estava marcado por incerteza, falta de referências técnicas confiáveis, escassez de equipamentos, notícias falsas e um grande receio de contaminar entes queridos.

Diante de uma opressiva exposição ao sofrimento, procurar desconectar-se dos acontecimentos e notícias mostrou-se uma estratégia comum⁵, contudo evitar pensar sobre o assunto pode estar associado a índices maiores de estresse e depressão⁶. Curiosamente, um dos efeitos inesperados da pandemia parece ter sido o de alavancar a prática da psicoterapia on-line ⁷, quebrando resistências e ampliando possibilidades de cuidado, especialmente no caso de profissionais com dificuldades de agenda e locomoção. Essa foi uma ótima alternativa para os TSs.

Além do suporte psicológico individual, o apoio dos familiares e amigos, e tempo livre para dedicar-se a um hobby e à espiritualidade são elementos reconhecidos como importantes mecanismos de enfrentamento do estresse⁸. O ambiente de trabalho em si, quando positivo, também foi valorizado como fator de proteção⁹. As experiências impostas pela COVID-19 levaram os TSs a reavaliarem o sentido de seus trabalhos e o espaço deles em suas vidas¹⁰, bem como a repensarem o próprio sentido da vida e da morte⁵.

Em meio a um contexto tão peculiar, deve-se levar em conta o fenômeno da “Grande Resignação” ( Great Resignation ), uma onda de pedidos de demissões observada em vários setores produtivos a partir de 2021. O engajamento no trabalho fica comprometido quando elementos como compensação, balanço trabalho-vida e saúde física/emocional são comprometidos, questões que podem estar relacionadas a fatores éticos, culturais, relacionais e pessoais¹¹. Além disso, a intenção de abandonar o emprego está associada ao efeito percebido que a COVID-19 teve na vida da pessoa, à depressão e ao sentimento de aprisionamento psicológico¹².

Ainda que o interesse pelo assunto seja incipiente, é muito necessário lançar atenção sobre ele. Começam a surgir reflexões sobre como reter os TSs e fazer o trabalho deles valer a pena¹³. Receia-se um êxodo de profissionais qualificados dos serviços públicos, por meio de demissões ou aposentarias antecipadas, uma vez que eles vão adoecendo silenciosamente e se desligam, sem serem percebidos pelo sistema, que fica sobrecarregado, consequentemente.

Resta saber se essas questões permanecerão e seguirão nos inspirando a refletir sobre formas mais saudáveis de trabalhar e viver ou, se passado o grande susto, vamos nos acomodar e continuar perpetuando os mesmos antigos modelos. Avanços muito interessantes podem ser alcançados se conceitos do Job Crafting (cujas sementes, a propósito, nasceram da observação de equipes de limpeza em hospitais¹⁴) puderem ser incorporados à gestão das equipes. Esse é apenas um exemplo. Várias são as possibilidades, desde que haja a consciência de que é importante aprender com tudo o que tem sido vivido até agora.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Cavieres-Higuera H, Messias JCC, Baldan L. Imagens estereotípicas de família e casal no contexto da pandemia da Covid-19. Rev Psicol Saúde. 2021;13(2):181-95.
• ²
  Corlett RT, Primack RB, Devictor V, Maas B, Goswami VR, Bates AE, et al. Impacts of the coronavirus pandemic on biodiversity conservation. Biol Conserv. 2020;246:108571.
• ³
  Blustein DL, Smith CM, Wu X, Guarino PA, Joyner E, Milo L, et al. “Like a Tsunami Coming in Fast”: A Critical Qualitative Study of Precarity and Resistance During the Pandemic. J Couns Psychol. 2022;69(5):565-77.
• ⁴
  Yıldırım M, Solmaz F. COVID-19 burnout, COVID-19 stress and resilience: Initial psychometric properties of COVID-19 burnout scale. Death Stud. 2020;46(3):524-32.
• ⁵
  Messias JCC, Rocha MO, Barbi KBS, Fontoura Júnior EE. Death and Resistance: Professionals on the Front Line Against COVID-19. Paidéia (Ribeirão Preto). 2022;32;e3209.
• ⁶
  Messias JCC, Cury VE. Sobre o sentido da prática clínica em tempos de pandemia: reflexões de psicoterapeutas brasileiros. Estud Psicol (Natal). 2021;26(3):263-72.
• ⁷
  Elbay RY, Kurtulmuş A, Arpacıoğlu S, Karadere E. Depression, anxiety, stress levels of physicians and associated factors in Covid-19 pandemics. Psychiatry Res. 2020;290:113130.
• ⁸
  Dullius WR, Scortegagna SA, McCleary L. Coping strategies in health professionals facing Covid-19: Systematic review. Psicol Teor Prat. 2021;23(1):1-20.
• ⁹
  Giménez-Espert MC, Prado-Gascó V, Soto-Rubio A. Psychosocial risks, work engagement, and job satisfaction of nurses during COVID-19 Pandemic. Front Public Health. 2020;8:566896.
• ¹⁰
  Messias JCC, Barbi KBS, Tedeschi EH, Labarthe-Carrara J. O trabalho do profissional liberal da saúde no contexto da pandemia COVID-19. Cienc Psicol. 2022;16(1):e2364.
• ¹¹
  Kuzior A, Kettler K, Rąb Ł. Great Resignation – Ethical, Cultural, Relational, and Personal Dimensions of Generation Y and Z Employees’ Engagement. Sustainability 2022;14:6764.
• ¹²
  Demirkaya H, Aslan M, Güngör H, Durmaz V, Rodoplu Şahin D. COVID-19 and Quitting Jobs. Front. Psychol. 2022;13:916222.
• ¹³
  Lai AY, Fleuren BPI, Yuan CT, Sullivan EE, McNeill SM. Delivering High-Quality Primary Care Requires Work That Is Worthwhile for Medical Assistants. J Am Board Fam Med. 2023;36(1):193-9.
• ¹⁴
  Wrzesniewski A, Dutton JE. Crafting a Job: Revisioning Employees as Active Crafters of Their Work. Acad Manag Rev. 2001;26(2):179-201.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  12 Maio 2023
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2023

Histórico

• Recebido
  02 Mar 2023
• Aceito
  20 Mar 2023