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PRÁTICAS AVALIATIVAS DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: INVENTARIANDO POSSIBILIDADES

EVALUATION PRACTICES OF PHYSICAL EDUCATION TEACHER: INVENTING POSSIBILITIES

RESUMO

Objetiva oferecer e analisar possibilidades concretas de práticas avaliativas para a Educação Física escolar. Assume, como abordagem teórico-metodológica, a narrativa (auto)biográfica e possui como colaboradoras duas professoras de Educação Física. Tem como fontes: registros avaliativos produzidos com as crianças (desenhos, fotografias, letras de músicas) e narrativas das professoras. Os resultados evidenciam que uma professora tem se fundamentado em uma avaliação para a aprendizagem dos alunos, inventariando instrumentos que lhe possibilitaram compreender as apropriações dos alunos dos saberes específicos da Educação Física; e outra professora centraliza a sua avaliação nas práticas de ensino e de aprendizagem, produzindo instrumentos que permitiram a autoavaliação dos envolvidos.

Palavras-chave:
Educação Física; Avaliação; Instrumentos de registro

ABSTRACT

The present study aims to offer and analyze concrete possibilities of evaluation practices for School Physical Education. It assumes, as a theoretical-methodological approach, the narrative (auto) biographical and has as collaborators two Physical Education teachers. The research has as sources: evaluative records produced with the children (drawings, photographs, song lyrics) and teachers' narratives. The results show that a teacher has been based on an evaluation for the students' learning, inventing instruments that enabled her to understand the appropriations of the students of the specific knowledge of Physical Education; And another teacher centralizes her evaluation in the teaching and learning practices, producing instruments that allowed the self-evaluation of those involved.

Keywords:
Physical Education; Assesment; Registration tools

Introdução

O contexto da produção acadêmica, bem como os diálogos produzidos com professores em pesquisas que têm se dedicado à investigação-formação11 Matos JMC, Santos W, Mello AS, Schneider O, Ferreira Neto A. Conteúdos de ensino da educação física escolar: saberes compartilhados nas narrativas docentes. Rev da Educ Física/UEM 2015;26:181-99. DOI: 10.4025/reveducfis.v26i2.23200
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,22 Santos W, Maximiano FL, Frossard ML. Narrativas docentes sobre avaliação do ensino-aprendizagem: da formação inicial ao contexto de atuação profissional. Movimento 2016;22(3):739-52. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.59308
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sugerem o desafio de avaliar, sobretudo, quando focalizamos os saberes que tratam a Educação Física (EF) como componente curricular. Nesse caso, ao lidar com as práticas culturalmente produzidas, a avaliação na EF precisa dar visibilidade ao modo como os sujeitos atribuem sentidos às suas experiências corporais33 Santos W. Currículo e avaliação na educação física: do mergulho à intervenção. Vitória: Proteoria; 2005.,44 Santos W, Mathias BJ, Matos JMC, Vieira AO. Avaliação na educação física escolar: reconhecendo a especificidade de um componente. Movimento 2015;21(1):205-18. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.46895
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.

Fica evidente a necessidade de se elaborar/utilizar instrumentos de registro que assumam as especificidades da EF no cotidiano escolar e, ao mesmo tempo, deem visibilidade à relação com os saberes produzidos pelos alunos, que está associada à singularidade/diferenciação desse componente curricular. Assim, o fato de a EF privilegiar a dimensão do fazer com55 Certeau M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes; 1994. não exclui a possibilidade de materializar os saberes de imbricação do Eu em situação e distanciação-regulação em objetivação-denominação66 Schneider O, Bueno JG. A relação dos alunos com o saber compartilhado nas aulas de educação física. Movimento 2005;11(1):23-46.,77 Charlot B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000..

Esse entendimento traz implicações para a produção de instrumentos avaliativos que possam auxiliar o professor “[...] a resgatar uma memória significativa do processo, permitindo uma análise abrangente do desenvolvimento do aluno”8:181. Nesse caso, a entrada pelos instrumentos avaliativos visa a mobilizar um debate, associando-o às concepções que lhe oferecem suporte epistemológico, à sua relação com o projeto de escolarização e com as especificidades da EF como componente curricular.

Isso significa que a prática avaliativa nos permite analisar: as ações realizadas no processo ensino-aprendizado, bem como projetar a contribuição da EF na escola; o lugar por ela ocupado na educação escolarizada; o que se aprende com o que se ensina; os objetivos que constituem as práticas pedagógicas dos professores; as apropriações realizadas pelos alunos na relação com o saber. Assim, as pesquisas sobre avaliação podem nos auxiliar a discutir o próprio estatuto epistemológico da EF.

Vemos que esta também tem sido uma preocupação de estudos publicados no Brasil99 Melo LF, Miranda MLJ, Ferraz OL, Nista-Piccolo VL. Produção de conhecimento em prática avaliativa do professor de educação física escolar: análise das escolhas metodológicas. Pensar a Prática 2014;17(1):252-94. DOI: https://doi.org/10.5216/rpp.v17i1.18838
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10 Novaes RC, Ferreira MS, Mello JG. As dimensões da avaliação na educação física escolar: uma análise da produção do conhecimento. Motri 2014;26(42):146-160. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2014v26n42p146
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11 Santos W, Frossard ML, Matos JMC, Ferreira Neto A. Avaliação em educação física escolar: trajetória da produção acadêmica em periódicos (1932-2014). Movimento 2018;24(1):9-22. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.63067
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-1212 Silva, VT, Silva BAT, Melo LF, Nista-Piccolo VL. A avaliação na educação física escolar: um estudo com professores da rede pública do estado de São Paulo. Rev Conexões 2018;16:2-16. DOI:10.20396/conex.v16i1. 8649716
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, na Inglaterra1313 López-Pastor VM, Kirk D, Lorente-Catalán E. Alternative assessment in physical education: a review of international literature. Sport Educ Soc 2013;18(1):57-76. DOI: https://doi.org/10.1080/13573322.2012.713860
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e na Espanha1414 López-Pastor VM. Evaluación en educación física: revisión internacional de la temática. Rev de Educación Física, Renovar la teoría y la práctica 2016; 9(3):4-13., ao salientarem que, mesmo diante do interesse de pesquisadores, nos últimos anos, em discutir sobre a avaliação da EF na educação básica, ainda há necessidade de mudanças em relação à concepção de avaliação fundamentada no ato da medida. Especificamente Santos et al.1111 Santos W, Frossard ML, Matos JMC, Ferreira Neto A. Avaliação em educação física escolar: trajetória da produção acadêmica em periódicos (1932-2014). Movimento 2018;24(1):9-22. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.63067
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e Silva et al.1212 Silva, VT, Silva BAT, Melo LF, Nista-Piccolo VL. A avaliação na educação física escolar: um estudo com professores da rede pública do estado de São Paulo. Rev Conexões 2018;16:2-16. DOI:10.20396/conex.v16i1. 8649716
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ressaltam que são poucos os estudos dedicados a apresentar alternativas para práticas formativas de avaliação nas aulas de EF, sobretudo, que compreendam os motivos pelos quais os professores as realizam.

Diante desse contexto, objetivamos, neste artigo, oferecer e analisar possibilidades concretas de práticas avaliativas para a EF escolar. Com tal intenção de pesquisa, buscamos ampliar o diálogo entre a universidade e os professores da educação básica, focalizando experiências pedagógicas que se dedicam a inventariar diferentes formas de avaliar na EF, levando em consideração os saberes valorizados por esse componente curricular. Interessa-nos debater sobre a necessidade de se produzir uma avaliação que mantenha e construa as memórias dos percursos formativos, por meio de suportes que materializam o ensino e a aprendizagem de maneira processual. Com isso, pretendemos, ainda, indicar ações que ajudem a pensar em uma avaliação centrada nos sentidos produzidos pelos sujeitos na relação que estabelecem com o saber77 Charlot B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000..

Métodos

A pesquisa possui como abordagem teórico-metodológica a narrativa (auto)biográfica1515 Souza EC. A arte de contar e trocar experiência: reflexões teórico-metodológicas sobre história de vida em formação. Rev Educ em Questão 2006;25(11):222-39.. Sua ação permitiu, pela exteriorização do conhecimento sobre si e das diversas dimensões dos saberes e fazeres avaliativos, a construção de um processo de reflexão e interpretação das trajetórias de atuação docente, tendo como objeto de estudo a avaliação.

Com esse intuito, tomamos, como fontes da pesquisa, as narrativas produzidas por duas professoras participantes de uma formação continuada ofertada nos anos de 2012 e 2013, pelo Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (Proteoria) na Universidade Federal do Espírito Santo. Essa iniciativa formativa produziu um espaço de compartilhamento de práticas pedagógicas, mediante as redes de conversação1616 Carvalho J. O cotidiano escolar como comunidade de afetos. Petrópolis: DP et Alii Editora; 2009. estabelecidas entre professores que atuam na educação básica e na universidade. A investigação das práticas de atuação pedagógica dos professores se constituiu como objetivo da formação continuada e como elemento que potencializa a pesquisa e a produção do conhecimento, possibilitando a articulação entre a universidade e a educação básica. Compreendemos, assim como Nóvoa1717 Nóvoa A. Entrevista com Antônio Nóvoa. Rev Olh@res 2013;1(1):416-18., que as práticas de formação continuada em um sentido amplo tomam como polo de referência as escolas e as problemáticas que emergem da experiência da prática docente no trabalho escolar.

Durante a formação continuada, os docentes rememoraram as potencialidades e os limites de suas práticas, narrando a inventividade com a qual subverteram a lógica escolar e (re)significaram a EF. Assim, a verbalização de suas experiências se constituiu como uma (re)leitura daquilo que se passou e os tocou1818 Larrosa BJ. Tremores: notas sobre a experiência. Belo Horizonte: Autêntica; 2014., oferecendo, inclusive, elementos para os outros professores (re)pensarem as suas práticas e produzirem novos sentidos às suas vivências, também compartilhadas na formação.

O contato com os colaboradores da pesquisa ocorreu por meio de carta-convite, enviada inicialmente aos professores da Rede Municipal de Ensino (RME) de Serra/ES. Posteriormente, foram convidados, por indicação desses docentes, as Redes de Vila Velha/ES (RMVV/ES), de Vitória/ES (RMV/ES) e a Rede Particular de Ensino de Vila Velha/ES (RPVV/ES).

Participaram da formação 14 docentes. Desses, selecionamos as professoras Bianca e Elvira, ambas atuantes do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Bianca trabalha na RMVV/ES e Elvira na RMV/ES. A formação continuada foi realizada no Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo, em duas etapas: a primeira ocorreu entre 1º de outubro e 10 de dezembro de 2012; a segunda, entre 3 de junho e 21 de outubro de 2013. A formação contou com um total de 12 encontros coletivos na universidade e cinco a oito encontros individuais com os professores em espaços diversos.

A escolha dessas professoras deve-se a dois motivos: a) Bianca e Elvira foram aquelas que centralizaram, em suas narrativas, os desafios em avaliar na EF; e b) dentre os participantes da formação continuada, ambas se destacaram por materializarem as suas práticas avaliativas por meio de diferentes instrumentos de registro, como: desenhos, fotografias dos alunos realizando aulas de EF, trabalhos produzidos por eles (apresentações de slides, grafites e maquetes de massinha de modelar) e textos em forma de raps.

De modo específico, utilizamos, como instrumentos de pesquisa, aqueles que nos ajudaram a discutir o tema avaliação, objeto deste artigo, quais sejam: entrevista semiestruturada (E1); narrativas (auto)biográficas individuais orais (N1, N2, N3, N4, N5, N6); narrativas produzidas nos encontros formativos (EF3-EF4).

À medida que nos aproximávamos dos professores e das narrativas sobre as suas práticas, percebíamos a necessidade de aprofundamento em relação às suas experiências formativas. Nesse caso, a entrevista semiestruturada serviu-nos de base para produzir, com os professores, narrativas (auto)biográficas, em que eles pudessem rememorar os projetos de ensino assumidos como os de maior expressividade em suas trajetórias.

Os encontros de formação (EF2-EF7) foram destinados à apresentação dos textos originários das narrativas (auto)biográficas. Neles, as duas professoras, em produção colaborativa com o coordenador da formação, com três alunos de Mestrado e três de Iniciação Científica, problematizaram e discutiram sobre suas práticas profissionais, dando atenção especial às suas experiências avaliativas. As professoras assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e autorizaram que seus nomes verdadeiros fossem apresentados na pesquisa. A formação continuada faz parte de um projeto de pesquisa e extensão submetido ao Comitê de Ética, aprovado sob o número CAAE: 15419913.4.0000.5542.

Ao revisitarmos as fontes produzidas em 2012 e 2013, reiteramos a abordagem teórico-metodologica da narrativa (auto)biográfica como aquela que nos permitiu, no presente, analisar as práticas pedagógicas das professoras, dando a elas e aos seus contextos de formação outros sentidos, outras teorias e modos de produção de conhecimento. Nesse caso, o foco na avaliação significa o aprofundamento em relação às fontes que foram analisadas anteriormente por outros trabalhos11 Matos JMC, Santos W, Mello AS, Schneider O, Ferreira Neto A. Conteúdos de ensino da educação física escolar: saberes compartilhados nas narrativas docentes. Rev da Educ Física/UEM 2015;26:181-99. DOI: 10.4025/reveducfis.v26i2.23200
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,1919 Varnier TRV. O ensino em valores a partir das maneiras e artes de fazer: possibilidades pedagógicas para as aulas de educação física [Dissertação de mestrado em Educação Física]. Espírito Santo: Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2015.,2020 Luiz IC et al. Investigação, narrativa e formação continuada de professores de educação física: possibilidades para uma prática colaborativa. Rev da Educ Física/UEM 2016;27(2721):181-99. DOI: 10.4025/jphyseduc.v27i1.2721
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oriundos da formação continuada e que discutem diferentes objetos de pesquisa, como: as identidades da EF como componente curricular, livros didáticos, processos formativos, conteúdos de ensino e formação para o ensino em valores.

Com base na leitura inicial das fontes, organizamos a pesquisa em duas categorias a posteriori: a primeira está fundamentada na avaliação para a aprendizagem; e a segunda está relacionada com a avaliação das práticas de ensino e de aprendizagem.

De acordo com Harlen e James2121 Harlen W, James M. Assessment na learning: differences and relationships between formative and summative assessment. Assessment in Education: Principles, Policy & Practice 1997;4(3):365-79. DOI: 10.1080/0969594970040304
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, a avaliação para a aprendizagem está comprometida com uma ação voltada para as aprendizagens significativas e para seus aspectos formativos, em que a centralidade está no aluno, no modo como ele opera com o conhecimento na sua subjetividade. Já a avaliação da aprendizagem ressalta as práticas avaliativas dos professores, caracterizando-se como uma perspectiva de avaliação centralizada no ensino.

Resultados e discussão

Avaliação para a aprendizagem

Esta categoria foi organizada pela natureza das práticas produzidas por Bianca, fundamentadas em um processo de avaliação voltado para a aprendizagem dos alunos e os sentidos que eles atribuem aos saberes apropriados nas aulas de EF. Bianca (E1), ao falar sobre o assunto, apresenta os desafios enfrentados em avaliar em sua atuação pedagógica:

Às vezes eu fico meio perdida. O que seria avaliação? O que avaliar? [Preciso avaliar] a prática [do aluno]? O conteúdo? A gente vai dar uma nota ou não vai? Vai fazer uma prova? Qual critério? [...] As professoras regentes têm os conteúdos, têm as formas de avaliar, então, por que não avaliar na EF?!

Ao estabelecer relação entre a EF e os outros componentes curriculares, Bianca evidencia a maneira mais ampla como compreende a avaliação dentro da escola. Para ela, é o fato de possuir conteúdos de ensino específicos que torna a EF igual às demais disciplinas e que, por esse motivo, também é necessário avaliar os alunos. Ao mesmo tempo, é essa semelhança que leva Bianca a distinguir a natureza dos saberes da EF da natureza de outras disciplinas escolares, sinalizando as tensões em se avaliar nesse componente curricular. Assim, sua narrativa nos mostra como os processos avaliativos produzidos pelas diferentes disciplinas estão relacionados com a hierarquização existente entre os saberes escolares.

Como afirma Hébrard2222 Hébrard J. A escolarização dos saberes elementares na época moderna. Teoria & Educação 1990;2:65-107., a necessidade de privilegiar determinados conhecimentos, quando comparados com outros, é uma questão que demarca o processo de escolarização das disciplinas. De acordo com o autor, a escola se constitui como um lugar em que as práticas culturais valorizadas se referem àquelas que são organizadas por meio de diferentes sistemas simbólicos, materializados em dispositivos de instrução. Sob essa perspectiva, ela institui a leitura e a escrita como aprendizagens anteriores a todas as disciplinas.

Nesse espaço, em que a apropriação dos saberes enunciados em dispositivos de instrução se apresenta como condição ao sucesso escolar77 Charlot B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000., o uso, ou não, de suportes que registrem e apresentem o que foi aprendido/ensinado mostra como algumas disciplinas são consideradas com maior relevância em detrimento de outras. De acordo com Chartier2323 Chartier AM. Um dispositivo sem autor? Cadernos e fichários na escola primária. Rev Bras de História da Educação 2002;3:9-26., essa hierarquização tem demarcado as representações dos alunos e dos professores sobre os conhecimentos pedagogizados pela escola, assim como as relações de força entre os saberes, “[...] não do ponto de vista de seu valor intrínseco ou subjetivo [...] mas do seu valor na instituição e para ela”23:22.

Desse modo, as disciplinas consideradas as mais relevantes são aquelas que lidam com os saberes inscritos em dispositivos de instrução - como os cadernos e os livros - que, traduzidos em textos, se transformam em práticas avaliativas. Essa é uma dificuldade encontrada na EF, pois, como avaliar em um componente curricular que não assume a escrita e a leitura como saberes privilegiados? Indagação essa sugerida por Bianca, sobretudo quando acena para a necessidade de a EF estabelecer critérios e criar instrumentos avaliativos, já que, assim como outras disciplinas, ela possui o que ensinar e o que avaliar.

A narrativa de Bianca acena, ainda, para as suas dúvidas ao situar a sua prática avaliativa dentro do entendimento da escola do que seja avaliar. Ao aproximar a EF dos outros componentes curriculares, questiona uma avaliação como sinônimo de nota, remetendo-nos à necessidade de uma discussão ampliada sobre o papel que ela assume dentro da escola. De acordo com Santos e Maximiano2424 Santos W, Maximiano FL. Avaliação na educação física escolar: singularidades e diferenciações de um componente curricular. Rev Bras de Ciência do Esporte 2013;35(4):883-96. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32892013000400006
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, a própria ideia da nota tem nos levado a justificar a presença da EF pela igualdade às demais disciplinas, quando deveríamos fazê-lo pela sua diferença.

Confundida como nota, a avaliação tem desfocado sua ação para o produto, desconsiderando os sujeitos e seus processos de desenvolvimento. Fato é que essa perspectiva tem favorecido a construção de práticas avaliativas na EF centralizadas na mudança de comportamento com o intuito de quantificar os aprendizados, por meio da observação, produzindo “supostamente” uma extração das mudanças desejadas em forma de nota1212 Silva, VT, Silva BAT, Melo LF, Nista-Piccolo VL. A avaliação na educação física escolar: um estudo com professores da rede pública do estado de São Paulo. Rev Conexões 2018;16:2-16. DOI:10.20396/conex.v16i1. 8649716
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,2424 Santos W, Maximiano FL. Avaliação na educação física escolar: singularidades e diferenciações de um componente curricular. Rev Bras de Ciência do Esporte 2013;35(4):883-96. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32892013000400006
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25 Mendes EH, Nascimento JV, Mendes JV. Metamorfoses na avaliação em educação física: da formação inicial à prática pedagógica escolar. Movimento 2007;13(1):13-37. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.3546
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-2626 Souza Júnior M. Práticas avaliativas e aprendizagens significativas em educação física: trajetória, orientações legais e implicações pedagógicas. Pro-Posições 2004;15(2):201-17..

Esteban e Afonso2727 Esteban MT, Afonso A. Olhares e interfaces: reflexões críticas sobre avaliação. São Paulo: Cortez; 2010. problematizam as implicações que os resultados avaliativos podem trazer aos conhecimentos e culturas particulares, ou seja, uma naturalização das diferenças e a sua transformação em desigualdade, afixando a padrões. Para os autores, a escola é um lugar fronteiriço, de negociações e apropriações, no qual professores e alunos precisam trabalhar para produzir o conhecimento no reconhecimento do outro, em um trabalho compatível com as diferenças.

Assim, a professora Bianca compreende que o avaliar não se fixa no cumprimento somativo dos processos de aprendizagem. Ao mesmo tempo em que ela sugere os conteúdos de ensino como ponto de partida de suas práticas avaliativas, como se a avaliação produzida nas aulas de EF estivesse centralizada naquilo que se ensina, Bianca nos mostra que avaliar é uma ação contínua e que leva em consideração as aprendizagens dos alunos:

A avaliação é primordial! A gente avalia o aluno na prática dele, o conteúdo [que eles aprendem] através de fotos. A gente avalia o aluno no processo contínuo [...]. Eu vou avaliando na medida em que ele vai evoluindo [...]. Vai ser o processo desde o início até o final [...] (BIANCA, N3).

[...] Estou inserindo essas avaliações: prova escrita, autoavaliação, trabalhinhos para eles fazerem dentro da sala de aula mesmo [...]. Com os primeiros anos, e até com os terceiros anos, eu pedi que eles desenhassem. No [trabalho com o] folclore, eu pedi para eles desenharem a brincadeira que eles mais gostaram. Através de registros fotográficos, a gente avalia desde o início, até que esse aluno vai evoluindo com a prática corporal (BIANCA, N4).

A professora toma como referência a relação que os alunos estabelecem com os diferentes saberes que constituem os seus aprendizados. O seu objetivo é potencializar as aprendizagens com as práticas corporais, observando como o estudante mobiliza o que foi ensinado e aprendido, por meio de diferentes instrumentos. Nesse sentido, pretende-se, com a avaliação para a aprendizagem, evidenciar o que o aluno já aprendeu e o que ele ainda não aprendeu, tomando os resultados dessa avaliação “[...] como indícios dos caminhos percorridos pelas crianças e dos novos percursos que aparecem como necessidade e possibilidade no processo de construção de conhecimentos”28:142.

A professora também se preocupa em diferenciar os instrumentos avaliativos, tendo como referência a idade das crianças e seu desenvolvimento cognitivo. Práticas semelhantes a essa, que afirmam a necessidade de considerar as características dos discentes para atribuir aumento gradativo aos processos de ensino e aprendizagem na EF, também foram observadas por Santos et al.2929 Santos W, Paula SC, Matos JMC, Frossard ML, Schneider O, Ferreira Neto A. A relação do alunos com os saberes nas aulas de educação física. Rev da Educ Física/UEM 2016;27(2737):2-17. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/jphyseduc.v27i1.2737.
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. Em análise da relação que os alunos estabelecem com os saberes aprendidos na EF, a pesquisa sinaliza como eles demonstram maior domínio e constroem enunciados mais aprofundados sobre as práticas corporais, na medida em que avançam no processo de escolarização. Esses dados nos ajudam a compreender que a opção de Bianca em inventariar instrumentos avaliativos mais complexos, ao longo da educação básica, pode contribuir para que o aluno amplie o seu entendimento sobre o que é aprender e o que é possível fazer com aquilo que se aprende nas aulas de EF.

Os diferentes instrumentos produzidos pela professora, como prova escrita, autoavaliação, trabalhos, desenhos, fotografias, remetem-nos à necessidade de evidenciar as narrativas dos alunos como uma fonte importante para compreendermos o modo como atribuem sentidos às suas experiências. De acordo com Passeggi3030 Passeggi MC, Furlanetto EC, Conti LD, Chaves IEMB, Gomes MO, Gabriel GL et al. Narrativas de crianças sobre as escolas da infância: cenários e desafios da pesquisa (auto)biográfica. Rev Educação 2014;39(1):85-104. DOI: http://dx.doi.org/10.5902/1984644411345
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, ao abrirmos espaços para que a criança fale do experenciado, multiplicam-se possibilidades de produção do conhecimento. Ao escrever, falar, encenar corporalmente e desenhar, a criança produz diferentes escritas autobiográficas:

[...] Essa relação dialógica entre o eu e a representação de si explicita o exercício formativo da tarefa do sujeito de (re)elaboração da experiência vivida, mediante diferentes usos de instrumentos semióticos (grafias) diversos. [...] no espaço lúdico do desenho, do brincar, do conversar, a criança rascunha a si, torna-se visível ao olho, o que a toca com o que pratica. [...] a vida experenciada vira texto que, interpretado, não cessa, são permanentes exegeses30:154.

Assim, Bianca inventaria uma diversidade de registros avaliativos para manter e construir a memória do processo formativo, com o objetivo de transformar a relação que se estabelece com o fazer com nas aulas de EF, por meio da imbricação do Eu em situação e distanciação-regulação, transformando-a em objetivação-denominação. É por meio das experiências aprendidas na EF, que são produzidos os desenhos e os textos escritos. Nesse caso, há um movimento inverso: as crianças não partem de saberes materializados em um objeto, mas, a partir das suas experiências com as práticas corporais, é que constroem os saberes de objetivação-denominação.

As suas práticas avaliativas tornam-se uma fonte de pesquisa do professor sobre os saberes compartilhados, mas, principalmente, configuram-se como uma prática do aluno em interrogar e interrogar-se, em uma atitude política de analisar a realidade. Como prática de pesquisa, a avaliação permite, por meio das pistas e dos indícios produzidos pelos praticantes escolares, evidenciar os processos de ensino e para a aprendizagem, construídos, em construção e ainda não construídos, oferecendo elementos para se projetar outros caminhos33 Santos W. Currículo e avaliação na educação física: do mergulho à intervenção. Vitória: Proteoria; 2005..

Os diferentes instrumentos inventariados pela professora ofereceram-lhe suporte para desenvolver projetos nas aulas de EF, que dialogavam com os trabalhos “Trilhas” e “Valores Humanos em Educação” produzidos pela escola, “[...] os quais objetivavam a ampliação do ensino da escrita, leitura e integração entre alunos” (BIANCA, N2). Assim, Bianca elaborou um projeto intitulado “Hip hop nas escolas”, estruturado com base nas narrativas dos discentes sobre o que gostariam de aprender. Em seu planejamento pedagógico, a docente entende os alunos como sujeitos de todo esse processo, construindo com eles os saberes a serem compartilhados a cada aula e criando os registros avaliativos. A narrativa abaixo mostra a prática mediadora de Bianca, ao relacionar o contexto didático do ensinar hip hop com a materialidade do avaliar:

A aprendizagem dos alunos ficou registrada nos desenhos, [...] na sua vivência corporal e na produção das letras das músicas. A primeira avaliação foi a produção de um texto coletivo sobre o conceito de hip hop. Em seguida, construímos as letras das músicas [...]. Primeiro, eles fizeram os desenhos individualmente, e cada um criou a sua marca. Depois coletivamente, no papel cenário. Por último, fizemos o grafite no muro (BIANCA, N1).

Figura 1
Construção do grafite

Destaca-se, na narrativa de Bianca, o modo como o processo avaliativo considera os elementos que historicamente demarcam a identidade da cultura hip hop: o desenho, a dança e o texto no formato rap. Ao trabalhar com diferentes instrumentos avaliativos, a professora sinaliza sua potencialidade nas aulas de EF, favorecendo a compreensão de como os saberes são dominados corporalmente. Ao mediar os processos de ensino e da aprendizagem, Bianca permite às crianças sistematizar uma explicação do que aprenderam em forma de enunciados e, expressar a experiência vivenciada por meio de recursos visuais.

A Figura 1 evidencia o processo de produção do desenho pelos alunos. Após criarem a sua marca para o hip hop individualmente, eles compartilharam com a turma o modo como elaboraram o seu desenho. Essa prática possibilitou aos alunos mostrarem as suas experiências com o que foi ensinado sobre hip hop e permitiu à docente avaliar como o aprender é realizado por meio de diferentes formas de se relacionar com o saber. Posteriormente, por meio do compartilhamento de suas aprendizagens, os alunos produziram novas experiências, desenhando coletivamente no papel cenário.

A transição do desenho individual para o coletivo possibilitou aos alunos compartilharem a sua relação com o conhecimento, trocando informações, negociando e, também, dando visibilidade aos diferentes sentidos produzidos com o hip hop, materializados em um único desenho de autoria coletiva. Essa prática permitiu aos próprios alunos identificarem o ainda não saber daquilo que experimentaram em aula, remetendo-nos à importância da coavaliação, ou seja, a avaliação feita pelos colegas, como também sinaliza Villas Boas3131 Villas Boas BMF. Avaliação: políticas e práticas. Campinas: Papirus; 2004..

Figura 2
Construção do grafite no muro da escola

Com base nos desenhos coletivos, os alunos confeccionaram o grafite no muro da escola. Além do processo de relação dos alunos com seus colegas, há também a complexidade no uso de materiais e na estética dos desenhos. Nesse caso, os desenhos se apresentam como instrumentos que dão visibilidade às diferentes formas de conhecimentos apropriados pelos alunos, às suas experiências e às suas variações de sensibilidade, que ocorrem em função da idade ou da aquisição de outros procedimentos gráficos3232 Staccioli, G. As di-versões visíveis das imagens infantis. Pro-Posições 2011;22(2):21-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73072011000200003
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. O grafite que, em um primeiro momento, foi produzido como desenho em papel e posteriormente trabalhado no muro da escola, potencializa esse tipo de registro como prática avaliativa, pois, na medida em que os alunos desenham em outros suportes, oferecem pistas sobre o modo como (re)significam as suas aprendizagens.

De acordo com Staccioli3232 Staccioli, G. As di-versões visíveis das imagens infantis. Pro-Posições 2011;22(2):21-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73072011000200003
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, as crianças reconhecem a riqueza da linguagem visual, explorando cores, texturas e signos gráficos diferentes daqueles considerados como seu ponto de partida para desenhar. Por isso, se forem inspiradas a (re)pensar as suas apropriações com as práticas corporais, poderão, como mostrou a prática de Bianca, atribuir novos sentidos às suas experiências nas aulas de EF. Além disso, esse movimento amplia, no aprender dos alunos, os objetivos dos próprios desenhos definidos anteriormente no papel que, ao serem traduzidos para o muro da escola, oferecem novas interpretações a serem exploradas e investigadas pela professora.

No campo da EF, pesquisas como a de Santos et al.2 também sinalizam o uso do desenho como prática avaliativa que apresenta pistas para entendermos os processos de aprendizagens dos alunos, permitindo ao professor compreender como as crianças expressam as suas aprendizagens pela linguagem visual. O desenho contribui para que o docente avalie como os alunos transformam os saberes relacionados com a imbricação do Eu em situação, em saberes objetivação-denominação. Ou seja, eles permitem ao docente avaliar as aprendizagens dos alunos em um processo que transforma o fazer de uma prática corporal em um saber que se materializa no desenho e, ao mesmo tempo, possibilita avaliar seu próprio ensino, oferecendo dados para direcionar sua prática pedagógica.

Além disso, as fontes evidenciam como a avaliação realizada por Bianca focalizou a formação do aluno na relação que eles estabelecem consigo e com os outros, contribuindo para fortalecer os saberes compartilhados nos processos de distanciação-regulação. Ao potencializar a construção de registros avaliativos individuais e, posteriormente, o compartilhamento daquilo que foi produzido, por meio de (re)leituras coletivas, Bianca anuncia possibilidades que transformam os saberes de imbricação do Eu em situação em objetivação-denominação. Os processos avaliativos elaborados pela professora permitem novas compreensões daquilo que constitui a prática corporal, contribuindo para que os alunos tenham outras interpretações sobre o próprio movimento na imbricação do Eu em situação.

Para Santos et al.3333 Santos W, Macedo LR, Matos JMC, Mello AS, Schneider O. Avaliação na educação física escolar: construindo possibilidades para a atuação profissional. Educação em Revista 2014;30(4):153-179. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-46982014000400008
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, o uso dos desenhos, como possibilidades avaliativas, demonstra a peculiaridade de os alunos expressarem os seus sentimentos e suas emoções, fornecendo indícios sobre as formas com as quais eles se percebem e se veem no mundo, neste caso, o modo particular com que se implicam nas aulas de EF. A ação da professora em criar momentos de trocas de aprendizagens contribui para que as crianças transformem os acontecimentos vividos nas aulas de EF em experiências, produzindo sentidos para as suas aprendizagens. Assim, as práticas avaliativas de Bianca deixam de se centralizar em registros que remetem àquilo que se ensina, para focalizar as aprendizagens das crianças e aquilo que fazem com o que aprendem.

Chamamos a atenção para o registro fotográfico de todo o processo pedagógico, feito pela professora (Figuras 1 e 2). Em diálogo com Alves3434 Alves N. Dois fotógrafos e imagens de crianças e seus professores: as possibilidades de contribuição de fotografias e narrativas na compreensão de espaços curriculares. In: Oliveira IB, editor. Narrativas: outros conhecimentos, outras formas de expressão. Petrópolis: DP et Alli Editora, 2010, p. 185-206., entendemos que a prática do fotografar permite a construção de fontes sobre um indivíduo e/ou grupo social. Fotografar é ver, produzindo uma narrativa por aquele que a vê. No contexto da prática de Bianca, essa ação consiste na construção do olhar da professora sobre o processo pedagógico do conteúdo hip hop. O seu baú de imagens produz uma narrativa formativa de diferentes contextos de relação com o saber77 Charlot B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000. com práticas corporais.

As experiências avaliativas de Bianca também evidenciam a produção de uma escrita que parte das experiências dos alunos vivenciadas nas aulas de EF. Nesse caso, ela busca analisar o que os alunos fazem com aquilo que aprendem, por meio da produção da letra do rap. Foi problematizado o interesse dos alunos do terceiro ano pela escola, como podemos ver no texto abaixo:

Estudar vale a pena

Tirei nota boa na escola/ Minha mãe elogiou/ E ganhei computador/ Cheguei na escola com uma caixa de som/ A diretora Deoclécia se ligou/ E foi no ritmo da música/ E vi que ela gostou/ Cheguei na escola/ Estava com minha roupa de hip hop/ A Deoclécia falou: ‘O que você tá fazendo menino?’/ Dançando hip hop/ Um ritmo diferente/ Chapa quente/ Que a nossa professora de Educação Física/ Nos mostrou/ É um ritmo contagiante/ E faz com que a gente/ Se solte e vibre/ Nos valores e nas trilhas/ Chegando lá na escola/ Passando perto da diretora/ E ela percebeu/ Que eu estava sem o uniforme/ Levei um grande ‘esporro’/ Mas não me preocupei/ Falei pra diretora/ Tô com uma roupa de hip hop na bolsa/ Porque vou apresentar uma dança de hip hop/ Num ritmo diferente/ Cada um vai pro seu lado/ E botamos chapa quente/ E a outra é essa:/ Escola sensacional/ Acordo de manhã/ Tomo meu café/ Faço meu dever/ E vou brincar/ Depois tomo banho/ E vou me arrumar/ Chego na escola/ E dou muita risada/ Fico na fila e vou para a sala/ Os professores são muito legais/ E demais! Eah!/ As meninas nos batem demais/ Isso não é legal/ A turma da 3ª F é sensacional/ A escola Neusa Maria tem autoastral/E o nosso ritmo tá dando mais que água mineral! (BIANCA, EF3).

Com base na letra da música, a professora trabalhou com os alunos o reconhecimento da família em relação ao papel social da escola, os valores e também os princípios do projeto desenvolvido na EF.

A intencionalidade no uso dessa prática avaliativa foi sistematizar, ao final do processo, as aprendizagens produzidas pelos alunos, evidenciando os sentidos que atribuíram ao projeto e sua relação com os valores. É possível ainda analisar como o uso desse instrumento avaliativo evidencia os saberes específicos do hip hop. Por meio da escrita, os alunos materializam os sentidos atribuídos aos saberes compartilhados na imbricação do Eu em situação - como a dança e sua articulação com o ritmo, vestimentas próprias, a letra escrita e sua linguagem - em saberes de objetivação-denominação. Essa apropriação considera os diferentes elementos que compõem a elaboração dos movimentos coreográficos desse estilo de dança, anunciado na letra de rap pelo domínio corporal: individual, “[...] que faz com que a gente se solte e vibre”; pelo deslocamento espacial realizado pelos diferentes grupos, em que “Cada um vai pro seu lado e botamos chapa quente”; e pelo reconhecimento daqueles que possuem maior afinidade com a gestualidade corporal da dança, ou seja, “As meninas nos batem demais e isso não é legal”, o que não impede que os meninos também se apropriem e se expressem pela dança.

Pela análise da letra da música, também é possível perceber como os alunos compartilham os saberes produzidos pela distanciação-regulação com a família, a professora de EF, a diretora da escola e os colegas, materializando os seus aprendizados pelo trabalho pedagógico com os valores em objetivação-denominação. No rap, os alunos demonstram como constituem suas identidades e a sua forma de ser no mundo.

Assim, a letra da música é reveladora daquilo que constituiu a prática pedagógica de Bianca e, ao mesmo tempo, dos sentidos que as crianças produziram em relação àquilo que aprenderam. Fica evidente o modo como a letra do rap, utilizado como instrumento avaliativo, forneceu possibilidades interpretativas em relação ao processo formativo das crianças, realizado nas aulas de EF e no contexto escolar de modo mais amplo.

A escrita dos alunos sobre suas aprendizagens em forma de letra musical permite à professora compreender as suas apropriações em relação àquilo que é ensinado pela dinâmica escolar, expresso pelo reconhecimento dos alunos à escola como um espaço “sensacional” e “autoastral”. Ao mesmo tempo, esse instrumento avaliativo possibilitou que a docente reconhecesse os alunos em suas práticas cotidianas, como revelam no trecho da música “Acordo de manhã, tomo meu café. Faço meu dever e vou brincar. Depois tomo banho e vou me arrumar”. Por meio dele, os alunos extrapolam a rotina da escola e expressam outras dimensões da sua vida.

Os instrumentos inventariados por Bianca contribuíram para que ela conseguisse analisar o modo como os alunos se apropriaram das práticas nas aulas de EF e, assim, com eles, transformar e (re)significar as vivências em experiências.

Avaliação do ensino e da aprendizagem na Educação Física

A professora Elvira assume como referência a avaliação da aprendizagem na sua correlação com o ensino, entendendo que:

Avaliação tem que ter! Se você desenvolve um trabalho, você tem que ver o resultado daquilo, se está progredindo ou não. Então, nos meus parâmetros, eu analiso o aluno em si! [...] Eu tenho minhas pastas, as fotos, meus arquivos, eu aproveito de um ano para o outro. Faço uma releitura, vou melhorando o meu trabalho ano em ano (ELVIRA, E1).

A narrativa da professora apresenta elementos que afirmam que há, na EF, necessidade de avaliar, pois a avaliação mostra o resultado do trabalho que foi produzido. Mas, além desse conceito, ela usa as avaliações dos seus alunos para fazer uma análise da sua prática pedagógica objetivando adequar as suas ações e direcionar seu planejamento.

Elvira compreende a sua forma de avaliar voltada para a aprendizagem, assumindo parâmetros previamente estabelecidos com o objetivo de orientar os processos de ensino e de aprendizagem. Dessa forma, seus critérios construídos a priori são definidores do seu olhar para os resultados produzidos nos processos de aprendizagens das crianças, assim como orientadores de sua prática pedagógica. Esses são criados tanto pela sua dimensão criterial, comparando a objetivos previamente estabelecidos, como em sua dimensão normativa, ao se comparar pessoas ou grupos.

Os portfólios fotográficos (Figura 3), assim denominados pela professora, marcam os processos de aprendizagem dos alunos e se constituem como uma avaliação normativa, pois Elvira estimula a comparação da aprendizagem corporal do aluno com ele mesmo, em processo. De acordo com Rabelo3535 Rabelo EH. Avaliação: novos tempos, novas práticas. 4.ed. Petrópolis: Vozes; 2000., a avaliação normativa possui como objetivo comparar o rendimento de um aluno em relação aos resultados obtidos pelos colegas. Busca-se analisar se o aluno alcança mais ou menos os níveis de aprendizagens dos outros. Elvira ainda destaca que a sua avaliação está focada em três aspectos:

Eu vou avaliando e vendo a execução deles, então quando eu dou ok, eu vi que ele executou. Agora eu não cobro a regra e a execução perfeita do movimento; eu cobro a prática, que ele faça [...]. O segundo é o conhecimento do conteúdo que está sendo estudado, então eu avalio, eles na quadra, o conteúdo, a prática do que está sendo desenvolvido [...]. E a última é a participação coletiva, a participação coletiva é o respeito por mim, pelos colegas, aquilo que eu frisei como uma coisa importante é o trabalho de equipe (ELVIRA, E1).

A professora demonstra preocupação, em um primeiro momento, de avaliar a execução do exercício. Não há a intenção de “formar atletas”, como ela mesma menciona, mas fazer com que os alunos pratiquem e vivenciem o movimento apresentado, entendendo que o aprendizado corporal se constitui como um saber a ser ensinado na EF. Assim, Elvira materializa a sua observação, em relação à execução dos movimentos, em uma ficha avaliativa. Nela, os alunos recebiam um “ok” após a realização dos gestos corporais.

Figura 3
Album de fotos

Esse movimento reforça a avaliação tendo em vista tanto os objetivos prefixados, denominada de avaliação criterial3535 Rabelo EH. Avaliação: novos tempos, novas práticas. 4.ed. Petrópolis: Vozes; 2000., assim como a comparação dos seus resultados, observando aquilo que os alunos já tinham aprendido e realizado anteriormente, quando se compara o seu processo formativo em diferentes momentos na escolarização com a EF.

Contudo, Elvira amplia esse conceito ao produzir registros imagéticos, posteriormente apresentados aos alunos para que estabeleçam um olhar memorialístico sobre o vivido.

A Figura 3 evidencia a aprendizagem dos alunos vivenciando o ritmo e a musicalidade com o conteúdo maculelê. Mostra como a professora usava o portfólio fotográfico para avaliar a imbricação do Eu em situação e, ainda, os saberes de distanciação-regulação, potencializada pelas especificidades do maculelê.

No campo acadêmico da EF, temos acompanhado o interesse de pesquisadores em analisar o uso de diferentes instrumentos como possibilidades avaliativas, dentre eles, o portfólio3636 Melo LF, Ferraz OL, Nista-Piccolo VL. O portólio como possibilidade de avaliação na educação física escolar. Rev da Educ Física/UEM 2010;21(1):87-77. DOI: 10.4025/reveducfis.v21i1.7090
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. Melo, Ferraz e Nista-Piccolo3636 Melo LF, Ferraz OL, Nista-Piccolo VL. O portólio como possibilidade de avaliação na educação física escolar. Rev da Educ Física/UEM 2010;21(1):87-77. DOI: 10.4025/reveducfis.v21i1.7090
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sinalizam o modo como esse instrumento contribui para o desenvolvimento de práticas cooperativas entre professor e aluno, permitindo que ambos percebam os avanços e as dificuldades nos processos de ensino e de aprendizagem. A sistematização e o acompanhamento do portfólio acenam caminhos para que eles solucionem problemas, construam metas e, especificamente, possibilita ao professor “[...] observar o que os alunos aprendem, por meio de [...] [suas] características individuais de aprendizagem”36:95.

Movimento semelhante é visto nas práticas de Elvira, que utiliza o portfólio fotográfico para a rememoração das crianças em relação ao que ainda estão aprendendo, ou o que ainda precisam aprender para melhorar o domínio das práticas corporais. No entanto, ela tem como referência aquilo que foi previamente fixado em seus objetivos. Paulatinamente, por meio da relação que Elvira estabelece com as crianças, há um processo de refinamento e de adequação desses objetivos, em virtude do domínio corporal que cada criança possui com as práticas vivenciadas na EF.

A produção de escritas narrativas da prática corporal é realizada usando recursos imagéticos com naturezas específicas. A educadora sistematiza os processos avaliativos das aprendizagens em diferentes momentos, usando como instrumentos de registro: portfólio fotográfico, ficha do professor, trabalhos e atividades autoavaliativas. Tanto a definição dos critérios como a dimensão da comparação dos resultados, pela prática da avaliação normativa, são definidoras do direcionamento pedagógico que ela dá em suas aulas. Ao mesmo tempo, esse movimento caracteriza-se como uma prática de autoavaliação realizada pelas crianças nas aulas de EF. A autoavaliação estabelece uma relação com a “experiência de si” e faz com que o sujeito indague a ele mesmo, para assim perceber possibilidades de transformação3737 Lacerda LL. Fundamentos para a auto-avaliação como experiência de si na prática pedagógica da educação física escolar [Dissertação de mestrado em Educação Física]. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2001. que, nesse caso, se referem aos conteúdos ensinados na EF. Os alunos tinham acesso a esse material e comparavam o modo como executavam os seus movimentos antes e depois, se (auto)avaliando e, ao mesmo tempo, permitindo à professora uma análise do aprendizado corporal produzido por eles. Assim, o portfólio é um instrumento de autoavaliação, construído para acompanhar o processo de aprendizagem e de ensino, tanto pela professora como pelos alunos.

Com base no uso do portfólio fotográfico, Elvira enfrentou o desafio de repensar sua prática com o objetivo de fazer com que um aluno cego compreendesse o que se ensinava corporalmente nas aulas e, também, participasse das práticas avaliativas promovidas por ela.

Para tanto, ela produziu, com os alunos e com a professora de Artes, maquetes de massinha de modelar em alto relevo, permitindo a compreensão, a partir do tato, do que se fazia nas aulas de EF e possibilitando a participação de todos nas aulas, conforme Figuras 4 e 5. Essas iniciativas ampliaram a própria compreensão do ensino da EF, pois, se, em um primeiro momento, sua prática pedagógica estava centrada no fazer corporal, em um segundo, ela se amplia articulando suas ações ao trabalho com outras linguagens.

Figura 4
Maquete do conteúdo ginástica

Figura 5
Maquete do conteúdo ginástica

O alto relevo da maquete, com as suas diferentes texturas, fez com que o aluno, que era cego, identificasse as práticas corporais ensinadas na ginástica, os movimentos que eram feitos e os materiais utilizados nas aulas.

É preciso ressaltar que, em todas as maquetes, encontramos a presença do aluno vivenciando as atividades. Fazer aula de EF, na concepção das crianças, é experimentar e dominar uma prática corporal com ou sem a presença de diferentes objetos, como as fitas. Nesse caso, não basta ter o objeto, é necessário estabelecer a relação de domínio com ele, produzindo a sua própria experiência corporal em um movimento de imbricação do Eu em situação. Depreendemos desse debate que a criança não aprende apenas quando lê, escreve e fala. Aprende também quando se expressa corporalmente, uma vez que o movimentar-se não pode ser considerado apenas natural, espontâneo, biológico, relaciona-se principalmente com questões culturais, afetivas e sociais.

Os alunos também desenharam o céu e o sol, mostrando que a EF lhes oportuniza vivenciar atividades em outros espaços escolares e, assim, diferencia-se das outras disciplinas, tanto pelo saber como pelo lugar em que esse saber é ensinado, tendo em vista que “Os locais nos quais a criança aprende possuem estatutos diferentes do ponto de vista do aprendizado”7:67.

O fazer avaliativo de Elvira demarca o que Esteban e Afonso2727 Esteban MT, Afonso A. Olhares e interfaces: reflexões críticas sobre avaliação. São Paulo: Cortez; 2010. alertam: o compromisso da prática docente em trabalhar para e com as diferenças de aprendizagem e inclusão dos alunos. Enfatizamos que uma avaliação ao serviço da promoção de aprendizagens qualifica e tece possibilidades de o outro se narrar, sem o engessamento de normas e padrões avaliativos que o rotulam como certo/errado, assumindo uma ação ética de os sujeitos avaliados falarem e, nessa troca, compreenderem os sentidos que produzem sobre o que aprendem nas aulas de EF.

A maquete evidencia a possibilidade de se inventariar diferentes instrumentos avaliativos, dado que o critério definidor do que se deve usar, ou não, precisa tomar como referência as realidades daquilo que constituem as práticas de ensino na relação com os sujeitos da aprendizagem. O uso da maquete que, em um primeiro momento, foi assumido como metodologia para inserção do aluno cego na aula, posteriormente, constituiu-se como um potente instrumento que permitiu às crianças materializarem, em forma de objeto, os saberes aprendidos na EF.

A transformação das brincadeiras de ginástica em maquetes evidencia as apropriações feitas pelas crianças aos aprendizados realizados na EF, sinalizando como elas se relacionam consigo, com os outros e com o conhecimento. Não é por acaso que os desenhos representados nas Figuras 4 e 5, na forma de estrela, os espirais com a fita, em espaços abertos, caracterizam a natureza do saber ensinado pela EF e delimitam o lugar em que ele é ensinado, no contexto educacional.

O diálogo estabelecido entre as diferentes professoras ampliou a possibilidade de construção de projetos pedagógicos de maneira transversalizada, que permite a constituição de processos de aprendizagens em que a linguagem artística se constitui como eixo central do trabalho pedagógico. De acordo com Matos et al.11 Matos JMC, Santos W, Mello AS, Schneider O, Ferreira Neto A. Conteúdos de ensino da educação física escolar: saberes compartilhados nas narrativas docentes. Rev da Educ Física/UEM 2015;26:181-99. DOI: 10.4025/reveducfis.v26i2.23200
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, a organização da prática pedagógica em diálogo com outros componentes curriculares amplia e aprofunda a relação que os alunos estabelecem com os saberes compartilhados na EF. Assim, ao respeitar as especificidades das diferentes áreas do saber, os professores projetam a seleção e a sistematização dos conteúdos em torno de objetivos em comum, orientando a aprendizagem dos alunos em articulação com questões presentes em seu cotidiano, o aprender na “realidade e da realidade”.

Os instrumentos inventariados por Elvira foram, de maneira geral, mostrando que ela se fundamenta na apropriação do movimento corporal por meio de registro de vários momentos desse processo, pelo diálogo com outras linguagens e pelo entendimento que tem sobre cultura. Ela ampliou sua prática pedagógica, por compreender como a criança se vê nesse processo de ensino e de aprendizagem, entendendo a necessidade de adequar suas ações em virtude dos resultados da avaliação.

Entrecruzando a noção de sentido/experiência de Larrosa1818 Larrosa BJ. Tremores: notas sobre a experiência. Belo Horizonte: Autêntica; 2014. com a noção de desenvolvimento do pensamento de Vigotski3838 Vigotski LS. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4.ed. São Paulo (SP): Martins Fontes, 1994. e consumo produtivo de Certeau55 Certeau M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes; 1994., compreendemos que a criança em idade escolar constitui suas aprendizagens por um processo de apropriação das práticas sociais nos usos da linguagem. De acordo com Vigotski3838 Vigotski LS. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4.ed. São Paulo (SP): Martins Fontes, 1994., a linguagem é a produção de imagens e sentidos sobre experiências sociais mediadas, nos usos de signos, para atuar no mundo.

Os signos são sistemas simbólicos que conduzem o sujeito a ações autogeradoras e de regulação de suas práticas sociais. As práticas pedagógicas realizadas por Elvira, dentre elas, as avaliativas, mobilizaram diversos signos - a escrita gráfica, o desenho, os portfólios fotográficos e as maquetes - proporcionando atividades mediadas pela produção do conhecimento.

As práticas avaliativas realizadas pela professora geraram uma memória do praticado, um momento de ação-reflexão-ação com as crianças, revelando o sentido potencializador da construção coletiva do processo de conhecimento, sobre o que se ensina com o que se aprende, como também o que se aprende com o que se ensina. Suas ações refinam sentidos e desenvolvem diversos conhecimentos com o objetivo de agir rumo à melhoria de aprendizagens.

Neste caso, compreendemos que registros avaliativos diversificados são necessários para garantir maior proximidade e visibilidade às diferentes linguagens aprendidas por meio das práticas corporais vivenciadas na EF44 Santos W, Mathias BJ, Matos JMC, Vieira AO. Avaliação na educação física escolar: reconhecendo a especificidade de um componente. Movimento 2015;21(1):205-18. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.46895
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. É no exercício da memória, no qual a ação do sujeito no presente rememora suas vivências no passado, que projetamos o futuro.

Conclusões

O objetivo desta pesquisa foi oferecer e analisar possibilidades concretas de práticas avaliativas para a EF escolar, evidenciando as relações que os alunos estabelecem com os saberes. Os resultados sinalizam a potencialidade de materializarmos a avaliação em diferentes suportes de linguagens, como o desenho, a escrita, as fotografias e as maquetes, mostrando como os alunos se expressam e o que eles fazem com aquilo que aprendem.

Ao focalizar uma avaliação para a aprendizagem, Bianca sistematiza instrumentos avaliativos que consideram a complexidade dos processos de aprendizagem dos alunos. De modo individual ou coletivamente, ela potencializa o uso de registros imagéticos e textuais que buscam captar as relações que os alunos estabelecem com os saberes da EF e, com base em suas narrativas, cria novas possibilidades de avaliar nesse componente curricular.

Já Elvira privilegia a avaliação do ensino e da aprendizagem na EF, utilizando registros avaliativos que acenam para as apropriações de seus alunos em relação às práticas corporais. Ela faz uso de registros capazes de gerar uma memória das experiências produzidas na EF, construindo conhecimentos em um processo coletivo entre professores e alunos.

Como ponto de encontro entre as práticas avaliativas das professoras, há a construção de instrumentos que privilegiam o ensino e a aprendizagem em diálogo com diferentes componentes curriculares. Bianca o faz de modo articulado com projetos pedagógicos desenvolvidos pela escola e Elvira, pela colaboração com a professora do componente curricular Artes. Em ambas, há ampliação e aprofundamento da relação que os alunos estabelecem com os saberes compartilhados na EF pela avaliação, potencializando a apropriação do conhecimento em sua complexidade.

Embora tenhamos aprofundado a discussão sobre o tema avaliação na EF escolar, essa é uma questão que merece novas investidas, sobretudo para compreender os sentidos que os alunos atribuem a esse processo. É preciso, ainda, aprofundar a elaboração de teorias avaliativas associadas com os usos de imagens, para potencializarmos a análise da leitura e produção de registros avaliativos imagéticos - fotografias, desenhos, vídeos. A produção de registros imagéticos pode ser um caminho de suporte à memória do brincar, jogar, dançar, contribuindo para evidenciar o que se aprende, e o que se faz com o que se aprende nas aulas de EF.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2017
  • Revisado
    08 Jul 2018
  • Aceito
    22 Ago 2018
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