FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO CONTEXTO DE SAÚDE PÚBLICA NOS MELHORES CURSOS DO BRASIL

THE FORMATION OF PHYSICAL EDUCATION IN PUBLIC HEALTH IN THE BEST COURSES IN BRAZIL

RESUMO

O objetivo do estudo foi revisar projetos pedagógicos (PP) para identificar a formação do profissional de Educação Física (PEF) (Bacharelado) no contexto de Saúde Pública nos melhores cursos do Brasil. Foram selecionados os 10 melhores cursos de graduação em EF ranqueados em dois sistemas de avaliações nacionais (Exame Nacional de Desempenho na Educação e Ranking Universitário Folha) e as 10 melhores Universidades num ranking internacional (QS World University Rankings). Mediante revisão rápida foram extraídas informações dos PPs de 18 cursos que atenderam aos critérios de inclusão. Trinta e seis disciplinas no contexto de Saúde Pública foram localizadas nas grades curriculares. Em relação a carga horária média menos de 1% da grade eletiva dos cursos era dedicada a disciplinas sobre Saúde Pública. O estudo revelou um cenário de formação de Bacharéis em EF distante do crescimento que a área demonstrou no campo da Saúde Pública nos últimos anos. É importante que os cursos de graduação em EF considerem uma formação específica no contexto da Saúde Pública, de modo a favorecer a consolidação da atuação do PEF e a qualidade do seu serviço na Atenção Primária à Saúde.

Palavras-chave:
Atenção primária à saúde; Formação profissional em saúde; Educação profissional em saúde pública; Exercício físico; Avaliação educacional

ABSTRACT

The purpose of the study was to review pedagogical projects (PP) to identify the formation of the Physical Education professionals (PEF) in the context of Public Health in the best courses in Brazil. Methods: The 10 best PE undergraduate courses ranked in two national assessment systems were selected (National Education Performance Examination and Folha University Ranking) and the 10 best Universities in an international ranking (QS World University Rankings). Through a quick review, information was extracted from the PPs of 18 courses that met the inclusion criteria. Thirty-six subjects in the context of public health were located in the curricula. Regarding the average workload, less than 1% of the elective course schedule was dedicated to subjects on Public Health. The study revealed a scenario for the formation of Bachelors in PE far from the growth that the area has shown in the field of Public Health in recent years. It is important that PE undergraduate courses consider specific training in the context of Public Health, in order to favor the consolidation of the PEF's performance and the quality of its service in Primary Health Care.

Keywords:
Primary Health Care; Professional Training in Health; Professional Education in Public Health; Physical exercise; Educational Evaluation

Introdução

Apesar dos conteúdos sobre atividade física e saúde serem abordados nos cursos de Educação Física no país desde os anos 1980, com professores como Dartagnan Pinto Guedes, Marcus Vinicius Nahas, Valdir José Barbanti, entre outros, o profissional de Educação Física (PEF) foi formalmente reconhecido na área de saúde somente em 1997, mediante a Resolução CNS nº. 218, de 06 de março do mesmo ano¹.

Nos anos seguintes, a partir da propagação dos cursos de Bacharelado em EF, os PEF passaram a ocupar importante espaço no mercado de trabalho na área promoção da saúde, incluindo as academias e no treinamento individualizado (i.e., personal training). A Política Nacional de Promoção de Saúde (PNPS), foi criada em 2006 e determinou como uma das ações prioritárias para a promoção da saúde e o cuidado com o processo saúde-doença, promover a prática de atividades físicas^2),(3. Adicionalmente, a PNPS ofereceu uma visão ampliada de saúde, em consonância com o quadro epidemiológico brasileiro, sobre doenças crônicas não transmissíveis e seus fatores de risco, sempre destacando o papel da atividade física⁴. Na verdade, a PNPS foi um marco importante para o reconhecimento da atuação do PEF no contexto de Saúde Pública. Assim, sobre sua influência, houve a criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) pela Portaria n.º 154, de 2008⁵, que inseriu oficialmente o PEF na Atenção Primária à Saúde (APS). Adicionalmente, em 2012, o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) definiu Saúde Coletiva como área de especialidade do PEF⁶. Contudo, a área de Saúde Coletiva é um campo de estudo e pesquisa exclusivo no Brasil e, por isso, este termo também foi usado no processo de busca nos projetos pedagógicos dos cursos (PP) e respectivas disciplinas e ementas. Deste modo, mesmo considerando que existem diferenças entre as duas nomenclaturas, optou-se por manter Saúde Pública como foco principal do estudo por ser uma expressão reconhecida internacionalmente. Interessante destacar que entre os anos de 2013 a 2017, o número de PEF incluídos na Classificação Ocupacional Brasileira aumentou em média 141%. Dos 6.797 PEF distribuídos em oito áreas de ocupação profissional, 89% foram registrados como PEF na área de saúde⁷, revelando uma concorrida área de atuação.

Contudo, para que o PEF esteja habilitado e qualificado a realizar as atividades voltadas ao âmbito da Saúde Pública é necessário consultar sua formação, ou seja, a preparação para atuação na Saúde Pública se dá pela oferta de disciplinas específicas em nível de graduação⁸ e da criação de residências multiprofissionais que contribuam com o aprimoramento teórico-prático intensivo no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS)⁹. Com a intenção de verificar disciplinas relacionadas à Saúde Pública, Costa et al.¹⁰ analisaram grades curriculares de 61 cursos de Educação Física ofertados nas capitais brasileiras. O estudo revelou que apenas 17 (28%) instituições (7 públicas, 10 privadas) possuíam disciplinas que abordavam conteúdos relacionadas à Saúde Pública. Em outro estudo conduzido por Anjos e Duarte¹¹, foram analisadas Instituições do Estado de São Paulo que ofereciam formação em Educação Física e possuíam programas de Pós-Graduação em Educação Física com nota igual ou superior a 4 na avaliação da CAPES. Os resultados mostraram que os cursos de Educação Física não ofereciam conhecimento teórico/prático que assegurasse a formação para atender a demanda imposta pelos serviços públicos de saúde. A maior parte das grades curriculares não permitia a aproximação para o campo da Saúde Pública, predominando disciplinas com abordagens curativas e prescritivas. Ainda, nenhuma das instituições investigadas ofereciam disciplinas no contexto da Saúde Pública, bem como associavam o estágio obrigatório no serviço público de saúde (i.e., APS)¹¹.

Por sua vez, esses estudos^10),(11 foram realizados poucos anos após a publicação da Portaria n.º 154⁵, e a constatação da baixa oferta de disciplinas e conteúdos sobre Saúde Pública nos cursos de EF poderia justificar a necessidade de maior tempo para a realização de ajustes nos PPs. Dessa forma, considerando um período de aproximadamente 12 anos desde a inserção do PEF na APS, é desconhecido o real cenário de formação teórico/prático de bacharéis em Educação Física para atuação na Saúde Pública. É importante ressaltar que a formação profissional em uma instituição de ensino superior, cumprindo as atividades de ensino, não é a única possibilidade de contato do estudante com conhecimentos na área de Saúde Pública. A aprendizagem também poderá ocorre mediante a participação dos acadêmicos(as) em projetos de extensão e pesquisa. No entanto, a análise da presença de termos indicadores de Saúde Pública no título da disciplina e/ou em sua ementa pode revelar o comprometimento específico com a formação nessa área. Ainda, considerando a dificuldade de consultar os títulos e ementas de disciplinas ofertadas em todos os cursos de bacharelado em EF no país, procurou-se investigar cursos classificados por institutos que adotam critérios bem definidos de ranqueamento e selecionar os “melhores cursos” avaliados.

Assim, o objetivo deste estudo foi revisar projetos pedagógicos (grades e ementas curriculares) para identificar a formação do PEF (Bacharelado) no contexto de Saúde Pública nos melhores cursos do Brasil.

Métodos

O estudo se caracterizou como uma revisão rápida^12),(13 a partir da busca de disciplinas que abordam conhecimentos sobre Saúde Pública e que integram grades curriculares em uso (até 2020) nos melhores cursos de formação na habilitação Bacharelado em Educação Física do Brasil. As revisões rápidas podem ser definidas como estudos que simplificam e agilizam a execução de revisões sistemáticas tradicionais¹³. Sua aplicação tem ganhado espaço na área da saúde, sobretudo, na implementação de informações com potencial para mudanças de políticas públicas, decisões práticas para profissionais e gestores em saúde¹⁴. A implementação desse método de revisão mostrou ser a escolha mais apropriada para esta revisão, dado o tipo de informação e documentação analisada. Além disso, este estudo foi um complemento dos conteúdos abordados na disciplina de “Políticas públicas de saúde e as competências do profissional de Educação Física na atenção básica”, ofertada a Residentes (R1) de Educação Física do programa de Residência Multiprofissional em Atenção Primária com Ênfase em Saúde da Família da UNICENTRO, com duração de seis meses, que é o tempo estimado para conclusão de uma revisão rápida¹⁴.

As sete modificações no processo de execução das revisões rápidas propostas por Souza et al.¹², adaptadas de Haby et al.¹⁴ são descritas e exemplificadas na Quadro 1.

Quadro 1
Procedimentos adotados para execução de uma revisão rápida no presente estudo.

Processo de determinação dos “melhores” cursos: Com a finalidade de ampliarmos o espectro de localização dos melhores cursos de formação em bacharelado em EF no Brasil, adotou-se os rankings de desempenho dos cursos de EF em dois sistemas de avaliações nacionais e um internacional. Em todos os sistemas de desempenho foram selecionados 10 cursos/instituições; nos sistemas de avaliações nacionais, os 10 primeiros cursos de EF e, no internacional, as 10 primeiras Universidades Brasileiras ranqueadas entre as 1000 melhores no mundo. Considerando que o último sistema forneceu apenas a classificação das melhores Universidades Brasileiras, em cada uma das 10 foi realizada a busca pela oferta do curso de graduação em EF com habilitação em bacharelado.

1. Exame Nacional de Desempenho na Educação (ENADE): avalia o rendimento dos alunos dos cursos de graduação, ingressantes e concluintes, em relação aos conteúdos programáticos dos cursos em que estão matriculados. Os Indicadores de Qualidade da Educação Superior são avaliados a cada três anos (ingressantes, primeiro ano e concluintes, último ano do curso) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)¹⁵. A última avaliação dos cursos de Bacharel em Educação Física foi aplicada em 2016 e refeita em 2019, sendo sua publicação oficial realizada depois da coleta deste estudo. Dessa forma, foram utilizados os indicadores cursos de graduação em Educação Física de 2016.

2. Ranking Universitário Folha (RUF)¹⁶: O RUF é uma avaliação anual do ensino superior do Brasil feita pela Folha de São Paulo. A avaliação fornece um ranking de universidades e de cursos. O ranking fornece a classificação de 196 universidades brasileiras, públicas e privadas, a partir de cinco indicadores: pesquisa, internacionalização, inovação, ensino e mercado. No ranking de cursos, utilizado neste estudo, foi considerado apenas os cursos de EF com habilitação em bacharelado. Os dados que compõem os indicadores de avaliação do RUF são coletados pela Folha nas bases do censo da educação superior do INEP-MEC, Enade, SciELO, Web of Science, Inpi, Capes, CNPq, fundações estaduais de fomento à ciência e em duas pesquisas anuais feitas pelo Datafolha.

3. QS World University Rankings (QSWUR)¹⁷: Os rankings anuais, produzidos pela consultoria global de ensino superior QS Quacquarelli Symonds, classificam as 1000 melhores universidades do mundo. A metodologia da QS utiliza seis indicadores para compilar o ranking: reputação acadêmica; reputação perante empregadores; citações por acadêmico; proporção de docentes por aluno; proporção de docentes internacionais e; proporção de estudantes internacionais. Na edição de 2020, adotada neste estudo, o Brasil foi representado por 19 universidades, porém, somente as 10 primeiras foram selecionadas.

O Quadro 2 exibe as 30 instituições selecionadas nos três sistemas de avaliações adotados. Do total, sete universidades foram classificadas em mais de um sistema, o que resultou em 23 instituições que foram investigadas para a identificação de ofertas de cursos de Bacharelado em EF. Foi utilizado o website randomizer.org para aleatorização das 23 instituições entre dois avaliadores independentes (JL e ET), sendo que um avaliador ficou responsável pela busca, seleção e extração em 12 e o outro em 11 cursos/universidades.

Quadro 2
Ranking dos 10 melhores cursos de formação em Bacharelado em EF no Brasil (ENADE e RUF) e das 10 melhores universidades brasileiras ranqueadas entre as 1000 instituições no mundo (QSWUR)

Processo de busca dos projetos pedagógicos de curso e respectivas disciplinas e ementas: Cada PP foi analisado pelos avaliadores a procura de disciplinas e respectivas ementas que apresentassem em sua descrição palavras-chave que denotassem aplicação de conteúdo/conhecimento aplicado/vinculado ao contexto da Saúde Pública. Um estudo piloto foi realizado com quatro instituições públicas de ensino superior (Universidade Estadual de Londrina-UEL-PR, Universidade Estadual de Maringá-UEM-PR, Universidade Estadual de Ponta Grossa-UEPG-PR e Universidade Estadual do Centro-Oeste-UNICENTRO-PR) que possuíam curso de Bacharelado em EF (não relacionadas no Quadro 2). Este procedimento possibilitou formular questões que permitiram elaborar um conjunto de palavras-chave agrupadas de acordo com quatro fatores:

1. Tipo de Trabalho (multiprofissional; interdisciplinar; multidisciplinar; interprofissional; trabalho em equipe; práticas integradas em saúde; equipes de saúde). Importante ressaltar que a inserção dos termos multiprofissional, interdisciplinar, multidisciplinar e interprofissional foi baseada no uso dos mesmos em diversos contextos fora da Saúde Pública (e.g., atuação multiprofissional na reabilitação cardíaca, clínicas especializadas em serviços multiprofissionais de saúde). Contudo, documentos oficiais com frequência adotam esses termos para se referirem ao tipo de trabalho no contexto da Saúde Pública. Para inclusão no presente estudo, os termos multiprofissional, interdisciplinar, multidisciplinar e interprofissional deveriam, preferencialmente, estar combinados com algum dos termos (palavras-chave) listados nos itens abaixo.

2. Sistema de Saúde (saúde pública; sistema de saúde público; saúde coletiva; sistema único de saúde, políticas públicas de saúde).

3. Nível de Atenção (atenção primária, atenção básica, atenção à saúde).

4. Programas de Saúde (estratégia de saúde da família, núcleo de apoio a saúde da família, programa saúde da família).

Assim que uma disciplina era identificada dentro do PP os avaliadores buscavam a ementa da mesma para leitura e análise. As buscas nos PPs envolveram o uso das palavras que formavam uma palavra-chave completa e também separada para não correr riscos de não selecionar uma disciplina em potencial (e.g., sistema público de saúde ou sistema de saúde público). Sistema público de saúde poderia ser perdido devido à palavra-chave usada. Assim a busca por palavras de forma separada minimizou esse risco. Era esperado que o uso das palavras de forma separada (e.g., apenas programa, apenas saúde e apenas família ao invés de buscar somente programa saúde da família) aumentaria substancialmente a quantidade de disciplinas inicialmente selecionadas para extração. Porém, dentro do processo de extração, o título, em conjunto com a ementa da disciplina foram analisados para garantir que as mesmas caracterizassem o que era almejado para o presente estudo (e.g., relação clara com o contexto da Saúde Pública) (e.g., conteúdo/conhecimento aplicado/vinculado ao contexto da Saúde Pública). Essa análise foi realizada por todos os autores do trabalho durante reuniões virtuais, subsequentemente à seleção das disciplinas pelos dois avaliadores independentes. Detalhes adicionais são fornecidos a seguir.

Processo de extração das informações: Para cada instituição foram registradas as seguintes informações referentes ao curso de EF: Instituição (sigla), Cidade-UF, duração do curso (anos) e carga horária total do curso (h), ano em que a grade curricular em análise entrou em atividade, o título da disciplina (apresenta ou não palavras-chave pré-determinadas), a descrição da ementa (apresenta ou não palavras-chave pré-determinadas), a carga horária da disciplina (teórica e prática), o ano/semestre que é ofertada e o tipo de oferta (eletiva/optativa). O resumo com o nome da disciplina e o trecho de sua ementa ligado à Saúde Pública são descritos no Quadro 3 na sessão de resultados do presente estudo, enquanto que as demais informações estão disponíveis como material suplementar ao manuscrito (Quadros S1, S2 e S3).

Considerando a possibilidade de excluir, durante a extração, algumas disciplinas inicialmente selecionadas, haja vista que sua relação com a Saúde Pública é indireta e ampla (e.g., prescrição de exercícios para saúde), sendo muitas vezes direcionadas a contextos de atuação fora da Saúde Pública (e.g., clínicas especializadas para prescrição de exercícios em populações especiais no caso de prescrição de exercícios para saúde), as mesmas foram agrupadas de acordo com uma combinação das palavras-chave no título e/ou ementa seguindo as quatro categorias para facilitar a análise dos pesquisadores:

1. Título e ementa associados diretamente à Saúde Pública.

2. Título associado diretamente à Saúde Pública, porém a ementa não.

3. Título não associado diretamente à Saúde Pública, porém a ementa sim.

4. Título e ementa não associados diretamente à Saúde Pública.

Uma disciplina indiretamente ligada a formação do PEF na Saúde Pública é mais ampla do que o contexto do sistema de saúde, ou seja, vai além da APS. Como exemplo, a disciplina prescrição de exercícios para saúde. Considerou-se que o título não está associado diretamente à Saúde Pública, porém foi analisado se a ementa apresentava alguma palavra-chave pré-determinada. Se sim, a disciplina foi incluída (Categoria 3) e, caso não, a disciplina foi excluída (Categoria 4). As categorias auxiliaram os pesquisadores na decisão final sobre a disciplina, ou seja, se era selecionada (incluída), se era considerada inconclusiva (os elementos analisados não permitiram nem incluir nem excluir) ou excluída. Este processo é descrito a seguir.

Análise das informações obtidas: A análise das disciplinas inicialmente selecionadas foi realizada em três categorias descritivas:

1. Disciplinas selecionadas: atendiam ao critério de relação direta com o contexto da Saúde Pública (Quadro 3 e Quadro S1);

2. Disciplinas inconclusivas: não permitiram uma análise conclusiva se a disciplina atendia ou não aos critérios de relação específica com o contexto da Saúde Pública, pois, a ementa não estava disponível ou a ementa não fornecia elementos claros sobre a relação direta com o contexto da Saúde Pública (Quadro S2);

3. Disciplinas excluídas: relação ampla com a área da saúde sem uma específica conexão com o contexto da Saúde Pública (Quadro S3).

Resultados

Entre as 23 instituições consultadas, duas não ofertavam a formação em Bacharelado em EF no campus ranqueado no QSWUR (Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP-SP e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP-SP) e em três, embora fossem realizadas buscas nos sites institucionais de domínio público bem como realizadas diversas tentativas de contato com coordenadores do curso ou com as pró-reitorias de ensino, não foram localizados os PPs para consulta das disciplinas e ementas (Instituto Tecnológico e das Ciências Sociais Aplicadas e da Saúde do Centro Educacional Nossa Senhora Auxiliadora-ITCSAS/Censa-RJ; Universidade Federal do Paraná-UFPR-PR e Faculdade Nobre de Feira de Santana-FAN-BA). Dessa forma, foram investigadas grades e ementas curriculares de 18 cursos de Bacharelado em EF entre os 23 possíveis identificados nos três sistemas de classificação (ENADE, RUF, QSWUR).

A revisão dos PPs válidos, identificou 64 disciplinas que atendiam inicialmente os critérios de seleção. Destas, 36 disciplinas abordavam conteúdos específicos sobre Saúde Pública e integravam grades curriculares em uso até 2020 em 14 cursos de EF. Interessante ressaltar que todos os cursos que possuíam estas disciplinas eram ofertados em universidades públicas. A análise dos PPs revelou que a maior parte dos cursos de Bacharelado em EF (n=7 instituições) ofertavam apenas uma disciplina. Por sua vez, a UFSCAR (n=2), USP-SP (n=2), UFMG (n=2), UNESP-Presidente Prudente (n=2), UNIFESP-Santos (n=3), UFRGS (n=4) e UNB (n=14) ofertavam mais do que uma disciplina com enfoque específico na Saúde Pública. Contudo, entre as instituições que ofertavam mais disciplinas, uma parte era na modalidade optativa, destacando a UNIFESP-Santos (n=1), a UFRGS (n=1) e a UNB (n=13) (Quadro 3).

Além das informações referentes ao Curso de EF como, Instituição (sigla) e disciplina (Quadros 3), são fornecidos, em material suplementar, dados sobre a Cidade-UF de oferta, a duração (anos) e a carga horária total do curso (h), ano em que a grade curricular em análise entrou em atividade, o título da disciplina (apresenta ou não palavras-chave pré-determinadas), a descrição da ementa (apresenta ou não palavras-chave pré-determinadas), a carga horária (teórica e prática) da disciplina, o ano/semestre que é ofertada e o tipo de oferta (eletiva/optativa). Não foram localizadas informações na íntegra para carga horária total e distribuição teórico/prática, o ano/semestre que é ofertada e o tipo de oferta (eletiva ou optativa) para grande parte das disciplinas que integraram a seleção realizada no presente estudo. Dessa maneira, o Quadro S2 exibe disciplinas que permaneceram inconclusivas (n=7) quanto a abordagem dos conteúdos sobre Saúde Pública e o Quadro S3 apresenta disciplinas que foram excluídas (n=21).

A carga horária média total dos cursos investigados foi de 3374±337 h (3200 a 4440 h), enquanto a carga horária das disciplinas que abordavam conteúdos sobre Saúde Pública foi em média de 51±15 h (15 a 90 h). Em outras palavras, menos de 1% da carga horária total entre os cursos de EF analisados é dedicada a disciplinas que abordam conteúdos sobre Saúde Pública. O ano/semestre que as disciplinas eram ofertadas no curso estavam bem definidos para 21 disciplinas (7 disciplinas no 1º e 2º anos e 14 para 3º e 4º anos) enquanto para 15 disciplinas não havia uma definição clara. Das 36 disciplinas que abordam conteúdos sobre Saúde Pública, 20 eram eletivas na grade e 16 eram optativas, ou seja, quando ofertada pela instituição, os acadêmicos poderiam escolher em realizar ou não. A carga horária distribuída entre teoria e prática foi localizada em apenas três disciplinas, com o restante (n=33) não apresentando informações que esclareçam essa questão.

Quadro 3
Disciplinas selecionadas (n=36) e ementas resumidas que abordam conteúdos sobre formação em Saúde Pública nos melhores cursos de graduação em Educação Física (bacharelado) no Brasil

Quadro 3
continuação

Informações adicionais sobre as disciplinas selecionadas (n=36), inconclusivas (n=7) e que não atenderam (n=21) aos critérios e conteúdos sobre formação em Saúde Pública nos melhores cursos de graduação em Educação Física (bacharelado) no Brasil (ementa completa, ano de oferta, etc), encontram-se em material suplementar (Quadros S1, S2 e S3).

Discussão

O objetivo deste estudo foi revisar PPs para identificar a formação do PEF (Bacharelado) no contexto de Saúde Pública nos melhores cursos do Brasil. A análise das 23 instituições identificados nos três sistemas de classificação (ENADE, RUF, QSWUR) revelou que em cinco, ou não havia a oferta do curso (n=2) ou não havia disponibilidade de dados (n=3). Portanto, foram consultados os PPs de 18 instituições que ofereciam cursos de EF em atividade até 2020 no país. Destes cursos, apenas 14 ofertavam disciplinas que abordavam conteúdos sobre Saúde Pública. No total, foram localizadas 36 disciplinas que integravam as grades curriculares cursos de EF, todos em universidades públicas. Em sete cursos, foi identificada a oferta de uma disciplina e, entre os outros sete, duas ou mais disciplinas, com destaque para os cursos de EF da USP-SP, UFCAR-SP, UFMG e UNESP-Presidente Prudente, com 2 disciplinas cada, UNIFESP-Santos com 3, UFRGS com 4 e o da UNB-DF com 14 disciplinas. Em relação a carga horária média dos cursos de EF investigados (3374±337 h) foi observado que menos de 1% (51±15 h) da grade eletiva dos cursos de EF é dedicada a disciplinas que contextualizam conteúdos sobre Saúde Pública.

Considerando que Portaria n.º 154/2008 do Ministério da Saúde⁵ possui aproximadamente 12 anos entre sua publicação e a realização da presente pesquisa, o resultado revelou um cenário de formação de Bacharéis em EF distante do crescimento que a área demonstrou no campo da Saúde Pública neste período⁷. Pode-se considerar que alguns cursos de EF investigados possuem considerável planejamento com mais de duas disciplinas no currículo (UNIFESP-Santos; UFRGS; UNB-DF), outros encontram-se em construção com uma ou duas disciplinas no currículo (USP-SP; UFSCAR-SP; UFMG; UNESP-Presidente Prudente; PUCRS-RS; UERJ-RJ; UFC-CE; UFSC-SC; UNESP-SP-Rio Claro; UNICAMP-SP; USP-SP-Ribeirão Preto) enquanto outros, não possuem oferta de disciplinas que contextualizam conteúdos sobre Saúde Pública na grade curricular (UNI IBMR-RJ; UNIP-SP-São Paulo; UNIP-SP-Araraquara; UFRJ-RJ). É interessante ressaltar que a formação na graduação poderia dificultar um atendimento de qualidade do PEF na Saúde Pública com ênfase na APS. Neste sentido, a inclusão de disciplinas nas grades curriculares dos cursos de EF nas instituições de ensino superior tem o importante papel de consolidar a atuação do PEF no contexto da Saúde Pública brasileira, já que os cursos de graduação seriam o primeiro passo no processo educacional desses profissionais^8),(18.

Nossos achados são apoiados por estudos anteriores os quais revelaram que os cursos de EF não ofereciam conhecimento teórico/prático que assegurasse a formação para atender a demanda imposta pelos serviços públicos de saúde^10),(11. As concepções relacionadas à formação em saúde na graduação de PEF foram investigadas nas grades curriculares da USP-SP e da UNICMP-SP. O estudo sugeriu que as disciplinas dos cursos de EF não são suficientes para oferecer uma formação adequada em Saúde Coletiva¹⁹.

Trabalhos que procuraram descrever o relato de profissionais que já atuam na APS indicam a mesma situação. Neste sentido, PEF (n=7) inseridos no NASF referiram pouca aproximação com a área de Saúde Pública durante a graduação²⁰. A análise de grupos focais também revelou uma fragilidade generalizada na formação do PEF para atuar no NASF e em equipes multiprofissionais na APS²¹. Os pesquisadores destacaram a importância dos cursos de Pós-Graduação para a formação continuada e recomendaram a necessidade de reestruturação curricular que oportunizasse a aproximação da realidade através de estágios, a transversalidade do tema (i.e., atenção primária) na grade curricular e a interação com outras áreas do conhecimento através de disciplinas integradas²¹. Os Programas de Pós-Graduação (PPG) Stricto Sensu têm a responsabilidade de formar futuros docentes e pesquisadores que poderão atuar nos cursos de formação inicial. Para Loch et al.²² os PPG em EF recebem alunos que já atuam ou irão atuar no SUS, o que pode ser bastante promissor em termos de se estabelecer uma interlocução entre os PPGEF e o SUS. Os pesquisadores conduziram um estudo no qual foi realizada um revisão de dissertações e teses que apresentavam relação com o SUS em PPGEF da região Sul do Brasil. A análise identificou 38 trabalhos (27 dissertações e 11 teses) dos 2163 consultados, reforçando que o tema proposto ainda é pouco presente nos PPGEF analisados além da grande diversidade de temas investigados²².

O investimento em disciplinas que possam ser realizadas com outros acadêmicos da área de saúde (i.e., disciplinas integradas) também seria uma importante estratégia para reduzir o distanciamento do trabalho do PEF com as demais profissões em relação à integralidade do cuidado^4),(23),(24. A oferta de disciplinas integradas em Saúde Pública deverá contribuir para um melhor direcionamento da formação superior para o atendimento das necessidades, particularidades e das complexidades observadas no contexto do SUS. A abordagem do processo saúde-doença, sem destacar o papel de atuação em equipe, fornecerá ao profissional um referencial biologicista pautado na racionalidade biomédica, considerada característica insuficiente para qualquer intervenção em Saúde Pública²⁵.

A participação do PEF no SUS teve um aumento expressivo (141%) entre 2013 e 2017⁷. Ainda assim, parece existir uma dificuldade do PEF em apropriar-se de conceitos chaves neste contexto de atuação (e.g., apoio matricial, acolhimento, integralidade, interprofissionalidade), bem como de ferramentas que possam auxiliar seu trabalho no SUS, visto que estes conceitos e ferramentas são pouco explorados no processo de formação acadêmica inicial (i.e., graduação) evidenciado tanto em estudos anteriores^23),(24 quanto nos resultados do presente estudo.

Recentemente, a Resolução CNE/CES n.º 06/2018 instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos de Graduação em EF²⁶. Dessa forma, espera-se que investigações como a presente pesquisa sejam consultadas para subsidiar alterações curriculares que permitam a oferta de disciplinas que atendam a esta importante área de atuação na EF. Recentemente, Da Costa²⁴⁾ destacou a importância dessas novas diretrizes curriculares na aproximação da formação mais adequada e integrada do PEF no atendimento das necessidades do setor de Saúde Pública.

Experiência recente de adequações em PP para atender a resolução CNE/CES n.º 06/2018²⁶ foram as alterações realizadas pelo curso de Educação Física de Guarapuava (UNICENTRO-PR) para os ingressantes em 2021. Pensou-se um currículo que, entre outros contextos de formação, conduzisse o acadêmico ao campo da Saúde Pública com foco na atenção primária, mas também buscando incorporar aspectos da atenção secundária e terciária, seja em equipe ou em atendimentos individualizados. A formação que se conecta à atenção secundária e terciária tem relação com a resolução n.º 391 e 26 de janeiro de 2020, em que o Conselho Federal de Educação Física define a atuação do PEF (Bacharelado e/ou Licenciatura-Bacharelado) em contextos hospitalares e reconhece a atuação desse profissional nesses níveis em saúde, dentro da estrutura estabelecida pelo Ministério da Saúde e considerando a estrutura do SUS.²⁷ Neste sentido, os graduandos deverão realizar créditos (eletivas) em “Introdução à Saúde Pública” (teórica - 1º ano) e “Práticas Integradas em Saúde Pública” (Prática - 2º ano), “Prescrição de Exercícios para Populações Especiais” (2º ano) e “Educação Física na Atenção Primária à Saúde” (3º ano). As disciplinas “Exercício Físico Clínico no Contexto Hospitalar”, oferecida pelo departamento de EF com foco na atenção terciária e “Interdisciplinaridade em Saúde” oferecida pelo Setor de Saúde, integrada entre os cursos da área de saúde (Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição, Farmácia e Medicina) serão optativas, enquanto um dos estágios obrigatórios do Curso, deverá ser cumprido na APS²⁸. A integração de alunos de diferentes áreas da saúde em disciplinas focadas na Saúde Pública, embora não tenha sido objetivo deste estudo, é algo que considera-se essencial para a formação do PEF, dada a característica de trabalho multiprofissional (em equipe) adotado na APS.

Como limitações, é importante reconhecer que a inclusão ou não de uma disciplina foi determinada a partir do objetivo estabelecido no presente estudo e pautada em palavras-chave localizadas no título e sobretudo na ementa das disciplinas. Não foram realizados contatos com os docentes responsáveis pelas disciplinas, análise dos planos de ensino ou dos conteúdos abordados. Ainda assim, destaca-se o papel informativo e contextualizador desta revisão rápida e a adoção de procedimentos metodológicos sistemáticos, com base em recomendações para um tipo de revisão (e.g., revisão rápida) com potencial de complementar as informações para futuras decisões por parte dos diversos cursos de EF no Brasil. Para minimizar essas limitações, optou-se por também elaborar quadros suplementares com informações referentes às disciplinas que foram consideradas inconclusivas e excluídas (Quadros S2 e S3). Ainda, destaca-se como limitação, a inclusão de cursos de EF com formação em Bacharelado (n=18) que certamente não representariam todos os cursos ofertados nesta modalidade no país (n=1080; 964 na modalidade presencial e 110 na modalidade à distância)²⁹. Contudo, procurou-se selecionar cursos que foram classificados por institutos que adotam critérios de ranqueamento bem definidos. Ainda, por serem elencados como “melhores cursos” do país, poderiam ser considerados modelos para outras instituições/cursos.

Apesar das limitações, o presente estudo pode fornecer informações e guiar decisões aos cursos de EF das universidades brasileiras. Com a identificação das disciplinas e ementas já implantadas em outras instituições, os colegiados acadêmicos e/ou núcleos docentes estruturantes distribuídos pelo país poderão dialogar, tomar decisões e propor ações ligadas à formação do PEF no contexto do SUS. Naturalmente, este não é o único material para guiar essas discussões, mas é uma ferramenta relevante. Os cursos de EF e instituições devem considerar suas características, estrutura, perfil do corpo docente e discente, características da comunidade local/regional, assim como a busca por um equilíbrio adequado com os demais conteúdos pertinentes à formação do PEF. Também cientes de exemplos de instituições, disciplinas e ementas já implementadas em grandes universidades brasileiras, os docentes podem contactar esses cursos para obter adicionais informações.

Exemplos de experiências inovadoras como a citada por Costa¹⁰ (USP e UNIFESP) e publicadas por Loch⁸ (UEL) e Da Silva et al.¹⁸ (UNICENTRO) em disciplinas de graduação em EF com enfoque em aspectos do SUS podem também auxiliar na proposta de disciplinas que serão ainda implementadas ou que passam por reformulações diante da Resolução CNE/CES n.º 06/2018²⁶. Acredita-se também que os periódicos científicos brasileiros ligados à área da EF e Saúde Pública podem auxiliar nesse processo através do estímulo de manuscritos (e.g., edições especiais) que tratam da formação dos profissionais da área de saúde no contexto do SUS, visto que esses conhecimentos podem servir de base para docentes, discentes e instituições qualificarem a formação destes profissionais.

Conclusões

As informações extraídas dos projetos pedagógicos revelou que menos de 1% da grade curricular dos 18 melhores cursos de Bacharelado em Educação Física no Brasil contemplam disciplinas sobre Saúde Pública. Considerando os 12 anos desde a publicação da Portaria n.º 154/2008 e que foram extraídas informações de disciplinas e ementas nos melhores cursos de EF do Brasil até 2020, o estudo revelou um cenário de formação de Bacharéis em EF distante do crescimento que a área demonstrou no campo da Saúde Pública neste período. É importante que os cursos de graduação em EF considerem uma formação específica no contexto da Saúde Pública, de modo a favorecer a consolidação da atuação do PEF e a qualidade do seu serviço. Ainda, os novos PPs deveriam contemplar disciplinas (específicas e integradas com outros cursos da saúde) de caráter teórico/prático para a formação do PEF no contexto do SUS.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Jul 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  28 Jul 2021
• Revisado
  07 Fev 2022
• Aceito
  04 Abr 2022