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PREFERÊNCIAS POR MÉTODOS DE ENSINO E TRANSFERÊNCIAS PARA O JOGO: UM OLHAR DE JOGADORAS DE HANDEBOL

PREFERENCES BY TEACHING APPROACHES AND TRANSFERS TO THE GAME: THE VIEW OF HANDBALL PLAYERS

RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar, na opinião de jogadoras de handebol, os métodos de ensino preferidos e as transferências entre os conceitos enfatizados em cada método e o jogo formal. Foram entrevistadas 17 jogadoras de handebol da categoria adulta de uma equipe municipal do Estado de São Paulo. Seus depoimentos foram analisados a partir do método do Discurso do Sujeito Coletivo. Os resultados mostraram que as jogadoras apresentam preferência por métodos de ensino ativo (como o situacional e o global-funcional), principalmente pelas questões que envolvem a complexidade do contexto do jogo. Em relação à transferência entre os métodos de ensino ativos e o jogo as jogadoras destacaram a demanda psicológica, as questões técnico-táticas, as semelhanças com o contexto do jogo e a necessidade de ajustar os comportamentos às demandas do jogo. Conclui-se que as jogadoras preferem treinamentos atrelados à dinâmica do jogo, com oposição, privilegiando situações que provoquem questionamentos sobre o jogo.

Palavras-chave:
Pedagogia do esporte; Ensino-aprendizagem; Treinamento; Transferência de aprendizagem; Handebol

ABSTRACT

The aim of this work was to identify, in handball players speeches’, the preferred teaching approaches and the transfers between the concepts emphasized in each method and the formal game. Seventeen handball players of adult team (from the State of São Paulo) were interviewed. Their speeches were analyzed using the Collective Subject Discourse method. The results showed that female players prefer active teaching approaches (such as situational and through games), mainly because of the complexity of game context. About the transfer between the active teaching approaches and the formal game, players emphasized the psychological demand, the technical-tactical aspects, the similarities with game and the behaviors adjustment to game demands. It is concluded that players prefer training linked to game dynamics, with opposition, privileging situations that provoke questions about the game.

Keywords:
Sport pedagogy; Teaching; Transfer of learning; Training; Handball

Introdução

O handebol é disputado em espaço comum pelas equipes, caracterizado por seis invariantes (bola, quadra, alvos, parceiros, adversários e regras)11 Bayer C. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Dinalivros; 1994. e pelas relações de cooperação e de oposição22 Garganta J. O ensino dos jogos desportivos. 3 ed. Porto: Centro de Estudos dos Jogos Desportivos; 1998., cujas ações simultâneas de atacantes e defensores preconizam anotar/evitar um gol11 Bayer C. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Dinalivros; 1994.. A decisão a ser tomada pelo jogador pauta-se em eventos vivenciados previamente e os possíveis desdobramentos de suas ações estão relacionados à resolução das situações-problema um ambiente de grande complexidade22 Garganta J. O ensino dos jogos desportivos. 3 ed. Porto: Centro de Estudos dos Jogos Desportivos; 1998.,33 Menezes RP. Contribuições da concepção dos fenômenos complexos para o ensino dos esportes coletivos. Motriz 2012;18(1):34-41. Doi: 10.1590/S1980-65742012000100004
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. Diferentes fatores podem interferir na complexidade do jogo, como: a) as ações individuais das jogadoras; b) as combinações grupais e coletivas entre companheiras; c) as relações espaço-temporais-situacionais; e d) os métodos de ensino utilizados pelos treinadores33 Menezes RP. Contribuições da concepção dos fenômenos complexos para o ensino dos esportes coletivos. Motriz 2012;18(1):34-41. Doi: 10.1590/S1980-65742012000100004
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.

Diferentes estudos mostraram a opinião dos treinadores sobre os métodos de ensino no handebol no contexto brasileiro44 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. O ensino do handebol na categoria infantil a partir dos discursos de treinadores experientes. Movimento 2015;21(2):463-477. Doi: 10.22456/1982-8918.47664
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5 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Teaching handball to players under-12: The perspective of Brazilian coaches. Motriz 2017;23(4): e101792. Doi: 10.1590/s1980-6574201700040006.
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-66 Menezes R, Ramos N, Marques R, Nunomura M. Teaching handball to U-16 and U-18 women's teams: Coaches' perspective on the long-term. Motriz 2018;24(4):e101838. Doi: 10.1590/s1980-6574201800040001
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ou realizaram testes para compreender o desenvolvimento de capacidades inerentes ao jogo no handebol77 Ricci GS, Reis HHBd, Menezes RP, Dechechi CJ, Ferreira CR. Avaliação da aprendizagem do handebol por jovens entre 11 e 14 anos a partir do método situacional. Pensar Prát 2011;14(1):1-18.,88 Pinho ST, Alves DM, Greco PJ, Schild JFG. Method situacional and its influence in the procedural tactical pertaining to school knowledge. Motriz 2010;16(3):580-590.Doi: 10.5016/1980-6574.2010v16n3p580
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. Embora alguns autores tenham a preocupação de analisar a opinião dos alunos sobre contribuições do ensino por meio de jogos99 Fry J, Tan C, McNeill M, Wright S. Children's perspectives on conceptual games teaching: a value-adding experience. Phys Educ Sport Pedagog 2010;15(2):139-158. Doi: 10.1080/17408980902813927
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, há uma lacuna em investigações a respeito da percepção de jogadores sobre os métodos de ensino e suas transferências para o jogo formal, que poderiam contribuir substancialmente para o planejamento das sessões de treinamento pelos treinadores de diferentes contextos.

Para a abordagem dos conteúdos do handebol os treinadores podem utilizar diferentes métodos de ensino dos jogos coletivos esportivizados (JCE), dentre os quais destacam-se: o método analítico-sintético, o método global-funcional e o método situacional1010 Greco PJ. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: Garcia E, Lemos K, editors. Temas Atuais VI em Educação Física e Esportes. Belo Horizonte: Editora Health; 2001, p. 48-72.,1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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. O método analítico-sintético prioriza o ensino das partes em função do todo, a partir de um conjunto de técnicas consideradas pré-requisitos para a aprendizagem do jogo, que são ensinadas por partes, dos movimentos mais simples aos mais complexos1010 Greco PJ. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: Garcia E, Lemos K, editors. Temas Atuais VI em Educação Física e Esportes. Belo Horizonte: Editora Health; 2001, p. 48-72.. O método global-funcional visa o ensino por meio de jogos, cujo enfoque não é voltado à técnica eficiente, mas com sua aplicação para a resolução de situações-problema que emergem do contexto do jogo1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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,1212 Dietrich K, Dürrwächter G, Schaller HJ. Os grandes jogos: Metodologia e prática. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; 1984.. Já o método situacional prioriza o ensino a partir de situações extraídas do contexto do jogo, a partir de relações numéricas inferiores às do jogo formal1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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. Assim como no método global-funcional, é possível assumir diversas escolhas para a resolução da mesma situação-problema77 Ricci GS, Reis HHBd, Menezes RP, Dechechi CJ, Ferreira CR. Avaliação da aprendizagem do handebol por jovens entre 11 e 14 anos a partir do método situacional. Pensar Prát 2011;14(1):1-18.,1010 Greco PJ. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: Garcia E, Lemos K, editors. Temas Atuais VI em Educação Física e Esportes. Belo Horizonte: Editora Health; 2001, p. 48-72..

Pautando-se nesses métodos e considerando que o processo de ensino ocorre em longo prazo, muitas vezes abrangendo diferentes etapas da vida (infância, adolescência e idade adulta)1313 Menezes RP. Ensino do handebol em longo prazo: Estudo a partir da opinião de treinadores. Educación Física y Ciencia 2018;20(2):e048. Doi: 10.24215/23142561e048
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14 Ehret A, Späte D, Schubert R, Roth K. Manual de handebol: Treinamento de base para crianças e adolescentes. São Paulo: Phorte Editora; 2002.
-1515 Greco PJ, Silva SA, Greco FL. O sistema de formação e treinamento esportivo no handebol brasileiro (SFTE-HB). In: Greco PJ, Fernández Romero JJ, editors. Manual de handebol: Da iniciação ao alto nível. São Paulo: Phorte; 2012, p. 235-250., entende-se que as vivências propiciadas às jogadoras devem priorizar o desenvolvimento de diferentes competências gerais e específicas. Partindo do pressuposto da grande complexidade do jogo de handebol torna-se importante identificar como se dá a compreensão desse ambiente pelas jogadoras, que são influenciadas diretamente pelos métodos de ensino que são pautados em diferentes pressupostos1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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.

Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi analisar a opinião de jogadoras de handebol sobre seus métodos de ensino preferidos e sobre as transferências dos conceitos enfatizados em cada método para situações do jogo formal.

Métodos

Participantes

Participaram deste estudo 17 jogadoras de handebol de uma equipe adulta (denominadas S1 a S17) pertencentes a uma equipe com treinamento sistematizado, organizado, com frequência semanal de duas sessões no período noturno, com duração de 120 minutos cada. A equipe era composta majoritariamente por jogadoras ligadas ao contexto universitário e disputou no ano da realização do estudo competições em âmbito regional no Estado de São Paulo (duas ligas de handebol e nos Jogos Regionais do Estado). No Quadro 1 estão apresentadas as características das jogadoras participantes.

Quadro 1
Características das jogadoras entrevistadas

A média de idade das participantes foi de 23,7 (±4,4) anos (mín=19; máx=35), com tempo médio de experiência no handebol de 10,9 (±4,0) anos (mín=3; máx=23). Das 17 entrevistadas, 15 iniciaram a prática do handebol no ambiente escolar, uma em equipe municipal e uma na universidade, revelando a importância da escola como marco para incentivar o início da prática do handebol.

Os dados de idade e de tempo de prática remontam ao contexto de uma equipe cujas jogadoras possuem características heterogêneas, especialmente considerando suas possíveis vivências no handebol. Pela associação entre tais aspectos e a busca por resultados nas competições supramencionadas a equipe foi submetida a diferentes métodos de ensino, cujos exercícios, jogos e situações eram explicados de maneira antecipada nas sessões de treinamento. Ao final de cada sessão foram realizadas discussões com o grupo para retomar os conceitos enfatizados em cada parte dessa.

Considerando os ambientes nos quais as jogadoras já praticaram o handebol, 17 aludem à universidade, 15 à escola e nove a equipes representativas municipais. Todas as jogadoras que iniciaram a prática em ambiente escolar permaneceram engajadas em equipes da universidade. Esse dado revela a importância do oferecimento do handebol em diferentes ambientes, mesmo que por vezes com características distintas (como o âmbito escolar e as equipes municipais).

Por se tratar de um estudo envolvendo a participação de jogadoras de handebol, esta foi submetida e aprovada por um Comitê de Ética em Pesquisa Institucional (CAAE: 62912116.8.0000.5659). No momento da entrevista cada participante recebeu uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Tipo de pesquisa e procedimentos para as entrevistas

Optou-se pela abordagem qualitativa de pesquisa pela possibilidade de identificar a diversidade de opiniões dos participantes, pautando-se na reflexividade do pesquisador e tendo a subjetividade como parte do processo1616 Flick U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3 ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.. Por envolver a opinião das jogadoras sobre os aspectos relacionados às suas experiências em treinos e jogos optou-se pela entrevista semiestruturada, especialmente pela flexibilidade do entrevistador para abordar de maneira aprofundada a temática em questão1717 Marconi MdA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia científica. 8 ed. São Paulo: Atlas; 2017. e por permitir revelar as preferências e as possíveis transferências dos aspectos abordados nos treinamentos para o jogo formal.

O instrumento de entrevista foi sistematizado em dois blocos: 1) bloco referente às informações pessoais e às experiências no handebol (idade, primeiro contato com o handebol, tempo de prática, locais de prática, participação em competições); 2) bloco referente ao processo de ensino-aprendizagem no handebol (método preferido, transferência de aprendizagem de cada método para o jogo formal, contribuições de cada método para o aprendizado). Antes do início do segundo bloco houve uma explicação referente às principais características dos métodos de ensino, seguida por exemplos de atividades, situações e jogos vivenciados ao longo das sessões de treinamento da equipe (o que se constituía como prática recorrente nessas).

As entrevistas foram realizadas a partir dos seguintes procedimentos (em ordem cronológica)1818 Triviños A. Introdução à pesquisa em ciências sociais: A pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas; 1987.: 1) definição de critérios para inclusão/exclusão já mencionados; 2) contato inicial com o treinador; 3) contato com as jogadoras; 4) agendamento da entrevista; 5) realização da entrevista no local e horário agendados, cuja gravação foi realizada na íntegra; 6) transcrição da entrevista (iniciada no mesmo dia da sua realização). As jogadoras foram entrevistadas individualmente de acordo com os horários considerados por essas como mais adequados, desde que não concorressem com outras atividades e a dedicação pudesse estar voltada exclusivamente ao entrevistador. A duração média das entrevistas foi de 11’54” (mín = 8’35” , máx = 18’04”).

Análise dos depoimentos

Após a transcrição dos depoimentos (que foram gravados na íntegra), a tabulação e a análise dos discursos foi realizada com base no método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), por possibilitar a representação social/atribuição social de sentido1919 Lefèvre F, Lefèvre AMC. Pesquisa de representação social: Um enfoque qualiquantitativo. 2 ed. Brasília: Liber Livro Editora; 2012. tendo como base, neste estudo, os depoimentos das jogadoras. Esse método apoia-se na Teoria das Representações Sociais apresentada por Serge Moscovici, na qual a preocupação se dá “fundamentalmente com a inter-relação entre sujeito e objeto e como se dá o processo de construção do conhecimento, ao mesmo tempo individual e coletivo”20:106.

Pretende-se, com a escolha do DSC, identificar as representações sociais de jogadoras de handebol sobre preferências por métodos de ensino e transferência entre treino e jogo, especificamente. O DSC baseia-se em questionamentos de caráter discursivo, reunindo depoimentos sobre as opiniões/representações referentes a uma dada temática, e consiste em identificar três figuras metodológicas: a) ideias-centrais (IC: descrições sucintas do sentido de cada depoimento); b) expressões-chave (ECH: trechos literais contínuos e/ou descontínuos dos depoimentos, que dão teor às IC); e c) o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC: redigido em primeira pessoa, agrega as ECH com mesma IC)1919 Lefèvre F, Lefèvre AMC. Pesquisa de representação social: Um enfoque qualiquantitativo. 2 ed. Brasília: Liber Livro Editora; 2012..

Na análise dos discursos busca-se identificar o conhecimento proveniente das experiências das jogadoras, que são “capazes de revelar o que um determinado grupo pensa sobre alguma situação determinada”20:109. Nesse sentido, identificar as representações das jogadoras em relação às suas preferências (e os respectivos motivos) e a impressão que possuem sobre transferência de conceitos entre treino e jogo formal poderá contribuir com a concepção do treinamento de equipes de handebol.

Os DSC elaborados a partir dos depoimentos das jogadoras serão apresentados na íntegra na seção “Resultados”, sendo a proveniência das falas indicadas de maneira sobrescrita.

Resultados

A partir das transcrições dos depoimentos das jogadoras e da elaboração dos DSC foi possível identificar dois aspectos principais: 1) o primeiro relacionado à preferência pelos métodos de ensino; 2) o segundo relacionado às transferências de aprendizagem de cada método para o jogo formal. Destaca-se que as jogadoras poderiam apresentar um ou mais métodos, com as respectivas razões para sua(s) escolha(s). No Quadro 2 estão apresentados os DSC referentes aos métodos de ensino preferidos pelas jogadoras e as razões para essas escolhas.

Quadro 2
DSC que sintetizam as preferências pelos métodos de ensino

Foi possível identificar maior preferência pelo método situacional (DSC1), seguida pelo método global-funcional (DSC2) e pelo método analítico-sintético (DSC3). Há que apontar a opinião de S2, que destaca não preferir qualquer método, por evitar a monotonia no treino.

O DSC1 expressou a preferência das jogadoras pelo método situacional por proporcionar o aprendizado a partir de situações semelhantes às que ocorrem em um jogo formal, facilitar a compreensão das decisões tomadas, auxiliar a solucionar problemas e criar questionamentos específicos ao contexto do jogo. O DSC2 elucidou os aspectos inerentes ao método global-funcional destacando a articulação entre os aspectos técnico-táticos e o seu contexto de aplicação. Já o DSC3 apontou a preferência pelo método analítico-sintético por meio de exercícios que enfatizam o desenvolvimento da técnica de maneira isolada do contexto do jogo, no qual será de fato manifestada, o que revela uma posição diametralmente oposta ao DSC1 e ao DSC2.

Quando a temática referiu-se às possíveis transferências dos métodos para o jogo formal foi possível elaborar três discursos (Quadro 3): DSC4 (aspectos inerentes ao método situacional), DSC5 (aspectos inerentes ao princípio global-funcional) e DSC6 (aspectos inerentes ao método analítico-sintético).

Quadro 3
DSC que sintetizam as opiniões sobre as transferências para o jogo formal

O DSC4 agregou os discursos das jogadoras sobre as possíveis transferências promovidas pelo método situacional para o jogo formal, enfatizando “recortes” do jogo nos treinamentos que estimulam o desenvolvimento do pensamento crítico e de questionamentos por essas, bem como extrapola a dimensão técnico-tática no sentido de abordar possíveis demandas psicológicas oriundas do enfrentamento de situações do jogo formal.

O DSC5 destacou aspectos transferíveis entre o método global-funcional e o jogo formal, também prezando pelas relações entre jogadoras, espaço de jogo e a complexidade que permeia o handebol. Considerando os princípios do método analítico-sintético, o DSC6 aponta que as jogadoras também conseguem identificar aspectos transferíveis entre esse e o jogo formal, enfatizando que a realização de passes (por exemplo), mesmo de maneira descontextualizada, lhes confere maior segurança para realizá-los nos momentos do jogo.

Discussão

A partir da elaboração dos DSC foi possível identificar dois aspectos principais que serão abordados em sub-seções específicas: 1) o primeiro relacionado à preferência pelos métodos de ensino; 2) o segundo relacionado às transferências de aprendizagem entre cada método e o jogo formal.

Preferências pelos métodos de ensino

Observou-se no DSC1 e no DSC2 (Quadro 2) a preferência por métodos de ensino ativos, que consideram o aluno como elemento central do processo de ensino44 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. O ensino do handebol na categoria infantil a partir dos discursos de treinadores experientes. Movimento 2015;21(2):463-477. Doi: 10.22456/1982-8918.47664
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. O DSC1 apresenta-se em consonância com outros estudos77 Ricci GS, Reis HHBd, Menezes RP, Dechechi CJ, Ferreira CR. Avaliação da aprendizagem do handebol por jovens entre 11 e 14 anos a partir do método situacional. Pensar Prát 2011;14(1):1-18.,88 Pinho ST, Alves DM, Greco PJ, Schild JFG. Method situacional and its influence in the procedural tactical pertaining to school knowledge. Motriz 2010;16(3):580-590.Doi: 10.5016/1980-6574.2010v16n3p580
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,1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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que destacaram que além de enfatizar aspectos táticos, a técnica é manifestada no contexto do jogo com vistas à eficácia (aplicabilidade), que por meio de situações-problema inerentes ao jogo formal proporciona possíveis soluções que podem alterar o seu cenário técnico-tático1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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. Tal método ratifica a interdependência entre técnica e tática e visa desenvolver as capacidades de percepção, antecipação e tomada de decisão1010 Greco PJ. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: Garcia E, Lemos K, editors. Temas Atuais VI em Educação Física e Esportes. Belo Horizonte: Editora Health; 2001, p. 48-72. para que o jogador possa solucionar criticamente as situações, adaptando seus comportamentos para atender aos princípios ofensivos e defensivos.

Pinho et al.88 Pinho ST, Alves DM, Greco PJ, Schild JFG. Method situacional and its influence in the procedural tactical pertaining to school knowledge. Motriz 2010;16(3):580-590.Doi: 10.5016/1980-6574.2010v16n3p580
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investigaram a aplicação de jogos situacionais para avaliação do conhecimento tático de jogadores de handebol de 10 a 12 anos (com experiência prévia apenas em ambiente escolar). No contexto estudado o ensino pautado em situações do jogo foi eficaz para incrementar o conhecimento tático dos jogadores. Os posicionamentos expressos no DSC1 vão ao encontro dos achados dos autores, uma vez que mencionam a facilidade para a compreensão do jogo e a tomada de decisão de maneira crítica/reflexiva.

Ricci et al.77 Ricci GS, Reis HHBd, Menezes RP, Dechechi CJ, Ferreira CR. Avaliação da aprendizagem do handebol por jovens entre 11 e 14 anos a partir do método situacional. Pensar Prát 2011;14(1):1-18. sistematizaram as sessões de treinamento de handebol em ambiente escolar pautando-se no método situacional, e ressaltaram a utilização de métodos de ensino que apresentem às jogadoras uma grande variabilidade do contexto de jogo. Entende-se, para tanto, que as entrevistadas têm ciência sobre os preceitos apontados pelo método situacional e compreendem as expectativas em torno da reflexão sobre as decisões tomadas, bem como a necessidade de interpretar e responder rapidamente às demandas apresentadas pelo jogo.

O DSC2 descreveu os aspectos referentes ao método global-funcional enfatizando o aprendizado do jogo por meio da sua lógica interna e do desenvolvimento dos aspectos técnico-táticos articulados com o contexto no qual são requeridos. Isso torna-se evidente quando há menção à sucessão de fases (ofensiva, defensiva e transições) e à preocupação com a eficácia dos movimentos executados (adequação à resolução da situação-problema), sem atender padrões pré-estabelecidos. O apelo aos aspectos motivacionais inerentes ao ensino por meio de jogos, por serem centrados nos alunos e oferecerem para esses um ambiente prazeroso e desafiador, foi relatado por diferentes autores99 Fry J, Tan C, McNeill M, Wright S. Children's perspectives on conceptual games teaching: a value-adding experience. Phys Educ Sport Pedagog 2010;15(2):139-158. Doi: 10.1080/17408980902813927
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,1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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,2121 Holt N, Strean WB, Bengoechea EG. Expanding the Teaching Games for Understanding model: New avenues for future research and practice. J Teac Phys Educ 2002;21:162-76. e corroborados pelo DSC2.

As jogadoras entendem que apesar desse método possuir tais características, retrata-se a complexidade do handebol e abrange as relações de cooperação e oposição recorrentes nesse, nas quais é requerido um pensamento estratégico-tático. Assim, os jogos são apresentados às jogadoras em complexidades crescentes, de acordo com as características das jogadoras1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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,2222 Galatti LR, Paes RR. Pedagogia do esporte e a aplicação das teorias acerca dos jogos esportivos coletivos em escolas de esportes: o caso de um clube privado de Campinas-SP. Conexões 2007;5(2):31-44., nos quais a preocupação volta-se à construção do processo de tomada de decisão e à compreensão das situações vivenciadas sem desvincular técnica e tática2222 Galatti LR, Paes RR. Pedagogia do esporte e a aplicação das teorias acerca dos jogos esportivos coletivos em escolas de esportes: o caso de um clube privado de Campinas-SP. Conexões 2007;5(2):31-44., cuja relação é inexorável2323 Santana WC. Pedagogia do esporte na infância e complexidade. In: Paes RR, Balbino HF, editors. Pedagogia do esporte: Contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005, p. 1-24..

A utilização de métodos ativos (como o situacional e o global-funcional) possui como prerrogativa o desenvolvimento de comportamentos táticos flexíveis, que possibilitem às jogadoras selecionar a melhor decisão a ser tomada para uma dada situação. Diferentes estudos44 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. O ensino do handebol na categoria infantil a partir dos discursos de treinadores experientes. Movimento 2015;21(2):463-477. Doi: 10.22456/1982-8918.47664
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,55 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Teaching handball to players under-12: The perspective of Brazilian coaches. Motriz 2017;23(4): e101792. Doi: 10.1590/s1980-6574201700040006.
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também destacaram a posição dos treinadores para o ensino do handebol em diferentes categorias, os quais enfatizaram a importância desses métodos. Nesse sentido, tais métodos possuem como prerrogativa o atendimento aos anseios das jogadoras em vivenciar o jogo, o que pode aumentar o engajamento dessas em relação às atividades propostas para as sessões de treinamento e a consequente satisfação com os elementos abordados.

O DSC3 contrapõe os aspectos mencionados no DSC1 e no DSC2, no DSC3 é reforçada a perspectiva de se apresentar como vantagem o aprimoramento da execução da técnica, cujo aprendizado seja necessário para, então, proceder-se ao jogo. Esse discurso expõe a descontextualização do desenvolvimento da técnica em relação à manifestação (jogo), aspecto que tem sido criticado principalmente pelo reducionismo do jogo ao seu conjunto de técnicas, repetidas exaustivamente1010 Greco PJ. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: Garcia E, Lemos K, editors. Temas Atuais VI em Educação Física e Esportes. Belo Horizonte: Editora Health; 2001, p. 48-72.,1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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,2222 Galatti LR, Paes RR. Pedagogia do esporte e a aplicação das teorias acerca dos jogos esportivos coletivos em escolas de esportes: o caso de um clube privado de Campinas-SP. Conexões 2007;5(2):31-44.,2323 Santana WC. Pedagogia do esporte na infância e complexidade. In: Paes RR, Balbino HF, editors. Pedagogia do esporte: Contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005, p. 1-24..

Para a resolução de situações-problema de ordem técnico-tática no jogo é necessário não apenas o conhecimento da técnica, mas também dos processos cognitivos que contribuem para as tomadas de decisão2424 Morales JCP, Greco PJ. A influência de diferentes metodologias de ensino-aprendizagem-treinamento no basquetebol sobre o nível de conhecimento tático processual. Rev bras educ fís Esporte 2007;21(4):291-299.. Portanto, para atender aos objetivos da própria equipe e dificultar a consecução dos objetivos pela equipe adversária, as jogadoras devem desenvolver suas ações de maneira coordenada em todas as fases do jogo, aspecto esse não considerado pelo método analítico-sintético.

O DSC1 e o DSC2 apontam a importância atribuída pelas jogadoras ao ensino em ambientes complexos e dinâmicos, intrinsecamente relacionados ao jogo de handebol, nos quais a aprendizagem das técnicas possam ser concretizados. Tais apontamentos suscitam a reflexão de que o processo de ensino não deve se restringir apenas à automatização da técnica, mas desenvolver a capacidade de resolver tarefas cognitivas e motoras1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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, sustentar a lógica do jogo e utilizar as compreensões da tática que rompam com o paradigma tecnicista do ensino2525 Galatti LR, Serrano P, Seoane AM, Paes RR. Pedagogia do esporte e basquetebol: Aspectos metodológicos para o desenvolvimento motor e técnico do atleta em formação. Arquivos em Movimento 2012;8(2):79-93..

Verificou-se, por fim, que 16 das 17 jogadoras entrevistadas demonstraram preferência por métodos de ensino ativos (DSC1 e DSC2), embora a participante mencionada no DSC3 também tenha demonstrado preferência por outro método. Esses achados apontam a necessidade de reflexões sobre o ensino que promove uma visão fragmentada do jogo (com enfoque na execução descontextualizada da técnica), quando comparado ao destaque dado à compreensão das relações dinâmicas que envolvem diferentes jogadoras para a resolução da situação-problema. Nesse sentido, o método analítico-sintético apresenta sérias limitações em relação à transferências para o contexto do jogo.

Transferências para o jogo formal

No DSC4 (Quadro 3) foi abordada a interdependência entre técnica e tática, as quais mesmo com a dualidade expressa no pensamento das jogadoras, manifesta-se de maneira intrinsecamente relacionada ao contexto do jogo. Por ser pautado em unidades funcionais menores do jogo (1x1, 2x2, 2x1…) no método situacional é possível abordar concomitantemente os aspectos ofensivos e defensivos, enfatizando comportamentos técnico-táticos de maneira específica e relacionada ao modelo de jogo proposto pelo treinador.

A partir das situações apresentadas às jogadoras é possível abordar especificidades dos sistemas de jogo e dos elementos técnico-táticos individuais e grupais, em situações de igualdade ou assimetria numérica. As abordagens centradas nos jogos e situações de jogo podem permitir aos alunos encontrar soluções táticas diferentes (e melhores) quando comparadas às abordagens técnicas55 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Teaching handball to players under-12: The perspective of Brazilian coaches. Motriz 2017;23(4): e101792. Doi: 10.1590/s1980-6574201700040006.
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. Os apontamentos do DSC4 refletem em aspectos transferíveis ao jogo que podem (e devem) ser considerados pelos treinadores quando do planejamento dos treinamentos de suas equipes.

Nesse sentido, Menezes et al.55 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Teaching handball to players under-12: The perspective of Brazilian coaches. Motriz 2017;23(4): e101792. Doi: 10.1590/s1980-6574201700040006.
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apontaram que um grupo de treinadores de handebol da categoria sub-12 considera que a técnica utilizada deve beneficiar a equipe a manter a bola, jogar em movimento, criar/explorar espaços e criar incertezas. Essa assertiva vai ao encontro de Silva e Greco2626 Silva MV, Greco PJ. A influência dos métodos de ensino-aprendizagem-treinamento no desenvolvimento da inteligência e criatividade tática em atletas de futsal. Rev bras educ fís Esporte 2009;23(3):297-307., de que os JCE são caracterizados pela constante sucessão de situações em que as jogadoras devem resolver problemas com processos voltados conjuntamente à tática e à técnica (pois possuem apelo ao desenvolvimento da inteligência de jogo e à criatividade). Assim sendo, a tomada de decisão “emerge num processo contínuo e cíclico de procura de informação para agir, e agir para detectar a melhor informação”27:538, sendo retroalimentada pela resposta dada a partir da decisão tomada e dependente de diferentes capacidades2828 Matias CJAS, Greco PJ. Cognição e ação nos jogos esportivos coletivos. Ciência & Cognição 2010;15(1):252-271..

Perspectiva semelhante foi revelada pelo DSC5 ao destacar aspectos transferíveis entre o método global-funcional e o jogo formal tendo como pano de fundo a dinâmica das relações entre as jogadoras e as relações dessas com o espaço e com a complexidade que permeia o handebol. Tal concepção Esse discurso revela que o cenário dinâmico impõe a necessidade do desenvolvimento de um repertório de decisões, da compreensão da sucessividade das fases do jogo e dos ajustes no posicionamento em quadra, por exemplo, para adaptar-se aos comportamentos de companheiras e adversárias55 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Teaching handball to players under-12: The perspective of Brazilian coaches. Motriz 2017;23(4): e101792. Doi: 10.1590/s1980-6574201700040006.
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,1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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,2525 Galatti LR, Serrano P, Seoane AM, Paes RR. Pedagogia do esporte e basquetebol: Aspectos metodológicos para o desenvolvimento motor e técnico do atleta em formação. Arquivos em Movimento 2012;8(2):79-93..

No DSC5 também foi destacada a ludicidade implícita no método global-funcional que influencia diretamente a motivação dessas para a prática, como mencionado em outros estudos2525 Galatti LR, Serrano P, Seoane AM, Paes RR. Pedagogia do esporte e basquetebol: Aspectos metodológicos para o desenvolvimento motor e técnico do atleta em formação. Arquivos em Movimento 2012;8(2):79-93.,2929 Costa LCA, Nascimento JV. O ensino da técnica e da tática: novas abordagens metodológicas. Rev Educ Física/UEM 2004;15(2):49-56.. Este DSC revelou que tal método facilita a compreensão do jogo pela variabilidade inerente ao cenário dos jogos, exigindo que o jogador saiba interagir e se posicionar na quadra mediante diferentes situações. Reitera-se que o princípio global-funcional deva apresentar jogos de complexidade inferior ao jogo formal (adequada ao grupo de participantes), envolvendo o caráter lúdico, a técnica, a tática e as regras2525 Galatti LR, Serrano P, Seoane AM, Paes RR. Pedagogia do esporte e basquetebol: Aspectos metodológicos para o desenvolvimento motor e técnico do atleta em formação. Arquivos em Movimento 2012;8(2):79-93..

Os fatores apontados no DSC4 e no DSC5 apontam a importância desses métodos por confrontarem as jogadoras com a imprevisibilidade do jogo e as múltiplas possibilidades de tomada de decisão. Destaca-se também a clareza manifestada pelas jogadoras sobre as transferências entre tais métodos e o jogo formal, que pode ser oriunda das explicações sobre os diversos exercícios, jogos e situações de jogo ao longo das sessões de treinamento. As adaptações nas regras dos jogos (que possibilitem ao jogador o contato constante com a bola) e nas situações de jogo podem aproximar tais contextos da necessidade de tomar decisões rapidamente por estar alicerçada na percepção da relação espaço-tempo das jogadoras, além das demandas metabólicas do jogo formal (não abordadas neste estudo).

Para Menezes et al.55 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Teaching handball to players under-12: The perspective of Brazilian coaches. Motriz 2017;23(4): e101792. Doi: 10.1590/s1980-6574201700040006.
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o treinador deve ser responsável por adaptar os níveis de dificuldade dos jogos às características das jogadoras (no contexto das equipes sub-12), estimulando o desenvolvimento de diferentes competências. Essa premissa também foi verificada neste estudo, uma vez que as jogadoras possuem diferentes experiências com o handebol ao longo do seu processo de formação esportiva. O DSC4 e o DSC5 destacaram que as jogadoras compreendem que a prática de diferentes jogos pode promover um repertório de tomadas de decisão, orientado à resolução de situações-problema e transferível para o jogo formal, corroborando a opinião de treinadores de handebol de diferentes categorias44 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. O ensino do handebol na categoria infantil a partir dos discursos de treinadores experientes. Movimento 2015;21(2):463-477. Doi: 10.22456/1982-8918.47664
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5 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Teaching handball to players under-12: The perspective of Brazilian coaches. Motriz 2017;23(4): e101792. Doi: 10.1590/s1980-6574201700040006.
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-66 Menezes R, Ramos N, Marques R, Nunomura M. Teaching handball to U-16 and U-18 women's teams: Coaches' perspective on the long-term. Motriz 2018;24(4):e101838. Doi: 10.1590/s1980-6574201800040001
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.

O DSC6 revela que as jogadoras indentificam aspectos transferíveis do método analítico-sintético para o jogo formal e evidencia o fato de que algumas dessas entendam como relevante o ensino da técnica num primeiro momento para então aplicá-la no contexto do jogo. Partindo do pressuposto de que esse método aborda o ensino/aprimoramento da técnica, o DSC6 também aponta que as jogadoras o elencam como primeiro passo para o aprendizado do handebol, pois sem saber passar e receber, nessa concepção, o jogo não fluirá.

Embora haja importância atribuída ao método analítico-sintético, o DSC6 menciona que o jogo não é dependente de uma execução técnica eficiente (mas eficaz, como mencionado no DSC1 e no DSC2). Esses achados reforçam que a equipe deve ser compreendida como um microssistema social complexo e dinâmico, cuja soma das individualidades não representa as possíveis relações grupais/coletivas3030 Teodorescu L. Problemas de teoria e metodologia nos jogos desportivos. Lisboa: Horizonte; 1984.. Os achados amplificam as críticas envolvendo o reducionismo do jogo ao seu conjunto de técnicas que são repetidas exaustivamente e de maneira descontextualizada1010 Greco PJ. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: Garcia E, Lemos K, editors. Temas Atuais VI em Educação Física e Esportes. Belo Horizonte: Editora Health; 2001, p. 48-72.,1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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, produzindo comportamentos estereotipados que não atendem às demandas impostas pelo jogo, pois pautam-se em exercícios de valor absoluto e previsíveis2525 Galatti LR, Serrano P, Seoane AM, Paes RR. Pedagogia do esporte e basquetebol: Aspectos metodológicos para o desenvolvimento motor e técnico do atleta em formação. Arquivos em Movimento 2012;8(2):79-93., com pouco apelo ao desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão das jogadoras1010 Greco PJ. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: Garcia E, Lemos K, editors. Temas Atuais VI em Educação Física e Esportes. Belo Horizonte: Editora Health; 2001, p. 48-72..

O DSC6 reforça a dualidade entre técnica e tática, pertencentes a “domínios distintos e específicos”, a qual é enfatizada pelo princípio analítico-sintético (aprender para jogar). O contexto do jogo, pelo fato da execução da técnica ser intencional e voltada à resolução da situação-problema, reforça a indissociabilidade do aspecto técnico-tático. Menezes et al.1111 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. Especialização esportiva precoce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento 2014;20(1):351-373. Doi: 10.22456/1982-8918.40200
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apontam uma tendência para a inversão da lógica verificada no DSC6, com o desenvolvimento concomitante de habilidades que permitam resolver tarefas cognitivas e motoras, o que vai de encontro à dualidade técnica x tática.

Pela abordagem distante do contexto do jogo as transferências referentes ao método analítico-sintético (DSC6) parecem mais superficiais e menos significativas para as jogadoras do que as apresentadas no DSC4 e DSC5, o que pode ter levado a demonstrarem maior preferência pelos métodos situacional e global-funcional (DSC1 e DSC2). Vislumbrando a formação de jogadoras que tomem decisões intencionais no jogo, as demandas impostas pela lógica do jogo e pela complexidade de seu contexto devem apresentar-se em consonância com procedimentos metodológicos que considerem tais aspectos44 Menezes RP, Marques RFR, Nunomura M. O ensino do handebol na categoria infantil a partir dos discursos de treinadores experientes. Movimento 2015;21(2):463-477. Doi: 10.22456/1982-8918.47664
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,

A maioria das entrevistadas teve seu primeiro contato com handebol em ambiente escolar, onde o desenvolvimento da jogadora não deve ser pautado nas exigências da categoria adulta. Ademais, o envolvimento com brincadeiras e jogos no início desse processo torna a aprendizagem mais significativa, desafiadora, motivante e pode influenciar no conhecimento que possuem acerca do jogo. As jogadoras apresentaram mais detalhes para os métodos de ensino ativos em relação às preferências e às transferências entre esses e o jogo, o que denota a compreensão de que na aprendizagem do handebol devam ser priorizados contextos complexos, não necessariamente pautando-se inicialmente na aprendizagem da técnica.

Conclusão

Este estudo buscou identificar e discutir a opinião de jogadoras de handebol sobre as preferências pelos métodos de ensino e suas transferências para o contexto do jogo. Foi possível observar a preferência dessas por métodos de ensino ativos (situacional e global-funcional), justificada pelo envolvimento com o contexto do jogo (que confere dinamicidade e motivação), pelo desenvolvimento do pensamento crítico (por partirem de múltiplas soluções para uma situação-problema), pela relação favorável à eficácia (em detrimento da eficiência) e por prepararem para o jogo de handebol.

Em relação às transferências provenientes dos diferentes métodos ao contexto do jogo, destaca-se a disparidade entre os apontamentos inerentes aos métodos situacional e global-funcional (métodos ativos) em detrimento do analítico-sintético. Para os métodos de ensino ativos foram abordados aspectos como: a) a demanda psicológica semelhante ao jogo formal (além das questões técnico-táticas no método situacional); b) a ludicidade e a necessidade de ajustar os comportamentos às demandas do jogo (ambos para o método global-funcional); c) as semelhanças com o contexto do jogo, o encadeamento de suas fases e a sua complexidade (para os métodos situacional e global-funcional). Já para o método analítico-sintético destacou-se que o aquecimento com os elementos técnicos proporciona maior segurança para o jogo formal.

Conclui-se que as jogadoras preferem treinamentos que enfatizem aspectos da dinâmica do jogo, com oposição, com situações que proporcionem questionamentos às jogadoras e ampliem a compreensão sobre o jogo. Em relação às transferências de aprendizagem, os discursos permitem apontar que os treinamentos devem atender à lógica interna do jogo, priorizando a formação de jogadoras críticas que compreendam plenamente as relações entre os conteúdos abordados nos treinamentos e sua aplicabilidade nas diversas situações e contextos que o jogo apresenta.

Os achados deste estudo podem subsidiar os treinadores sobre a visão das jogadoras em relação à transferência de aprendizagem do diferentes métodos para o jogo. Esse aspecto possibilita a reflexão sobre a criação de ambientes motivantes e desafiadores nos treinamentos, mantendo a lógica interna e a especificidade do handebol, especialmente por lançar luz às opiniões das jogadoras sobre o ensino.

As limitações potenciais deste estudo podem estar relacionadas: a) às jogadoras terem passado por diferentes processos de aprendizagem do handebol; e b) pelo fato de estarem inseridas em uma equipe que preza por tais questões metodológicas, como a explicação minuciosa de cada parte que compõe a sessão de treinamento, no sentido de ampliar o entendimento dessas sobre o próprio jogo. Como perspectivas futuras acredita-se que estudos podem confrontar as opiniões das jogadoras e treinadores, e ser realizados com equipes de diferentes faixas etárias e âmbitos competitivos possam, revelando diferentes nuances sobre o handebol ao longo do processo de ensino-aprendizagem.

Agradecimento

Programa Unificado de Bolsas de Estudos - Universidade de São Paulo (USP) - Processo 2016/1015

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2019
  • Revisado
    03 Mar 2020
  • Aceito
    10 Jul 2020
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