EDITORIAIS
Ingestão de sódio em lactentes de muito baixo peso ao nascer: será que mais é sempre melhor?
Stephen Baumgart
MD, Professor of Pediatrics, Neonatology, Department of Neonatology, Children's National Medical Center, Washington, DC, USA
O problema do balanço de sódio em lactentes de baixo peso ao nascer
Neste número do Jornal de Pediatria, Tanaka et al. apresentam os resultados de seu estudo detalhado para avaliar a influência da fortificação de leite humano de banco na fração de excreção de sódio, densidade urinária e osmolaridade1. Até onde se sabe, até a presente data, nenhum estudo com lactentes de baixo peso ao nascer examinou especificamente o balanço de sódio nessa população prematura, cujo crescimento inicial é obtido pela alimentação enteral com leite humano. Os autores pressupõem, corretamente, do meu ponto de vista, que o leite humano é a melhor fonte de nutrição para bebês prematuros.
Contudo, ainda há controvérsias acerca da eficácia da suplementação do leite humano [neste estudo, suplementado com FM85® (Nestlé), na proporção de 5 g para cada 100 mL de leite humano, obtendo-se oferta adicional de 1 g de proteína, 3,4 g de carboidratos, 20 mg de sódio, 75 mg de cálcio e 45 mg de fósforo]. Embora o conteúdo mineral ósseo possa ser aumentado com a suplementação até níveis comparáveis aos encontrados em lactentes nascidos a termo, um seguimento em lactentes com 44 semanas de idade pós-concepção não mostrou efeitos de suplementação mineral prévia2. De fato, Tanaka et al. afirmam, em sua discussão, que "os parâmetros avaliados são basicamente cálcio, fósforo, fosfatase alcalina e uréia". Os próprios dados dos autores não demonstram taxas de crescimento significativamente maiores como resultado da suplementação do leite humano; os autores tampouco se propuseram a avaliar a mineralização óssea como resultado da suplementação do leite humano.
Em vez disso, os autores manifestam a sua "preocupação com potenciais efeitos adversos da dieta na função renal do prematuro..., pois o marco da maturidade renal situa-se em torno de 34 semanas de idade gestacional, e os prematuros mais jovens são os que necessitam da suplementação do leite materno. Dentre as várias limitações da função renal do prematuro, destacam-se: o desequilíbrio da função glomérulo-tubular, caracterizado pela baixa taxa de filtração glomerular e diminuição ainda mais acentuada na capacidade de reabsorção tubular; a elevada fração de excreção de sódio; e a limitada capacidade de concentração urinária"3,4.
Balanço de sódio durante a vida fetal e na prematuridade
Durante o crescimento fetal, a formação de volume urinário é relativamente baixa devido à baixa taxa de filtração glomerular associada com alta resistência vascular renal no útero5. A reabsorção tubular aumenta com a maturidade, de forma que a urina é hipotônica relativamente ao plasma até meados da gestação. A formação de urina diminui novamente quando o bebê fica próximo do termo (depois de 34 semanas de gestação), à medida que os túbulos distais se tornam mais responsivos à arginina-vasopressina fetal6. Isso coincide com o transporte de grandes quantidades de cloreto de sódio e água essencial da mãe para o feto, garantindo um balanço positivo de água e eletrólito para o crescimento6,7. Contudo, estudos com preparados de feto de cordeiro sugerem que, em meados da gestação, o feto responde à expansão do volume extracelular pela modulação dessas altas taxas de reabsorção tubular proximal e distal8.
Os lactentes nascidos a termo mantêm um balanço positivo de sódio diante de uma ampla gama de quantidades ingeridas de sódio7. Essa característica da função renal neonatal é favorável na presença de crescimento ativo e pode ser mantida com altos níveis de aldosterona circulante6. Esse hiperaldosteronismo funcional resulta, provavelmente, da atenuação de algum controle de feedback negativo em relação à produção de renina9. Apesar de suas vantagens funcionais para os bebês saudáveis em crescimento, o viés renal em favor da reabsorção do sódio pode limitar a capacidade do lactente de aumentar a excreção de sódio e água durante uma carga aguda do compartimento extracelular10,11.
Os prematuros ainda têm outras dificuldades com o balanço do sódio. Ao contrário dos bebês nascidos a termo, sua excreção basal de sódio é alta (refletida pela fração mais alta de excreção de sódio em idades gestacionais mais precoces). Com um aumento apenas discreto da taxa de filtração glomerular dos níveis uterinos antes de 34 semanas de gestação, uma porcentagem relativamente grande de cloreto de sódio filtrado é excretado devido à resposta tubular menos madura à aldosterona e à produção supra-renal diminuída de aldosterona em resposta ao estímulo do sistema renina-angiotensina. Assim, logo no início da vida, o lactente prematuro é suscetível tanto à perda de sódio, que resulta na diminuição da água corporal, quanto à incapacidade de acomodar a expansão do volume de sal e água devido à taxa de filtração glomerular limitada10.
Restrição de sal versus manutenção do sal em lactentes de baixo peso ao nascer
Costarino et al. realizaram um estudo controlado e randomizado com foco na restrição de sódio vs. manutenção da administração de sódio durante os primeiros 5 dias de vida em bebês nascidos com menos de 1.000 g e menos de 28 semanas de gestação12. Os bebês foram aleatoriamente designados para não receber suplementação com sódio ou para receber suplementação com 3-4 mEq/kg/dia de sódio em fluidos de manutenção a partir do segundo dia de vida. Dois dos nove bebês no grupo com restrição de sódio desenvolveram hiponatremia com concentrações séricas menores do que 130 mEq/L, enquanto dois dos oitos bebês no grupo de suplementação com sódio desenvolveram hipernatremia, com sódio sérico maior do que 150 mEq/L. As medidas diárias da concentração de sódio foram significativa e consistentemente maiores nos bebês com suplementação de sódio12. No estudo de Tanaka, os lactentes eram mais velhos, estavam entrando em uma fase de crescimento e não demonstraram distúrbios nas concentrações séricas de sódio relatadas.
A excreção de sódio na urina permaneceu estável nos bebês com restrição no estudo (de Costarino)12, mas começou a aumentar depois do quarto dia em bebês com suplementação. O balanço de sódio foi de praticamente zero no grupo com suplementação de sódio (a ingestão equivalendo à excreção urinária), mas permaneceu negativo no grupo com restrição em até -6 mEq/kg/dia. A ingestão de fluidos indicada independentemente da ingestão de sódio foi semelhante nos dois grupos, entre 90 e 130 mL/kg/dia. Contudo, a ingestão excedeu 130 mL/kg/dia após 3 dias no grupo com suplementação, ou seja, foi maior do que a ingestão dos bebês com restrição de sal, que receberam apenas aproximadamente 90 mL/kg/dia. A saída de urina foi fixada em 2-4 mL/kg/h (em torno de 50-100 mL/kg/dia) durante todo o estudo em ambos os grupos, e não foi dependente seja do volume de fluido administrado seja da quantia de ingestão de sódio prescrita. Tanaka et al. não apresentaram cálculos do balanço de sódio propriamente dito, e sim relataram a excreção fracionada de sódio em uma amostra de urina (um dos melhores indicadores da função renal tubular em prematuros) e mediram a osmolaridade e a densidade urinária como indicadores clínicos da carga de solutos. Este parecerista editorial concorda que esses indicadores são reconfortantemente normais no estudo dos autores acerca do uso de um pool de leite humano suplementado em rins ainda muito imaturos com < 34 semanas de idade pós-concepção acompanhados longitudinalmente ao longo de três intervalos de tempo críticos.
A sobrevida (no estudo de Costarino) foi semelhante em ambos os grupo, e a ocorrência de hemorragia intraventricular e persistência do duto arteriovenoso também foi semelhante12. Contudo, observou-se uma tendência ao desenvolvimento de displasia broncopulmonar no grupo com ingestão elevada de sódio/fluido: 7 de 7 bebês versus 4 de 8 bebês no grupo com baixa ingestão de sódio/fluido.
Hartnoll et al. observaram que o aumento no risco de demanda contínua de oxigênio em lactentes com peso extremamente baixo ao nascer é mais provavelmente uma conseqüência direta da expansão persistente do compartimento extracelular e aumento no líquido intersticial pulmonar como resultado da ingestão de sódio. Isso empresta maior peso à visão dos autores de que o momento da suplementação de rotina de sódio deve ser retardada até o início da contração pós-natal do volume extracelular, clinicamente demarcado pela perda de peso13.
Nem o estudo de Costarino, nem o de Hartnoll, enfocam a suplementação de sódio e o manejo renal do sal em prematuros saudáveis em crescimento, enquanto que Tanaka et al. abordam essa questão significativa1. Aparentemente, os bebês no estudo de Tanaka estavam bem e livres de doença pulmonar significativa. Assim, a suplementação com sódio não teria efeitos adversos para sua função pulmonar. Em resumo, concordamos com a conclusão dos autores, de que não foram evidenciados efeitos indesejáveis na função renal dos prematuros como resultado da ingestão de leite humano suplementado1.
Referências
1. Tanaka A, Rugolo LM, Miranda AF, Trindade CE. Fractional sodium excretion, urinary osmolality and specific gravity in preterm infants fed with fortified donor human milk. J Pediatr (Rio J). 2006;82:335-40.
2. Ernst JA, Gross SJ. Types and methods of feeding for infants. In: Polin RA, Fox WW, editors. Fetal and neonatal physiology. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1992. p. 263.
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12. Costarino AT Jr., Gruskay JA, Corcoran L, Polin RA, Baumgart S. Sodium restriction versus daily maintenance replacement in very low birth weight premature neonates: a randomized blind therapeutic trial. J Pediatr. 1992;120:99-106. Comment in: J Pediatr. 1992;121:663-4.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Fev 2007 -
Data do Fascículo
Out 2006