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A importância de entender o case-mix de pacientes neonatais em hospitais e específicos de um país

O estudo de Grandi et al. fornece informações importantes sobre a prevalência e sobre o impacto da diabetes mellitus materna sobre os desfechos de neonatos com muito baixo peso ao nascer em unidades de terapia intensiva neonatal (UTINs) na América do Sul. Eles relatam uma taxa geral de diabete materna de 2,8% nesse trabalho, com um aumento na prevalência, a partir de 2001-2005, de 2,4% para 3,2% entre 2006-2010. Além disso, dos vários desfechos perinatais e neonatais examinados nessa coorte de quase 12.000 neonatos, apenas enterocolite necrosante grave foi associada à diabetes mellitus em regressão multivariada. 1Grandi C, Tapia JL, Cardoso VC. Impact of maternal diabetes mellitus on mortality and morbidity of very low birth weight infants: a multicenter Latin America study. J Pediatr (Rio J). 2015;91:234-41. Esses dados diferem de outros resultados publicados. Estudos anteriores sobre a prevalência da diabete gestacional variam de uma estimativa de 2-6% dos casos em todos os países europeus, 2Buckley BS, Harreiter J, Damm P, Corcoy R, Chico A, Simmons D, et al. Gestational diabetes mellitus in Europe: prevalence, current screening practice and barriers to screening. A review. Diabet Med. 2012;29:844-54. 5-11% em 15 estados dos Estados Unidos 3DeSisto CL, Kim SY, Sharma AJ. Prevalence estimates of ges- tational diabetes mellitus in the United States. Pregnancy Risk Assessment Monitoring System (PRAMS), 2007-2010. Prev Chronic Dis. 2014;11:E104. e 16% no Catar. 4Bener A, Saleh NM, Al-Hamaq A. Prevalence of gestational dia- betes and associated maternal and neonatal complications in a fast-developing community: global comparisons. Int J Womens Health. 2011;3:367-73. Vários estudos feitos em países de renda baixa e média 5Wang Z, Kanguru L, Hussein J, Fitzmaurice A, Ritchie K. Inci- dence of adverse outcomes associated with gestational diabetes mellitus in low- and middle-income countries. Int J Gynaecol Obstet. 2013;121:14-9.e em países desenvolvidos 6Rosenberg TJ, Garbers S, Lipkind H, Chiasson MA. Maternal obesity and diabetes as risk factors for adverse pregnancy out- comes: differences among 4 racial/ethnic groups. Am J Public Health. 2005;95:1545-51. também apontam a diabete como um fator de risco para desfechos adversos na gravidez e no período neonatal, embora em toda a população em comparação com uma população específica de alto risco, como o estudo de Grandi et al. 1Grandi C, Tapia JL, Cardoso VC. Impact of maternal diabetes mellitus on mortality and morbidity of very low birth weight infants: a multicenter Latin America study. J Pediatr (Rio J). 2015;91:234-41. O que esses achados, ou quaisquer achados semelhantes, significam para as autoridades médicas ou órgãos reguladores que supervisionam o cuidado prestado a recém-nascidos de alto risco, principalmente em vista dos dados que sugerem que as taxas da diabete gestacional em outros países estão aumentando? 7Ferrara A. Increasing prevalence of gestational diabetes mel- litus: a public health perspective. Diabetes Care. 2007;30: S141-6. Os médicos devem avaliar a validade dos resultados e, então, determinar o possível impacto desses resultados sobre sua prática.

Em qualquer estudo, devemos examinar se os dados são precisos antes de praticar quaisquer ações. Pode haver imprecisões em três áreas importantes:2Buckley BS, Harreiter J, Damm P, Corcoy R, Chico A, Simmons D, et al. Gestational diabetes mellitus in Europe: prevalence, current screening practice and barriers to screening. A review. Diabet Med. 2012;29:844-54. O diagnóstico pode ser feito em todas as mulheres? O teste diagnóstico foi feito adequadamente? Os dados coletados em cada gravidez estão corretos? Para uma doença como a diabete gestacional, as mulheres devem receber assistência pré-natal e fazer o teste para confirmar a presença ou inexistência da doença. A depender do hospital, do sistema de saúde, da população do país ou da dinâmica social, o acesso à assistência pré-natal ou às ferramentas necessárias para fazer o diagnóstico poderá ser limitado. Além disso, para a diabete, um regimento padrão de diagnóstico é um teste de glicose de uma ou três horas, feito normalmente às 24-28 semanas de gestação. Não está claro qual o percentual de mulheres que dão à luz antes das 28 semanas de gestação que pode ter sido diagnosticado. Essas duas situações podem ter reduzido a taxa de diabete relatada nesse ou em qualquer outro estudo semelhante.

Em segundo lugar, é importante que o teste de diagnóstico correto seja usado. Estudos anteriores usaram diferentes testes para diagnosticar a diabete.2Buckley BS, Harreiter J, Damm P, Corcoy R, Chico A, Simmons D, et al. Gestational diabetes mellitus in Europe: prevalence, current screening practice and barriers to screening. A review. Diabet Med. 2012;29:844-54. Esse grupo de estudo sugeriu especificamente à Organização Mundial de Saúde o teste oral de tolerância à glicose, porém, observe, com a coleta de dados em todos os vários centros em vários países, que esse critério não foi universalmente seguido. Contudo, o fato de que testes específicos foram incentivados em cada centro é um aspecto positivo da coleta de dados. Por fim, grandes conjuntos de dados de base populacional poderão não conter informações corretas de todos os pacientes. Por exemplo, as taxas de mortalidade poderão diferir dependendo da fonte dos dados,8Anthony S, van der Pal-de Bruin KM, Graafmans WC, Dorrepaal CA, Borkent-Polet M, van Hemel OJet al. The reliability of peri- natal and neonatal mortality rates: differential under-reporting in linked professional registers vs Dutch civil registers. Paediatr Perinat Epidemiol. 2001;15:306-14. provavelmente devido às diferenças na precisão dos dados registrados, a depender de se são usados dados de registro ou de estatísticas vitais. O uso de um registro detalhado de pacientes, como o usado na Neocosur Network, com métodos incorporados para validar os dados registrados, aprimora os resultados relatados. Todas essas questões poderão resultar em variações inter-hospitalares nos resultados de saúde que nada têm a ver com o cuidado prestado, porém, em vez disso, diferenças na precisão dos dados ou diferenças nos pacientes incluídos, antes de mais nada, na mensuração.9Gibson E, Culhane J, Saunders T, Webb D, Greenspan J. Effect of nonviable infants on the infant mortality rate in Philadelphia, 1992. Am J Public Health. 2000;90:1303-6. Com as estruturas de dados em funcionamento, a precisão desses dados é provavelmente muito definida, sem modificar as práticas clínicas em cada hospital individual - algo desafiador em todos os vários sistemas hospitalares em vários países.

Após avaliar a validade dos dados, essa variação relatada na prevalência da diabetes mellitus e no impacto sobre os desfechos, então, confirma a ideia de que os médicos devem conhecer seus pacientes, principalmente nas áreas que diferem das onde ocorreram vários dos estudos relatados. Em primeiro lugar, a menor prevalência da diabete nas UTINs desses 22 hospitais poderá afetar as decisões quanto a exame adicional de mulheres ou melhoria na qualidade e programas educacionais para abordar o diagnóstico ou o tratamento da diabete nessas unidades. Em segundo lugar, o fato de que a diabete não estava associada a desfechos adversos nesses pacientes confirma outro trabalho que mostra que os tratamentos poderão ter diferentes efeitos sobre a saúde dos pacientes, a depender da localização geográfica em que foram aplicados. Por exemplo, vários estudos em países desenvolvidos mostram o efeito benéfico de corticosteroide antenatal sobre a sobrevida livre da doença de neonatos de alto risco. Um estudo randomizado de cluster sobre a administração de corticosteroides em seis países de renda baixa e média (Argentina, Guatemala, Índia, Quênia, Paquistão e Zâmbia) constatou que a mortalidade neonatal não reduziu em neonatos com baixo peso ao nascer, com aumento da mortalidade neonatal e risco de infecção materna em geral nos clusters randomizados para processar o cuidado prestado a fim de aumentar o uso de corticosteroide antenal. 1010 Althabe F, Belizán JM, McClure EM, Hemingway-Foday J, Berrueta M, Mazzoni Aet al. A population-based, multifaceted strategy to implement antenatal corticosteroid treatment ver- sus standard care for the reduction of neonatal mortality due to preterm birth in low-income and middle-income countries: the ACT cluster-randomised trial. Lancet. 2014, pii: S0140-6736(14)61651-2. Essa diferença pode ter ocorrido devido às diferenças na saúde materna de base aos diferentes recursos de saúde disponíveis para o tratamento de crianças de risco elevado nesses seis países, em comparação com as grávidas incluídas em estudos anteriores em países desenvolvidos. 1111 Costello A, Azad K. Scaling up antenatal corticosteroids in low- resource settings? Lancet. 2014, pii: S0140-6736(14)61699-8.Contudo, pode haver também variações no efeito de um tratamento específico em um único país. O impacto do parto em uma unidade de terapia intensiva neonatal de grande porte e de alto nível difere em três estados nos Estados Unidos, com o benefício de sobrevida variando de 30% a 330%, a depender do estado. Diferenças semelhantes foram vistas na redução de complicações comuns de parto prematuro. 1212 Lorch SA, Baiocchi M, Ahlberg CE, Small DS. The differen- tial impact of delivery hospital on the outcomes of premature infants. Pediatrics. 2012;130:270-8. Os três estados estudados diferem na distribuição de antecedentes étnicos, da situação do seguro de saúde e da prevalência de várias complicações pré-parto da gravidez. Assim, as diferentes populações de pacientes podem apresentar diferentes riscos clínicos e genéticos da doença. Contudo, essas regiões também diferem na organização do cuidado perinatal, com diferentes processos de tratamento, como os sistemas de transporte materno e infantil, na centralização de serviços perinatais e na regionalização do tratamento.

Esses exemplos ilustram as diferenças no case-mix dos hospitais individuais e como o efeito de tratamentos comuns podem diferir a depender desse case-mix. Contudo, é provável que os pacientes incluídos nesses estudos acima e no estudo de Grandi et al. também tenham diferido em fatores sociais, como moradia, escolaridade e renda. Apesar de não frequentemente mensuradas em estudos perinatais e neonatais, essas "determinantes sociais de saúde" poderão influenciar a prevalência de doenças como diabete, mas também o resultado definitivo dessas doenças. A América Latina não está imune a essas determinantes sociais de saúde 1313 de Andrade LO, Filho AP, Solar O, Rígoli F, de Salazar LM, Serrate PCet al. Social determinants of health, universal health cov- erage, and sustainable development: case studies from Latin American countries. Lancet. 2014, pii: S0140-6736(14)61494-X. e, de fato, os sistemas paralelos de saúde pública/privada comuns em vários países latino-americanos poderão diferir dos sistemas que estudam pacientes em vários estudos da saúde e tratamento neonatal. 1414 Cotlear D, Gómez-Dantés O, Knaul F, Atun R, Barreto IC, Cetrángolo Oet al. Overcoming social segregation in health care in Latin America. Lancet. 2014, pii: S0140-6736(14)61647-0. Mais estudos precisam focar em como esses fatores afetam a saúde e os resultados desses pacientes de alto risco.

Em suma, o estudo de Grandi et al. ilustra a importância de entender os pacientes tratados em grupos de cuidados de saúde, independentemente dos hospitais, dos estados ou dos países e de como eles respondem a tratamentos específicos. Os médicos discutem sobre medicamentos personalizados, nos quais os tratamentos são prestados a depender da herança genética e do histórico médico e social de um paciente. Devemos pensar sobre como as diferentes populações de pacientes apresentam diferentes risco da doença, o que exige mudanças sutis na administração dos planos para aprimorar os desfechos dos pacientes. É necessário entender essas melhores práticas para aprimorar a saúde perinatal e neonatal.

References

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  • Como citar este artigo: Lorch SA. The importance of understanding hospital and country-specific case-mix for neonatal patients. J Pediatr (Rio J). 2015;91:207-9.
  • ☆☆
    Ver artigo de Grandi et al. nas páginas 234-41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015
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