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Suplementação de zinco e outros micronutrientes através do uso de sprinkles: impacto na ocorrência de doença diarreica e infecções respiratórias em crianças institucionalizadas

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a incidência de doenças diarreicas (DA) e infecção respiratória aguda (IRA) em crianças submetidas à suplementação de zinco e outros micronutrientes através dos sprinkles, bem como a aceitação destes pelos participantes. MÉTODO: Ensaio clínico, duplo cego, randomizado, realizado com 143 crianças institucionalizadas, saudáveis, de seis a 48 meses. As mesmas foram randomizadas em dois grupos e receberam diariamente zinco + micronutrientes - grupo teste (sprinkles), ou apenas micronutrientes sem zinco - grupo controle. As crianças foram suplementadas por 90 dias e acompanhadas quanto aos desfechos de DA e IRA. RESULTADOS: Das crianças randomizadas, 52,45% pertenciam ao grupo teste e 47,55% ao controle. A incidência de DA no teste foi de 14,7%, e no controle, 19,1%. O grupo teste apresentou menor risco de desenvolver DA em relação ao controle, porém esse achado não foi estatisticamente significante (RR = 0,77 [0,37-1,6]; p = 0,5088). A IRA apresentou incidência elevada em ambos os grupos, sendo 60% no teste e 48,5% no controle, com risco maior de apresentar a doença no grupo teste, porém sem significância estatística (RR=1,24 [0,91-1,68]; p = 0,1825). Quanto à aceitação, o percentual médio de consumo, em dias, de todo conteúdo dos sachês contendo sprinkles foi 95,72% (DP = 4,9) e 96,4% (DP = 6,2), para o teste e controle, respectivamente. CONCLUSÕES: A suplementação de zinco através dos sprinkles não reduziu a incidência de DA ou IRA entre as crianças avaliadas. Os sprinkles foram bem aceitos por todos os participantes do estudo.

Suplementação de zinco; Diarreia; Infecção respiratória; Deficiência de zinco


OBJECTIVE: To evaluate the incidence of diarrheal disease (DD) and acute respiratory infection (ARI) in children undergoing supplementation of zinc and other micronutrients through the use of sprinkles, as well as their acceptance by these participants. METHOD: This was a randomized double-blinded clinical trial of 143 healthy institutionalized children, aged 6 to 48 months. They were randomized into two groups and received daily zinc and micronutrients - test group (sprinkles), or micronutrients without zinc - control group. Children were supplemented for 90 days and followed regarding the outcomes of DD and ARI. RESULTS: Of the randomized children, 52.45% belonged to the test and 47.55% to the control group. The incidence of DD in the test group was 14.7% and was 19.1% in the control group. The test group showed a lower risk of developing DD when compared to controls, but this finding was not statistically significant (RR = 0.77 [0.37 to 1.6], p = 0.5088). ARI had high incidence in both groups, 60% in the test group and 48.5% in the control group, with an increased risk of developing the disease in the test group, but with no statistical significance (RR = 1.24 [0.91 to 1.68], p = 0.1825). Regarding acceptance, the mean percentage of consumption, in days, of the entire content of the sachets containing sprinkles was 95.72% (SD = 4.9) and 96.4% (SD = 6.2) for the test and control groups, respectively. CONCLUSIONS: Zinc supplementation through the use of sprinkles did not reduce the incidence of DD or ARI among the evaluated children. The sprinkles were well accepted by all study participants.

Zinc supplementation; Diarrhea; Respiratory infection; Zinc deficiency


ARTIGO ORIGINAL

Suplementação de zinco e outros micronutrientes através do uso de sprinkles: impacto na ocorrência de doença diarreica e infecções respiratórias em crianças institucionalizadas

Danile L.B. SampaioI,* * Autor para correspondência. E-mail: danile_leal@yahoo.com.br (D.L.B. Sampaio). ; Ângela P. De MattosII; Tereza Cristina M. RibeiroI; Maria Efigênia De Q. LeiteI; Conrad R. ColeIII; Hugo Costa-Ribeiro JrII

IMédicas. Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil

IIDoutores. Hospital Universitário Professor Edgard Santos, UFBA, Salvador, BA, Brasil

IIIMestre. Emory University, Atlanta, GA, EUA

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a incidência de doenças diarreicas (DA) e infecção respiratória aguda (IRA) em crianças submetidas à suplementação de zinco e outros micronutrientes através dos sprinkles, bem como a aceitação destes pelos participantes.

MÉTODO: Ensaio clínico, duplo cego, randomizado, realizado com 143 crianças institucionalizadas, saudáveis, de seis a 48 meses. As mesmas foram randomizadas em dois grupos e receberam diariamente zinco + micronutrientes - grupo teste (sprinkles), ou apenas micronutrientes sem zinco - grupo controle. As crianças foram suplementadas por 90 dias e acompanhadas quanto aos desfechos de DA e IRA.

RESULTADOS: Das crianças randomizadas, 52,45% pertenciam ao grupo teste e 47,55% ao controle. A incidência de DA no teste foi de 14,7%, e no controle, 19,1%. O grupo teste apresentou menor risco de desenvolver DA em relação ao controle, porém esse achado não foi estatisticamente significante (RR = 0,77 [0,37-1,6]; p = 0,5088). A IRA apresentou incidência elevada em ambos os grupos, sendo 60% no teste e 48,5% no controle, com risco maior de apresentar a doença no grupo teste, porém sem significância estatística (RR=1,24 [0,91-1,68]; p = 0,1825). Quanto à aceitação, o percentual médio de consumo, em dias, de todo conteúdo dos sachês contendo sprinkles foi 95,72% (DP = 4,9) e 96,4% (DP = 6,2), para o teste e controle, respectivamente.

CONCLUSÕES: A suplementação de zinco através dos sprinkles não reduziu a incidência de DA ou IRA entre as crianças avaliadas. Os sprinkles foram bem aceitos por todos os participantes do estudo.

Palavras-chave: Suplementação de zinco; Diarreia; Infecção respiratória; Deficiência de zinco

Introdução

As doenças diarreicas e as infecções respiratórias agudas (IRA) constituem um sério problema de saúde nos países em desenvolvimento. Elas são as principais causas de morbimortalidade em crianças menores de cinco anos.1,2 Estimativas publicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2008, mostram que as infecções respiratórias acometeram 17% das crianças nessa faixa etária.3 As doenças diarreicas, por sua vez, são a causa do óbito de 2,5 milhões de crianças/ano.4

No Brasil, em 2009, a infecção respiratória vitimou 2.733 crianças menores de cinco anos, o que corresponde a 5,46% das mortes ocorridas nesta faixa etária. Os dados também apontaram que, proporcionalmente, entre as regiões do país, a mortalidade por IRA pouco diferiu, ficando em torno de 4,5 a 5,0%, apesar de ter sido maior no Norte (7,51%) e Centro-oeste (6,47%).5

No país, entre 1998 e 2008, foram registrados 33.363 óbitos relacionados à diarreia em indivíduos menores de cinco anos; destes, 82% eram menores de um ano.6 Esses dados diferem de acordo com a região. Enquanto no Sudeste o número de episódios/criança/ano é 1,04, no Nordeste esse valor sobe para 5,55.7,8

Nota-se que mesmo após o advento do soro de reidratação oral e da vacinação contra o rotavírus, métodos de grande eficácia no combate às doenças diarreicas, a incidência destas ainda permanece elevada.6,9,10

Com o objetivo de reduzir a morbimortalidade infantil causada pela DA, em 2001, a OMS analisou 12 estudos envolvendo crianças de um mês a cinco anos que apresentavam diarreia, para verificar o efeito do zinco sobre elas. Obteve-se como resultado que a suplementação deste mineral esteve associada à redução da duração dos episódios de DA em 25% e à diminuição da progressão para diarreia persistente. Os estudos ainda apontaram redução da incidência da diarreia por dois a três meses, após a suple- mentação.11

Diante desses resultados, desde 2006, a OMS e a UNICEF (The United Nations Children's Fund) recomendam a suplementação de zinco para tratar e prevenir futuros episódios de diarreia,11,12 considerando que este micronutriente é essencial e que sua deficiência pode aumentar o risco para doenças infecciosas.13

O zinco também se mostra eficaz na prevenção das doenças infecciosas do trato respiratório. Uma meta-análise conduzida pelo International Zinc Nutrition Consultative Group (IZinCG), em 1999, encontrou redução de 41% na incidência de pneumonia entre os suplementados. Diversos estudos identificam que seu benefício não está limitado somente a grupos específicos, e que a intervenção deve incluir todas as crianças em risco, principalmente aquelas residentes em países em desenvolvimento, com altas taxas de morbimortalidade por doenças infecciosas.14

No Canadá, nos anos 1990, com o objetivo de prevenir a deficiência de micronutrientes em crianças, os sprinkles foram desenvolvidos como uma estratégia de fortificação caseira de alimentos. Os sprinkles são sachês com conteúdo seco e pré-determinado de micronutrientes encapsulados por uma fina camada lipídica, o que previne a interação com outros nutrientes e confere capacidade quase imperceptível de modificação do alimento quanto à cor, ao sabor e à textura, facilitando a aceitação por parte das crianças.15-17

De acordo com o exposto acima, esta investigação teve como objetivo avaliar a incidência de DA e IRA em crianças submetidas à suplementação de zinco associado a outros micronutrientes por meio dos sprinkles, bem como a aceitação destes.

Métodos

Desenho e local do estudo

Entre agosto e novembro de 2009 foi realizado um ensaio clínico randomizado, controlado, duplo cego, em uma creche filantrópica situada em bairro de classe socioeconômica baixa de Salvador, Bahia, Brasil. Os dados foram coletados pela equipe do Centro de Pesquisa Fima Lifishitz - Universidade Federal da Bahia. Os sprinkles foram doados pela Universidade Emory, Atlanta, EUA.

Cálculo amostral

Uma amostra foi calculada para detectar redução de 20% na ocorrência de episódios diarreicos e infecções respiratórias em relação ao habitualmente observado, num período de três meses, nas crianças da creche estudada. Considerando erro Beta de 0,80 e erro Alfa de 0,05, foi necessário o recrutamento mínimo de 60 sujeitos por grupo.

Elegibilidade

Critérios de inclusão: crianças saudáveis de seis a 48 meses, de ambos os sexos, cujos pais ou responsáveis legais consentiram com a participação, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), comprometendo-se a não oferecer nenhum tipo de suplemento vitamínico e/ou mineral durante o período do estudo, exceto os sprinkles, que eram enviados para casa nos finais de semana e feriados.

Critérios de exclusão: participantes com desnutrição grave (z-score P/E < -3), anemia grave (Hb < 9,0 mg/dL), qualquer doença grave em atividade que necessitasse de hospitalização, incluindo DA ou IRA, e histórico de doença subjacente que pudesse vir a interferir na avaliação.

Randomização

As crianças matriculadas na instituição consideradas elegíveis para o estudo foram randomizadas em dois grupos denominados por letras: grupo A (teste) e grupo B (controle). A randomização foi feita por berçários e salas, de acordo com sequência gerada por computador. A equipe médica do estudo responsabilizou-se por identificar os sujeitos elegíveis, coletar a história clínica e realizar o exame físico. Por fim, coletou-se sangue para análise de hemograma, visando afastar sujeitos com anemia grave.

Avaliação nutricional

A avaliação e o diagnóstico nutricional foram feitos na admissão e no final da intervenção. O peso foi aferido utilizando-se balança digital devidamente calibrada e adequada para cada faixa etária. A aferição do comprimento de crianças menores de dois anos foi feita com a utilização de infantômetro; para as maiores, foi utilizado estadiômetro. Os z-scores dos indicadores Peso/Estatura (P/E), Estatura/Idade (E/I) e Peso/Idade (P/I) foram calculados no programa Anthro, disponibilizado pela OMS. O diagnóstico nutricional foi feito seguindo os critérios da OMS.18

Antes da intervenção, todas as refeições servidas para as crianças (quatro vezes ao dia) foram calculadas através de tabelas de composição19,20 e rótulos dos produtos, com o objetivo de quantificar os macro e micronutrientes presentes em uma porção de 100 g, para então estimar o que era consumido diariamente. Para quantificar o consumo, fez-se a pesagem das preparações antes e após a ingestão de cada refeição, utilizando-se balança com precisão de 01 g. Todos os registros de antropometria e consumo foram feitos por nutricionistas do estudo.

Intervenção

Durante 90 dias, os sujeitos do grupo A receberam, diariamente, um sachê de sprinkles com adição de zinco + micronutrientes, os do grupo B receberam o mesmo suplemento, porém sem zinco (tabela 1).

Os suplementos foram misturados em uma pequena porção da refeição, sempre no mesmo horário. Devido à composição nutricional e à rotina da creche, a refeição mais viável para adição dos suplementos e a melhor aceita pelas crianças foi o lanche da tarde banana da prata. Os suplementos apenas eram abertos e adicionados às refeições no momento de servir, por nutricionistas não cegas para o estudo, já que os sachês estavam identificados quanto à presença de zinco. Os lanches foram monitorados por membros da equipe (médicos e nutricionistas cegas para o estudo) para evitar troca de pratos ou perda da porção do alimento que contivesse os suplementos, bem como para identificar aqueles que eventualmente não os ingerissem. Com base na avaliação do que havia sido consumido no lanche da tarde, registrava-se em formulário se a criança ingerira todo o suplemento (todo lanche), pelo menos metade dele (metade do lanche), ou se não o fizera. Com esta informação, avaliava-se a aceitação do suplemento.

Nos finais de semana, feriados e ausências programadas, para garantir a continuidade da intervenção, os pais ou responsáveis recebiam suplementos suficientes para o consumo no período. Eles foram orientados a oferecê-los uma vez ao dia, em refeição similar à servida na creche.

Diagnóstico de doença diarreica e infecção respiratória aguda

Definiu-se como DA a presença de três ou mais dejeções líquidas ou semilíquidas em 24 horas, com duração inferior a 14 dias. Para o diagnóstico de IRA, utilizaram-se os critérios do Ministério da Saúde.21 Diariamente, antes da entrada na creche, os acompanhantes eram questionados por técnicos de enfermagem, devidamente capacitados, quanto à situação de saúde das crianças. Se identificada alguma criança com um dos desfechos (DA e/ou IRA), esta era encaminhada para avaliação com os médicos do projeto. As crianças eram avaliadas no primeiro dia do seu retorno após os finais de semana, feriados e ausências, e os responsáveis eram questionados acerca da situação de saúde das mesmas. Os médicos da equipe realizavam rondas diárias para identificar ocorrências de interesse. Todos os médicos envolvidos estavam cegos para o estudo.

Comitê de ética

O projeto foi inscrito na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) em 28/10/2008 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, sob o protocolo de número 042/2008, em 06/11/2008.

Análise dos dados

As análises foram feitas considerando apenas os dados coletados na creche. Para avaliação das variáveis principais (presença de DA e IRA), calcularam-se as medidas de ocorrência (incidência), de associação (risco relativo - RR), bem como a redução relativa dos riscos (RRR) pertinentes e os respectivos intervalos de confiança. Para comparar as características entre os grupos, no início do estudo foi empregado o Teste Exato de Fisher. Quanto às variáveis contínuas (indicadores antropométricos) de distribuição normal, utilizou-se o teste paramétrico t-Student. Utilizou-se, ainda, o modelo de regressão de Poisson para identificar interação e confundimento para DA e IRA. Já para avaliar duração dos episódios de DA, aplicou-se o teste de Kaplan Meier. O nível de significância global foi mantido em 5%. O banco de dados foi construído no EpiData 3.3.1 e as análises realizadas no "R".

Resultados

Dentre as 150 crianças matriculadas, sete foram excluídas do estudo, três por terem idade inferior a seis meses e quatro por não mais frequentarem a creche, sendo, então, randomizadas 143. Destas, 52,45% (n = 75) pertenciam ao grupo A (teste), e 47,55% (n = 68) ao B (controle). Todas completaram o estudo.

Os grupos foram semelhantes quanto às características admissionais - sexo, faixa etária e estado nutricional (tabela 2). Não se identificou nenhum participante com anemia grave.

Os indicadores antropométricos P/E, P/I e E/I também foram similares entre os grupos no baseline (tabela 3). Entretanto, após a intervenção (valores de p não apresentados em tabela), houve aumento da média dos z-scores de P/E e P/I em ambos os grupos, sendo que, no controle, esta melhora foi significativa do ponto de vista estatístico, tanto para P/E (p = 0,033) quanto para P/I (p = 0,005). O mesmo não foi notado para o indicador E/I: no teste, manteve a mesma média (p = 0,9634) e, no controle, apresentou discreta redução (p = 0,007).

O cálculo da ingestão, incluindo a adição dos sprinkles, mostra que não houve diferença no consumo médio de energia (A: 72,09Kcal/Kg vs B: 72,96Kcal/Kg; p = 0,728), fibras (A: 6,7g vs B: 6,83g; p = 0,564), proteínas (A: 2,08g/Kg vs B: 2,11g/Kg; p = 0,654), carboidratos (A: 9,31g/Kg vs B: 9,48g/Kg; p = 0,602) e lipídios (A: 2,95g/Kg vs B: 2,95g/Kg; p = 0,949) entre os grupos. Apenas o zinco, devido à suplementação no teste, foi diferente entre os grupos (A: 7,16mg vs B: 2,3mg; p < 0,001).

Nota-se que o consumo de calorias representou mais do que 80% do recomendado para faixa etária. Os macronutrientes encontram-se dentro do preconizado pelas DRI's, exceto quanto às proteínas, que ultrapassaram quase 50% das recomendações. As fibras representaram 1/3 do proposto para a faixa etária.

A incidência de DA no grupo teste foi de 14,7% (n=11), enquanto que no controle este valor foi de 19,1% (n=13). Descritivamente, o grupo teste apresentou menor risco de desenvolver DA em relação ao controle, porém esse achado não foi estatisticamente significante (RR [95% IC]= 0,77 [0,37-1,6]; p = 0,5088). A redução relativa do risco (RRR) foi de 23,3%.

Feito o ajuste das variáveis (sexo, faixa etária e consumo total dos sprinkles), a partir do modelo de regressão de Poisson (tabela 4), nenhuma delas atuou como confundidora para a associação com o grupo teste. A incidência de DA, assim como a faixa etária, não se mostrou como variável de interação (p = 0,4219). Houve, entretanto, menor risco de desenvolver DA nos maiores de 24 meses, independentemente do grupo (RR [95% IC] = 0,41 [0,157-0,94]; p = 0,045).

Concernente à duração dos episódios, observou-se que, em ambos os grupos, a maioria dos participantes cursou com apenas um dia de DA, sendo que, no teste, seis dias foi tempo máximo de duração (n = 1) e, no controle, cinco (n = 1). Não foi encontrada diferença significativa entre os grupos (p = 0,846).

A IRA apresentou incidência elevada em ambos os grupos, sendo 60% (n= 45) no teste e 48,5% (n = 33) no controle, com maior risco de ter a doença no teste, porém sem significância estatística (RR [95%IC]=1,24 [0,91-1,68]; p = 0,1825).

Para IRA, ajustaram-se as variáveis a partir do modelo de regressão de Poisson (tabela 4), não se identificando qualquer confundidor para a associação entre o grupo teste e a incidência de IRA, assim como a faixa etária não se mostrou como uma variável de interação (p = 0,482). Contudo, ao contrário do que foi observado para DA, houve menor risco de desenvolver IRA nos menores de 24 meses, independentemente do grupo (RR [95% IC] = 0,65 [0,48-0,89]; p = 0,007).

A aceitação dos sprinkles foi avaliada a partir da observação do consumo na creche. A média do percentual de dias em que os grupos teste e controle consumiram todo conteúdo dos sachês foi de 95,72% (DP = 4,9) e 96,4% (DP = 6,2), respectivamente. A aceitação parcial foi de 2,5% (DP = 3,4) dos dias para o grupo teste e 1,5% (DP = 2,5) para o controle.

Discussão

Ao longo de vários anos, pesquisadores envidam esforços objetivando reduzir as elevadas taxas de morbimortalidade causadas pela IRA e DA. Nesse cenário, destaca-se a publicação de inúmeros estudos apontando resultados positivos obtidos com a suplementação de zinco no tratamento e prevenção destas patologias.11,14 Apesar das evidências científicas, os resultados aqui encontrados não revelaram diferenças estatisticamente significantes quanto à suplementação.

A respeito do estado nutricional, notou-se melhora na média dos z-scores dos indicadores de peso nos grupos. Contudo, devido ao aumento significativo no controle, o resultado não pode ser atribuído apenas à suplementação de zinco - outros fatores, como a presença dos demais micronutrientes, poderiam estar atuando na melhora do peso dessas crianças.

Quanto à estatura, não foi notada qualquer alteração no grupo teste. Já no controle, a redução da média do z-score para E/I, apesar de estatisticamente significante, não foi relevante do ponto de vista clínico, haja vista que esta redução não gerou mudança no estado nutricional.

Nesse aspecto, este estudo diverge de outro trabalho recentemente publicado, o qual apontou que a suplementação de zinco contribuiu de forma efetiva para o crescimento de crianças com idade inferior a cinco anos e que a dose de 10mg/dia, oferecida durante 24 semanas, promoveu melhores resultados para o incremento da estatura.22

Apesar de não ser possível precisar os motivos da discordância acima mencionada, podem ter sido fatores limitantes deste estudo tanto o curto período de intervenção - talvez insuficiente para identificar mudança na antropometria, principalmente no que concerne a estatura -, quanto a dosagem de zinco utilizada.

Em referência à DA, apesar de a incidência ter sido menor no grupo teste, a diferença em relação ao controle não foi significante, assim como não houve diferença na duração dos episódios entre os grupos. Esse resultado se assemelha a outros dois estudos realizados com crianças suplementadas com zinco por 14 dias, os quais também não mostraram efeito significativo na redução da incidência ou na prevalência da DA.23,24

Cabe mencionar resultado distinto obtido em pesquisa realizada no Brasil. Nesta, a suplementação de zinco demonstrou-se eficaz na redução da duração e do número de dejeções em crianças com idade entre três e 60 meses que apresentavam quadro de DA.25

Ao contrário do que foi descrito para DA, o grupo teste apresentou maior risco de desenvolver IRA em relação ao controle, entretanto, esses achados não tiveram significância estatística. Uma meta-análise publicada por Aggarwal et al. avaliou a atuação do zinco e concluiu que a suplementação deste mineral reduziu em 8% a ocorrência de IRA em crianças.26

Estudo brasileiro com crianças nascidas com baixo peso encontrou redução de 33% na prevalência de tosse entre o grupo suplementado com 5 mg/dia de zinco. Nenhuma diferença significativa, entretanto, foi constatada quando analisados outros sintomas caracterizadores de infecção respiratória (febre, aumento da frequência respiratória e "cansaço").27

O fato de este trabalho não haver encontrado resultado positivo quanto à suplementação de zinco na ocorrência das doenças avaliadas pode decorrer das condições de saúde da população estudada, considerada saudável. A maioria dos estudos publicados utilizou como amostra crianças que já apresentavam DA ou IRA,23,24 desnutrição ou comprometimento da função imunológica, tais como portadoras do HIV.28

É notável que diversos fatores, como baixa imunidade, desnutrição e precárias condições de higiene,10,29 estão envolvidos na etiologia das doenças em estudo. A IRA tem, por exemplo, na sua etiologia, múltiplos condicionantes de difícil controle, como as alterações climáticas e a poluição.30

A dose do zinco utilizada neste estudo é outra variável importante a ser considerada. Esta pode ter sido insuficiente para alcançar o efeito esperado, já que a recomendação para tratamento e prevenção de DA e IRA é de 10 a 20 mg/dia.12 Quantidades maiores de zinco não foram oferecidas, visto que o objetivo foi avaliar a suplementação através dos sprinkles com 5 mg/zinco, havendo recomendação do uso de um sachê por dia.15 Em uma população saudável, portanto, a suplementação de 5 mg/dia/zinco pode não ser tão eficaz na prevenção das doenças infecciosas.

Quanto à aceitação, os sprinkles parecem ser uma forma eficiente de suplementar zinco e outros micronutrientes. Os dados analisados nesta investigação refletem uma aceitação superior a 90%. É válido salientar que os sprinkles foram adicionados no alimento de melhor aceitação pelos participantes e, como este quase não proporciona alteração no sabor ou na cor das preparações, o seu consumo pode estar associado à aceitação do alimento oferecido.

Demais estudos, que também avaliaram a aceitação dos sprinkles,16,17 mostraram resultados similares a este, sugerindo que os mesmos são uma boa opção no combate à deficiência de micronutrientes, principalmente por não alterarem as características organolépticas dos alimentos.

A partir deste estudo, conclui-se que a suplementação de zinco, através dos sprinkles, não teve impacto na redução da incidência de DA e IRA, assim como não influenciou no estado nutricional da população avaliada. Contudo, a boa aceitação dos sprinkles os torna uma nova forma de suplementação de micronutrientes, representando uma inovação no manejo das deficiências nutricionais para crianças.

Financiamento

Os sprinkles foram doados pela Emory University, Atlanta, GA, EUA.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 18 de abril de 2012; aceito em 21 de novembro de 2012

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    Autor para correspondência.
    E-mail:
    danile_leal@yahoo.com.br (D.L.B. Sampaio).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Abr 2012
    • Aceito
      21 Nov 2012
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