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Que testes podem auxiliar a diagnosticar e estimar a gravidade da sepse?

EDITORIAIS

Que testes podem auxiliar a diagnosticar e estimar a gravidade da sepse?

Jacques Lacroix

Professor titular, Division of Pediatric Critical Care, Department of Pediatrics, Sainte–Justine Hospital, Université de Montréal, Montréal, Canada

Todos os pacientes em estado crítico com uma síndrome da resposta inflamatória sistêmica ou síndrome de disfunção de múltiplos órgãos parecem sépticos; apesar disso, apenas a metade deles está infectada1. Administrar antibióticos a todos esses pacientes pode parecer adequado, pelo menos à primeira vista. Na verdade, existem dados que sugerem que o desfecho de pacientes sépticos em estado crítico que receberam antibióticoticos mais cedo é melhor. Por outro lado, administrar antibióticos em excesso aumenta a "pressão por antibióticos" em uma determinada unidade de tratamento intensivo, o que poderia resultar no aparecimento de bactérias multirresistentes. Há dados que indicam que a administração de mais antibióticos aumenta o risco de infecção hospitalar causada por uma bactéria multirresistente2 e duplica o risco de morte3,4. Assim, aqui há um equilíbrio: é possível que administrar antibióticos cedo melhore o desfecho dos pacientes infectados, mas isso também pode aumentar o risco de infecção por uma bactéria multirresistente. A melhor estratégia poderia ser prescrever antibióticos o mais cedo possível, mas somente se houver uma grande chance de que um paciente em estado crítico e que pareça séptico possa realmente vir a se infectar, ou adiar essa prescrição se essa chance for pequena. Portanto, um teste capaz de diferenciar rapidamente os pacientes infectados dos não–infectados seria bastante útil. A cultura de bactérias ainda é o padrão–ouro para isso, mas os resultados só são disponibilizados de 1 a 2 dias depois de levantada a suspeita de infecção na beira do leito. Na prática, o médico estima a chance de um paciente infectar–se com base em critérios clínicos e em testes rápidos, tais como leucograma, proteína C–reativa e procalcitonina.

A proteína C–reativa e a procalcitonina são duas proteínas de reação de fase aguda do processo inflamatório. Suas concentrações séricas aumentam rapidamente após o início de um processo infeccioso; esse aumento geralmente é mais importante se a inflamação for causada por uma infecção e/ou se a doença for grave. A procalcitonina parece ser um marcador diagnóstico mais confiável da inflamação causada por infecção bacteriana que a proteína C reativa5. O nível sérico normal de procalcitonina é menor que 0,1 ng/mL. Com um ponto de corte de 1 ou 2 ng/mL, sua sensibilidade para o diagnóstico de uma infecção bacteriana varia entre 65% e 100%, e sua especificidade oscila entre 61% e 100%. A sensibilidade e especificidade, no geral, de acordo com uma revisão sistemática, são de 88% (IC95% 80–93) e 81% (IC95% 67–90), respectivamente5. Um nível sérico maior que 10 ng/mL está quase sempre associado a sepse grave (síndrome da resposta inflamatória sistêmica causada por uma infecção e associada à disfunção de pelo menos um órgão)6.

A maior parte dos dados disponíveis sobre a procalcitonina vem de adultos, mas existem também alguns estudos com crianças7–12. Esses dados podem parecer melhores do que realmente são. Em muitos estudos, a procalcitonina não foi determinada quando os clínicos precisavam saber se o paciente estava infectado ou não: era determinada, às vezes, dias após a suspeita de infecção, e esse atraso pode ter causado seu aumento no sangue, o que pode aumentar sua aparente validade diagnóstica. Na verdade, a situação poderia ser diferente se as análises do sangue coletado fossem feitas imediatamente após a suspeita de infecção. Há poucos dados que abordam especificamente essa questão: a procalcitonina é um bom marcador diagnóstico da infecção bacteriana em crianças em estado crítico no primeiro momento em que há suspeita de sepse? Apenas um estudo com 61 crianças forneceu dados a respeito disso: St–Louis et al.13 relataram que o valor preditivo positivo de níveis séricos acima de 1,8 ng/mL foi de 67% (e de apenas 50% para a proteína C–reativa).

Uma outra pergunta clinicamente interessante seria: existe uma relação entre a gravidade da infecção e o nível sérico de procalcitonina? O estudo realizado por Fioretto et al.14 e publicado neste número do Jornal de Pediatria busca responder a essa pergunta. Esses autores analisaram 90 crianças com quadro clínico de sepse grave ou choque séptico. Em todos os casos, a procalcitonina foi medida logo após os pacientes serem examinados pela primeira vez em virtude de uma possível infecção, i.e. no momento de internação na unidade de tratamento intensivo pediátrica, e 12 horas depois. A conclusão foi de que a concentração sérica de procalcitonina encontrava–se significativamente mais alta nos casos de choque séptico em ambos os momentos. Na verdade, com um ponto de corte de 2 ng/mL, o valor diagnóstico positivo de detecção de casos de choque séptico foi de 60%, e o valor preditivo negativo para exclusão do choque séptico foi de 81%; mas com um ponto de corte de 10 ng/mL, foram respectivamente de 68 e 72%.

Os dados disponíveis sugerem que a procalcitonina possui um valor diagnóstico na detecção de casos de sepse entre crianças em estado crítico. Duas perguntas ainda se encontram pendentes: qual o valor adicional dessas informações sobre os dados clínicos, e isso pode mudar o desfecho desses pacientes? Reformulando a pergunta: a procalcitonina é útil, considerando–se as informações clínicas disponíveis na beira do leito? Os resultados de um estudo sugerem que o uso da procalcitonina na orientação da prescrição de antibióticos em crianças com infecção do trato respiratório inferior pode diminuir a pressão por antibióticos sem influenciar o desfecho dos pacientes15. Contudo, são necessários mais dados e um estudo clínico randomizado deveria ser realizado para avaliar a efetividade do teste antes de recomendar o uso de procalcitonina. Enquanto isso, concordamos com o Dr. Fioretto e seus colegas de que a procalcitonina pode ser usada para estimar a gravidade da doença em crianças sépticas em estado crítico, mas apenas se os dados clínicos forem levados em consideração.

Referências

1. Marshall J, Sweeney D. Microbial infection and the septic response in critical surgical illness. Sepsis, not infection, determines outcome. Arch Surg. 1990;125:17–23; discussion 22–3.

2. Kollef MH, Ward S, Sherman G, Prentice D, Schaiff R, Huey W, et al. Inadequate treatment of nosocomial infections is associated with certain empiric antibiotic choices. Crit Care Med. 2000;28:3456–64.

3. Singh–Naz N, Sprague BM, Patel KM, Pollack MM. Risk factors for nosocomial infection in critically ill children: a prospective cohort study. Crit Care Med. 1996;24:875–8.

4. Ewig S, Torres A, El–Ebiary M, Fàbregas N, Hernández C, González J, et al. Bacterial colonization patterns in mechanically ventilated patients with traumatic and medical head injury. Incidence, risk factors, and association with ventilator–associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159:188–98.

5. Simon L, Gauvin F, Amre DK, Saint–Louis P, Lacroix J. Serum procalcitonin and C–reactive protein levels as markers of bacterial infection: a systematic review and meta–analysis. Clin Infect Dis. 2004;39:206–17.

6. Marik PE. Definition of sepsis: not quite time to dump SIRS? Crit Care Med. 2002;30:706–8.

7. Assicot M, Gendrel D, Carsin H, Raymond J, Guilbaud J, Bohuon C. High serum procalcitonin concentrations in patients with sepsis and infection. Lancet. 1993;341:515–8.

8. Chiesa C, Panero A, Rossi N, Stegagno M, De Giusti M, Osborn JF, et al. Reliability of procalcitonin concentrations for the diagnosis of sepsis in critically ill neonates. Clin Infect Dis. 1998;26:664–72.

9. Gendrel D, Bohuon C. Procalcitonin as a marker of bacterial infection. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:679–87; quiz 688.

10. Casado–Flores J, Blanco–Quiros A, Asensio J, Arranz E, Garrote JA, Nieto M. Serum procalcitonin in children with suspected sepsis: a comparison with C–reactive protein and neutrophil count. Pediatr Crit Care Med. 2003;4:190–5.

11. Han YY, Doughty LA, Kofos D, Sasser H, Carcillo JA. Procalcitonin is persistently increased among children with poor outcome from bacterial sepsis. Pediatr Crit Care Med. 2003;4:21–5.

12. Carroll ED, Newland P, Thomson AP, Hart CA. Prognostic value of procalcitonin in children with meningococcal sepsis. Crit Care Med. 2005;33:224–5.

13. St–Louis P, Simon L, Gauvin F, Proulx F, Amre D, Lacroix J. The comparative utility of procalcitonin and C–reactive protein as markers of sepsis in a pediatric ICU population with SIRS. In: AACC Annual Meeting; 2005 Sep 11–14; Orlando, Florida; 2005.

14. Fioretto JR, Borin FC, Bonatto RC, Ricchetti SM, Kurokawa CS, de Moraes MA, et al. Procalcitonin in children with sepsis and septic shock. J Pediatr (Rio J). 2007;83:323–8.

15. Christ–Crain M, Jaccard–Stolz D, Bingisser R, Gencay MM, Huber PR, Tamm M, et al. Effect of procalcitonin–guided treatment on antibiotic use and outcome in lower respiratory tract infections: cluster–randomised, single–blinded intervention trial. Lancet. 2004;363:600–7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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