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Dificuldades para o estabelecimento da amamentação: o papel das práticas assistenciais das maternidades

Difficulties to establish breastfeeding: the role of supporting procedures provided by maternities

Dificuldades para o estabelecimento da amamentação: o papel das práticas assistenciais das maternidades

Difficulties to establish breastfeeding: the role of supporting procedures provided by maternities

Sonia Isoyama Venancio 1 Sonia Isoyama Venancio - Pediatra, Doutora em Saúde Pública pela FSP/USP, Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde/CIP/SES/SP, docente do curso de Aconselhamento em Amamentação – OMS/UNICEF e do curso para Gestores sobre a Iniciativa Hospital Amigo da Criança – OMS/Wellstart.

Muitos avanços ocorreram nas últimas três décadas no tocante à pratica do aleitamento materno no Brasil. A comparação entre duas pesquisas nacionais, realizadas nas décadas de 70 e 80, mostrou que a duração mediana do aleitamento materno, que era de apenas 2,5 meses em 1975, passou a 5,5 meses em 1989 (1 1. Venancio SI, Monteiro CA. A evolução da prática da amamentação nas décadas de 70 e 80. Rev. Bras. Epidemiologia 1998;1(1):40-9. ) . A Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, realizada em 1996, apontou uma duração mediana do aleitamento materno de 7 meses (2 2. BEMFAM. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde. Rio de Janeiro, 1997. [Relatório de Pesquisa]. ) , e o estudo realizado pelo Ministério da Saúde em capitais brasileiras e no Distrito Federal, em 1999, mostrou uma situação ainda mais favorável, com uma duração mediana de amamentação de 10 meses (3 3. Ministério da Saúde. Prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Brasília, 2001. [Relatório de pesquisa]. ).

Porém, apesar da tendência ascendente da prática da amamentação no país, estamos longe do cumprimento da recomendação da Organização Mundial de Saúde - OMS, de amamentação exclusiva até o sexto mês de vida e a continuidade do aleitamento materno até o segundo ano de vida ou mais (4 4. World Health Organization .WHA52 Geneva; 2001. ) .

No Brasil, verifica-se que, embora a maioria das mulheres inicie o aleitamento materno (cerca de 92% na pesquisa nacional de 1996), mais da metade das crianças já não se encontra em amamentação exclusiva no primeiro mês de vida (3 3. Ministério da Saúde. Prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Brasília, 2001. [Relatório de pesquisa]. ).

Sabe-se que o desmame precoce deve ser interpretado como resultado da interação complexa de diversos fatores socioculturais, como o processo de industrialização, que teve início no final do século XIX; as mudanças estruturais da sociedade que aconteceram em virtude da industrialização; a inserção da mulher no mercado de trabalho; o surgimento e a propaganda de leites industrializados; a adoção, nas maternidades, de rotinas pouco facilitadoras do aleitamento materno e a adesão dos profissionais de saúde à prescrição da alimentação artificial (5 5. Goldemberg P. Repensando a desnutrição como questão social. 2ª ed. Campinas: Ed Unicamp; 1989. ,6 6. Palmer G. The politics of breastfeeding 4th ed. London: Pandor Press; 1993. ).

A partir da década de 80, a OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF direcionaram esforços para a instituição de uma política de incentivo à amamentação. Nesse contexto, insere-se a publicação do texto “Proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno: o papel dos serviços de saúde” (7 7. OMS. Proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno: o papel especial dos serviços materno-infantis. Genebra, 1989 ), que apresenta os “Dez passos para o sucesso do aleitamento materno”, e, posteriormente, o lançamento da Iniciativa Hospital Amigo da Criança – IHAC.

A IHAC propõe rotinas hospitalares facilitadoras do aleitamento materno: início da amamentação na primeira meia hora após o nascimento do bebê (passo 4); orientação e apoio às gestantes (passo 3) e às mães no puerpério imediato (passo 5); não utilização de suplementos, como soro glicosado e leites artificiais (passo 6); alojamento conjunto (passo 7); amamentação sob livre demanda (passo 8); não utilização de bicos artificiais ou chupetas (passo 9) e o encaminhamento das mães a grupos de apoio ao aleitamento após a alta hospitalar (passo 10). O passo 1 recomenda que o hospital defina uma norma de aleitamento materno, e o passo 2 propõe que todos os profissionais da equipe de saúde, que prestam assistência às mães e bebês, devem ser treinados para implementar essa norma.

Para que os profissionais sejam treinados adequadamente no manejo básico da amamentação, o UNICEF e OMS lançaram o curso de “Manejo e promoção do aleitamento materno – curso de 18 horas para equipes de maternidades” (8 8. OMS/OPAS/UNICEF. Manejo e promoção do aleitamento materno – curso de 18 horas para equipes de maternidades. Nova Iorque; 1993. ). Dentre os conteúdos do curso, destaca-se a avaliação da mamada, que é realizada mediante a aplicação de um formulário elaborado no sentido de facilitar a identificação de problemas no início da amamentação.

O artigo “Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo” (9 9. Cavalhaes MABL, Corrêa CRH. Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo. J Pedriatr (Rio J) 2003(1):13-20 ), partindo da utilização desse formulário, propõe-se a traçar um diagnóstico sobre a freqüência de dificuldades com a amamentação em uma maternidade pública que não implantou os “Dez passos para o sucesso do aleitamento materno”. Esse estudo mostra que tal instrumento, além de ser útil para a orientação de condutas dos profissionais de saúde quanto ao manejo do aleitamento materno, foi também capaz de fornecer um diagnóstico sobre a freqüência de diferentes tipos de problemas da amamentação no pós-parto imediato.

O artigo apresenta resultados interessantes, a começar pela alta freqüência de problemas identificados, merecendo destaque a associação entre piores escores na avaliação da mamada com o parto cesáreo e a utilização de fórmula láctea e/ou soro glicosado, o que aponta a necessidade de adequação de rotinas hospitalares vigentes.

Cabe ressaltar que as conclusões do trabalho, relacionadas à utilização do formulário em maternidades, parecem adequadas a serviços em "situação de transição", ou seja, nos quais não houve a efetiva implementação dos "Dez passos para o sucesso do aleitamento materno". Espera-se que todas as maternidades tenham como meta o treinamento de toda a equipe de saúde no manejo básico da amamentação e que a avaliação da mamada, fundamental para orientar as intervenções dos profissionais de saúde, seja realizada para todos os pares mãe-bebê.

Tendo em vista o acúmulo de evidências científicas sobre o impacto positivo da adoção dos "Dez passos" para o aumento da freqüência e da duração do aleitamento materno (10 10. OMS. Evidências científicas dos dez passos para o sucesso do aleitamento materno. Brasília: OPAS, 2001. ), não existe justificativa para a manutenção de práticas hospitalares comprovadamente prejudiciais ao início do aleitamento materno bem sucedido. A leitura atenta do artigo em questão certamente nos levará à reflexão de que a alta freqüência de mulheres com problemas no início da amamentação poderá estar associada a práticas assistenciais inadequadas. Espera-se, portanto, que esse estudo seja mais um fator de sensibilização de gestores e profissionais de saúde para a ampliação da IHAC em nosso meio.

Referências bibliográficas

Título do artigo: "Dificuldades para o estabelecimento da amamentação: o papel das práticas assistenciais das maternidades"

Sobe

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  • Sonia Isoyama Venancio - Pediatra, Doutora em Saúde Pública pela FSP/USP, Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde/CIP/SES/SP, docente do curso de Aconselhamento em Amamentação – OMS/UNICEF e do curso para Gestores sobre a Iniciativa Hospital Amigo da Criança – OMS/Wellstart.
  • 1.
    Venancio SI, Monteiro CA. A evolução da prática da amamentação nas décadas de 70 e 80. Rev. Bras. Epidemiologia 1998;1(1):40-9.
  • 2.
    BEMFAM. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde. Rio de Janeiro, 1997. [Relatório de Pesquisa].
  • 3.
    Ministério da Saúde. Prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Brasília, 2001. [Relatório de pesquisa].
  • 4.
    World Health Organization .WHA52 Geneva; 2001.
  • 5.
    Goldemberg P. Repensando a desnutrição como questão social. 2ª ed. Campinas: Ed Unicamp; 1989.
  • 6.
    Palmer G. The politics of breastfeeding 4th ed. London: Pandor Press; 1993.
  • 7.
    OMS. Proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno: o papel especial dos serviços materno-infantis. Genebra, 1989
  • 8.
    OMS/OPAS/UNICEF. Manejo e promoção do aleitamento materno – curso de 18 horas para equipes de maternidades. Nova Iorque; 1993.
  • 9.
    Cavalhaes MABL, Corrêa CRH. Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo. J Pedriatr (Rio J) 2003(1):13-20
  • 10.
    OMS. Evidências científicas dos dez passos para o sucesso do aleitamento materno. Brasília: OPAS, 2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2003
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