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Associação entre hipertrofia adenotonsilar, tonsilites e crises álgicas na anemia falciforme

Resumos

OBJETIVOS: Determinar a prevalência da hipertrofia adenotonsilar obstrutiva em crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme; investigar possível associação entre presença de mais de cinco episódios de tonsilite nos últimos 12 meses e episódios de crise álgica no mesmo período; e comparar a hemoglobina anual média entre os que apresentam e os que não apresentam hipertrofia adenotonsilar obstrutiva. MÉTODOS: Trata-se de estudo prospectivo, observacional do tipo corte transversal, com 85 crianças e adolescentes com anemia falciforme. Todos responderam questionário e avaliação otorrinolaringológica, incluindo endoscopia nasossinusal. Para o diagnóstico da hipertrofia adenotonsilar obstrutiva foram adotados os critérios de Brodsky. RESULTADOS: A prevalência da hipertrofia adenotonsilar obstrutiva foi de 55,3%. A hipertrofia adenotonsilar obstrutiva associou-se à história de dificuldade para alimentar-se (76,7 versus 23,5%; p = 0,003), presença de mais de cinco episódios de tonsilites nos últimos 12 meses (70,6 versus 29,4%; p = 0,021), roncar alto (73,0 versus 27,0%; p = 0,004) e apneia do sono assistida (71,8 versus 28,2%; p = 0,005). Portadores de hipertrofia adenotonsilar obstrutiva apresentaram maior número de infecções das vias aéreas superiores (62,5 versus 37,5; p = 0,010). Também foi observada associação entre presença de mais de cinco episódios de tonsilite nos últimos 12 meses e episódios de crise álgica no mesmo período (mediana = 12 versus 2; p = 0,017). Não houve diferença significante da hemoglobina anual média entre portadores de hipertrofia adenotonsilar obstrutiva versus hipertrofia adenotonsilar não-obstrutiva (7,6 versus 8,2 g/dL; p = 0,199). CONCLUSÃO: A prevalência da hipertrofia adenotonsilar obstrutiva foi de 55,3% em crianças e adolescentes com anemia falciforme. A presença de mais de cinco episódios de tonsilite nos últimos 12 meses associaram-se com episódios de crise álgica no mesmo período; e não houve diferença quanto ao valor da hemoglobina anual média entre os que apresentaram e os que não apresentaram hipertrofia adenotonsilar obstrutiva.

Tonsilas; tonsilites; hemoglobina; crianças; adolescentes; anemia falciforme


OBJECTIVES: To determine the prevalence of obstructive adenotonsillar hypertrophy in children and adolescents with sickle cell anemia; to investigate possible association between the presence of more than five episodes of tonsillitis in the last 12 months and episodes of painful crises in the same period; and to compare the mean annual hemoglobin level in children and adolescents with and without obstructive adenotonsillar hypertrophy. METHODS: Prospective, observational, cross-sectional study involving 85 children and adolescents with sickle cell anemia. All patients answered a questionnaire and underwent a standard otolaryngology examination, including endoscopic endonasal approach. The diagnosis of obstructive adenotonsillar hypertrophy was made according to the Brodsky scale. RESULTS: The prevalence of obstructive adenotonsillar hypertrophy was 55.3%. Obstructive adenotonsillar hypertrophy was associated with history of difficulty in eating (76.7 vs. 23.5%, p = 0.003), presence of more than five episodes of tonsillitis in the last 12 months (70.6 vs. 29.4%, p = 0.021), loud snoring (73.0 vs. 27.0%, p = 0.004), and sleep apnea (71.8 vs. 28.2%, p = 0.005). Patients with obstructive adenotonsillar hypertrophy had more episodes of recurrent upper airway tract infection (62.5 vs. 37.5; p = 0.010). The presence of more than five episodes of tonsillitis in the last 12 months was associated with episodes of painful crises (median = 12 vs. 2, p = 0.017). There was no significant difference between mean annual hemoglobin levels of patients with obstructive adenotonsilar hypertrophy vs. nonobstructive adenotonsillar hypertrophy: 7.6 vs. 8.2 g/dL, p = 0.199. CONCLUSION: The prevalence of obstructive adenotonsillar hypertrophy was 55.3% in children and adolescents with sickle cell anemia; the presence of more than five episodes of tonsillitis in the last 12 months was associated with episodes of painful crises in the same period; and there was no difference in the mean annual hemoglobin value among those with or without obstructive adenotonsillar hypertrophy.

Tonsil; tonsillitis; hemoglobin; children; adolescents; sickle cell disease


ARTIGO ORIGINAL

Associação entre hipertrofia adenotonsilar, tonsilites e crises álgicas na anemia falciforme

Cristina SallesI; Regina Terse T. RamosII; Carla DaltroIII; Valma Maria NascimentoIV; Marcos Almeida MatosV

IMestranda, Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. Especialista, Otorrinolaringologia e Medicina do Sono, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA

IIEspecialista, Pediatria. Professora assistente, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA

IIIDoutoranda, Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde, UFBA, Salvador, BA

IVPediatra. Médica, Fundação de Hematologia e Hemoterapia da Bahia, Salvador, BA

VDoutor, Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Professor, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA

Correspondência Correspondência: Cristina Salles Avenida Professor Magalhães Neto, 1541/2010 Centro Médico Hospital da Bahia CEP 41810-011 - Salvador, BA Tel.: (71) 2109.2210 Fax: (71) 2109.2210 E-mail: cristinasalles@click21.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Determinar a prevalência da hipertrofia adenotonsilar obstrutiva em crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme; investigar possível associação entre presença de mais de cinco episódios de tonsilite nos últimos 12 meses e episódios de crise álgica no mesmo período; e comparar a hemoglobina anual média entre os que apresentam e os que não apresentam hipertrofia adenotonsilar obstrutiva.

MÉTODOS: Trata-se de estudo prospectivo, observacional do tipo corte transversal, com 85 crianças e adolescentes com anemia falciforme. Todos responderam questionário e avaliação otorrinolaringológica, incluindo endoscopia nasossinusal. Para o diagnóstico da hipertrofia adenotonsilar obstrutiva foram adotados os critérios de Brodsky.

RESULTADOS: A prevalência da hipertrofia adenotonsilar obstrutiva foi de 55,3%. A hipertrofia adenotonsilar obstrutiva associou-se à história de dificuldade para alimentar-se (76,7 versus 23,5%; p = 0,003), presença de mais de cinco episódios de tonsilites nos últimos 12 meses (70,6 versus 29,4%; p = 0,021), roncar alto (73,0 versus 27,0%; p = 0,004) e apneia do sono assistida (71,8 versus 28,2%; p = 0,005). Portadores de hipertrofia adenotonsilar obstrutiva apresentaram maior número de infecções das vias aéreas superiores (62,5 versus 37,5; p = 0,010). Também foi observada associação entre presença de mais de cinco episódios de tonsilite nos últimos 12 meses e episódios de crise álgica no mesmo período (mediana = 12 versus 2; p = 0,017). Não houve diferença significante da hemoglobina anual média entre portadores de hipertrofia adenotonsilar obstrutiva versus hipertrofia adenotonsilar não-obstrutiva (7,6 versus 8,2 g/dL; p = 0,199).

CONCLUSÃO: A prevalência da hipertrofia adenotonsilar obstrutiva foi de 55,3% em crianças e adolescentes com anemia falciforme. A presença de mais de cinco episódios de tonsilite nos últimos 12 meses associaram-se com episódios de crise álgica no mesmo período; e não houve diferença quanto ao valor da hemoglobina anual média entre os que apresentaram e os que não apresentaram hipertrofia adenotonsilar obstrutiva.

Palavras-chave: Tonsilas, tonsilites, hemoglobina, crianças, adolescentes, anemia falciforme.

Introdução

A crise álgica corresponde ao sintoma mais frequente em crianças portadoras de anemia falciforme, entretanto sua patogênese continua pouco compreendida. Sugere-se que um dos fatores precipitantes seja a hipoxemia, em função da obstrução das vias aéreas superiores, a qual pode ocorrer devido a hipertrofia adenotonsilar (HAT) compensatória

1. Apesar de ser descrito que tanto a adenoidectomia quanto a tonsilectomia são procedimentos cirúrgicos frequentes em portadores de anemia falciforme, é desconhecida a prevalência da HAT nessa população.

São três as hipóteses que têm sido sugeridas para explicar a associação entre HAT e anemia falciforme1: HAT compensatória em decorrência da autoesplenectomia; consequentemente maior probabilidade de desenvolver infecções de repetição das vias aéreas superiores devido a diminuição da opsonização de bactérias patógenas; e o funcionamento das tonsilas faríngeas e palatinas como centros hematopoiéticos devido a anemia hemolítica. Entretanto, pouco tem sido pesquisado a respeito dessas hipóteses.

O objetivo do presente estudo é determinar a prevalência da HAT obstrutiva em crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme, clinicamente estáveis, acompanhados em um centro de referência em hematologia e hemoterapia; comparar o valor da hemoglobina anual média entre os que são portadores e os que não são portadores de HAT obstrutiva, e investigar possível associação entre episódios de tonsilites nos últimos 12 meses e episódios de crises álgicas neste mesmo período.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional, prospectivo, onde foram selecionados 85 crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme por amostragem não-probabilística do tipo sequencial, no período de maio de 2007 a maio de 2008, inscritos em uma unidade de referência em hematologia e hemoterapia e que comparecessem ao ambulatório às terças-feiras ou quintas-feiras (períodos frequentados por portadores de anemia falciforme). Para o cálculo do tamanho amostral, foi utilizado o programa Pepi-Sample e foram adotados os seguintes parâmetros: nível de confiança de 95% e prevalência da HAT em crianças e adolescentes de 12%. A população de onde foi retirada a amostra foi de aproximadamente 1.000 crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme cadastrados na unidade de referência em hematologia e hemoterapia, 7% como diferença aceitável da prevalência.

Para responder aos objetivos, o tamanho amostral calculado foi de 77 pacientes, considerando a possibilidade de 10% de perdas. Logo, a amostra calculada foi de 84 pacientes. Este trabalho está inserido em uma pesquisa maior. Os critérios de inclusão foram: ter diagnóstico confirmado pela análise quantitativa de hemoglobina realizada através da eletroforese de hemoglobina ou da cromatografia líquida de alta performance, realizada no equipamento Variant IITM (Bio-Rad); ter idade entre 2 e 19 anos; estar clinicamente estáveis; responder ao questionário e permitir a avaliação otorrinolaringológica. Os critérios de exclusão foram: outras síndromes genéticas; doenças debilitantes; trauma craniofacial recente; e apresentar infecção durante a avaliação ou terapia sistêmica com corticosteroides.

A idade foi medida em anos completos de acordo com a data de nascimento informada no prontuário. A etnia considerada foi autodefinida, de acordo com a nomenclatura oficial dos censos demográficos, adotando como referência a cor da pele (branca, parda ou negra).

Para avaliação das variáveis clínicas e sociodemográficas, foi utilizado questionário criado pelos autores, padronizado com perguntas consideradas relevantes, cujas respostas foram fornecidas pelos pais ou responsáveis, a seguir: frequenta a escola regularmente; rendimento escolar satisfatório; dificuldade para alimentar-se; enurese noturna; obstrução nasal; respiração predominantemente bucal; tonsilites (pelo menos cinco episódios nos últimos 12 meses); infecções de repetição das vias aéreas superiores; engasgos à noite; sono inquieto; e ronco alto ou apneia assistida pelo menos 3 vezes na semana. As opções de respostas foram: sim; não; e não sei. Além disso, os pais ou responsáveis foram interrogados quanto ao número de dias com crises álgicas nos últimos 12 meses.

O exame da cavidade oral foi realizado por um único otorrinolaringologista. As tonsilas foram classificadas segundo critérios de Brodsky: grau 0 = tonsilas palatinas situadas dentro da loja tonsilar; grau 1 = tonsilas situadas além das lojas tonsilares, ocupando menos que 25% do espaço aéreo da orofaringe; grau 2 = tonsilas ocupando mais do que 25 e menos que 50% do espaço orofaríngeo; grau 3 = tonsilas ocupando mais do que 50 e menos do que 75% do espaço orofaríngeo; grau 4 = tonsilas ocupam mais de 75% do espaço orofaríngeo, sendo que grau 3 e 4 foram considerados obstrutivos2.

Após uso de vasoconstrictor nasal, foi realizada endoscopia nasossinusal com fibra ótica flexível, marca Machida acoplada a uma fonte de luz (Endoview). A hipertrofia das tonsilas faríngeas foi classificada de acordo com a seguinte graduação: grau 1 = tecido adenoidiano ocupando somente o segmento superior da rinofaringe e coanas livres (< 25%); grau 2 = tecido adenoidiano confinado na metade superior da rinofaringe (< 50%); grau 3 = tecido adenoidiano estende-se além da rinofaringe, gerando obstrução parcial da coana e compressão parcial do óstio tubário (< 75%); grau 4 = o tecido adenoidiano obstrui quase completamente a coana. Graus 3 e 4 foram considerados obstrutivos3. Foi considerado portador de HAT obstrutiva quando o paciente apresentava tonsila faríngea ou palatina grau 3 ou 4.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição sob protocolo 197 (parecer 98/2006). Os responsáveis pelas crianças e adolescentes, ao concordarem em participar do trabalho, assinavam termo de consentimento livre e esclarecido.

Para tabulação e análise dos dados foi utilizado o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). As variáveis quantitativas foram expressas através de média ± desvio padrão ou mediana e amplitude interquartil sendo comparadas através do teste t de Student ou teste de Mann-Whitney. As variáveis qualitativas foram expressas através de frequências simples e relativas e comparadas através do teste do qui-quadrado de Pearson ou do teste exato de Fisher. Foram considerados estatisticamente significantes valores de p < 0,05.

Resultados

Foram avaliados 85 pacientes com média de idade 9,3±3,9 anos, sendo 58,8% do sexo masculino. Quanto à etnia, 71,8% se autodefiniram como pardos, 20% negros e 8,2% brancos. A média do hematócrito e hemoglobina foram 23±4% e 7,9±1,9 g/dL, respectivamente. A mediana dos episódios de crises álgicas nos últimos 12 meses foi cinco (amplitude interquartil = 1-20).

O resultado da prevalência das tonsilas palatinas ficou distribuído da seguinte forma: grau 0 = 15,3% (n = 13); grau 1 = 43,5% (n = 37); grau 2 = 22,4% (n = 19); grau 3 = 15,3% (n = 13); grau 4 = 3,5% (n = 3). Ao passo que a prevalência da tonsila faríngea apresentou-se da seguinte forma: grau 1 = 15,3% (n = 13); grau 2 = 29,4% (n = 25); grau 3 = 28,2% (n = 24); grau 4 = 27,1% (n = 23). Logo, considerando-se HAT obstrutiva, a prevalência foi de 55,3% (n = 47).

Não se observou diferença estatisticamente significante no que diz respeito à associação entre HAT obstrutiva e sexo e etnia.

A HAT ocorre principalmente entre 2 e 6 anos de idade, faixa etária caracterizada por aumento de tecido linfoide. Tomando-se como ponto de corte a idade de 6 anos, observou-se que a prevalência de HAT foi maior nas crianças com idade < 6 anos (17,9 versus 8,3%; p = 0,003).

Na Tabela 1 pode-se observar a frequência dos sintomas otorrinolaringológicos e associação com a HAT obstrutiva.

Foi observado maior número de episódios de infecções de repetição das vias aéreas superiores em portadores de HAT obstrutiva versus HAT não-obstrutiva (62,5 versus 37,5%; p = 0,010).

Não houve diferença estatisticamente significante quanto à hemoglobina anual média entre a HAT obstrutiva versus HAT não-obstrutiva: 7,6 versus 8,2 g/dL; p = 0,199.

Pacientes que cursaram com mais de cinco episódios de tonsilites nos últimos 12 meses apresentaram mais episódios de crises álgicas nesse mesmo período (mediana: 12 versus 2; p = 0,017).

Discussão

Este estudo mostrou elevada prevalência (55,3%) da HAT obstrutiva em crianças e adolescentes com anemia falciforme, sendo que a prevalência para hipertrofia de tonsilas palatinas obstrutivas foi de 18,8% e das tonsilas faríngeas, de 55,3%. Em crianças e adolescentes sem doença de base, a prevalência para a hipertrofia de tonsilas palatinas levando a restrição de vias aéreas superiores tem sido relatada entre 11 e 12,6%

4,5, ao passo que para tonsilas faríngeas, entre 30 e 37,6%

5,6. Um dos mecanismos que podem justificar a elevada prevalência encontrada no nosso estudo corresponde a maior susceptibilidade a contrair infecções graves, a qual é devido a asplenia, diminuição da capacidade de opsonização, alterações do sistema reticuloendotelial e da função fagocítica

7-10.

O presente estudo demonstrou que portadores de HAT apresentaram queixa de tonsilites de repetição e maior número de episódios de infecções de repetição das vias aéreas superiores. Sabe-se que na primeira infância tende a ocorrer a esplenomegalia decorrente da congestão pelo sequestro de eritrócitos falcizados nos cordões esplênicos e sinusoides. Nesse momento, a capacidade fagocítica mediada por opsoninas e a produção de anticorpos estão comprometidas em consequência da persistente agressão esplênica11,12. Tanto as infecções de repetição das vias aéreas superiores quanto as adenotonsilites são comuns nessas crianças, podendo-se inicialmente observar infecções virais, as quais predispõem a infecções bacterianas13. Dentre os defeitos imunológicos descritos estão: diminuição da produção de interleucina 4, com o comprometimento da maturação do linfócito B e da produção de IgM; contagem variável de T helper e supressor; redução dos níveis de linfócitos T helper e supressor nos pacientes com asplenia funcional; rápida multiplicação bacteriana no sangue devido aos altos níveis de ferro e transferrina circulantes; e produção inadequada de anticorpos frente a administração endovenosa de vacinas polissacarídica14-17. Os frequentes episódios de adenotonsilites resultam na hipertrofia do órgão, influenciada pela ação dos antígenos18.

A principal causa de anemia nesses pacientes é a menor sobrevida das hemácias; trata-se, pois, de anemia hemolítica, com aumento da bilirrubina indireta, hiperplasia eritroide da medula óssea e elevação dos reticulócitos. No entanto, além da hemólise, outros fatores podem contribuir para a gênese da anemia ou agravá-la19. Hipotetiza-se que as tonsilas faríngeas e palatinas funcionariam como centros hematopoiéticos devido a anemia hemolítica1. No entanto, no nosso estudo não foi observada associação entre HAT e hemoglobina menor que 7 g/dL. Tal resultado sugere que a HAT obstrutiva pode não estar associada ao aumento da hematopoiese. Entretanto, esse achado coincide com as observações de Maddern et al.1, os quais sugerem a necessidade de estudo anatomopatológico das tonsilas palatinas e faríngeas para melhor investigação.

No presente estudo foi observado que pacientes abaixo de 6 anos apresentavam mais HAT obstrutiva do que acima dessa idade. Este resultado é importante, pois a HAT corresponde ao principal fator causal para síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) em crianças20. A SAOS pode estar associada ao acidente vascular isquêmico silencioso, causando várias deficiências neurocognitivas, como problemas de aprendizado e redução do quociente de inteligência. Também afeta os lobos frontais causando deficiência da atenção e falta de habilidades executivas, da memória ativa e de longo prazo21.

Através do presente estudo, foi possível verificar que os pacientes portadores de anemia falciforme e HAT obstrutiva apresentaram dificuldade em alimentar-se. Sabe-se que a HAT obstrutiva implica na diminuição do espaço para passagem do ar através da rinofaringe; logo, o paciente tende a abrir a boca para respirar, desviando a passagem do ar da rinofaringe para a orofaringe, onde as alterações fonoarticulatórias mais comuns são hipotonia dos músculos faciais, alteração do tônus dos lábios, bochechas e musculatura supra-hioídea, anteriorização da língua ao repouso, consequentemente alterando as funções da mastigação, deglutição e fonação22.

Não foi observada associação entre HAT e respiração predominantemente bucal, bem como com a obstrução nasal neste estudo. Sabe-se que a causa da respiração predominantemente bucal é multifatorial, abrangendo rinopatias, hipertrofia de tonsilas faríngeas e/ou palatinas, inflamações ou infecções na cavidade nasal e seios paranasais, entre outras.

No presente estudo, encontramos associações estatisticamente significantes entre HAT e roncar alto, HAT e apneia assistida. Esses achados estão de acordo com achados de Guilleminault et al.20, ao observarem que o ronco e a dificuldade respiratória durante o sono equivalem a aproximadamente 96% das queixas mais referidas pelos pais ou responsáveis pelas crianças portadoras de SAOS. Do ponto de vista fisiopatológico, todos os fatores que favorecem a hipóxia, incluindo a SAOS, favorecem também a falcização na circulação pulmonar, podendo deflagrar a síndrome torácica aguda23. Além disso, o presente estudo demonstrou associação entre HAT com engasgos durante a noite, HAT e sono inquieto, os quais estão de acordo os achados de Souza & Viegas24, que caracterizaram a qualidade do sono desses pacientes como fragmentada, uma vez que o número de microdespertares, movimentos em sono e mudanças de estágio encontravam-se aumentados para a idade.

Os portadores de HAT não apresentaram queixa de enurese noturna, neste estudo, resultado semelhante foi encontrado por Kara et al.4. Entretanto, considera-se a HAT como principal fator causal da apneia e hipopneia obstrutiva do sono em crianças e adolescentes, e que a enurese noturna está associada ao aumento da pressão intra-abdominal secundária aos esforços respiratórios durante os episódios de apneia e hipopneia25, além da diminuição da secreção do hormônio antidiurético ou um aumento do peptídeo atrial natriurético, levando a um aumento do volume urinário26. Essa elevação do fator natriurético parece ser secundária a episódios de hipoxemia e aumento da pressão negativa intratorácica nos pacientes com SAOS25.

No presente estudo, pacientes que tiveram pelo menos cinco episódios de tonsilites nos últimos 12 meses apresentaram maior número de episódios de crises álgicas no mesmo período. A patogênese das crises álgicas é pouco compreendida. Sabe-se, entretanto, que a infecção corresponde a um dos fatores precipitantes27. Além disso, tem sido descrito que uma das razões para tonsilectomia na anemia falciforme são as frequentes crises álgicas28. Ijaduola & Akinyanju28 demonstraram que apenas a tonsilectomia pôde reduzir a frequência das crises álgicas de 4,7 para 1,5 por paciente por ano, em indivíduos que nunca haviam realizado a profilaxia com penicilina. Esses dados são importantes, pois as crianças portadoras de anemia falciforme são 400 vezes mais propensas a episódios de infecção que podem evoluir muito rapidamente para a morte. A infecção é a primeira causa de mortalidade infantil na anemia falciforme, sendo que as crianças com menos de 5 anos devem ter prioridade, pois complicam-se com mais facilidade29.

Nosso estudo sugere a necessidade de pesquisas que envolvam estudo com imagem para definir o tamanho do baço, bem como a análise anatomopatológica das tonsilas, com o objetivo de analisar possível correlação entre HAT e autoesplenectomia e investigar se as tonsilas realmente funcionariam como centro hematopoiético nessa população. Apesar de o presente trabalho não ter como objetivo averiguar tais pontos, chama a atenção para a necessidade de investigações futuras para melhor elucidação das hipóteses para HAT em portadores de anemia falciforme.

Sabendo-se que, tão importantes quanto as variações genéticas, os fatores adquiridos são responsáveis pela vulnerabilidade clínica e prognóstico do paciente com anemia falciforme19. A dor, por outro lado, corresponde a um dos sintomas persistentes dessa doença, capaz de interferir diretamente na qualidade de vida dos pacientes. Logo, o presente trabalho traz como contribuição à literatura a necessidade de se enfatizar a avaliação das tonsilas faríngeas e palatinas em crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme, posto que se verificou maior número de infecções de repetição das vias aéreas superiores em portadores de HAT obstrutiva e que pacientes que tiveram pelo menos cinco episódios de tonsilites nos últimos 12 meses apresentaram maior número de crises álgicas.

Conclusão

Os resultados do presente estudo mostraram que a prevalência da HAT obstrutiva foi de 55,3% em crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme. Também foi possível verificar que portadores de HAT obstrutiva associaram-se com maior número de infecções de repetição das vias aéreas superiores; pacientes que tiveram pelo menos cinco episódios de tonsilites nos últimos 12 meses apresentaram maior número de episódios de crises álgica nesse período; e que não houve diferença quanto ao valor da hemoglobina anual média entre os que apresentaram e os que não apresentaram HAT obstrutiva.

Artigo submetido em 29.12.08, aceito em 31.03.09.

Este artigo é parte da dissertação da mestranda Cristina Salles, no Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA.

Suporte financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), Brasil.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Salles C, Ramos RT, Daltro C, Nascimento VM, Matos MA. Association between adenotonsillar hypertrophy, tonsillitis and painful crises in sickle cell disease. J Pediatr (Rio J). 2009;85(3):249-253.

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      31 Mar 2009
    • Recebido
      29 Dez 2008
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