Acessibilidade / Reportar erro

Aleitamento materno exclusivo para crianças menores de 6 meses

EDITORIAL

Aleitamento materno exclusivo para crianças menores de 6 meses

Sara B. FeinI

IPhD. Consumer Studies Staff, Center for Food Safety and Applied Nutrition, Food and Drug Administration, College Park, Maryland, USA

Correspondência Correspondência: Sara B. Fein E-mail: sara.fein@fda.hhs.gov

Nesta edição do Jornal de Pediatria, Parizoto et al.1 fornecem, pela primeira vez, uma descrição e uma análise das tendências das taxas de aleitamento materno exclusivo do projeto de vigilância em saúde pública Amamentação e Municípios realizado na cidade de Bauru, SP, entre 1999 e 2006. Os autores também analisam os vários fatores que podem estar associados ao aleitamento materno exclusivo.

A vigilância em saúde pública pode ser definida como coleta e análise constantes e sistemáticas de dados sobre comportamentos, condições e outros tópicos especificamente relacionados à saúde. Essa vigilância é essencial para melhorar a saúde, porque possibilita que as agências de saúde determinem os níveis de comportamento de saúde na população, se esses níveis estão crescendo ou não, e se alguma melhora é vivenciada por todos os grupos ou somente por alguns. A vigilância de tendências em áreas geográficas reduzidas apresenta a vantagem de que as variáveis e mudanças comunitárias tendem a ser as mesmas para todas as mães estudadas, e, portanto, os efeitos das intervenções na comunidade podem ser mais facilmente identificados se existirem outras áreas disponíveis para comparação. O sistema de vigilância específico analisado aqui tem resultados relatados para várias comunidades diferentes, o que possibilita a comparação com essas outras comunidades. A análise das tendências é um componente-chave da vigilância efetiva, e a análise de fatores associados também é útil para a compreensão de quais grupos têm maior necessidade de apoio ou de serviços especiais e quais tipos de intervenções têm maior probabilidade de melhorar o comportamento daquele público.

O aleitamento materno exclusivo é importante para a saúde dos bebês segundo a indicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) na sua recomendação de que os bebês sejam exclusivamente amamentados por 6 meses2. A proteção à saúde oferecida pelo aleitamento materno exclusivo não se limita aos países em desenvolvimento; uma meta-análise de larga escala sobre o efeito do aleitamento nos desfechos de saúde de bebês em países desenvolvidos demonstrou que o aleitamento materno exclusivo oferecia mais proteção do que o aleitamento parcial contra otite média aguda, dermatite atópica e hospitalização por doença respiratória3.

Os resultados relatados por Parizoto et al.1 são significativos por várias razões. Primeiro, mostram como esta parte do estado de São Paulo se comporta em relação a outras cidades do mesmo estado através das comparações com dados publicados sobre outras áreas do estado. Esses resultados também possibilitam que os responsáveis pelas políticas e programas públicos vejam como esta área do Brasil se compara com os dados nacionais gerais sobre aleitamento materno exclusivo. Segundo, os resultados fornecem detalhes relevantes de políticas e programas sobre as idades dos bebês em quem as taxas de aleitamento exclusivo diminuem e quais grupos de mães têm taxas menores e, portanto, precisam de apoio adicional. Terceiro, os resultados contribuem para a literatura sobre os efeitos de um fator modificável específico, o uso de chupeta, já que tem sido consistentemente demonstrado em estudos observacionais que tal uso apresenta uma forte associação negativa com a amamentação. Os efeitos do uso de chupeta são de particular interesse porque, nos EUA, a Academia Americana de Pediatria recomenda o uso de chupeta para reduzir o risco da síndrome da morte súbita infantil4, embora, para os bebês amamentados no peito, a recomendação seja de que as chupetas não devem ser oferecidas até a criança completar 1 mês de vida.

A maioria dos resultados relatados é consistente com outras pesquisas realizadas mundialmente. A associação negativa entre o uso de chupeta e o aleitamento materno exclusivo foi encontrada em muitos países, tanto desenvolvidos5 quanto em desenvolvimento6, e foi reconhecida pela OMS na sua Iniciativa Hospital Amigo da Criança de 19917. Como os autores cuidadosamente discutem, a causalidade dessa associação ainda é controversa. É possível que o ato de sugar uma chupeta iniba a amamentação, e, nesse caso, o fato de se desencorajar as mães a usarem chupetas melhoraria as taxas de amamentação. Os estudos que avaliaram o efeito do uso muito precoce da chupeta sobre os desfechos posteriores da amamentação5 e os estudos que separaram os efeitos de problemas precoces de amamentação dos efeitos do uso de chupeta8 apoiam esse direcionamento da causalidade. Porém, também é possível que as mães que têm problemas para amamentar utilizem as chupetas para acalmar seus bebês. Nesse caso, a implicação para as políticas públicas é a necessidade de maior apoio à amamentação para evitar que situações que levem as mães a usar chupetas se propaguem. Também é possível que essas duas possibilidades de causalidade sejam verdadeiras.

Outro resultado que não foi estatisticamente significativo neste estudo apontou uma direção da associação que é consistente com pesquisas realizadas em vários outros países. As mães mais jovens têm taxas de aleitamento materno exclusivo mais baixas do que as mães mais velhas, o que sugere a necessidade geral de esforço e apoio adicionais para as mães mais jovens.

Os autores apontam que diferentes tipos de pesquisas têm demonstrado que as mães que contam com um número maior de serviços referentes à amamentação têm taxas mais altas de amamentação do que as mães menos assistidas. Essa associação foi encontrada para práticas de assistência à maternidade que apoiam a amamentação5, assim como para os cenários citados no artigo: número de contatos de apoio à amamentação no estudo da curva de crescimento da OMS no Brasil9, número de atendimentos pré-natais10 e ações a favor da amamentação realizadas na comunidade11. A eficácia do apoio à amamentação oferecido por profissionais não-médicos treinados12 pode ser o resultado desse fenômeno geral. O maior apoio à amamentação é um fator modificável e, como mostra o sucesso dos programas de aconselhamento, não precisa ser realizado por profissionais da área médica para mães que não têm problemas complexos referentes à amamentação.

O estudo de Parizoto et al.1 tem alguns pontos fortes. A amostra do projeto Amamentação e Municípios provavelmente é a mais representativa possível para os bebês de cada área; embora, infelizmente, os autores não descrevam as características das mães que comparecem à campanha de vacinação. As perguntas realizadas para medir o aleitamento materno exclusivo são fortes; elas solicitam dados detalhados de alimentação que os pesquisadores usam para definir o aleitamento materno exclusivo, em vez de pedir às mães que definam o aleitamento exclusivo. Além disso, os entrevistadores foram cuidadosamente treinados.

O estudo também apresenta várias limitações. A mais importante delas, devido ao fato de se tratar de um estudo transversal, é que a causalidade ou mesmo a ordenação temporal não podem ser estabelecidas. Os autores citam estudos longitudinais sobre algumas das questões importantes, tais como o uso de chupeta e a duração do aleitamento materno exclusivo, e essa estratégia fornece interpretações lógicas para seus resultados. Outra limitação é o fato de que algumas variáveis importantes não foram medidas. Os autores apontam que o número de atendimentos pré-natais no Brasil foi demonstrado em outros estudos como estando positivamente relacionado com a duração da amamentação, mas essa variável não foi relatada e aparentemente não foi medida na pesquisa. Da mesma forma, as práticas de assistência para puericultura relacionadas à amamentação, a disponibilidade de apoio profissional à amamentação e a força do apoio social não foram avaliados. Devido ao fato de importantes variáveis não terem sido incluídas na análise, a conclusão de que somente o uso de chupeta esteve significativamente associado ao aleitamento materno exclusivo precisa ser considerada no contexto das variáveis analisadas.

Além disso, enquanto os autores sugerem razões para o aumento do aleitamento materno exclusivo durante o período das três avaliações, eles discutem o provável efeito da campanha de apoio à amamentação na comunidade, que havia ocorrido desde o ano 2000. Os autores apontam que a campanha foi direcionada para profissionais de saúde que trabalham na rede pública de atenção básica à saúde e em maternidades. Contudo, as duas medidas apresentadas referentes ao local do parto e ao tipo de assistência médica infantil, que poderiam indicar a eficiência da campanha, não estavam significativamente relacionadas ao aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses.

Conflitos de interesse: Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: Fein SB. Exclusive breastfeeding for under-6-month-old children. J Pediatr (Rio J). 2009;85(3):181-182.

  • 1. Parizoto GM, Parada CM, Venâncio SI, Carvalhaes MA. Trends and patterns of exclusive breastfeeding for under-6-month-old children. J Pediatr (Rio J). 2009;85:201-208.
  • 2
    World Health Organization. Global Strategy on Infant and Young Child Feeding. Geneva: WHO; 2002.
  • 3. Ip S, Chung M, Raman G, Chew P, Magula N, DeVine D, et al. Breastfeeding and Maternal and Infant Health Outcomes in Developed Countries. Evidence Report/ Technology Assessment No. 153 (Prepared by Tufts-New England Medical Center Evidence-based Practice Center, under Contract No. 290-02-0022). AHRQ Publication No. 07-E007. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2007.
  • 4. American Academy of Pediatrics Task Force on Sudden Infant Death Syndrome. The changing concept of sudden infant death syndrome: diagnostic coding shifts, controversies regarding the sleeping environment, and new variables to consider in reducing risk. Pediatrics. 2005;116:1245-55.
  • 5. DiGirolamo AM, Grummer-Strawn LM, Fein SB. Effect of maternity-care practices on breastfeeding. Pediatrics. 2008;122 Suppl 2:S43-9.
  • 6. Koosha A, Hashemifesharaki R, Mousavinasab N. Breastfeeding patterns and factors determining exclusive breastfeeding. Singapore Med J. 2008;49:1002-6.
  • 7
    United Nations Children's Fund - UNICEF. The global criteria for the WHO/UNICEF Baby-Friendly Hospital Initiative. New York, NY: UNICEF; 1992.
  • 8. Kronborg H, Vaeth M. How are effective breastfeeding technique and pacifier use related to breastfeeding problems and breastfeeding duration? Birth. 2009;36:34-42.
  • 9. Albernaz E, Araújo CL, Tomasi E, Mintem G, Giugliani E, Matijasevich A, et al. Influence of breastfeeding support on tendencies of breastfeeding rates in the city of Pelotas (RS), Brazil, from 1982 to 2004. J Pediatr (Rio J). 2008;84:560-4.
  • 10. Santo LC, de Oliveira LD, Giugliani ER. Factors associated with low incidence of exclusive breastfeeding for the first 6 months. Birth. 2007;34:212-9.
  • 11. Venâncio SI, Monteiro CA. Individual and contextual determinants of exclusive breastfeeding in Săo Paulo, Brazil: a multilevel analysis. Public Health Nutr. 2006;9:40-6.
  • 12. Shealy KR, Li R, Benton-Davis S, Grummer-Strawn LM. The CDC Guide to Breastfeeding Interventions. Atlanta, GA: US Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention; 2005.
  • Correspondência:

    Sara B. Fein
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br