Acessibilidade / Reportar erro

Fatores de risco e letalidade de infecção da corrente sanguínea laboratorialmente confirmada, causada por patógenos não contaminantes da pele em recém-nascidos

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os fatores de risco e a letalidade da infecção da corrente sanguínea laboratorialmente confirmada (ICSLC) de início tardio em uma Unidade Neonatal de Cuidados Progressivos (UNCP) brasileira. MÉTODOS: Trata-se de um estudo caso-controle realizado de 2008 a 2012. Os casos foram definidos como todos os recém-nascidos com ICSLC de início tardio, excluindo pacientes isolados com contaminantes da pele comuns. Os controles foram recém-nascidos que não mostraram qualquer evidência de ICSLC de início tardio, sendo separados por peso e tempo de permanência na UNCP. As variáveis foram obtidas na base de dados da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). A análise foi realizada utilizando o Pacote Estatístico para Ciências Sociais. O teste χ² foi utilizado e a relevância estatística foi definida como p < 0,05, seguida pela análise multivariada. RESULTADOS: No estudo, 50 pacientes com ICSLC de início tardio foram combinados com 100 pacientes sem ICSLC de início tardio. No grupo de pacientes com ICSLC de início tardio, identificamos uma proporção significativamente maior de pacientes que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos (p = 0,001) e que usaram cateter venoso central (CVC) (p = 0,012) e ventilação mecânica (p = 0,001). Na análise multivariada, cirurgia prévia e uso de CVC permaneceram significativamente associados à infecção (p = 0,006 e p = 0,047; OU: 4,47 e 8,99, respectivamente). A Enterobacteriacea foi identificada em 14 casos, com três (21,4%) óbitos, e Staphylococcus aureus foi identificado em 20 casos, com três (15%) óbitos. CONCLUSÕES: Procedimentos cirúrgicos e uso de CVC constituíram fatores de risco significativos para ICSLC. Portanto, práticas de prevenção para cirurgia segura, inserção e manipulação de CVC são essenciais para reduzir essas infecções, além de treinamento e educação contínua às equipes cirúrgicas e de assistência.

Neonato; Recém-nascido; Sepse; Vigilância; Controle de infecções


OBJECTIVE: To evaluate risk factors and lethality of late onset laboratory-confirmed bloodstream infection (ICSLC) in a Brazilian neonatal unit for progressive care (NUPC). Methods: This was a case-control study, performed from 2008 to 2012. Cases were defined as all newborns with late onset ICSLC, excluding patients with isolated common skin contaminants. Controls were newborns who showed no evidence of late onset ICSLC, matched by weight and time of permanence in the NUPC. Variables were obtained in the Hospital Infection Control Committee (HICC) database. Analysis was performed using the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). The chi-squared test was used, and statistical significance was defined as p < 0.05, followed by multivariate analysis. RESULTS: 50 patients with late onset ICSLC were matched with 100 patients without late onset ICSLC. In the group of patients with late onset ICSLC, a a significant higher proportion of patients who underwent surgical procedures (p = 0.001) and who used central venous catheter (CVC) (p = 0.012) and mechanical ventilation (p = 0.001) was identified. In multivariate analysis, previous surgery and the use of CVC remained significantly associated with infection (p = 0.006 and p = 0.047; OR: 4.47 and 8.99, respectively). Enterobacteriacea was identified in 14 cases, with three (21.4%) deaths, and Staphylococcus aureus was identified in 20 cases, with three (15%) deaths. CONCLUSIONS: Surgical procedures and CVC usage were significant risk factors for ICSLC. Therefore, prevention practices for safe surgery and CVC insertion and manipulation are essential to reduce these infections, in addition to training and continuing education to surgical and assistance teams.

Infant; newborn; Sepsis; Surveillance; Infection control


ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco e letalidade de infecção da corrente sanguínea laboratorialmente confirmada, causada por patógenos não contaminantes da pele em recém-nascidos* * Autor para correspondência. E-mail: rmcromanelli@ig.com.br (R.M.C. Romanelli).

Roberta M.C. RomanelliI,*; Lêni M. AnchietaII; Maria Vitoria A. MourãoIII; Flávia A. CamposIV; Flavia C. LoyolaV; Paulo Henrique O. MourãoV; Guilherme A. ArmondVI; Wanessa T. ClementeVII; Maria Cândida F. BouzadaVIII

IPós-doutora, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIDoutora, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina,UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Unidade de Cuidados Progressivos Neonatais, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIIMestre, Hospital Infantil João Paulo II, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

IVMédica, Hospital Infantil João Paulo II, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

VMédicos, CCIH, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

VIEnfermeiro, CCIH, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

VIIDoutora, Departamento de Propedêutica Complementar, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. CCIH, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

VIIIPós-doutora, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Unidade de Cuidados Progressivos Neonatais, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os fatores de risco e a letalidade da infecção da corrente sanguínea laboratorialmente confirmada (ICSLC) de início tardio em uma Unidade Neonatal de Cuidados Progressivos (UNCP) brasileira.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo caso-controle realizado de 2008 a 2012. Os casos foram definidos como todos os recém-nascidos com ICSLC de início tardio, excluindo pacientes isolados com contaminantes da pele comuns. Os controles foram recém-nascidos que não mostraram qualquer evidência de ICSLC de início tardio, sendo separados por peso e tempo de permanência na UNCP. As variáveis foram obtidas na base de dados da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). A análise foi realizada utilizando o Pacote Estatístico para Ciências Sociais. O teste χ2 foi utilizado e a relevância estatística foi definida como p < 0,05, seguida pela análise multivariada.

RESULTADOS: No estudo, 50 pacientes com ICSLC de início tardio foram combinados com 100 pacientes sem ICSLC de início tardio. No grupo de pacientes com ICSLC de início tardio, identificamos uma proporção significativamente maior de pacientes que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos (p = 0,001) e que usaram cateter venoso central (CVC) (p = 0,012) e ventilação mecânica (p = 0,001). Na análise multivariada, cirurgia prévia e uso de CVC permaneceram significativamente associados à infecção (p = 0,006 e p = 0,047; OU: 4,47 e 8,99, respectivamente). A Enterobacteriacea foi identificada em 14 casos, com três (21,4%) óbitos, e Staphylococcus aureus foi identificado em 20 casos, com três (15%) óbitos.

CONCLUSÕES: Procedimentos cirúrgicos e uso de CVC constituíram fatores de risco significativos para ICSLC. Portanto, práticas de prevenção para cirurgia segura, inserção e manipulação de CVC são essenciais para reduzir essas infecções, além de treinamento e educação contínua às equipes cirúrgicas e de assistência.

Palavras-chave: Neonato; Recém-nascido; Sepse; Vigilância; Controle de infecções

Introdução

A incidência de sepse neonatal é altamente variável em diferentes hospitais. Uma comparação entre países também revela uma grande variação, com densidades de incidência de 3,6 a 18,1 infecções por 1.000 pacientes por dia nos Estados Unidos,1,2 de 6,9 a 7,8 na Itália,3,4 de 10,9 a 17,3 na Turquia5 e 28,6 em um centro na Alemanha.6 No Brasil, um estudo multicêntrico revelou que a densidade de incidência foi de 25 infecções por 1.000 pacientes por dia,7 semelhante aos dados obtidos em um hospital privado em São Paulo (23,8 infecções/1.000 pacientes por dia).8

A taxa de mortalidade neonatal por sepse é elevada, atingindo 68% no Brasil de 2000 a 2008,9 indicando a necessidade de priorizar ações preventivas de infecções relacionadas à assistência a saúde (IRAS) nessa faixa etária. As IRAS em recém-nascidos devem ser consideradas um evento sério nessa população, pois a sepse é uma das principais causas de morte neonatal e é um dos focos da vigilância epidemiológica.10

A sepse precoce está relacionada à assistência pré-natal e perinatal, que depende da ação conjunta de obstetras e da qualidade do cuidado no nível de assistência primária. Durante a sepse tardia, recém-nascidos são, em geral, infectados por micro-organismos adquiridos após o nascimento por meio do contato humano ou contato indireto com um ambiente contaminado. Assim, a transmissão horizontal desempenha um papel importante na doença de início tardio, e intervenções preventivas devem ser realizadas em uma unidade neonatal para minimizar essa exposição.10,11

Vários fatores de risco estão associados à sepse tardia, incluindo: peso ao nascer; uso de dispositivos invasivos, como cateter venoso central (CVC) e ventilação mecânica (VM); atraso na nutrição enteral; nutrição parenteral; e complicações de prematuridade, como canal arterial patente, displasia broncopulmonar e enterocolite necrosante, que normalmente exigem intervenção cirúrgica.12

Recém-nascidos com risco elevado são considerados mais suscetíveis a infecções nosocomiais, como sepse de início tardio. A doença de base, a deficiência na imunidade, a microbiota na unidade de terapia intensiva neonatal e os procedimentos invasivos necessários para auxiliar recém-nascidos favorecem infecções nosocomiais nesses pacientes. Rupturas das barreiras naturais da pele e dos intestinos permitem que micro-organismos oportunistas afetem o recém-nascido com disseminação na corrente sanguínea, que ocorre principalmente em bebês prematuros devido à imaturidade do sistema imunológico.13

O presente estudo visa avaliar os fatores de risco e a letalidade da infecção da corrente sanguínea laboratorialmente confirmada (ICSLC) de início tardio na Unidade Neonatal de Cuidados Progressivos (UNCP) em um hospital de referência.

Métodos

A UNCP do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais é um centro de referência terciário do município e do estado, que ajuda recém-nascidos com diferentes quadros clínicos, principalmente os casos de alto risco. Este estudo de caso-controle foi conduzido de janeiro de 2008 a maio de 2012.

Definição do caso

Todos os recém-nascidos notificados com ICSLC de início tardio de acordo com os critérios de infecção para neonatologia definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)10 foram incluídos, considerando que não era evidente outro local de infecção. Todos eles apresentavam sintomas clínicos definidos pelos critérios de notificação e foram tratados para sepse. Devido aos sinais e sintomas não específicos da sepse neonatal e considerando a possibilidade de outros diagnósticos, escolhemos incluir apenas casos de ICSLC com culturas de patógenos de hemoculturas reconhecidos. Apenas o primeiro episódio de ICSLC foi inserido, e os pacientes foram incluídos uma vez.

Os critérios para infecção por micro-organismos contaminantes da pele comuns (como Staphylococcus spp. coagulase-negativos) foram excluídos, uma vez que essa definição exige o isolamento de micro-organismos em duas amostras de sangue tiradas em duas punções venosas diferentes e a associação com sinais ou sintomas clínicos.10 Na UNCP, as hemoculturas são sempre realizadas em um recém-nascido com uma suspeita de infecção da corrente sanguínea antes da terapia antimicrobiana, porém o tratamento é iniciado imediatamente, devido à gravidade da infecção nesses pacientes, o que poderá reduzir a sensibilidade de amostras adicionais. Além disso, nem sempre foram obtidas duas amostras de hemocultura devido às dificuldades técnicas na coleta das mesmas para realização de hemoculturas em neonatos. Entretanto, em caso de suspeita de sepse e quando os Staphylococcus coagulase-negativos foram isolados em uma hemocultura, o tratamento foi instituído pelos médicos.

Definição do controle

Os controles foram recém-nascidos na UNCP que não mostraram evidência de ICSLC de início tardio durante o período do estudo. O pareamento foi realizado por peso em uma proporção de 1:2 (caso:controle) e pelo tempo de permanência na unidade, considerando até sete dias de diferença.

Amostras de sangue

Um total de 1 mL de sangue é coletado quando se suspeita de sepse, e os espécimes para cultura são enviados rotineiramente ao laboratório de microbiologia. O isolamento de micro-organismos é realizado com o método automatizado (VITEK2) e o teste de susceptibilidade pela disco-difusão em ágar (Kirby Bauer) para confirmar o perfil de resistência. O perfil de sensibilidade de micro-organismos considerou as definições da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), com base no Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI).

Coleta de dados

Os dados de interesse foram obtidos da base de dados da CCIH, considerando a vigilância ativa, e incluíram: quantidade total de pacientes na UNCP, total de IRAS notificadas, paciente-dia, densidade da infecção de IRAS e todas as ICSLC clínicas de início precoce e tardio no período do estudo.

A ICSLC relacionada a cateter incluiu todas as ICSLC que ocorreram em pacientes com CVC ou em recém-nascidos que tiveram o dispositivo removido no período de 48 horas antes do início da infecção, sendo que outros locais de infecção foram excluídos.10

Para a análise logística bivariada, as seguintes variáveis foram consideradas: sexo, cirurgia e uso de dispositivos invasivos (CVC e VM) antes do primeiro episódio de ICSLC considerado como caso, notificação prévia de sepse de início precoce, uso de agentes antimicrobianos por menos de três dias para tratamento de suspeita de sepse precoce e uso de agentes antimicrobianos por no mínimo sete dias para tratamento de sepse de início precoce. Para os controles, foram considerados eventos até o final do acompanhamento, considerando o pareamento.

O falecimento foi associado à infecção quando o evento ocorreu durante o tratamento da ICSLC.

Análise estatística

O programa estatístico utilizado para análise foi o Pacote Estatístico para as Ciências Sociais (Statistical Package for Social Sciences - SPSS) versão 13.0. A faixa de peso (variável correspondente) e os micro-organismos isolados (critérios de definição de caso) são apenas considerados na análise descritiva. Na análise comparativa entre grupos (caso: controle), o teste χ2 foi utilizado para variáveis categóricas. A relevância estatística foi definida como valor de p < 0,05. A regressão logística da análise multivariada foi utilizada quando as variáveis foram significativas na análise univariada, considerando a variável resposta de ICSLC. Na literatura, foram usados valores de p inferiores a 0,10 para variáveis incluídas na análise multivariada; apesar de ser um valor de corte restrito, ele permite uma análise mais rigorosa. Em vários estudos semelhantes,8,14,15 também são consideradas as variáveis com relevância de p < 0,10 ou p < 0,05 para a regressão logística.

Considerações éticas

Este estudo é parte das atividades de Vigilância e Controle de Infecções em Neonatologia definidas pela CCIH e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (ETIC 312/08).

Resultados

Durante o período do estudo, foi admitido um total de 1.414 recém-nascidos no UNCP, considerando 28.530 pacientes-dia. Foi notificado um total de 710 episódios de IRAS com uma densidade de incidência de 24,89 infecções/1.000 pacientes-dia. Desses episódios, 152 (21,4%) eram de sepse de início precoce e 246 (34,7%) de início tardio, com 140 e 100 episódios de sepse clínica de início precoce e tardio, respectivamente. A quantidade total de pacientes na UNCP, os pacientes-dia, quantidade de IRAS e densidade de incidência das IRAS foram apresentados pela faixa de peso na Tabela 1.

Foram notificados, respectivamente, 12 e 146 episódios de ICSLC de início precoce e tardio. Considerando a ICSLC de início tardio, os Staphylococcus coagulase-negativos foram isolados em 59 (40,4%). Um total de 129 (88,4%) foi de ICSLC de início tardio associada a cateter: 73 (56,59%) com patógenos reconhecidos e 56 (43,41%) de patógenos contaminantes da pele.

Foram considerados como casos 50 pacientes com primeiro episódio de ICSLC de início tardio com isolamento de patógenos não contaminantes da pele em hemoculturas, e foram combinados com 100 controles sem ICSLC de início tardio. A distribuição dos casos e controles por faixa de peso também é apresentada na Tabela 1. A maioria dos pacientes estudados variou em peso de 751 g a 2.500 g (74% dos casos e controles).

A análise comparativa mostrou uma proporção maior de pacientes que passaram por procedimentos cirúrgicos no grupo de pacientes com ICSLC de início tardio, correspondendo a 15 (30%) dos casos, em comparação a oito (8%) controles (p = 0,001). O odds ratio (OR) revelou uma probabilidade 4,93 maior de procedimentos cirúrgicos em pacientes com ICSLC de início tardio (intervalo de confiança de 95% [IC], 1,92-12,65). Além disso, foi observada uma maior proporção de pacientes que utilizaram o CVC (p = 0,012) e a VM (p = 0,001) nos casos que nos controles, com um OR de 10,76 (1,39-83,10) e 3,87 (IC 95%, 1,81-8,27), respectivamente. As diferenças estatísticas não foram observadas quando outras variáveis analisadas foram consideradas (Tabela 2).

Na análise multivariada (Tabela 2), o modelo considerou três variáveis: cirurgia prévia, uso de CVC e uso de VM. A cirurgia prévia e o uso de CVC continuaram associados de forma significativa à infecção (p = 0,006 e p = 0,047, respectivamente), porém, o uso de VM mostrou apenas uma tendência de associação à infecção (p = 0,058). A cirurgia apresentou um OR = 4,47 (IC 95% = 1,54-12,94) e o uso de CVC apresentou um OR = 2,21 (IC 95% 1,03-78,34).

Foi realizado um total de 26 cirurgias em 23 pacientes. Cada um dos casos teve apenas um procedimento, porém 11 destes foram realizados em oito controles. Dentre os procedimentos cirúrgicos realizados nos 15 casos, sete (46,67%) consistiram de cirurgia do aparelho digestivo, e quatro deles envolveram correção de gastrosquise. Entre os controles, a maioria (7 - 63,63%) dos procedimentos foi de outras cirurgias que não no aparelho digestivo (Tabela 3).

A proporção de óbitos entre os casos (n = 6; 12%) não diferiu estatisticamente do grupo controle (n = 9; 9%) (χ2 = 0,08, p = 0,77). A letalidade ocorreu em três (21,43%) casos de pacientes com ICSLC de início tardio com isolamento de Enterobacteriacea, e em três (15%) casos com isolamento de Staphylococcus aureus (Tabela 4). Considerando a letalidade de pacientes com ICSLC de início tardio relacionada a Staphylococcus coagulase-negativos notificados durante o período estudado, apenas um (1,69%) de 59 recém-nascidos morreram, porém esse paciente também apresentou Candida parapsilosis em hemoculturas posteriores. Assim, uma proporção maior de óbitos foi observada em pacientes com ICSLC de início tardio relacionada a outros patógenos reconhecidos que não micro-organismos contaminantes da pele.

Discussão

Neste estudo, foi observada proporção significativamente maior de pacientes que passaram por procedimentos cirúrgicos anteriores entre pacientes com ICSLC de início tardio. A cirurgia não é uma variável frequentemente citada em estudos que incluem fatores de risco de sepse em neonatos. Em um estudo prospectivo conduzido em uma unidade de terapia intensiva pediátrica nos Estados Unidos, a incidência de infecção nosocomial em pacientes durante o pós-operatório foi duas vezes maior que em pacientes que não foram submetidos a procedimentos cirúrgicos.14 Alguns autores relataram maior risco de infecção da corrente sanguínea após cirurgia em neonatos que em crianças mais velhas.16,17

Entre os casos que foram submetidos à cirurgia, pudemos observar uma maior proporção de procedimentos envolvendo o aparelho digestivo, que é colonizado por bactérias que são mais agressivas em neonatos que permanecem hospitalizados em unidades de tratamento intensivo desde o nascimento.18 Um maior risco de infecção deve ser considerado em neonatos prematuros que apresentam imaturidade da barreira mucosa intestinal, menores níveis de IgA e que podem ter a acidez gástrica reduzida.13 Mokkadas et al.16 também descreveram uma frequência maior de sepse confirmada (87,2%) em pacientes com anomalias gastrointestinais que necessitavam de intervenções cirúrgicas.

Um estudo na Turquia5 também avaliou casos de IRAS comprovadas em laboratório e mostrou que um menor peso ao nascer, a idade gestacional e os índices de Apgar, além de internações mais longas e uso de antibióticos, estavam associados à infecção.

Considerando outros fatores de risco, um estudo na Arábia Saudita19 relatou que o uso prolongado de dispositivos era o único fator de risco independente para a ocorrência de ICSLC associada a cateter. Entretanto, essa análise incluiu infecções causadas por contaminantes da pele comuns. Da mesma forma, um estudo multicêntrico na Itália20 observou que o uso de cateteres umbilicais arteriais e venosos e de VM por mais de cinco dias aumentou o risco de sepse em neonatos. Esse estudo também mostrou que fatores de risco adicionais incluem peso ao nascer inferior a 2.500 g, utilização de tubo nasogástrico ou nutrição parenteral total e transferências de outros hospitais. Em um estudo realizado por Aurita et al.,4 também na Itália, os fatores de risco para infecção em recém-nascidos de peso extremamente baixo incluíam idade gestacional inferior a 28 semanas, um Índice de Risco Clínico Neonatal maior que quatro e a utilização de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP). Dentre os recém-nascidos com maior peso ao nascer, os fatores de risco foram malformações e uso de nutrição parenteral. Entretanto, o estudo mencionado incluiu pacientes com sepse clínica ou com infecção de Staphylococcus coagulase-negativos.

No Brasil, outros poucos estudos avaliaram fatores de risco especificamente relacionados à infecção da corrente sanguínea em neonatos. Em uma unidade neonatal de um hospital privado em São Paulo,8 foi concluído que a ruptura prematura de membranas, doença materna, utilização de VM e CVC e, mais significativamente, utilização de nutrição parenteral eram fatores de risco para a sepse, independentemente de confirmação laboratorial. A avaliação de infecções neonatais que atendem aos critérios da Rede Nacional de Segurança na Assistência à Saúde (NHSN) no Hospital Universitário em Uberlândia15 também revelou uma associação entre infecção e uso de VM, CVC e tubo nasogástrico. Neste estudo, o CVC também indicou um maior risco de ICSLC, mesmo considerando apenas os primeiros episódios dessa infecção não associados a patógenos contaminantes.

Escolhemos restringir a variável de resultado à ICSLC causada por micro-organismos patogênicos porque isso forneceu maior especificidade para a definição de critérios de infecção. Essa especificidade não é um objetivo na maioria dos estudos na literatura internacional3,4,5,19 ou nacional.8,15,21 Apesar de os Staphylococcus coagulase-negativos serem os micro-organismos mais importantes da sepse relatados na literatura,3-5,7,8,15,21 encontramos dificuldades em cumprir os critérios de infecção associados a esse micro-organismo porque são necessárias duas amostras de cultura de sangue para notificar ICSLC.10 Esse fato limita as comparações deste estudo com outros centros, mas proporciona melhores ações direcionadas no local estudado.

Considerando a epidemiologia de ICSLC, vários patógenos podem ser responsáveis pela sepse neonatal. As bactérias Enterobacteriaceae gram-negativas ou não fermentadores (como Pseudomonas aeruginosa) e bactérias gram-positivas, principalmente Staphylococcus e Streptococcus spp., são os principais grupos mencionados na literatura.8,16 Além disso, aproximadamente 1% dos neonatos nas unidades de terapia intensiva neonatais e 2-4,5% dos recém-nascidos com baixo peso ao nascer apresentam septicemia causada por fungos, principalmente Candida spp.22

Em um estudo prospectivo de 10 anos em uma unidade neonatal brasileira,21 os micro-organismos gram-negativos (Escherichia coli e Klebsiella spp.) representaram 51,6% dos casos de ICSLC, os micro-organismos gram-positivos representaram 37,4% dos casos (principalmente Staphylococcus spp. coagulase-negativo), e o Candida spp. foi o quarto micro-organismo isolado, o que é compatível com os achados deste estudo. Os cocos e fungos gram-positivos predominam em unidades neonatais com mais recursos, ao passo que bacilos entéricos e fungos gram-negativos são mais comumente descritos em ambientes com recursos limitados.23

Uma análise sistemática que incluiu 11.471 culturas de sangue de neonatos com sepse em países em desenvolvimento revelou que as bactérias gram-negativas foram isoladas em pelo menos 60% das amostras positivas.24 Um total de 42% das amostras positivas neste estudo apresentou bactérias gram-negativas.

Fatores relacionados a agentes gram-positivos tidos como causas de infecções nosocomiais em recém-nascidos são a hospitalização prolongada, o uso de cateterização venosa e lipídios parenterais, as lesões na pele e outros procedimentos invasivos. A transmissão cruzada por meio das mãos também representa um meio importante de disseminação. Os agentes S. aureus são causas menos frequentes de infecções neonatais, mas que exibem alta virulência devido à susceptibilidade dessa população, com risco três vezes maior de complicações e morbidade e uma taxa de mortalidade alcançando 55%,25,26 independentemente da resistência antimicrobiana. Neste estudo, o S. aureus foi o micro-organismo mais frequentemente isolado em ICSLC com patógenos reconhecidos.

A infecção da corrente sanguínea em neonatos é ainda uma grande causa de morbidade e mortalidade neonatal.27 Neste estudo, observamos uma alta letalidade em neonatos com ICSLC associada a Enterobacteriaceae (21,43%) e S. aureus (15%). A taxa de letalidade para ICSLC associada a bactérias gram-negativas em neonatos é ainda maior na literatura (40-90%).13 Os fungos são responsáveis por uma mortalidade geral de 25-50% em infecções neonatais,13,22 apesar de óbitos associados a esses micro-organismos não terem sido observados neste estudo.

As práticas de prevenção de IRAS devem ser priorizadas em unidades neonatais devido à população de alto risco. Essas práticas devem incluir alimentação enteral precoce, amamentação e tempo reduzido de permanência na unidade de terapia intensiva, bem como o treinamento e a educação contínua da equipe médica.13,23 Considerando a importância da cirurgia como um fator de risco para a ICSLC na unidade neonatal estudada, a relevância de diretrizes para uma cirurgia segura deve ser enfatizada. Todos os profissionais envolvidos no procedimento devem usar sabonete cirúrgico antisséptico para as mãos e seguir as técnicas adequadas de antissepsia.28 Além disso, este estudo teve como foco a ICSLC com início tardio, e em 98% dos casos foi utilizado o CVC, revelando a importância de práticas adequadas para a inserção e manipulação do CVC utilizado para fluidos, medicamentos, hemoderivados e nutrição parenteral intravenosos. Portanto, os profissionais devem adotar um conjunto de procedimentos-padrão para a prevenção de infecções associadas a cateteres, e são recomendados programas educativos multidisciplinares e a vigilância de infecções.29,30

A adoção de um Programa de Adoção de Vigilância e Controle de Infecções na unidade neonatal foi descrito como um programa eficiente e de baixo custo.11 Essas atividades são realizadas continuamente na UNCP estudada, em conjunto com a CCIH, e estudos sobre procedimentos cirúrgicos são prioridade para intervenção, juntamente com a participação e adesão às práticas preventivas pela equipe cirúrgica.

Concluindo, este estudo constatou que uma proporção significativamente maior de procedimentos cirúrgicos e a utilização de CVC foram observadas em pacientes com ICSLC de início tardio. Além disso, os neonatos que permanecem hospitalizados na unidade neonatal desde o nascimento, incluindo aqueles que necessitam de tratamento cirúrgico, são submetidos a uma quantidade maior de intervenções, são expostos a dispositivos invasivos, como o CVC, e, possivelmente, são colonizados por mais agentes patogênicos. Portanto, as práticas de prevenção são essenciais para reduzir essas infecções. Adicionalmente, essas práticas devem ser monitoradas e devem ser fornecidos treinamento e educação contínua à equipe cirúrgica.

Financiamento

Pró-reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

A todos os profissionais da Unidade Neonatal de Cuidados Progressivos responsáveis pela assistência a esses recém-nascidos.

Recebido em 24 de abril de 2012; aceito em 3 de setembro de 2012

  • 1. Stover BH, Shulman ST, Bratcher DF, Brady MT, Levine GL, Jarvis WR, et al. Nosocomial infection rates in US children's hospitals' neonatal and pediatric intensive care units. Am J Infect Control. 2001;29:152-7.
  • 2. Banerjee SN, Grohskopf LA, Sinkowitz-Cochran RL, Jarvis WR; National Nosocomial Infections Surveillance System; Pediatric Prevention Network. Incidence of pediatric and neonatal intensive care unit-acquired infections. Infect Control Hosp Epidemiol. 2006;27:561-70.
  • 3. Orsi GB, d'Ettorre G, Panero A, Chiarini F, Vullo V, Venditti M. Hospital-acquired infection surveillance in a neonatal intensive care unit. Am J Infect Control. 2009;37:201-3.
  • 4. Auriti C, Ronchetti MP, Pezzotti P, Marrocco G, Quondamcarlo A, Seganti G, et al. Determinants of nosocomial infection in 6 neonatal intensive care units: an Italian multicenter prospective cohort study. Infect Control Hosp Epidemiol. 2010;31:926-33.
  • 5. Yapicioglu H, Satar M, Ozcan K, Narli N, Ozlu F, Sertdemir Y, et al. A 6-year prospective surveillance of healthcare-associated infections in a neonatal intensive care unit from southern part of Turkey. J Paediatr Child Health. 2010;46:337-42.
  • 6. van der Zwet WC, Kaiser AM, van Elburg RM, Berkhof J, Fetter WP, Parlevliet GA, et al. Nosocomial infections in a Dutch neonatal intensive care unit: surveillance study with definitions for infection specifically adapted for neonates. J Hosp Infect. 2005;61:300-11.
  • 7. Pessoa-Silva CL, Richtmann R, Calil R, Santos RM, Costa ML, Frota AC, Wey SB. Healthcare-associated infections among neonates in Brazil. Infect Control Hosp Epidemiol. 2004;25:772-7.
  • 8. Kawagoe JY, Segre CA, Pereira CR, Cardoso MF, Silva CV, Fukushima JT. Risk factors for nosocomial infections in critically ill newborns: a 5-year prospective cohort study. Am J Infect Control. 2001;29:109-14.
  • 9. Victora CG, Aquino EM, do Carmo Leal M, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011;377:1863-76.
  • 10
    Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Neonatologia. Critérios nacionais de infecções relacionadas à assistência à saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
  • 11. Landre-Peigne C, Ka AS, Peigne V, Bougere J, Seye MN, Imbert P. Efficacy of an infection control programme in reducing nosocomial bloodstream infections in a Senegalese neonatal unit. J Hosp Infect. 2011;79:161-5.
  • 12. Stoll BJ, Hansen N, Fanaroff AA, Wright LL, Carlo WA, Ehrenkranz RA, et al. Late-onset sepsis in very low birth weight neonates: the experience of the NICHD Neonatal Research Network. Pediatrics. 2002;110:285-91.
  • 13. Mussi-Pinhata MM, Rego MA. Particularidades imunológicas do pré-termo extremo: um desafio para a prevenção da sepse hospitalar. J Pediatr (Rio J). 2005;81:S59-68.
  • 14. Singh-Naz N, Sprague BM, Patel KM, Pollack MM. Risk factors for nosocomial infection in critically ill children: a prospective cohort study. Crit Care Med. 1996;24:875-8.
  • 15. Brito DV, Brito CS, Resende DS, Moreira do ÓJ, Abdallah VO, Gontijo Filho PP. Nosocomial infections in a Brazilian neonatal intensive care unit: a 4-year surveillance study. Rev Soc Bras Med Trop. 2010;43:633-7.
  • 16. Mokaddas EM, Shetty SA, Abdullah AA, Rotimi VO. A 4-year prospective study of septicemia in pediatric surgical patients at a tertiary care teaching hospital in Kuwait. J Pediatr Surg. 2011;46:679-84.
  • 17. Bhattacharyya N, Kosloske AM, Macarthur C. Nosocomial infection in pediatric surgical patients: a study of 608 infants and children. J Pediatr Surg. 1993;28:338-44.
  • 18. Gewolb IH, Schwalbe RS, Taciak VL, Harrison TS, Panigrahi P. Stool microflora in extremely low birthweight infants. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 1999;80:F167-73.
  • 19. Balkhy HH, Alsaif S, El-Saed A, Khawajah M, Dichinee R, Memish ZA. Neonatal rates and risk factors of device-associated bloodstream infection in a tertiary care center in Saudi Arabia. Am J Infect Control. 2010;38:159-61.
  • 20. Moro ML, De Toni A, Stolfi I, Carrieri MP, Braga M, Zunin C. Risk factors for nosocomial sepsis in newborn intensive and intermediate care units. Eur J Pediatr. 1996;155:315-22.
  • 21. Couto RC, Carvalho EA, Pedrosa TM, Pedroso ER, Neto MC, Biscione FM. A 10-year prospective surveillance of nosocomial infections in neonatal intensive care units. Am J Infect Control. 2007;35:183-9.
  • 22. Khoory BJ, Vino L, Dall'Agnola A, Fanos V. Candida infections in newborns: a review. J Chemother. 1999;11:367-78.
  • 23. Srivastava S, Shetty N. Healthcare-associated infections in neonatal units: lessons from contrasting worlds. J Hosp Infect. 2007;65:292-306.
  • 24. Zaidi AK, Huskins WC, Thaver D, Bhutta ZA, Abbas Z, Goldmann DA. Hospital-acquired neonatal infections in developing countries. Lancet. 2005;365:1175-88.
  • 25. Healy CM, Palazzi DL, Edwards MS, Campbell JR, Baker CJ. Features of invasive staphylococcal disease in neonates. Pediatrics. 2004;114:953-61.
  • 26. Kayange N, Kamugisha E, Mwizamholya DL, Jeremiah S, Mshana SE. Predictors of positive blood culture and deaths among neonates with suspected neonatal sepsis in a tertiary hospital, Mwanza-Tanzania. BMC Pediatr. 2010;10:39.
  • 27. Lin YJ. The changing characteristics of neonatal sepsis in the neonatal intensive care unit: a never-ending challenge. Pediatr Neonatol. 2009;50:83-4.
  • 28. Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo desafio global para a segurança do paciente: cirurgias seguras salvam vidas (orientações para cirurgia segura da OMS). Rio de Janeiro: Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2009. p. 87-146.
  • 29. O'Grady NP, Alexander M, Burns LA, Dellinger EP, Garland J, Heard SO, et al. Guidelines for the prevention of intravascular catheter-related infections. Am J Infect Control. 2011;39:S1-34.
  • 30. Rosado V, Romanelli RM, Camargos PA. Risk factors and preventive measures for catheter-related bloodstream infections. J Pediatr (Rio J). 2011;87:469-77.
  • *
    Autor para correspondência.
    E-mail:
    rmcromanelli@ig.com.br (R.M.C. Romanelli).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      24 Abr 2012
    • Aceito
      03 Set 2012
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, CEP: 90480-000 , Tel.: (+55 51) 3108-3328 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: assessoria@jped.com.br