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Desnutrição de aquisição intra-hospitalar

CARTA AO EDITOR

Desnutrição de aquisição intra-hospitalar

Senhor Editor,

Bastante oportuno o trabalho de Rocha et al., "The effects of hospitalization on the nutritional status of children"1, ao demonstrarem que um pouco mais da metade das crianças internadas em um hospital terciário em Fortaleza perdem peso durante a hospitalização, cerca de 10% das eutróficas passam a ser classificadas como desnutridas e aquelas já portadoras de desnutrição na admissão hospitalar permanecem com seu estado nutricional inalterado. Resultados semelhantes foram observados em um hospital de ensino na cidade do Recife2. No Nordeste do Brasil, as formas graves de desnutrição energética protéica (DEP) chegam a atingir mais de 20% das crianças menores de 5 anos de idade hospitalizadas. Essa elevada freqüência evidencia de forma contundente o papel relevante do hospital como centro de demanda dos casos de DEP grave. Isso levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a publicar, no ano 2000, um manual de normas destinado à equipe de saúde para o atendimento hospitalar da criança com desnutrição grave, recentemente traduzido pelo Ministério da Saúde, após algumas adaptações à realidade brasileira3.

Mais grave é a evidência de que a DEP gerada dentro do hospital apresenta fortes implicações para o setor saúde, como o incremento das taxas de morbimortalidade, a maior permanência hospitalar e a elevação do custo do leito. A desnutrição de aquisição intra-hospitalar é originada pela diminuição da ingestão alimentar da criança hospitalizada e pelo aumento das necessidades calóricas secundário ao processo mórbido4,5. Mesmo em hospitais de ensino e que possuem padronizadas suas normas dietéticas, muitas vezes ocorrem prescrições médicas que não atendem às necessidades calóricas dos pacientes, especialmente os incrementos calóricos requeridos pelos agravos nosológicos, assim como omissões diagnósticas à situação nutricional2. Some-se a isso a impossibilidade de serem seguidos horários flexíveis para as refeições, o que freqüentemente ocasiona diminuição da ingestão do alimento prescrito por não se seguir a regra básica da "livre demanda", especialmente entre as crianças mais jovens.

A percepção de que a perda de peso durante a hospitalização é inevitável é falsa, tanto em crianças como em adultos6. A identificação precoce dos pacientes que necessitam um suporte nutricional é importante e pode prevenir isso. No Recife, o Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira (IMIP) implantou, em dezembro de 2000, o protocolo da OMS para o manuseio hospitalar da criança portadora de desnutrição grave, tendo conseguido reduzir de 33,8 para 16,2% a letalidade hospitalar dessas formas graves de desnutrição7. Para os lactentes jovens, grupo etário que concentra os maiores indicadores de morbimortalidade, o hospital pode funcionar como um excelente centro de apoio à relactação, ou seja, o retorno ao aleitamento materno exclusivo para crianças desmamadas precocemente. Essa prática, viável e efetiva para os lactentes jovens, desde que haja uma retaguarda com recursos humanos preparados e disponíveis, contribui para a melhoria do estado nutricional e redução da mortalidade hospitalar pelos principais agravos infecciosos entre nós: diarréia e pneumonia8,9. O leite materno oferece proteção nutricional e combate às infecções, sendo muito bem aceito pelos lactentes jovens, especialmente quando estão doentes, além de ser oferecido sem horários fixos.

Dessa forma, ressaltamos a importante contribuição desse estudo publicado pelo Jornal de Pediatria1 , assim como a necessidade de novas pesquisas que indiquem os melhores caminhos a serem seguidos no manuseio e na prevenção da desnutrição de aquisição intra-hospitalar para a redução das ainda elevadas taxas de morbimortalidade hospitalar da DEP, especialmente na região Nordeste do Brasil.

Referências

1. Rocha GA, Rocha EJM, Martins CV. The effects of hospitalization on the nutritional status of children. J Pediatr (Rio J). 2006;82:70-4.

2. Alves JG, Cabral JE. Avaliação nutricional de lactentes hospitalizados. Rev Esc Enf USP. 2001;35:60-4.

3. Brasil, Ministério da Saúde. Manual de atendimento da criança com desnutrição grave em nível hospitalar. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição; 2005.

4. Dilkerson J. The problem of hospital induced malnutrition. Nurs Times. 1995;91:44-5.

5. Garrow J. Starvation in hospital. BMJ. 1994;308:934-5.

6. Pennington CR. Patients go hungry in British hospitals. BMJ. 1997;314:752-3.

7. Falbo AR, Alves JG, Batista Filho M, Cabral-Filho JE. Implementation of World Health Organization guidelines for management of severe malnutrition in a hospital in Northeast Brazil. Cad Saude Publica. 2006;22:561-70.

8. Alves JGB. Relactation improves nutritional status in hospitalized infants. J Trop Pediatr. 1999;45:120-1.

9. Alves JG, Figueira F, Nacul LC. Hospital induced malnutrition in infants: prevention by relactation. Indian Pediatr. 1999;36:484-7.

João Guilherme Bezerra Alves

Doutor. Professor adjunto, Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, PE. Coordenador, Pós-Graduação, Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE

E-mail:joãoguilherme@imip.org.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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