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Capítulo IV - situações especiais

III CONSENSO BRASILEIRO NO MANEJO DA ASMA

Capítulo IV – Situações especiais

1.ASMA NO IDOSO

A asma é subdiagnosticada no idoso por várias razões(1-3):

•Menor percepção da dispnéia

•Interpretação da dispnéia como uma conseqüência natural da idade

•Doenças associadas (cardiovasculares, hipotiroidismo)

•Dificuldade de comprovação objetiva da obstrução das vias aéreas

As etapas do tratamento não diferem das dos indivíduos de outras faixas etárias, mas alguns aspectos merecem ser enfatizados(3-7):

•possíveis co-morbidades podem estar presentes

•os b2-agonistas podem provocar tremores ou agravar tremores preexistentes

•os b2-agonistas podem ter efeitos menos expressivos, já que pode haver disfunção de b-receptores

•por sua maior segurança os anticolinérgicos devem ser indicados quando for necessária medicação broncodilatadora contínua

•a vacinação anual antiinfluenza e a antipneumocócica a cada 5-7 anos devem ser indicadas

•a técnica de utilização de medicações inalatórias deve ser revisada regularmente e a utilização de espaçadores para o uso dos aerossóis dosimetrados deve ser estimulada quando inaladores de pó não puderem ser utilizados

•é fundamental verificar a adesão, que pode não ser adequada devido à prescrição de vários medicamentos, declínio cognitivo com perda de memória, limitações físicas, dificuldade na compra por questões financeiras ou apatia.

2.ASMA NA GRAVIDEZ

A gravidez tem um efeito variável sobre o curso da asma, podendo permanecer estável, piorar ou melhorar, com retorno ao estado anterior à gravidez em cerca de três meses após o parto(8).

Os sintomas geralmente melhoram durante as últimas quatro semanas da gravidez e o parto não costuma associar-se com piora da asma. O curso da asma em sucessivas gestações costuma ser semelhante em cada paciente(9).

O manejo difere muito pouco daquele preconizado para não-grávidas. O subtratamento resulta em maior risco para a mãe e para o feto do que o uso de quaisquer drogas necessárias para o controle da doença(10-12). O baixo risco de malformações congênitas associadas às medicações usualmente utilizadas no tratamento da asma está documentado(13,14).

Pacientes com asma malcontrolada devem ser cuidadosamente monitorizadas quanto ao retardo de crescimento intra-uterino do feto e pré-eclâmpsia(13,15). Monitorização fetal intensiva é essencial em mulheres com asma aguda durante a gravidez. Algumas medicações potencialmente usadas para indicações obstétricas em pacientes com asma devem ser evitadas pela possibilidade de broncoespasmo. Estas incluem prostaglandina F2a, ergonovina e agentes antiinflamatórios não esteróides (pacientes sensíveis). Ocitocina é a droga de escolha para indução do parto. Crises de asma durante o parto devem ser tratadas de maneira usual.

A categorização das drogas na gravidez encontra-se no Quadro 1.


O Quadro 2 mostra as drogas utilizadas para asma na gravidez com as respectivas categorias propostas pelo FDA.


3.ASMA E CIRURGIA

Os asmáticos apresentam maior risco de complicações pulmonares pós-operatórias e o broncoespasmo intra-operatório deve ser encarado como uma complicação com potencial risco para a vida(16,17). Tem sido sugerido que pacientes com história de atopia apresentam maior risco de reações de hipersensibilidade imediata (rinite, asma, anafilaxia, etc.) ou reações anafilactóides (pseudo-alérgicas) durante o ato cirúrgico ou testes diagnósticos (contrastes radiológicos). Mais recentemente, a hipersensibilidade ao látex das luvas cirúrgicas ou aos materiais utilizados em ambiente hospitalar, tais como cateteres, sondas e cânulas, tem sido implicada em casos de anafilaxia durante o ato cirúrgico.

Durante a anestesia, a intubação traqueal constitui-se no mais vigoroso estímulo para o aparecimento do broncoespasmo. O uso do b2 de ação curta pode prevenir o aumento da resistência do sistema respiratório em situações anestésicas especiais(18).

O uso do corticosteróide inalatório reduz a HR e previne as exacerbações durante a cirurgia. Portanto, é fundamental alcançar o controle adequado da asma antes de qualquer procedimento e ter uma conduta segura no perioperatório(19).

4.ASMA NO LACTENTE

Em lactentes susceptíveis, a presença de atopia predispõe à sensibilização por alérgenos ambientais ou irritantes e, desse modo, a quadros recorrentes de sibilância, sendo a exposição precoce aos ácaros domésticos, fungos e antígenos derivados de animais muito importante para a sensibilização(20).

O desenvolvimento de atopia em fase precoce da vida parece relacionar-se à presença de HR das vias aéreas em idade posterior. Por outro lado, dados conflitantes apontam para o fato de que a asma iniciada nos dois primeiros anos de vida pode resultar em função pulmonar reduzida na idade adulta, indicando possível ação deletéria da asma no desenvolvimento da função pulmonar(21,22).

O Quadro 3 define risco de asma em lactentes. Aqueles que apresentam dois critérios maiores, sendo um deles o número 1 ou 2, ou aqueles que apresentarem dois critérios maiores e dois menores, devem ser considerados de alto risco para sibilância persistente e diagnóstico de asma(23).


O manejo do lactente com sibilância tem sido muito discutido, especialmente no que diz respeito ao uso dos corticosteróides inalatórios. É inequívoco o benefício desses medicamentos no tratamento da asma em todas as idades, mas há alguns argumentos que costumam ser debatidos quando se trata de lactentes(24-26).

Argumentos contra o uso de corticosteróides inalatórios em lactentes e pré-escolares:

•Nem sempre é possível identificar precocemente os asmáticos, e as crises de obstrução brônquica são devidas a várias doenças com diferentes fisiopatologias, vias aéreas estreitas e infecções virais, muitas vezes constituindo uma condição transitória e que só necessita de medicação sintomática.

•Cerca de 80% dos lactentes chiadores não continuarão a apresentar crises de obstrução brônquica na infância e adolescência. Com base em critérios clínicos, é muito difícil predizer se um lactente chiador será asmático no futuro.

•Nos lactentes chiadores, a maioria dos episódios de obstrução brônquica é de origem viral e, quando não há atopia associada, eles permanecem assintomáticos entre as crises.

•Recém-nascidos com baixo peso para a idade gestacional e filhos de mães fumantes têm função pulmonar reduzida, mas melhoram com o crescimento pulmonar.

•Existem poucos estudos em animais sobre o uso de corticosteróide inalatório e crescimento pulmonar e também poucos trabalhos sobre o uso de corticosteróide inalatório em lactentes. As conclusões obtidas, até o presente momento, mostram que há risco potencial de o uso de corticosteróide inalatório afetar o crescimento pulmonar, principalmente nos dois primeiros meses de vida e que o impacto da perda de fibras elásticas, na velhice, deverá ser maior na população que utilizou corticosteróide inalatório precocemente.

5.ASMA INDUZIDA PELO EXERCÍCIO

Os termos asma induzida pelo exercício (AIE) e broncoconstrição induzida pelo exercício (BIE) têm sido usados como sinônimos para expressar a resposta broncoespástica que alguns indivíduos apresentam ao se exercitar. Quarenta a noventa por cento dos asmáticos e 40% dos pacientes com rinite alérgica apresentam BIE(27,28).

A patogênese da BIE está associada ao fluxo de calor e água da mucosa brônquica em direção à luz do brônquio, com o objetivo de condicionar grandes volumes de ar que chegam ao trato respiratório inferior(28).

O exercício é o único precipitante natural da asma que induz taquifilaxia.Cerca de 45% dos pacientes com AIE apresentam um período refratário característico, durante o qual a manutenção do exercício não causa broncoespasmo. Quando o exercício é repetido após intervalos de 30 a 90 minutos, verifica-se que a broncoconstrição diminui ou não ocorre(27,29).A presença de um período refratário parece ser independente do grau de obstrução provocado pelo primeiro teste e inversamente relacionada ao tempo que separa as duas provocações consecutivas pelo exercício.

Outro aspecto controverso relacionado à BIE é a existência ou não de uma resposta tardia ao exercício (três a 12 horas após). Alguns estudos observaram uma resposta tardia ao exercício, com uma prevalência variando em torno de 10% a 89%(27,28,30). O diagnóstico de BIE é feito através da história clínica e do teste de desencadeamento com exercício monitorado pela função pulmonar.

A obstrução da via aérea costuma iniciar logo após o exercício, atingindo seu pico entre cinco e 10 minutos, após o que há remissão espontânea do broncoespasmo, com melhora total da função pulmonar em torno de 30 a 60 minutos. Os pacientes em crise de asma precipitada pelo exercício apresentam os mesmos sintomas observados em crises desencadeadas por outros estímulos(27,28).

A presença de BIE pode ser demonstrada em nível laboratorial através da queda de 10% do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) em relação ao VEF1 basal, pré-exercício. Alguns autores consideram que uma queda de 15% do VEF1 define um diagnóstico mais preciso(31,32).

Alternativamente, pode ser usado o pico de fluxo ou ainda a resistência e a condutância específica das vias aéreas. Beck et al. demonstraram que alterações na resistência pulmonar e no VEF1 produzem índices equivalentes de variação da função pulmonar induzida por exercício(33).

O objetivo do tratamento de pacientes com BIE é a profilaxia.

Episódios de BIE podem ser atenuados com a elaboração de uma escala personalizada de aquecimento antes da realização de um exercício físico vigoroso(34).

O controle mais efetivo, entretanto, é obtido com medicações. O primeiro passo no manejo da BIE deve ser o controle da asma subjacente. O tratamento regular da asma com corticóide inalatório costuma reduzir a magnitude da BIE em 50%(35).

Contudo, muitos pacientes necessitam tratamento adicional.

Os b2-agonistas inalatórios de curta duração, se utilizados 15 a 30 minutos antes do exercício, inibem a BIE. A duração desse efeito protetor é de quatro horas.

Os antileucotrienos também protegem de forma satisfatória a BIE, e seu uso regular parece não estar associado com tolerância e redução de seu efeito protetor(36,37).

Os b2-agonistas inalatórios de longa duração podem ser usados para impedir a BIE, porém a duração desse efeito protetor pode diminuir com o uso continuado(36,38).

As cromonas inalatórias atenuam a BIE em alguns pacientes. Seu efeito protetor usualmente dura em torno de duas a três horas(39).

6.REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
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