Open-access Pneumonia eosinofílica crônica

Chronic eosinophilic pneumonia

Resumos

Pneumonia eosinofílica crônica é uma entidade clínica rara que se caracteriza por infiltração alveolar e intersticial eosinofílica, de causa desconhecida. Os autores descrevem o caso de uma mulher branca de 49 anos, admitida por dispnéia aos mínimos esforços, de início insidioso e progressivo havia seis meses. Apresentava eosinofilia sérica e no escarro, radiografias de tórax com áreas de infiltração multifocais de distribuição irregular em ambos os pulmões e, na avaliação funcional pulmonar, distúrbio restritivo. O exame histopatológico de tecido pulmonar obtido por biópsia a céu aberto evidenciou pneumonia eosinofílica crônica. Houve marcada melhora clínica, radiológica e funcional após corticoterapia.

Eosinofilia pulmonar; Corticosteróides; Dispnéia; Pneumonia


Chronic eosinophilic pneumonia is a rare disease of unknown cause characterized by eosinophilic alveolar and interstitial infiltration. The authors describe the case of a 49-year-old caucasian woman, presenting dyspnea on minimum effort, with insidious beginning and progressive course in the last six months. The main findings were serum eosinophilia and in the sputum, chest radiographs showing multifocal infiltrations of irregular distribution in both lungs and a restrictive functional impairment. The patient was submitted to an open lung biopsy, which demonstrated a chronic eosinophilic pneumonia. There was a dramatic clinical, radiological, and functional response after corticosteroid therapy.

Chronic eosinophilic pneumonia; Eosinophilic lung diseases; Corticosteroid therapy


RELATO DE CASO

Pneumonia eosinofílica crônica*

ALESSANDRA ISABEL ZILLE1, CHRISTIANO PERIN2, GERALDO RESIN GEYER3, JORGE LIMA HETZEL4, ADALBERTO SPERB RUBIN5

Pneumonia eosinofílica crônica é uma entidade clínica rara que se caracteriza por infiltração alveolar e intersticial eosinofílica, de causa desconhecida. Os autores descrevem o caso de uma mulher branca de 49 anos, admitida por dispnéia aos mínimos esforços, de início insidioso e progressivo havia seis meses. Apresentava eosinofilia sérica e no escarro, radiografias de tórax com áreas de infiltração multifocais de distribuição irregular em ambos os pulmões e, na avaliação funcional pulmonar, distúrbio restritivo. O exame histopatológico de tecido pulmonar obtido por biópsia a céu aberto evidenciou pneumonia eosinofílica crônica. Houve marcada melhora clínica, radiológica e funcional após corticoterapia.

Chronic eosinophilic pneumonia

Chronic eosinophilic pneumonia is a rare disease of unknown cause characterized by eosinophilic alveolar and interstitial infiltration. The authors describe the case of a 49-year-old caucasian woman, presenting dyspnea on minimum effort, with insidious beginning and progressive course in the last six months. The main findings were serum eosinophilia and in the sputum, chest radiographs showing multifocal infiltrations of irregular distribution in both lungs and a restrictive functional impairment. The patient was submitted to an open lung biopsy, which demonstrated a chronic eosinophilic pneumonia. There was a dramatic clinical, radiological, and functional response after corticosteroid therapy.

Descritores – Eosinofilia pulmonar. Corticosteróides. Dispnéia. Pneumonia.

Key words – Chronic eosinophilic pneumonia. Eosinophilic lung diseases. Corticosteroid therapy.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho

PEC – Pneumonia eosinofílica crônica

LBA – Lavado broncoalveolar

VEF1 – Volume expiratório forçado no 1o segundo

CPT – Capacidade pulmonar total

CVF – Capacidade vital forçada

DCO – Coeficiente de difusão para o monóxido de carbono

TIFF – Índice de Tiffeneau

TCAR – Tomografia computadorizada de alta resolução

IgE – Imunoglobulina E sérica

INTRODUÇÃO

As pneumonias eosinofílicas perfazem um conjunto de síndromes distintas que possuem em comum o acometimento pulmonar por infiltrados associados à eosinofilia sanguínea e/ou no escarro(1,2).

A pneumonia eosinofílica crônica (PEC) é uma entidade clínica rara, que se caracteriza por infiltração alveolar e intersticial eosinofílica, com incidência maior no sexo feminino, de causa desconhecida(1,2). Seu reconhecimento ocorreu através do relato de casos de Carrington et al.(3) com a descrição dos achados em nove mulheres com doença subaguda caracterizada por sintomas respiratórios e sistêmicos, infiltrado pulmonar de configuração periférica à radiografia de tórax e marcada melhora clínica e radiológica após corticoterapia oral. Em três pacientes não havia eosinofilia periférica e em cinco, história prévia de atopia. Todos os casos foram confirmados por biópsia pulmonar a céu aberto.

Na maioria dos casos, o diagnóstico de PEC é formulado a partir da observação dos seguintes achados: a) infiltrado pulmonar na radiografia de tórax associado a eosinofilia periférica; b) evolução não esperada de processo pneumônico; ou c) presença de eosinofilia no lavado broncoalveolar (LBA).

A biópsia pulmonar constitui-se no método definitivo de diagnóstico, embora em algumas situações a presença de um quadro clínico compatível, com intensa eosinofilia no LBA, possa ser utilizada para o diagnóstico indireto da doença.

Embora o prognóstico a curto e a longo prazo dos pacientes com PEC tratados seja excelente, a maioria necessitará de tratamento continuado com baixas doses de corticóide oral a fim de prevenir recidivas(4).

O caso a seguir descreve a apresentação clínica e a resposta terapêutica típicas dessa doença pouco comum e, por isso, de especial interesse aos profissionais da área pneumológica.

RELATO DO CASO

Mulher branca, de 49 anos, procedente de Montenegro, RS, não tabagista, sem história de exposição ocupacional ou medicamentosa, admitida por dispnéia de início insidioso e progressivo nos últimos seis meses (nos últimos dois meses aos mínimos esforços), febrícula, tosse seca, anorexia e emagrecimento de 5kg nesse período. Negava tabagismo e asma na infância. Encontrava-se em bom estado geral, eupnéica, acianótica, sem hipocratismo digital. Auscultas cardíaca e pulmonar, sem alterações. Hematócrito, 31%; hemoglobina, 9,5g/dL; leucócitos totais, 9.930 (eosinófilos, 27%; linfócitos, 18%; neutrófilos, 49%), escarro com predomínio de eosinófilos no exame citológico diferencial.

Radiografias e TCAR de tórax na internação demonstravam áreas de infiltração multifocais com retrações fibroatelectásicas, sem broncoestenose, de distribuição irregular em ambos os pulmões, algumas dessas de caráter migratório (Figuras 1 e 2). Testes de função pulmonar demonstraram distúrbio ventilatório restritivo leve, sem resposta ao broncodilatador, com redução da DCO e da CPT (Tabela 1).



A paciente foi submetida a biópsia pulmonar a céu aberto no lobo médio, sendo retirado um fragmento que mediu 4,5 x 2,2 x 1,1cm. O exame anatomopatológico (Figura 3) revelou, na quase totalidade do parênquima amostrado, consolidação por exsudato constituído predominantemente por macrófagos e eosinófilos, os quais preenchiam pequenos espaços aéreos, incluindo bronquíolos respiratórios e membranosos. Na maior parte dos espaços alveolares, os macrófagos eram mais numerosos, enquanto em alguns focos a proporção se invertia a favor dos eosinófilos. Ocasionais células gigantes multinucleadas esparsas também foram encontradas, assim como poucos neutrófilos e mononucleares. No interstício havia infiltração mista, com predomínio de linfócitos, plasmócitos, histiócitos e eosinófilos, não tão relevante como a exsudação intra-alveolar. O diagnóstico anatomopatológico foi de pneumonia eosinofílica.


A paciente recebeu corticoterapia oral com prednisona, 40mg dose/dia, com excelente resposta clínica, radiológica e funcional após os três meses iniciais de tratamento (Figura 4). Manteve o tratamento por seis meses, com regressão progressiva da dose de prednisona até 10mg/dia, sem evidências de recidiva (seis meses de seguimento).


DISCUSSÃO

Pneumonia eosinofílica crônica é uma entidade clínica rara, caracterizada por infiltração alveolar e intersticial eosinofílica de causa desconhecida(1,2). Pode ocorrer em qualquer idade, porém o pico de incidência encontra-se na quinta década de vida, predominando no sexo feminino numa proporção de 2:1(5).

Os pacientes apresentam sintomas alguns meses antes do diagnóstico, como dispnéia progressiva, tosse, febre baixa, fadiga, sudorese noturna e moderada perda de peso. A tosse, que é geralmente seca no início, podendo ser produtiva mucóide com a evolução da doença, é um sintoma quase universal. A dispnéia é geralmente leve ou moderada. Hemoptise e sintomas extrapulmonares não são comuns. Cerca de dois terços dos pacientes apresentam antecedentes de atopia(4). História prévia de asma esteve presente em 52% dos casos na série de Marchand et al.(6). Insuficiência respiratória necessitando ventilação mecânica é muito rara na PEC(7).

A eosinofilia no escarro e no LBA é freqüente, porém eosinofilia periférica e IgE sérica elevada não estão presentes em todos os casos(5). Eosinofilia sanguínea é demonstrada em 60% a 90% dos pacientes, enquanto eosinofilia no LBA geralmente ocorre em todos os casos(8).

A radiografia de tórax caracteristicamente mostra consolidações homogêneas, geralmente bilaterais, na periferia do pulmão(1,2,4,5). Este padrão é descrito por muitos autores como sendo o reverso da imagem do edema pulmonar(9). O infiltrado pulmonar é migratório em até 25% dos casos. Cavitação, atelectasias e derrame pleural são raros(6).

Classicamente, a PEC é geralmente associada a um distúrbio ventilatório restritivo, ocorrendo obstrução quando associada a asma ou outra doença obstrutiva(3,5). Porém, em estudo multicêntrico que analisou retrospectivamente 62 casos de PEC, verificou-se que 68% dos pacientes apresentavam função pulmonar alterada, sendo que em mais da metade dos casos o distúrbio foi obstrutivo e não se limitou aos pacientes com história de asma ou atopia. Não foram encontrados distúrbios ventilatórios mistos nesse estudo e a DCO esteve reduzida em metade dos casos(6). Apesar de alguns estudos relatarem alteração obstrutiva, a apresentação restritiva é a mais característica e tida como clássica no que se refere ao seu padrão funcional.

No presente caso, a hipótese diagnóstica de PEC foi estabelecida baseando-se na história clínica compatível, eosinofilia periférica e do escarro, infiltrado pulmonar à radiografia de tórax, ausência de infecção evidente e resposta ao uso de corticosteróides. O exame anatomopatológico, como usualmente ocorre, confirmou o diagnóstico genérico de pneumonia eosinofílica, enquanto a subclassificação como PEC foi definida pelo quadro clínico.

O diagnóstico diferencial da PEC inclui infecções (especialmente tuberculose e doenças fúngicas como criptococose), sarcoidose, síndrome de Löeffler, pneumonia intersticial descamativa, bronquiolite obliterante com pneumonia organizante, pneumonia de hipersensibilidade crônica e granulomatose de Wegener(4).

A remissão espontânea da PEC raramente ocorre, podendo inclusive evoluir para padrão de fibrose pulmonar(6,10). Corticoterapia é o tratamento de escolha. A rápida resposta ao corticosteróide é característica na PEC, sendo o teste terapêutico freqüentemente utilizado para estabelecer o diagnóstico. Falha na resposta ao tratamento deve alertar o médico para a possibilidade de outros diagnósticos. Rápida melhora clínica, funcional e radiológica após o uso de corticóide tem sido relatada em todas as séries(3,6,10). A completa regressão dos sintomas ocorre em duas ou três semanas e a normalização da radiografia dentro de dois meses.

Atualmente, o tratamento inicial é realizado com prednisona na dose aproximada de 40mg/dia por 10 a 14 dias, seguido de esquema de doses regressivas por no mínimo seis meses(1). Evidência clínica, hematológica ou radiológica de recidiva da doença ocorre em grande parte dos pacientes (48 a 80%) quando há suspensão ou diminuição da dose da medicação. As recidivas da doença permanecem, no entanto, prontamente responsivas à corticoterapia(5,6,10).

A tendência atual é de suspender a terapia após seis meses nos pacientes sem asma grave, já que esquemas terapêuticos mais prolongados não diminuíram o número de recidivas após sua suspensão. Contudo, em estudo recente, a terapia prolongada foi necessária na maioria dos casos; 69% dos pacientes seguidos por mais de um ano ainda continuavam sob tratamento devido a recidivas freqüentes ou à presença de asma grave(6). Em relato de caso recente foi sugerido que a prevenção das recidivas pode ser controlada com sucesso através do uso isolado de corticosteróides inalatórios (fluticasona 880mg duas vezes ao dia)(11).

O prognóstico a longo prazo da PEC é excelente, não havendo relatos na literatura de óbitos relacionados à doença. Porém, o desenvolvimento de asma (muitas vezes grave) ou de um distúrbio respiratório obstrutivo pode ocorrer em mais da metade dos casos, incluindo pacientes sem história prévia de atopia(6,12). Relatos de progressão para fibrose pulmonar já foram feitos, mas tal evolução parece ser rara(13).

1. Residente de Pneumologia.

2. Doutorando.

3. Patologista do Laboratório Geyer associado ao Pavilhão Pereira Filho.

4. Pneumologista do Pavilhão Pereira Filho; Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia.

5. Pneumologista do Laboratório de Função Pulmonar do Pavilhão Pereira Filho; Professor Substituto do Departamento de Medicina Interna.

Endereço para correspondência – Dr. Adalberto Sperb Rubin, Rua Almirante Abreu, 246/402 – 90420-010 – Porto Alegre, RS. Tel. (51) 3332-2629; fax (51) 3330-1813; e-mail: arubin@terra.com.br

Recebido para publicação em 26/10/01. Aprovado, após revisão, em 21/6/02.

Referências bibliográficas

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  • *
    Trabalho realizado no Pavilhão Pereira Filho Serviço de Doenças Pulmonares do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Porto Alegre, RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2002
    • Data do Fascículo
      Set 2002

    Histórico

    • Aceito
      21 Jun 2002
    • Recebido
      26 Out 2001
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