Open-access Estudo comparativo de critérios para o diagnóstico de tuberculose em crianças atendidas em centro de saúde

Comparative study of criteria for the diagnosis of tuberculosis in children seen in a health care center

Resumos

Panorama geral: Considerando a dificuldade de estabelecer o diagnóstico de tuberculose na infância, estudaram-se três critérios diagnósticos publicados na literatura nos últimos 20 anos, avaliando suas sensibilidades, especificidades e acurácias. Casuística e métodos: Prospectivamente, foram avaliadas 94 crianças de zero a 15 anos, comunicantes intradomiciliares de adultos tuberculosos bacilíferos, no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias, RJ. Os critérios estudados foram os de Kenneth Jones, descritos por Stegen et al.(1), da Organização Mundial da Saúde (OMS)(2) e de Keith Edwards relatados por Crofton et al.(3). Resultados: Dos critérios estudados, os de Keith Edwards foram os que mostraram maior sensibilidade e especificidade, alcançando, respectivamente, 84% e 97%. Os critérios da OMS mostraram especificidade de 100%; no entanto, sua sensibilidade foi zero. Os critérios de Kenneth Jones alcançaram sensibilidade de 56% e especificidade de 94%. Conclusões: Em regiões carentes, como a localidade deste estudo, onde são necessárias condutas de fácil operacionalização, os critérios estudados mostraram-se adequados para captação de casos de tuberculose entre crianças comunicantes de tuberculosos. Dos três, os de Keith Edwards foram mais úteis, embora possam ser recomendadas algumas modificações para melhor adaptação ao nosso meio.

Tuberculose; Criança; Centros comunitários de saúde


Setting: Considering the difficulty to establish diagnosis of tuberculosis in childhood, the authors studied three diagnostic criteria published in the literature in the last 20 years, evaluating their sensitivity, specificity, and accuracy. Material and methods: In a prospective study, 94 children at ages ranging from 0 to 15 years having contact with bacillary tuberculous adults were studied in the Municipal Health Center of Duque de Caxias, Rio de Janeiro. The following criteria were studied: Keneth Jones, described by Stegen et al.(1), World Health Organization(2) and Keith Edwards, described by Crofton et al.(3). Results: Among the criteria studied, those of Keith Edwards showed the best sensitivity and specificity, with 84% and 97%, respectively. WHO criterion showed a 100% specificity but zero sensitivity. Keneth Jones criterion showed 56% sensitivity and a 94% specificity. Conclusion: In poor areas, such as that of this study, where easy-to-handle operational methods are required, the criteria studied proved to be adequate to detect tuberculosis cases in children in contact with tuberculous adults. Those of Keith Edwards were the most useful although some changes are necessary for a better adaptation to Brazil.

Tuberculosis; Child; Community health care centers


ARTIGO ORIGINAL

Estudo comparativo de critérios para o diagnóstico de tuberculose em crianças atendidas em centro de saúde*

MÁRCIA NOGUEIRA CARREIRA1, CLEMAX COUTO SANT'ANNA2

Panorama geral: Considerando a dificuldade de estabelecer o diagnóstico de tuberculose na infância, estudaram-se três critérios diagnósticos publicados na literatura nos últimos 20 anos, avaliando suas sensibilidades, especificidades e acurácias. Casuística e métodos: Prospectivamente, foram avaliadas 94 crianças de zero a 15 anos, comunicantes intradomiciliares de adultos tuberculosos bacilíferos, no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias, RJ. Os critérios estudados foram os de Kenneth Jones, descritos por Stegen et al.(1), da Organização Mundial da Saúde (OMS)(2) e de Keith Edwards relatados por Crofton et al.(3). Resultados: Dos critérios estudados, os de Keith Edwards foram os que mostraram maior sensibilidade e especificidade, alcançando, respectivamente, 84% e 97%. Os critérios da OMS mostraram especificidade de 100%; no entanto, sua sensibilidade foi zero. Os critérios de Kenneth Jones alcançaram sensibilidade de 56% e especificidade de 94%. Conclusões: Em regiões carentes, como a localidade deste estudo, onde são necessárias condutas de fácil operacionalização, os critérios estudados mostraram-se adequados para captação de casos de tuberculose entre crianças comunicantes de tuberculosos. Dos três, os de Keith Edwards foram mais úteis, embora possam ser recomendadas algumas modificações para melhor adaptação ao nosso meio.

Comparative study of criteria for the diagnosis of tuberculosis in children seen in a health care center

Setting: Considering the difficulty to establish diagnosis of tuberculosis in childhood, the authors studied three diagnostic criteria published in the literature in the last 20 years, evaluating their sensitivity, specificity, and accuracy. Material and methods: In a prospective study, 94 children at ages ranging from 0 to 15 years having contact with bacillary tuberculous adults were studied in the Municipal Health Center of Duque de Caxias, Rio de Janeiro. The following criteria were studied: Keneth Jones, described by Stegen et al.(1), World Health Organization(2) and Keith Edwards, described by Crofton et al.(3). Results: Among the criteria studied, those of Keith Edwards showed the best sensitivity and specificity, with 84% and 97%, respectively. WHO criterion showed a 100% specificity but zero sensitivity. Keneth Jones criterion showed 56% sensitivity and a 94% specificity. Conclusion: In poor areas, such as that of this study, where easy-to-handle operational methods are required, the criteria studied proved to be adequate to detect tuberculosis cases in children in contact with tuberculous adults. Those of Keith Edwards were the most useful although some changes are necessary for a better adaptation to Brazil.

Descritores — Tuberculose, diagnóstico. Criança. Centros comunitários de saúde.

Key words — Tuberculosis, diagnosis. Child. Community health care centers.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho
IC — Intervalo de confiança
VP+ Valor preditivo positivo
VP— Valor preditivo negativo

INTRODUÇÃO

Devido à grande dificuldade de comprovação pelos métodos bacteriológicos, o diagnóstico de tuberculose na criança baseia-se, na maioria das vezes, na história de contato recente com adulto tuberculoso, aliada a dados clínicos, radiológicos e tuberculínicos, havendo, pois, a possibilidade evidente de um número variável de resultados falso-positivos ou falso-negativos(4-9). Entretanto, na investigação da criança comunicante de tuberculosos bacilíferos, a proporção de tais resultados falso-positivos e falso-negativos diminui acentuadamente, pois a incidência da tuberculose entre comunicantes é muito maior do que na população geral(2).

Em 1969, Stegen et al.(1), baseados na dificuldade da comprovação bacteriológica na tuberculose infantil, nos achados radiológicos freqüentemente atípicos e no exame físico incaracterístico, criaram critérios diagnósticos de pontuação. Este sistema de avaliação foi baseado nos critérios de Jones para o diagnóstico de febre reumática. March et al.(10), aplicando retrospectivamente tal critério em crianças com tuberculose, no ambulatório de pneumologia infantil de hospital universitário de Niterói (RJ), constataram que este guia diagnóstico teria permitido diagnosticar todos os casos, mesmo em serviços de baixa complexidade. Ferreira(11) avaliou o mesmo critério em crianças internadas em hospital de Nilópolis, Baixada Fluminense (RJ), correlacionando-o com o estudo bacteriológico. Obteve especificidade de 83%, valor preditivo positivo de 92%, sensibilidade de 65% e valor preditivo negativo de 45%. Em 1986, Tidjani et al.(2), membros da OMS, criaram outros critérios para o diagnóstico de probabilidade da tuberculose na infância. Estes foram utilizados na avaliação de 1.421 crianças comunicantes domiciliares de tuberculose em Lomé, Togo, e em Bangcoc, Tailândia(12). Crofton et al.(3) descreveram os critérios diagnósticos utilizados em Papua Nova Guiné por Keith Edwards que, segundo os autores, vêm sendo empregados com sucesso há muitos anos.

Em 1990, no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da UFRJ, no Rio de Janeiro, um dos autores começou a empregar critérios para o diagnóstico de tuberculose na infância, em comunicantes ou não de tuberculosos, baseados em algoritmo e não em pontuação. Este sistema vem sendo utilizado em estudos prévios(13,14) e foi avalizado pelo Comitê de Doenças do Aparelho Respiratório da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ) e pelas Secretarias (municipal e estadual) de Saúde do Rio de Janeiro, em fórum sobre tuberculose na infância(15).

O presente trabalho tem por objetivo analisar a sensibilidade, especificidade, os valores preditivos e a acurácia dos critérios diagnósticos de tuberculose pulmonar na infância, descritos por Kenneth Jones, OMS e Keith Edwards, em crianças comunicantes de tuberculosos, atendidas em nível ambulatorial em Centro de Saúde da Baixada Fluminense (RJ).

CASUÍSTICA E MÉTODOS

O estudo foi realizado prospectivamente com 94 crianças de zero a 15 anos, comunicantes intradomiciliares de adulto tuberculoso bacilífero, no Setor de Tisiologia do Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias, RJ.

As crianças foram submetidas às seguintes avaliações:

a) clínica — interrogadas quanto a idade, sexo, vacinação prévia com BCG (era considerada vacinada a criança que apresentasse cicatriz vacinal), ocorrência de febre e tosse. Antecedentes pessoais de cardiopatia, doença neurológica ou de asma brônquica. A avaliação do estado nutricional baseou-se em Nóbrega(16).

b) radiológica — as imagens anormais à radiografia de tórax foram classificadas em:

1) condensação pulmonar sem adenomegalia hilar ou mediastinal e sem comprometimento pleural evidente, denominada forma pneumônica (P).

2) condensação pulmonar associada a aumento ganglionar hilar ou mediastinal, denominada forma pneumoganglionar (PG).

3) condensação pulmonar associada a derrame pleural, denominada forma pleuropulmonar (PP).

4) adenomegalia hilar ou mediastinal sem comprometimento pulmonar ou pleural evidentes, denominada forma ganglionar (G).

5) infiltrado pulmonar intersticial difuso, com lesões micronodulares disseminadas, denominada forma miliar (M).

6) outros padrões — miscelânea.

Foram consideradas imagens típicas de tuberculose as formas: ganglionar, pneumoganglionar, miliar.

c) tuberculínica — foi utilizada a reação intradérmica de Mantoux, segundo as normas oficiais(17). As crianças com menos de dois anos vacinadas com BCG eram consideradas infectadas quando a reação ao teste tuberculínico fosse igual ou maior que 15mm(15,18,19).

Critério utilizado para o diagnóstico de tuberculose em criança comunicante de tuberculose (padrão-ouro):

Baseando-se nos critérios do IPPMG, foi considerado caso de tuberculose pulmonar o paciente que preenchesse um dos critérios abaixo:

1) comunicante assintomático ou com febre de duração inferior a 15 dias quando a radiografia de tórax evidenciasse:

— formas radiológicas típicas de tuberculose e teste tuberculínico reator;

—formas típicas de tuberculose com teste tuberculínico não reator após 15 dias de antibioticoterapia com drogas sem ação comprovada contra o Mycobacterium tuberculosis mantendo a imagem radiológica;

—formas atípicas de tuberculose que mantivesse a imagem radiológica após 15 dias de antibioticoterapia com drogas sem ação comprovada contra o M. tuberculosis com teste tuberculínico reator.

2) comunicante com febre de duração igual ou superior a 15 dias, associada ou não a outros achados clínicos, com qualquer dos padrões radiológicos acima descritos.

Formação de grupos

Após a aplicação do critério utilizado como padrão-ouro, os comunicantes foram separados em grupo 1: sadios — 50 crianças; grupo 2: tuberculosos — 25 crianças; grupo 3: outras pneumonias — 19 crianças.

As crianças tuberculosas foram tratadas com esquema RIP por seis meses, de acordo com as normas do Ministério da Saúde (MS) com acompanhamento clínico mensal e controle radiológico ao término do 3o e do 6o mês de tratamento(17).

Critérios diagnósticos analisados

Os grupos foram analisados quanto à pontuação pelos critérios de Kenneth Jones(1), da OMS(2) e de Keith Edwards(3).

Pelos critérios de Kenneth Jones, quando o somatório totaliza sete pontos ou mais, é considerada tuberculose inquestionável; cinco a seis pontos, tuberculose provável, sendo necessários dados auxiliares como presença de febre, VHS elevada para justificar a terapêutica; três a quatro pontos, tuberculose possível; e menos de três pontos, a tuberculose é improvável (Quadro 1). No presente estudo foram considerados casos de tuberculose os que obtivessem o total de seis pontos ou mais.


Os critérios da OMS consideram caso de tuberculose quando o somatório alcança seis pontos ou mais (Quadro2).


Os critérios diagnósticos de Keith Edwards são constituídos por três etapas. A primeira avalia a duração dos sintomas, o estado nutricional e a história de contato com tuberculoso (Quadro 3). A seguir, são analisados outros achados de exame físico e do teste tuberculínico, como descritos no Quadro 4. Quando o escore for de sete ou mais, tratar como tuberculose. Quando não alcançar os sete pontos, deve ser seguido o algoritmo descrito.



Análise estatística

Os dados foram armazenados em microcomputador e analisados com auxílio do pacote estatístico Epi-info 6, através de medidas de freqüência e nas tabelas de contingência 2x2, de cálculo de sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivos e negativos, respectivos intervalos de confiança (IC) e acurácia. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

RESULTADOS

Análise geral da casuística

Foram estudados 94 comunicantes de tuberculose pulmonar, cuja média de idade foi 6,6 anos (variando de quatro meses a 15 anos). Cinqüenta e um (54%) eram do sexo feminino e 43 (46%) do masculino. Oitenta e três (88%) crianças eram vacinadas com BCG e 11 (12%) não eram vacinadas. O teste tuberculínico foi reator forte em 55 (59%) crianças, em três (3%) foi reator fraco, em 21 (22%) foi não reator e 15 (6%) não realizaram o teste. Vinte quatro (25,5%) crianças apresentaram algum grau de desnutrição protéico-calórica, as restantes eram eutróficas. Oito (8,5%) crianças tiveram tosse como sintoma isolado, três (3%) só apresentaram febre e 22 (23%) tosse associada à febre; os restantes eram assintomáticos. Havia história de asma brônquica em 11 (12%) crianças; um (1%) tinha história de encefalopatia e um (1%) de anemia falciforme.

Exame radiológico

Por definição, todas as crianças sadias (grupo 1) tinham radiografia de tórax normal. As formas radiológicas de tuberculose evidenciadas no grupo 2 foram: miliar, uma (4%); pneumônica, 12 (48%); ganglionar, duas (8%); pneumoganglionar, dez (40%); a forma pleural não foi evidenciada. Com outras pneumonias (grupo 3) apresentavam condensação pulmonar 18 (95%) crianças e comprometimento pleural uma (5%).

Avaliação dos critérios clínicos para o diagnóstico de tuberculose pulmonar

Critérios de Kenneth Jones

Todos os componentes da casuística já iniciaram a avaliação deste critério com dois pontos, pois eram comunicantes de foco bacilífero conhecido. Das 94 crianças, 34 obtiveram dois pontos nos critérios de Kenneth Jones e foram consideradas sadias. Quinze obtiveram três pontos, sendo uma destas considerada tuberculosa e as demais sadias. Três obtiveram quatro pontos, sendo consideradas tuberculosas. Vinte quatro comunicantes obtiveram cinco pontos, sendo que 16 foram considerados sadios, um tinha outra pneumonia e sete deles, tuberculose.

Dezoito comunicantes alcançaram seis ou mais pontos; quatro foram considerados como tendo outras pneumonias. Os 14 casos que obtiveram seis pontos ou mais confirmaram o diagnóstico de tuberculose.

A Tabela 1 mostra a pontuação dos critérios de Kenneth Jones nos três grupos.

A sensibilidade destes critérios, quando utilizado ponto de corte seis ou mais, foi de 56% e sua especificidade de 94%. O valor preditivo positivo (VP+) foi de 77,8%, o valor preditivo negativo (VP—), 85,5% e a acurácia, 84% (Tabela 2).

Critérios da OMS

Os pacientes que compunham o grupo de sadios não alcançaram os seis pontos necessários para o diagnóstico de tuberculose, através dos critérios da OMS. Os pacientes tuberculosos obtiveram a seguinte pontuação: dez, zero pontos; dez, três pontos; cinco, quatro pontos. No grupo de outras pneumonias havia dois com —6 pontos, 15 com —9 pontos e dois com zero pontos (Tabela 3). A sensibilidade foi zero e a especificidade, 100% (Tabela 3).

Quando se aplicam os critérios da OMS após um mês de tratamento com tuberculostáticos, adotando o ponto de corte de seis nas crianças tuberculosas, duas obtiveram três pontos; dez, seis pontos; e cinco, sete pontos. A sensibilidade foi zero, mantendo a especificidade de 100%. O VP+ foi zero, o VP—, 73,4% e a acurácia, 100% (Tabela 4).

Critérios de Keith Edwards

Estes critérios permitiram o diagnóstico de tuberculose em 21 das 25 crianças tuberculosas. Consideraram como tuberculosas duas crianças com outras pneumonias e afastaram o diagnóstico nas outras 17, como também em todas as sadias. Desta forma, evidenciou-se sensibilidade de 84% e especificidade de 97%; VP+ de 91%, VP— de 94% e acurácia de 100% (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Neste estudo analisamos as características de três critérios diagnósticos de tuberculose descritos na literatura, num grupo com alta prevalência da doença, isto é, comunicantes de adultos tuberculosos. Calcula-se que 38% dos comunicantes pediátricos de focos bacilíferos desenvolvam tuberculose em contraposição a 18%, no caso de pacientes tuberculosos com baciloscopia direta negativa(20,21).

A importância destes critérios deve-se à sua fundamentação na prática clínica, ao propósito de reduzir custos e à facilidade operacional nos serviços públicos. Por outro lado, sabe-se que a sensibilidade e a especificidade da cultura para M. tuberculosis do lavado gástrico, do escarro e de outros métodos menos convencionais, como o teste ELISA, aumentam quando são utilizados critérios diagnósticos bem selecionados(11,14,22). Uma das críticas aos sistemas de pontuação estudados no presente trabalho é que os escores numéricos foram arbitrários. Nesse sentido, mais recentemente, peritos internacionais propuseram novo escore, baseado em métodos matemáticos, reconhecendo que não existe padrão-ouro para o diagnóstico de tuberculose na infância(23).

Dos critérios estudados, os de Keith Edwards foram os que mostraram maior sensibilidade e especificidade, alcançando, respectivamente, 84% e 97%, e sua acurácia foi 100%. Os critérios da OMS mostraram especificidade de 100%, demonstrando alta capacidade de exclusão da doença entre comunicantes; no entanto, sua sensibilidade foi zero, mesmo quando aplicados após um mês de tratamento. Os critérios de Kenneth Jones obtiveram sensibilidade de 56%, especificidade de 94% e acurácia de 84%, valores menores do que os encontrados por Ferreira(11) em crianças internadas em hospital da Baixada Fluminense, RJ. As discrepâncias nos resultados provavelmente são devidas à diferença de gravidade e de extensão da doença nas crianças estudadas. Os critérios da OMS, utilizando-se seis como ponto de corte, não fariam o diagnóstico de nenhum dos casos de tuberculose. Neste sentido, Chaulet(24) critica os critérios diagnósticos que utilizam como parâmetros a melhora com tratamento antituberculose, pois estes perdem em parte seu objetivo, que é permitir a instituição precoce desse tratamento. Três pacientes do grupo de tuberculosos que não obtiveram diagnóstico da doença através dos critérios de Kenneth Jones não realizaram o teste tuberculínico, apesar de apresentarem sintomas há mais de 15 dias. Talvez a realização do teste nesses pacientes contribuísse para o diagnóstico, aumentando a sensibilidade desses critérios. Os três casos obtiveram o diagnóstico através dos critérios de Keith Edwards, justamente por valorizar a duração dos sintomas e o estado nutricional. Os pacientes do grupo de tuberculosos que não tiveram seu diagnóstico confirmado através dos critérios de Keith Edwards foram crianças com pneumonia, cujas imagens radiológicas pulmonares se mantiveram inalteradas após 15 dias de antibioticoterapia para germes comuns. Por estes critérios que não são utilizados exclusivamente por comunicantes de tuberculosos, seriam empregados dois antibióticos diferentes e, em caso de manutenção da imagem radiológica, seria diagnosticada tuberculose.

Os critérios de Keith Edwards permitiram o maior número de diagnósticos de tuberculose em nossa casuística, devido a seus elevados VP+, VP—, especificidade, sensibilidade e acurácia. Entretanto, algumas adaptações a estes critérios devem ser feitas para nossa realidade. No Rio de Janeiro e em muitos Estados brasileiros, a malária não é doença endêmica, não se justificando a instituição de tratamento para tal doença, em criança com suores noturnos. Entre nós, este sintoma é mais sugestivo de tuberculose mesmo. Algumas de suas vantagens são: a valorização da duração dos sintomas, do estado nutricional, além do teste tuberculínico e da radiografia torácica. A resposta a antibióticos para germes comuns, no entanto, poderia ser revista, pois em comunicantes de tuberculosos, com condensação pulmonar que não respondem a antibioticoterapia inespecífica por 15 dias nas doses usuais, não se justificaria a utilização de outro antibiótico. Foi justamente esta medida que tornou elevada a especificidade dos critérios da OMS. Vários autores relatam que a pneumonia de evolução lenta é uma apresentação freqüente da tuberculose na infância, o que não se aplica às pneumonias recidivantes, que devem ser investigadas quanto à aspiração de corpo estranho, doenças alérgicas e imunológicas, fibrose cística, cardiografias congênitas acompanhadas de aumento da circulação pulmonar (11,13,14,22,25).

Nas regiões desprovidas de recursos, como a localidade do nosso estudo, onde são necessárias avaliações diagnósticas de fácil operacionalização, os critérios estudados são adequados para captação de casos de tuberculose entre comunicantes. Dos três, os de Keith Edwards mostraram-se mais úteis, embora possam ser recomendadas as seguintes modificações: no quadro de escore complementar, onde é avaliada a presença de suores noturnos, ao qual confere dois pontos quando este sintoma não responde a tratamento antimalária, tal medida poderia ser retirada em áreas não endêmicas da doença e conferidos os dois pontos sem necessidade desse tratamento.

Outra modificação proposta seria naqueles que não obtiveram seis pontos, apresentam condensação pulmonar à radiografia de tórax e não respondem a antibioticoterapia inespecífica por sete dias e nos quais se indica o curso adicional de antibióticos por uma semana. Diante dos principais patógenos nas pneumonias da infância e em se tratando de comunicantes de tuberculose pulmonar bacilífera, não se justificaria a instituição de um segundo curso de antibiótico, haja vista o risco de tuberculose no grupo. No entanto, a duração do tratamento poderia estender-se por cerca de 15 dias, até novo controle radiológico nos pacientes que apresentarem melhora clínica, pois muitas vezes o desaparecimento da imagem radiológica pode ser lento.

Cabem mais considerações a partir do presente trabalho: a desnutrição, que no Brasil e nos países em desenvolvimento ainda está muito ligada à carência nutricional e que propicia diversos problemas infecciosos, foi mais elevada entre os tuberculosos, sendo parâmetro responsável pela elevada sensibilidade encontrada nos critérios de Keith Edwards; a imagem radiológica de condensação pulmonar foi mais freqüente na etiologia não tuberculosa (outras pneumonias); por isso, justifica-se a antibioticoterapia com drogas sem ação comprovada contra o M. tuberculosis na presença de condensação pulmonar à radiografia de tórax de comunicantes de tuberculose, com tosse e ou febre com duração inferior a 15 dias.

Uma das limitações do presente estudo é o fato de termos adotado como padrão-ouro um sistema que valoriza dados clínico-radiológicos e epidemiológicos e não a cultura positiva para M. tuberculosis. Tal se deveu à dificuldade de obtenção de positividade à cultura, fato conhecido em Pediatria. Por outro lado, a boa correlação entre nosso padrão-ouro e a comprovação bacteriológica em casos de tuberculose pulmonar na infância já constatada anteriormente(14), aliada aos resultados do presente trabalho, encorajam-nos a recomendá-lo na prática pediátrica de unidades de saúde de baixa complexidade, em detrimento dos demais critérios diagnósticos aqui estudados.

1. Médica Pneumologista; Mestre em Medicina (Tisiologia e Pneumologia) pelo ITP-UFRJ.

2. Professor Adjunto Doutor da Faculdade de Medicina da UFRJ, Departamento de Pediatria; Orientador da dissertação de mestrado.

Endereço para correspondência — Rua Conde de Bonfim, 369, sl. 506 — Tijuca — 20520-054 — Rio de Janeiro, RJ.

Recebido para publicação em 10/5/99. Reapresentado em 10/4/00. Aprovado, após revisão, em 26/5/00.

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  • *
    Trabalho realizado no Centro de Saúde de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado (A.C. Tisiologia e Pneumologia) da autora principal, apresentada ao Instituto de Tisiologia e Pneumologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ITP-UFRJ), aprovada em março de 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Recebido
      10 Maio 1999
    • Aceito
      26 Maio 2000
    location_on
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento de Patologia, Laboratório de Poluição Atmosférica, Av. Dr. Arnaldo, 455, 01246-903 São Paulo SP Brazil, Tel: +55 11 3060-9281 - São Paulo - SP - Brazil
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