Open-access Pneumonia grave por "Chlamydia psittaci"

Severe pneumonia due to Chlamydia psittaci

Resumos

A psitacose, também conhecida como ornitose, é causada pela Chlamydia psittaci; caracteriza-se por doença de início insidioso, sintomas brandos e inespecíficos, lembrando infecção de vias aéreas superiores. Acomete principalmente o pulmão, sendo raramente doença sistêmica e fatal. Descreve-se um caso raro de pneumonia por Chlamydia psittaci que evoluiu para insuficiência respiratória aguda, necessitando de ventilação mecânica. Destaca-se a importância em considerar o diagnóstico, especialmente em casos de pneumonia comunitária que evolui de modo insatisfatório, que não responde à terapia antimicrobiana e cuja epidemiologia é positiva para exposição às aves. O diagnóstico precoce é fundamental devido à excelente resposta terapêutica. O diagnóstico tardio pode levar a curso grave e fatal da doença.

Pneumonia por micoplasma; Ornitose


Psittacosis, also known as ornithosis, is a disease caused by Chlamydia psittaci. The most common clinical presentation is insidious onset, mild symptoms resembling a nonspecific viral illness and preference for the lungs. It is rarely a systemic and fatal disease. It is described a rare case of pneumonia due to Chlamydia psittaci that progressively developed into respiratory failure, requiring mechanical ventilation. It is very important to consider psittacosis in cases of atypical pneumonia whose evolution is unsatisfactory, with no response to antimicrobial therapy and epidemiology is positive for exposure to birds. Prompt recognition is vital as the response to appropriate treatment is excellent. Delayed diagnosis may lead to a severe course and fatal outcome.

Mycoplasma pneumonia; Ornithosis


RELATO DE CASO

Pneumonia grave por "Chlamydia psittaci"*

CRISTIANE MOSCHIONI1, HENRIQUE PEREIRA FARIA1, MARCO ANTÔNIO SOARES REIS2, ESTEVÃO URBANO SILVA3

A psitacose, também conhecida como ornitose, é causada pela Chlamydia psittaci; caracteriza-se por doença de início insidioso, sintomas brandos e inespecíficos, lembrando infecção de vias aéreas superiores. Acomete principalmente o pulmão, sendo raramente doença sistêmica e fatal. Descreve-se um caso raro de pneumonia por Chlamydia psittaci que evoluiu para insuficiência respiratória aguda, necessitando de ventilação mecânica. Destaca-se a importância em considerar o diagnóstico, especialmente em casos de pneumonia comunitária que evolui de modo insatisfatório, que não responde à terapia antimicrobiana e cuja epidemiologia é positiva para exposição às aves. O diagnóstico precoce é fundamental devido à excelente resposta terapêutica. O diagnóstico tardio pode levar a curso grave e fatal da doença. (J Pneumol 2001;27(4):219-222)

Severe pneumonia due to Chlamydia psittaci

Psittacosis, also known as ornithosis, is a disease caused by Chlamydia psittaci. The most common clinical presentation is insidious onset, mild symptoms resembling a nonspecific viral illness and preference for the lungs. It is rarely a systemic and fatal disease. It is described a rare case of pneumonia due to Chlamydia psittaci that progressively developed into respiratory failure, requiring mechanical ventilation. It is very important to consider psittacosis in cases of atypical pneumonia whose evolution is unsatisfactory, with no response to antimicrobial therapy and epidemiology is positive for exposure to birds. Prompt recognition is vital as the response to appropriate treatment is excellent. Delayed diagnosis may lead to a severe course and fatal outcome.

Descritores ¾ Pneumonia por micoplasma. Ornitose.
Key words ¾ Mycoplasma pneumonia. Ornithosis. Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho
FC ¾ Freqüência cardíaca
Bpm ¾ Batimentos por minuto
FR ¾ Freqüência respiratória
Ipm ¾ Incursões por minuto
PaO2¾ Pressão parcial de oxigênio no sangue arterial
PaCO2¾ Pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial
SatO2¾ Saturação de oxigênio
HCO3¾ Bicarbonato
BE ¾ Excesso de base

INTRODUÇÃO

Em 1893, Morange descreveu um agente infeccioso transmitido por papagaios que causava, em humanos, infecção no trato respiratório semelhante à gripe(1). Denominou essa doença de psitacose, da palavra grega psittacus, papagaio. Em 1930, o microrganismo foi identificado em vários laboratórios e posteriormente incluído no gênero Chlamydia e na espécie Chlamydia psittaci. Atualmente, mais de 130 espécies de aves já foram documentadas como hospedeiras da bactéria(2). A maioria das infecções em humanos resulta do contato com pássaros infectados e decorre da inalação do microrganismo(3,4). O nome psitacose persistiu, apesar de o termo ornitose descrever com mais exatidão o potencial que qualquer pássaro tem de ser um vetor na transmissão da doença(5).

RELATO DO CASO

Homem de 16 anos, procedente de Medina, MG, estudante, não tabagista, previamente hígido. Foi internado, com relato de ter iniciado, havia dez dias, quadro de tosse seca, febre alta (39oC), mal-estar, mialgia, dor abdominal difusa, queda do estado geral, dor em região escapular esquerda que evoluiu para dor torácica ventilatório-dependente e taquipnéia progressiva. À admissão, encontrava-se febril (38,7oC), taquicárdico (FC = 120bpm), taquipnéico (FR = 28ipm), ausculta pulmonar revelando sons respiratórios reduzidos e crepitações em ambas as bases, hepatomegalia dolorosa (fígado a 8cm do rebordo costal direito), esplenomegalia Boyd I. A radiografia de tórax mostrava infiltrado intersticial difuso. A gasometria arterial revelava hipoxemia com baixa saturação de oxigênio (pH = 7,37, PaO2 = 51mmHg, PaCO2 = 36mmHg, SatO2 = 85%, HCO3 = 20mmol/l, BE = ¾4mmol/l). O hemograma mostrava hemoglobina = 12,1g/dl; hematócrito = 34%;leucócitos totais = 2.800/mm3; bastonetes = 10%, segmentados = 67%; eosinófilos = 1%; basófilos = 0; linfócitos = 19%; monócitos = 3%. Uréia = 38, creatinina = 0,6.

A hipótese de diagnóstico foi de pneumonia comunitária grave e, então, iniciados ceftriaxona e claritromicina. Doze horas após a admissão, evoluiu com piora importante do padrão respiratório, sendo transferido para o Centro de Terapia Intensiva (CTI), onde progrediu para insuficiência respiratória aguda e síndrome da angústia respiratória do adulto (SARA), sendo intubado, colocado em ventilação mecânica. Foram acrescentados oxacilina, gentamicina e sulfametoxazol-trimetoprim. O paciente evoluiu com instabilidade hemodinâmica, piora do padrão radiológico, miose e ptose palpebral no olho esquerdo.

Os familiares relataram que o paciente possuía pequena criação de pombos. Foi adicionada ao esquema de antibióticos doxiciclina e suspenso sulfametoxasol-trimetoprim, colhida secreção traqueal para pesquisa de Chlamydia e sorologia para HIV. O paciente evoluiu com melhora do quadro e boa resposta antimicrobiana, sendo extubado oito dias após. Chlamydia psittaci foi detectada na secreção traqueal através da imunofluorescência com anticorpo monoclonal. A sorologia para HIV foi negativa. O paciente recebeu alta do CTI, sendo transferido para a enfermaria, onde apresentou boa evolução, porém, mantendo miose e ptose palpebral esquerda. Teve alta hospitalar 23 dias após a internação. Quarenta e cinco dias após a alta, o paciente apresentava bom estado geral, regressão das alterações oculares e padrão radiológico com melhora importante.

DISCUSSÃO

O agente causal da psitacose é a Chlamydia psittaci, germe gram-negativo, hospedeiro intracelular obrigatório(6-9). A transmissão para humanos dá-se através do contato com pássaros, o qual é relatado em até 85% dos casos. Essa é a informação de maior valor diagnóstico à admissão(4,5). Exposições breves com aves também podem causar infecção sintomática e, em 15% dos casos, não se registra qualquer tipo de contato com esses animais. A Chlamydia psittaci infecta pássaros e animais domésticos, sendo excretada em grande número nas fezes, urina, secreções, saliva e penas(8,10,11). A doença em humanos é adquirida pela inalação do microrganismo presente nas secreções ou fezes secas dos pássaros infectados(2-4,8). Outras maneiras de transmissão incluem bicadas, contato boca-bico, manuseio de penas e tecidos infectados. Pássaros recém-adquiridos representam importante modo de infecção, pois a doença nesses animais pode ser induzida por situações de estresse, como fome, superlotação, transporte e maus tratos. Se não tratadas, 10% das aves infectadas tornam-se portadoras assintomáticas. Transmissões inter-humanos são extremamente raras e tendem a ser mais graves(9). A Chlamydia psittaci pode também infectar ovelhas, bodes e gado, causando infecção crônica no aparelho reprodutivo, insuficiência placentária e aborto nesses animais, mas a contaminação humana pela ingestão da carne infectada é rara(2,5).

A doença começa a manifestar-se após período de incubação de 5-15 dias. O início geralmente é insidioso, com sintomas brandos, inespecíficos, lembrando infecção de vias aéreas superiores. Febre, tosse seca, cefaléia, calafrios, mialgia e hepatesplenomegalia ocorrem em mais da metade dos casos. Pode ocorrer o acometimento de vários órgãos, dentre eles o pulmão, trato gastrintestinal e sistema nervoso.

O órgão humano mais acometido é o pulmão, manifestando-se como tosse seca e dispnéia(12). A manifestação típica é de pneumonia seguida a exposição às aves. Dor pleurítica é rara. Pneumonia confirmada radiologicamente é encontrada em até 80% dos casos. Não existem características radiológicas que permitam diferenciar a pneumonia por psitacose da pneumonia por outras causas. Os achados mais freqüentes são consolidação segmentar (31%) e consolidação lobar (21%), as quais ocorrem principalmente nos lobos inferiores. Derrame pleural é raro e, quando presente, é assintomático e pequeno(13). Anormalidades neurológicas são sintomas raros da doença. Já foram descritos distúrbios cerebelares, mielite transversa, meningite, confusão mental, hipertensão intracraniana, síndrome de Guillain-Barre, paralisia de pares cranianos, entre eles II, III, IV, VI, VII e XII(14-19). As manifestações gastrintestinais mais freqüentes são vômitos, diarréia, anorexia e dor abdominal. A psitacose é raramente doença sistêmica grave e fulminante(3,12).

Não existem achados laboratoriais específicos. A contagem de leucócitos geralmente é menor que 10.000 em 2/3 dos pacientes. Podem ocorrer anormalidades na função hepática. Hipoxemia e hipercapnia são achados nos casos graves e estão associados a pior prognóstico(3). Cultura do organismo é possível, porém pouco viável, devido à natureza esporádica da doença, ao risco de contaminação e à dificuldade em obter material adequado para a cultura(10,15). O diagnóstico sorológico pode ser confirmado em até 94% dos casos, mas são descritas, na literatura, reações cruzadas. Teste de fixação com complemento é usado, mas é somente gênero-específico e não distingue C. psittaci de C. trachomatis ou C. pneumoniae(20). Técnicas mais recentes, como reação em cadeia de polimerase (PCR) e detecção de antígeno através de imunofluorescência com anticorpo monoclonal, são as preferidas por ser métodos rápidos, confiáveis e de grande especificidade(20-24).

Os principais diagnósticos diferenciais da psitacose são outras causas de pneumonia atípica. Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae e Legionella pneumophila são as causas mais comuns(25,26). As tetraciclinas, especialmente a doxiciclina, constituem o tratamento de escolha da psitacose. A terapêutica precoce evita casos graves. Após o início da droga, os sintomas tendem a regredir em 24 a 48 horas, embora a melhora possa ser lenta em alguns casos. Recomenda-se tratamento por 21 dias, para evitar recorrências. A eritromicina é uma forma alternativa de tratamento, porém apresenta baixa resposta quando a infecção é grave(3,4,6).

Os pássaros infectados devem ser tratados com tetraciclina ou doxiciclina pelo menos por 45 dias. Nos países desenvolvidos, as aves importadas recebem tetraciclina em regime de quarentena e depois usa-se adicionalmente por mais 15 dias, antes de ser comercializadas. Alguns autores recomendam profilaxia com doxiciclina durante dez dias, para contatos de pacientes infectados(19,27).

A psitacose é diagnóstico diferencial importante a ser considerado em situações de pneumonia comunitária que não responde à antibioticoterapia convencional, que evolui de modo insatisfatório e cuja epidemiologia é positiva para exposição às aves. O tratamento precoce é fundamental no prognóstico devido à boa resposta terapêutica(24,27).

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Dr. José Carlos Serufo e ao laboratório MICRA, pela contribuição na investigação diagnóstica deste caso.

1. Médico Residente do Serviço de Clínica Médica.

2. Especialista em Clínica Médica, Pneumologia e Medicina Intensiva; Coordenador do Centro de Tratamento Intensivo.

3. Infectologista; Coordenador do Serviço de Controle de Infecções Hospitalares.

Endereço para correspondência ¾ Rua Gonçalves Dias, 750/1.501 ¾ 30140-091 ¾ Belo Horizonte, MG. Tel. (31) 3261-2300; E-mail: cristianemoschioni@bol.com.br

Recebido para publicação em 28/9/00. Aprovado, após revisão, em 1/3/01.

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  • *
    Trabalho realizado no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Universitário São José (HUSJ), Belo Horizonte, MG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Out 2002
    • Data do Fascículo
      Jul 2001

    Histórico

    • Aceito
      01 Mar 2001
    • Recebido
      28 Set 2000
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