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O impacto emocional do paciente no tromboembolismo venoso

A comunicação do diagnóstico de certas doenças, como o tromboembolismo venoso (TEV), pode ser um grande desafio. Com o advento da pandemia causada pela covid-19 e a divulgação da sua associação com TEV e morte, o medo e a apreensão dos pacientes com a palavra “trombose” aumentaram muito. Existe uma certa incompatibilidade entre os objetivos do médico e as necessidades e os anseios do paciente vítima de TEV. Em geral, dedica-se pouca atenção às questões emocionais, e estas afloram substancialmente ao informar um paciente e sua família sobre esse diagnóstico11 Goldhaber SZ. Emotional and psychological coping after venous thromboembolism. Thromb Haemost. 2009;102(6):1007-8. http://dx.doi.org/10.1160/TH09-09-0648. PMid:19967127.
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Os impactos psicológicos e emocionais nesses pacientes raramente são avaliados nos estudos relativos ao TEV. Feehan et al.22 Feehan M, Walsh M, van Duker H, et al. Prevalence and correlates of bleeding and emotional harms in a national US sample of patients with venous thromboembolism: a cross-sectional structural equation model. Thromb Res. 2018;172:181-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.thromres.2018.05.025. PMid:29843918.
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, ao analisarem as consequências psicológicas em 907 pacientes com TEV, encontraram medo diário de retrombose em torno de 40% dos participantes, quadro de ansiedade em 24,7% e quadro de depressão em 11,6%. Os pacientes mais jovens relatam um impacto maior do TEV em suas vidas, com altos níveis de ansiedade, medo, pânico, pesadelos e sintomas de estresse pós-traumático3, e3 Højen AA, Dreyer PS, Lane DA, Larsen TB, Sorensen EE. Adolescents’ and young adults’ lived experiences following venous thromboembolism: “it will always lie in wait. Nurs Res. 2016;65(6):455-64. http://dx.doi.org/10.1097/NNR.0000000000000183. PMid:27801716.
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pacientes com TEV podem ter mais ansiedade do que pacientes com outras doenças graves, como infarto agudo do miocárdio22 Feehan M, Walsh M, van Duker H, et al. Prevalence and correlates of bleeding and emotional harms in a national US sample of patients with venous thromboembolism: a cross-sectional structural equation model. Thromb Res. 2018;172:181-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.thromres.2018.05.025. PMid:29843918.
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Um estudo canadense levantou sete temas maiores relacionados à experiência do paciente com TEV: o impacto agudo (choque inicial e sintomas físicos), o sofrimento psicológico persistente (medo de recorrência e morte), a perda de si mesmo (mudanças de hábitos e tomada de decisões para o futuro), os desafios no tratamento do TEV (anticoagulação e meias de compressão elástica), o equilíbrio nas mudanças de vida, a experiência negativa com o sistema de saúde (atrasos e erros diagnósticos) e o TEV no contexto de outras doenças44 Genge L, Krala A, Tritschler T, et al. Evaluation of patients’ experience and related qualitative outcomes in venous thromboembolism: a scoping review. J Thromb Haemost. 2022;20(10):2323-41. http://dx.doi.org/10.1111/jth.15788. PMid:35730241.
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A linguagem alarmista e as metáforas médicas mal colocadas foram identificadas como fontes de ansiedade neste contexto. Artigos relatam frases selecionadas pelos pacientes como altamente prejudiciais, como: “já vi pacientes morrerem com o que você tem”, “você poderia ter morrido se não tivéssemos feito este diagnóstico hoje” e “você é uma bomba-relógio ambulante”55 Hernandez‐Nino J, Thomas M, Alexander AB, Ott MA, Kline JA. Communication at diagnosis of venous thromboembolism: lasting impact of verbal and nonverbal provider communication on patients. Res Pract Thromb Haemost. 2022;6(1):e12647. http://dx.doi.org/10.1002/rth2.12647. PMid:35071970.
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. O médico deve sempre usar linguagem básica e leiga, com tempo e local adequados para se comunicar com o paciente, procurando usar técnicas de comunicação de más notícias, como o protocolo SPIKES (do inglês, setting up, perception, invitation, knowledge, emotions, strategy and summary), por exemplo. Deve-se verificar constantemente a compreensão do paciente sobre cada componente abordado e observar o cuidado com a postura e a linguagem não verbal, evitando fácies de preocupação, tensão e descaso55 Hernandez‐Nino J, Thomas M, Alexander AB, Ott MA, Kline JA. Communication at diagnosis of venous thromboembolism: lasting impact of verbal and nonverbal provider communication on patients. Res Pract Thromb Haemost. 2022;6(1):e12647. http://dx.doi.org/10.1002/rth2.12647. PMid:35071970.
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. Termos como “síndrome do pânico pós-trombose” e “tromboneurose” são cada vez mais frequentes na literatura especializada66 Hunter R, Lewis S, Noble S, Rance J, Bennett PD. “Post‐thrombotic panic syndrome”: a thematic analysis of the experience of venous thromboembolism. Br J Health Psychol. 2017;22(1):8-25. http://dx.doi.org/10.1111/bjhp.12213. PMid:27611117.
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Os médicos podem contribuir para o sofrimento psicológico pós-trombose, mas podem e devem atuar no sentido de reconhecer e atenuar essas manifestações através de várias ações, como: a avaliação precoce por um médico especialista, a escuta ativa do paciente, a abordagem de suas preocupações, o fornecimento de informações impressas e on-line sobre a doença e a orientação sobre grupos de apoio, sites confiáveis e palavras chaves específicas para pesquisa na internet, além de uso de recursos didáticos como modelos anatômicos, por exemplo77 de Wit K. Do physicians contribute to psychological distress after venous thrombosis? Res Pract Thromb Haemost. 2022;6(1):e12651. http://dx.doi.org/10.1002/rth2.12651. PMid:35106433.
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O impacto psicossocial do TEV pode ser muito traumático e mudar a vida do paciente; portanto, urge a necessidade de disponibilizar diretrizes baseadas em evidências específicas para o manejo dessas sequelas emocionais, bem como a criação de programas de educação médica continuada neste tópico. Com reconhecimento, empenho e empatia, podemos melhorar a experiência e a recuperação integral dos pacientes vítimas do TEV.

E fica o questionamento: “Eu comunico o caso de trombose venosa do meu paciente da maneira ideal?”.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Goldhaber SZ. Emotional and psychological coping after venous thromboembolism. Thromb Haemost. 2009;102(6):1007-8. http://dx.doi.org/10.1160/TH09-09-0648 PMid:19967127.
    » http://dx.doi.org/10.1160/TH09-09-0648
  • 2
    Feehan M, Walsh M, van Duker H, et al. Prevalence and correlates of bleeding and emotional harms in a national US sample of patients with venous thromboembolism: a cross-sectional structural equation model. Thromb Res. 2018;172:181-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.thromres.2018.05.025 PMid:29843918.
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.thromres.2018.05.025
  • 3
    Højen AA, Dreyer PS, Lane DA, Larsen TB, Sorensen EE. Adolescents’ and young adults’ lived experiences following venous thromboembolism: “it will always lie in wait. Nurs Res. 2016;65(6):455-64. http://dx.doi.org/10.1097/NNR.0000000000000183 PMid:27801716.
    » http://dx.doi.org/10.1097/NNR.0000000000000183
  • 4
    Genge L, Krala A, Tritschler T, et al. Evaluation of patients’ experience and related qualitative outcomes in venous thromboembolism: a scoping review. J Thromb Haemost. 2022;20(10):2323-41. http://dx.doi.org/10.1111/jth.15788 PMid:35730241.
    » http://dx.doi.org/10.1111/jth.15788
  • 5
    Hernandez‐Nino J, Thomas M, Alexander AB, Ott MA, Kline JA. Communication at diagnosis of venous thromboembolism: lasting impact of verbal and nonverbal provider communication on patients. Res Pract Thromb Haemost. 2022;6(1):e12647. http://dx.doi.org/10.1002/rth2.12647 PMid:35071970.
    » http://dx.doi.org/10.1002/rth2.12647
  • 6
    Hunter R, Lewis S, Noble S, Rance J, Bennett PD. “Post‐thrombotic panic syndrome”: a thematic analysis of the experience of venous thromboembolism. Br J Health Psychol. 2017;22(1):8-25. http://dx.doi.org/10.1111/bjhp.12213 PMid:27611117.
    » http://dx.doi.org/10.1111/bjhp.12213
  • 7
    de Wit K. Do physicians contribute to psychological distress after venous thrombosis? Res Pract Thromb Haemost. 2022;6(1):e12651. http://dx.doi.org/10.1002/rth2.12651 PMid:35106433.
    » http://dx.doi.org/10.1002/rth2.12651

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2022
  • Aceito
    08 Dez 2022
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