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O que fazer quando o câncer de tireoide avançado invade a artéria carótida? Desafio terapêutico

Resumo

O carcinoma anaplásico da tireoide corresponde ao câncer de menor incidência e de pior prognóstico. Neste relato, descrevemos o caso de uma paciente de 64 anos submetida a tireoidectomia total associada a esvaziamento cervical nível VI devido a carcinoma papilífero de tireoide. No seguimento, apresentou sinais de recidiva regional e foi submetida a esvaziamento cervical ampliado e esofagectomia cervical. No intraoperatório, observou-se ausência de plano de clivagem entre o tumor e a artéria carótida comum (ACC) e procedeu-se com implante de shunt carotídeo, resseção em bloco incluindo segmento da ACC e do esôfago acometidos e ponte vascular com interposição da veia safena magna. Foi evidenciado carcinoma anaplásico em revisão de lâmina do exame anatomopatológico. A paciente foi submetida ao tratamento adjuvante e não apresenta sinais de recidiva locorregional. Diante da possibilidade de proceder uma cirurgia curativa com ressecção em bloco, o cirurgião vascular deve estar apto para as opções cirúrgicas.

Palavras-chave:
neoplasias da glândula tireoide; lesões das artérias carótidas; lesões do sistema vascular; procedimentos cirúrgicos vasculares

Abstract

Of all thyroid cancers, anaplastic thyroid carcinoma (ATC) has the lowest incidence and worst prognosis. In this report, we describe a 64-year-old female patient who underwent total thyroidectomy and level VI neck dissection for papillary thyroid carcinoma. During follow-up, she showed signs of regional recurrence and underwent extended neck dissection and cervical esophagectomy. Intraoperatively, there was no cleavage plane between the tumor and the common carotid artery (CCA), so a carotid shunt was implanted and en bloc resection, including the affected CCA and esophagus segments was performed followed by vascular bypass with interposition of a great saphenous vein graft. A pathology review found evidence of anaplastic carcinoma. The patient underwent adjuvant treatment and has no signs of locoregional recurrence. Presented with the possibility of carrying out curative surgery with en bloc resection, the vascular surgeon must be prepared for the surgical options.

Keywords:
thyroid neoplasms; carotid artery injuries; vascular system injuries; vascular surgical procedures

INTRODUÇÃO

O carcinoma anaplásico da tireoide (CAT) origina-se das células foliculares da tireoide. Entre todos os subtipos histológicos de câncer desse órgão, o CAT corresponde ao de menor incidência e de pior prognóstico. Há poucos dados da sua incidência no Brasil, mas, nos Estados Unidos, ele corresponde a cerca de 1,7% dos cânceres de tireoide, sendo de 20% a sobrevida global em 1 ano11 Smallridge RC, Copland JA. Anaplastic thyroid carcinoma: pathogenesis and emerging therapies. Clin Oncol. 2010;22(6):486-97. http://dx.doi.org/10.1016/j.clon.2010.03.013. PMid:20418080.
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.

Em função do seu aparecimento repentino e crescimento rápido, com invasão de estruturas que podem inviabilizar o tratamento cirúrgico inicial, é de vital importância o diagnóstico precoce e o manejo multidisciplinar envolvendo a equipe cirúrgica, endocrinologistas, radioterapeutas e oncologistas clínicos22 Bible KC, Kebebew E, Brierley J, et al. 2021 American Thyroid Association guidelines for management of patients with anaplastic thyroid cancer. Thyroid. 2021;31(3):337-86. http://dx.doi.org/10.1089/thy.2020.0944. PMid:33728999.
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. O CAT com invasão da artéria carótida comum possui um prognóstico reservado, sendo a remoção cirúrgica em bloco do tumor com ressecção associada da carótida o único tratamento com possibilidade curativa33 Shindo ML, Caruana SM, Kandil E, et al. Management of invasive well-differentiated thyroid cancer: an American head and neck society consensus statement: AHNS consensus statement. Head Neck. 2014;36(10):1379-90. http://dx.doi.org/10.1002/hed.23619. PMid:24470171.
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Este estudo foi devidamente avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 52619521.2.0000.5411, parecer número 5.086.455).

PARTE I – SITUAÇÃO CLÍNICA

Uma paciente de 64 anos, do sexo feminino, branca, hipertensa, asmática e independente para atividades básicas de vida diária (ABVD) apresentou queixa de tosse produtiva, febre e dispneia, tendo sido diagnosticada com pneumonia adquirida na comunidade e tratada com antibioticoterapia. Diante da refratariedade dos sintomas após o tratamento convencional, foi solicitada tomografia de tórax, que evidenciou brônquios com paredes espessadas e estrias atelectásicas esparsas, inferindo broncopatia inflamatória. Como achado adicional, observou-se aumento das dimensões do lobo tireoidiano direito, que se projetava inferiormente para o mediastino anterior com desvio da traqueia para a esquerda (Figura 1). Seguiu-se a investigação com ultrassonografia tireoidiana, que evidenciou lobo tireoidiano esquerdo sem alterações (medindo 4,03 × 1,5 × 12 cm e com volume de 4,1 cm3) e lobo tireoidiano direito aumentado de tamanho (medindo 6,2 × 3,2 × 3,1 cm e com volume de 30,5 cm3), ocupado por nódulo hipoecogênico com ecotextura heterogênea e medindo 5,5 × 3,1 × 2,8 cm. Quanto aos exames laboratoriais, apresentava T4 livre de 0,42 ng/dL, hormônio tireoestimulante (TSH) 1,69 mUI/L e exame de tireoperoxidase (anti-TPO) inferior a 3 UI/mL.

Figura 1
Tomografia computadorizada evidenciando: (A) tumor em íntimo contato com porção posterolateral de veia jugular interna direita, parede do esôfago e músculo esternocleidomastoideo direito (corte axial); e (B) mesmo tumor e sua relação com a convergência das veias jugular interna direita e subclávia direita (corte coronal).

Foi realizada punção aspirativa por agulha fina (PAAF) do nódulo tireoidiano, e a análise citológica evidenciou material com alta celularidade, com grupamentos de células com sobreposição, esboço de papila, cariomegalia, cromatina clara e pseudoinclusões citoplasmáticas intranucleares, em meio a material hialino, células gigantes multinucleadas e hemácias. Tais achados são compatíveis com carcinoma papilífero de tireoide (Bethesda VI)44 Cibas ES, Ali SZ. The 2017 Bethesda system for reporting thyroid cytopathology. Thyroid. 2017;27(11):1341-6. http://dx.doi.org/10.1089/thy.2017.0500. PMid:29091573.
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A paciente foi submetida a tireoidectomia total associada a esvaziamento cervical nível VI55 Robbins KT, Shaha AR, Medina JE, et al. Consensus statement on the classification and terminology of neck dissection. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;134(5):536-8. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.134.5.536. PMid:18490577.
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, cujo anatomopatológico evidenciou a presença de um carcinoma papilífero de tireoide, variante clássica, com 5 × 4 cm, em lobo direito de tireoide com focos de acometimento em lobo esquerdo e istmo, associado a extensão extratireoideana macroscópica, invasão angiolinfática e perineural, margens cirúrgicas radiais acometidas e metástase em dois de cinco linfonodos ressecados (estadiamento anatomopatológico: pT3bpN1apMx)66 Amin MB, Greene FL, Edge SB, et al. The Eighth Edition AJCC Cancer Staging Manual: continuing to build a bridge from a population-based to a more “personalized” approach to cancer staging. CA Cancer J Clin. 2017;67(2):93-9. http://dx.doi.org/10.3322/caac.21388. PMid:28094848.
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. Foi classificada como alto risco de recidiva pelos critérios da diretriz da American Thyroid Association para câncer diferenciado de tireoide22 Bible KC, Kebebew E, Brierley J, et al. 2021 American Thyroid Association guidelines for management of patients with anaplastic thyroid cancer. Thyroid. 2021;31(3):337-86. http://dx.doi.org/10.1089/thy.2020.0944. PMid:33728999.
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e submetida a radioiodoterapia, com dose de 150 mCi.

Em seguimento ambulatorial, foram evidenciados sinais de recidiva regional após 9 meses, através de linfonodomegalia de cerca de 6 cm, acometendo níveis cervicais III, IV e V, em íntimo contato com a veia jugular interna direita, parede do esôfago e músculo esternocleidomastoideo direito (MED), incompatível com os níveis de tireoglobulina (Tg) estimulada (TSH = 69 e Tg < 0,04). Diante disso, foi indicado esvaziamento cervical dos níveis II a V, ampliado para esofagectomia cervical.

A paciente foi submetida a nova abordagem cirúrgica. Foi realizada incisão cervical, tipo taco de hóquei, da ponta da mastoide direita até região mediana baixa do pescoço. A dissecção do conglomerado linfonodal (CL) foi iniciada pela cadeia jugulocarotídea inferior (nível IV) e porção inferior do triângulo posterior do pescoço (nível VB). Durante essa etapa, observou-se ausência de plano de clivagem entre o CL e a veia jugular interna direita (VJID) e insinuação do mesmo para próximo da veia subclávia direita (VSD). Optou-se pela ligadura da VJID e claviculotomia para melhor visibilidade e dissecção da VSD. Procedeu-se com esvaziamento dos níveis II, III e V. No nível V, não foi visibilizado plano de clivagem entre o nervo acessório direito e o CL, sendo optado por secção do mesmo. Já no nível II, foi realizada a ligadura da porção proximal da VJID. Durante a dissecção da transição dos níveis III e IV, notou-se que o CL não apresentava plano de clivagem com a artéria carótida comum direita (ACCD), com o MED, além de se estender para o nível VI direito, também não apresentando plano de clivagem com porção proximal do esôfago cervical55 Robbins KT, Shaha AR, Medina JE, et al. Consensus statement on the classification and terminology of neck dissection. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;134(5):536-8. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.134.5.536. PMid:18490577.
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. Optou-se por secção do MED em sua porção proximal e próximo de sua inserção esternoclavicular e ressecção de um segmento de cerca de 3,5 cm, em parede posterolateral do esôfago, cujo defeito foi prontamente corrigido através de esofagorrafia em dois planos, associada a cobertura com patch de musculatura adjacente, além de jejunostomia a Witzel, pela gastrocirurgia. Diante do achado intraoperatório de ausência de plano de clivagem entre o CL e ACCD, foi solicitada avaliação pela equipe da Cirurgia Vascular.

Caso optasse por prosseguir com a ressecção em bloco da carótida comum, as opções de tática cirúrgica vascular seriam:

  • Ligadura da artéria carótida comum; ou

  • Shunt vascular temporário para reconstrução vascular definitiva:

    • Reconstrução vascular com prótese de politetrafluoretileno (PTFE) ou dácron;

    • Reconstrução vascular com veia autóloga; ou

    • Reconstrução vascular com artéria autóloga.

PARTE II – O QUE FOI FEITO

Diante da ausência de plano clivagem entre o CL e a ACCD, procedeu-se à dissecção e ao isolamento da ACCD, da raiz do pescoço até bifurcação carotídea, e das artérias carótidas externa e interna da bifurcação carotídea até seu cruzamento com o ventre posterior do músculo digástrico. Em seguida, foi feito reparo das mesmas com fita cardíaca.

Optou-se pela utilização de shunt vascular temporário e reconstrução vascular definitiva com veia autóloga; procedeu-se com a dissecção e exérese do segmento distal da veia safena magna (VSM).

Após administração de 5.000 UI endovenosa de heparina não fracionada, foi realizado clampeamento proximal na ACCD e distal nas artérias carótidas interna direita (ACID) e externa direita (ACED). Realizou-se a arteriotomia transversa na ACID e na ACCD com distância segura para ressecção oncológica, seguida de implante do shunt carotídeo temporário Pruitt F3® (LeMaitre Vascular, Burlington, EUA). Após o controle vascular, foi possível a ressecção do CL, juntamente com os segmentos da ACCD e esofágico acometidos (Figuras 2 e 3).

Figura 2
Peça cirúrgica ressecada evidenciando o conglomerado linfonodal e sua relação com segmento da artéria carótida comum direita. À esquerda: lâmina de bisturi número 15, para escala de tamanho.
Figura 3
Fotografia intraoperatória do tempo cirúrgico, evidenciando o posicionamento e funcionamento do shunt vascular após a remoção do conglomerado linfonodal. O cadarço vascular vermelho repara a artéria carótida comum, enquanto os cadarços azuis reparam as artérias carótidas interna e externa.

Foi realizada interposição da VSM com anastomoses terminoterminais proximal com a ACCD e distal na bifurcação carotídea, com fio de polipropileno 6-0. Ao final do procedimento, foi retirado o shunt carotídeo temporário, e observou-se pulsatilidade palpável pré e pós-anastomoses (Figura 4).

Figura 4
Fotografia intraoperatória da ponte vascular da carótida direita por interposição da veia safena magna. Nota-se arteriorrafia na carótida interna no local onde foi posicionada a parte distal do shunt vascular.

A revisão de lâmina do anatomopatológico da primeira cirurgia evidenciou carcinoma anaplásico da tireoide de variante rabdoide, correspondendo a 10% da neoplasia, evoluindo a partir de carcinoma papilífero da tireoide de variante clássica, correspondendo a 90% da neoplasia, com presença de extensão extratireoideana, invasão angiolinfática e perineural e metástase em dois dos cinco linfonodos acometidos.

Já o anatomopatológico da peça do esvaziamento cervical evidenciou metástase de carcinoma papilífero de tireoide em três linfonodos e de carcinoma anaplásico de tireoide em três dos 16 linfonodos avaliados.

Por fim, a paciente foi submetida a tratamento adjuvante com radioterapia e quimioterapia. No momento, a paciente está em seguimento ambulatorial há cerca de 7 meses do final da adjuvância, sem apresentar sinais de recidiva locorregional.

DISCUSSÃO

A invasão vascular, compressão vascular ou trombose são complicações raras do câncer diferenciado de tireoide33 Shindo ML, Caruana SM, Kandil E, et al. Management of invasive well-differentiated thyroid cancer: an American head and neck society consensus statement: AHNS consensus statement. Head Neck. 2014;36(10):1379-90. http://dx.doi.org/10.1002/hed.23619. PMid:24470171.
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,77 Nishinari K, Wolosker N, Yazbek G, et al. Reconstruções arteriais associadas à ressecção de tumores malignos. Clinics. 2006;61(4):339-44. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-59322006000400011. PMid:16924326.
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. A estrutura vascular mais comumente afetada com oclusão ou invasão é a veia jugular interna, enquanto a artéria carótida é menos comum de ser afetada33 Shindo ML, Caruana SM, Kandil E, et al. Management of invasive well-differentiated thyroid cancer: an American head and neck society consensus statement: AHNS consensus statement. Head Neck. 2014;36(10):1379-90. http://dx.doi.org/10.1002/hed.23619. PMid:24470171.
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,88 Kobayashi S, Miyakawa M, Sugenoya A, et al. Reconstruction of the carotid artery using a temporary shunt during an operation for advanced thyroid carcinoma: a case report. Jpn J Surg. 1988;18(5):592-4. http://dx.doi.org/10.1007/BF02471495. PMid:3230730.
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O fator mais importante em qualquer ressecção em bloco planejada com reconstrução vascular é a avaliação do fluxo cerebral contralateral e do manejo intraoperatório do tempo de isquemia33 Shindo ML, Caruana SM, Kandil E, et al. Management of invasive well-differentiated thyroid cancer: an American head and neck society consensus statement: AHNS consensus statement. Head Neck. 2014;36(10):1379-90. http://dx.doi.org/10.1002/hed.23619. PMid:24470171.
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,77 Nishinari K, Wolosker N, Yazbek G, et al. Reconstruções arteriais associadas à ressecção de tumores malignos. Clinics. 2006;61(4):339-44. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-59322006000400011. PMid:16924326.
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É quase consenso entre os especialistas que, no caso de invasão vascular focal, a parede do vaso pode ser ressecada após o controle proximal e distal apropriado, seguido de reconstrução com patch33 Shindo ML, Caruana SM, Kandil E, et al. Management of invasive well-differentiated thyroid cancer: an American head and neck society consensus statement: AHNS consensus statement. Head Neck. 2014;36(10):1379-90. http://dx.doi.org/10.1002/hed.23619. PMid:24470171.
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Em alguns pacientes com câncer de tireoide avançado, baixa expectativa de vida, prognóstico reservado, sangramento de difícil controle com risco de óbito, coto trombosado com risco de embolização durante a manipulação e lesão neurológica grave com sequela prévia, a ressecção da artéria carótida sem reconstrução vascular é uma opção77 Nishinari K, Wolosker N, Yazbek G, et al. Reconstruções arteriais associadas à ressecção de tumores malignos. Clinics. 2006;61(4):339-44. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-59322006000400011. PMid:16924326.
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8 Kobayashi S, Miyakawa M, Sugenoya A, et al. Reconstruction of the carotid artery using a temporary shunt during an operation for advanced thyroid carcinoma: a case report. Jpn J Surg. 1988;18(5):592-4. http://dx.doi.org/10.1007/BF02471495. PMid:3230730.
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-99 Pinto DM, Bez LG, Costa-Val R, et al. Tratamento do trauma penetrante das artérias carótidas no Hospital João XXIII. Comparação entre ligadura e reconstrução arterial. J Vasc Bras. 2019;3(3):247-52.. Porém, a ressecção seguida de reconstrução é superior à ligadura simples, por evitar maiores complicações neurológicas pós-operatórias1010 Holanda EM, Bomfim FAC Jr, Pinheiro CND, et al. Artéria carótida envolvida por câncer avançado de cabeça e pescoço: ressecção e reconstrução imediata com prótese de PTFE. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2013;42(1):23-7..

Assim como em outras situações, após a decisão pela reconstrução vascular e quando a carótida está envolvida, porém não ocluída, o shunt torna-se um procedimento indispensável para permitir uma reconstrução segura da artéria carótida33 Shindo ML, Caruana SM, Kandil E, et al. Management of invasive well-differentiated thyroid cancer: an American head and neck society consensus statement: AHNS consensus statement. Head Neck. 2014;36(10):1379-90. http://dx.doi.org/10.1002/hed.23619. PMid:24470171.
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,77 Nishinari K, Wolosker N, Yazbek G, et al. Reconstruções arteriais associadas à ressecção de tumores malignos. Clinics. 2006;61(4):339-44. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-59322006000400011. PMid:16924326.
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,88 Kobayashi S, Miyakawa M, Sugenoya A, et al. Reconstruction of the carotid artery using a temporary shunt during an operation for advanced thyroid carcinoma: a case report. Jpn J Surg. 1988;18(5):592-4. http://dx.doi.org/10.1007/BF02471495. PMid:3230730.
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,1111 Mesquita N Jr, Silva RS, Ribeiro JHA, et al. Tumor de corpo carotídeo (paraganglioma): relato de dois casos submetidos a tratamento cirúrgico. J Vasc Bras. 2016;15(2):158-64. http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.007315. PMid:29930583.
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.

A reconstrução pode ser feita com enxerto autólogo, sendo a veia safena magna a mais utilizada, ou biomateriais, como o PTFE. Apesar de sua resistência mecânica, segurança e durabilidade, por não ser aderente, o PTFE fornece uma superfície relativamente não trombogênica, com risco aumentado para infecções1010 Holanda EM, Bomfim FAC Jr, Pinheiro CND, et al. Artéria carótida envolvida por câncer avançado de cabeça e pescoço: ressecção e reconstrução imediata com prótese de PTFE. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2013;42(1):23-7..

Entre os fatores de risco para infecção, encontram-se a manipulação da mucosa do trato aerodigestivo, a presença de traqueostomia e a manipulação de tecidos previamente irradiados, além da ocorrência de fístulas salivares77 Nishinari K, Wolosker N, Yazbek G, et al. Reconstruções arteriais associadas à ressecção de tumores malignos. Clinics. 2006;61(4):339-44. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-59322006000400011. PMid:16924326.
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A melhor opção para a reconstrução é o enxerto de veia autóloga, que fornece a patência mais durável e o menor número de complicações trombóticas e infecciosas33 Shindo ML, Caruana SM, Kandil E, et al. Management of invasive well-differentiated thyroid cancer: an American head and neck society consensus statement: AHNS consensus statement. Head Neck. 2014;36(10):1379-90. http://dx.doi.org/10.1002/hed.23619. PMid:24470171.
http://dx.doi.org/10.1002/hed.23619...
,77 Nishinari K, Wolosker N, Yazbek G, et al. Reconstruções arteriais associadas à ressecção de tumores malignos. Clinics. 2006;61(4):339-44. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-59322006000400011. PMid:16924326.
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Os procedimentos de reconstrução vascular podem cursar com complicações neurológicas, porém em incidência menor que a ligadura simples99 Pinto DM, Bez LG, Costa-Val R, et al. Tratamento do trauma penetrante das artérias carótidas no Hospital João XXIII. Comparação entre ligadura e reconstrução arterial. J Vasc Bras. 2019;3(3):247-52.. Apesar disso, os riscos elevados de dano neurológico, morte e baixo índice de cura intimidam muitos cirurgiões a não realizar a ressecção da artéria carótida1010 Holanda EM, Bomfim FAC Jr, Pinheiro CND, et al. Artéria carótida envolvida por câncer avançado de cabeça e pescoço: ressecção e reconstrução imediata com prótese de PTFE. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2013;42(1):23-7..

Quanto à conduta vascular no caso relatado, não se optou pela ligadura simples da ACCD devido à paciente ser jovem, independente para ABVD e com possibilidade curativa. Optou-se, então, pelo implante do shunt temporário devido à decisão de tal tática cirúrgica ter sido tomada previamente à decisão de exérese em bloco do tumor. Quanto à reconstrução vascular, não foi utilizado enxerto protético devido ao risco aumentado de infecção por lesão esofágica associada, sendo realizada a reconstrução com veia autóloga.

Uma das limitações deste estudo é de não ter sido realizado outro exame de imagem no seguimento pós-operatório para avaliar a perviedade do enxerto.

CONCLUSÃO

Diante da possibilidade de proceder uma cirurgia curativa da tireoide com a ressecção em bloco associada da carótida, o cirurgião vascular deve estar apto para as opções cirúrgicas nesta situação, sendo o shunt temporário e a reconstrução vascular com veia autóloga as mais recomendadas.

  • Como citar: Grillo VTRS, Jaldin RG, Bertanha M, Sobreira ML, Soares CSP, Camargo PAB. O que fazer quando o câncer de tireoide avançado invade a artéria carótida? Desafio terapêutico. J Vasc Bras. 2022;21:e20210220. https://doi.org/10.1590/1677-5449.202102201
  • Fonte de financiamento: Nenhuma.
  • O estudo foi realizado no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu, SP, Brasil.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2022
  • Aceito
    15 Jul 2022
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