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Ruptura traumática da aorta por traumatismo torácico fechado

EDITORIAL

Ruptura traumática da aorta por traumatismo torácico fechado

Ricardo Aun

Professor associado, Cirurgia Vascular, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

É provável que nenhuma área da cirurgia vascular ou da cirurgia do trauma tenha sido tão beneficiada nos últimos anos quanto o diagnóstico e tratamento das lesões traumáticas da aorta torácica por trauma torácico fechado. Se, de um lado, foram implantadas leis que tornaram obrigatórios métodos de proteção nas colisões automobilísticas frontais – como o uso do cinto de segurança, o uso de dispositivos infláveis, conhecidos como air bags, e as carrocerias deformáveis que absorvem o impacto –, de outro lado, surgiram nas grandes cidades novos costumes, como a adoção de motocicletas para entregas rápidas e esportes de alto impacto e energia, conhecidos como esportes radicais, que envolvem aceleração e desaceleração súbitas e quedas sob velocidades elevadas, que mantêm a prevalência dessas lesões alta1.

Apesar de os mecanismos de proteção se tornarem cada vez mais utilizados, a lesão traumática da aorta torácica é a segunda causa mais comum de óbito por trauma fechado (15 a 20% dos óbitos) nos EUA e acarreta alta mortalidade pré-hospitalar, com cerca de 90% dos pacientes morrendo no local do acidente2.

Na região metropolitana de São Paulo, ocorreram, segundo o Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS3), 1.460 mortes por acidentes de trânsito entre outubro de 2005 e setembro de 2006, sendo estes os dados mais recentes; cerca de 180 a 300 desses óbitos estariam relacionados a lesões da aorta. A elevada mortalidade demonstra que há necessidade de melhora dos sistemas de resgate e atendimento pré-hospitalar em nossos centros urbanos, bem como o reconhecimento precoce desses pacientes e seu encaminhamento para centros adequados.

Há, no entanto, um grupo de pacientes que sobrevive ao trauma inicial e que se apresenta estável hemodinamicamente e com contenção da lesão aórtica pelas estruturas adjacentes, permitindo que o diagnóstico seja estabelecido, e o tratamento, executado. Os principais sinais que dirigem o foco do diagnóstico para a lesão da aorta são: a informação do mecanismo de lesão (quando envolve impacto frontal e desaceleração), a associação de trauma de coluna, escoriações torácicas e esternais e fratura de arcos costais, particularmente da primeira costela. Os métodos diagnósticos são amplamente abordados pela revisão dos Drs. Vishal Bansal, Jeanne Lee e Raul Coimbra, que chama a atenção para a suspeita baseada na informação do mecanismo do trauma4.

A gravidade do traumatismo multissistêmico e sua relação com a mortalidade e morbidade podem ser vistas pelos índices de trauma. Em série anterior, publicada neste jornal por Miotto Neto et al.5, observou-se um injury severity score (ISS) médio de 42,1, com dois óbitos em 11 pacientes operados. Esse ISS elevado associou- se a lesões multissistêmicas graves. Nessa série, um óbito decorreu diretamente da lesão da aorta, porém o outro, após uma bem-sucedida correção endoluminal, faleceu de grave contusão pulmonar e da coluna cervical.

Nos últimos 10 anos, dois fatores contribuíram para melhorar a sobrevida dos portadores de ruptura traumática da aorta: em primeiro lugar, a introdução e ampliação do uso da técnica endovascular e, em segundo lugar, o uso de tomógrafos multicanais, que permitem uma aquisição rápida (até 10 minutos no total), definição de imagem e elevada sensibilidade e especificidade, de tal forma que esse método se basta para o reconhecimento da lesão e para indicação e planejamento do tratamento, quer operatório, quer endoluminal. No artigo em questão, Dr. Bansal destaca aspectos comparativos da importância crescente da tomografia e da aortografia. A aortografia, em nossa opinião, é dispensada como método diagnóstico e só é utilizada no centro cirúrgico como parte do tratamento endoluminal.

Dentre as vantagens que pudemos perceber no tratamento endoluminal está o fato de que, no mesmo procedimento, após o implante, pode se proceder imediatamente à correção das lesões associadas abdominais, torácicas, neurológicas e ortopédicas, uma vez que a ruptura traumática deixa de ser o fator de morbidade mais importante. Pode-se proceder ao implante da endoprótese sem o uso de anticoagulantes, de forma diversa à correção aberta com ou sem bypass no átrio esquerdo femoral. Esses fatores, além do pequeno tempo necessário para sua execução, tornaram este o método de escolha no Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Restam aqueles pacientes com instabilidade hemodinâmica grave e hemotórax maciço, nos quais a toracotomia esquerda ou a bitoracotomia são as opções mais factíveis para identificar as lesões e realizar a correção. No artigo do Dr. Bansal, são apresentados critérios para contra-indicação da operação, os quais sugerimos que sejam seguidos pelos outros grupos.

Quanto à paraplegia pós-operatória, se, por um lado, ainda não há consenso na literatura, por outro, os resultados de nossa série, acrescida de três casos desde sua publicação, mostram a superioridade do tratamento endoluminal em evitá-la. Outras séries mostram concordância com essa observação6-9.

Concluindo, os quatro pontos básicos para a melhora dos resultados na rotura traumática da aorta por trauma torácico fechado são:

- Rápido reconhecimento, no qual a informação sobre os mecanismos envolvidos no trauma é importante;

- Tomografia multi slice, realizada rapidamente na admissão de pacientes de risco para ruptura traumática da aorta ou em politraumatizados com alargamento de mediastino;

- Condições logísticas para realização do tratamento endovascular da ruptura traumática da aorta, que certamente se tornará a conduta padrão para a maioria de casos, com exceção dos pacientes instáveis e portadores de hemotórax maciço, o que se contrapõe a alguns serviços;

- Correção precoce das lesões viscerais, ortopédicas e neurológicas.

Referências

1. McGwin G, Reiff DA, Moran SG, Rue LR. Incidence and characteristics of motor vehicle collision-related blunt thoracic aortic injury according to age. J Trauma. 2002;52:859-65.

2. Dosios TJ, Salemis N, Angouras D, Nonas E. Blunt and penetrating trauma of thoracic aorta and aortic arch branches: an autopsy study. J Trauma. 2000;49:696-703.

3. Brasil, Ministério da Saúde. Informações de saúde, estatísticas vitais mortalidade e nascidos vivos, mortalidade geral. Brasília: Ministério da saúde. Disponível em: http://www.datasus.gov.br.

4. Bansal V, Lee J, Coimbra R. Current diagnosis and management of blunt traumatic rupture of the thoracic aorta. J Vasc Bras. 2007;6:64-73.

5. Mioto Neto B, Aun R, Estenssoro AEV, Puech-Leão P. Tratamento das lesões de aorta nos traumatismos torácicos fechados. J Vasc Bras 2005;4:217-26.

6. von Ristow A. Management of aortic lesions in blunt chest trauma. J Vasc Bras. 2005;4:215-6.

7. Ott MC, Stewart TC, Lawlor DK, Gray DK, Forbes TL. Management of blunt thoracic aortic injuries: endovascular stents versus open repair. J Trauma. 2004;56:365:70.

8. Kasirajan K, Heffernan D, Langsfeld M. Acute thoracic aortic trauma: a comparison of endoluminal stent grafts with open repair and nonoperative management. Ann Vasc Surg. 2003;17:589-95.

9. Gan JP, Campbell WA. Immediate endovascular stent graft repair of acute thoracic aortic rupture due to blunt trauma. J Trauma. 2002;52:154-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2007
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