INTRODUÇÃO
Aneurismas justarrenais ou pararrenais são os que se iniciam no nível das artérias renais, não deixando colo adequado para o tratamento endovascular convencional dos mesmos1 , 2. Anatomia desfavorável é responsável por grande parte dos insucessos técnicos, como maus posicionamentos e deslocamentos de endopróteses, levando a endoleaks tipo I3. Nesses casos, estratégias especiais são necessárias para obtenção do êxito terapêutico por via endovascular4.
PARTE I - RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, com 64 anos, sedentário, hipertenso, diabético e tabagista, com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) - volume expiratório forçado em um segundo (VEF1.0) menor do que 60% do previsto. Apresentava aneurisma de aorta abdominal infrarrenal de 4,8 cm de diâmetro, diagnosticado por eco Doppler. Ao exame físico, encontrava-se em regular estado geral, aorta abdominal hiperpulsátil e ausência do pulso pedioso esquerdo, estando os demais presentes e simétricos. Em razão do diâmetro do AAA ser menor do que 5,5 cm, nessa consulta, foram realizadas orientações de hábitos de vida, como deambulação e abandono do tabagismo. Foram mantidas também as medicações que se já estava utilizando (atenolol, enalapril e metformina) e solicitado novo exame ultrassonográfico, a ser realizado em seis meses.
Na reconsulta, o eco Doppler evidenciou aumento de 6 mm do aneurisma em período de cinco meses e meio, estando com 5,4 cm de diâmetro. Uma angiotomografia (Angio-TC) foi solicitada e evidenciou-se a presença de saco aneurismático secundário justacolo (Figura 1). A presença de um saco aneurismático secundário posicionado a 7 mm da artéria renal direita acrescentava uma dificuldade adicional, havendo o risco de desabamento da endoprótese para dentro do mesmo.
PARTE II - O QUE FOI FEITO
O reparo endovascular do aneurisma foi indicado em função das condições de reserva pulmonar do paciente e a sua não concordância com a cirurgia convencional. O implante de endoprótese Apolo(r) Bifurcada 25×12×12×150 (Nano Endoluminal, Florianópolis, Brasil) com duplo free flow proximal e extensão reta 12×12×110 foi realizado via Femoral direita. A embolização do aneurisma sacular justacolo com molas Nester(r) 12×14 e 10×14 (Cook Medical Inc. Bloomington, IN, USA) foi realizada após a liberação do corpo principal da endoprótese. As molas foram implantadas através de cateter Vertebral 5F introduzido via Femoral esquerda e deixado no saco do aneurisma justacolo, antes da liberação do corpo principal da endoprótese (Figura 2). Após o preenchimento completo do aneurisma secundário justacolo com as molas, o procedimento foi terminado com o implante da extensão ilíaca esquerda e acomodações com balão Coda 20-50×100 (Cook Medical Inc. Bloomington, IN, USA) (Figura 3).
Angiografia transprocedimento evidenciando o saco justacolo (A). Em (B), observa-se o corpo principal da endoprótese liberado comprimindo o cateter Vertebral contra a parede da Aorta. O cateter está com a extremidade dentro do saco aneurismático justacolo.
As angiografias de controle evidenciaram o sucesso dos procedimentos com ótima perviedade do sistema e obliteração dos aneurismas, sem evidências de endoleaks (Figura 4).
Aspecto final transprocedimento. Observar a obliteração dos aneurismas e a ausência de endoleaks.
O paciente evoluiu sem intercorrências e a angio-TC, realizada oito meses após o procedimento, demonstrava manutenção da exclusão dos sacos aneurismáticos, secundário e principal, com redução do diâmetro deste para 4,4 cm (Figura 5).
Angio-TC demonstrando manutenção da exclusão dos sacos aneurismáticos, secundário e principal, e a presença das molas no saco justacolo.
DISCUSSÃO
O tratamento de aneurismas de aorta abdominal por via endovascular, descrito pela primeira vez por Parodi5 em 1991, é cada vez mais realizado. Apesar da complexidade do procedimento, da dependência de uma anatomia favorável e da necessidade de uma equipe técnica treinada, o caráter minimamente invasivo e suas vantagens na recuperação pós-operatória o direcionam para a primeira escolha, sempre que indicado.
No caso relatado, o saco aneurismático secundário localizado, justarrenal, representava um desfio terapêutico adicional. Outro desafio era evitar a presença de endoleak tipo I, em virtude do colo curto. Essas dificuldades foram contornadas pela customização de uma endoprótese com duplo free flow proximal, para obtenção de um suporte de fixação maior, e pelo preenchimento com molas do saco aneurismático proximal. Tal preenchimento foi obtido pela estratégia de deixar um cateter diagnóstico tipo vertebral 5F com a ponta posicionada dentro do saco, antes da liberação do corpo principal da endoprótese. Após a liberação da mesma em posição justarrenal e com a extensão para a artéria Ilíaca Comum direita, as molas foram liberadas dentro do saco secundário até o seu completo preenchimento. Após essa etapa, o cateter foi retirado e a extensão da endoprótese para a artéria Ilíaca Comum esquerda foi realizada de maneira convencional e o procedimento, terminado. Utilizamos o corpo principal da endoprótese para manter as molas no saco secundário, já que o mesmo apresentava colo largo. Num caso recentemente relatado1, o autor utilizou um Stent autoexpansível para esse papel, tendo a seguir implantado a endoprótese, o que transformou o colo proximal num 'sanduíche' composto de Stent e endoprótese. Entre outras possibilidades, figuraria a utilização de Stent Multilayer 6 , 7 e endopróteses fenestradas8, porém não nos sentíamos familiarizados com essas técnicas na ocasião.
O paciente apresenta-se assintomático e com função renal preservada, e recente estudo tomográfico evidencia que o tratamento instituído alcançou e mantém os objetivos propostos, ou seja, de exclusão de ambos os sacos aneurismáticos, sem endoleaks e com encolhimento do diâmetro do saco principal.
Referências bibliográficas
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*Todos os autores devem ter lido e aprovado a versão final submetida ao J Vasc Bras.
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O estudo foi realizado no Hospital do Coração de Natal.
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Informações sobre os autoresAFN é Angiologista, Cirurgião Vascular e Angiorradiologista, Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia (TCBC), Titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (TSBACV), Médico Angiorradiologista do Hospital Universitário Onofre Lopes, Professor da Cadeira de Doenças do Sistema Cardiovascular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Doutorando em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos - UFRNAAFF é Graduando do 6º ano do Curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)MVF é Especialista em Cirurgia Vascular pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular e Cirurgião Vascular do Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal-RN
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Contribuições dos autoresConcepção e desenho do estudo: AFNAnálise e interpretação dos dados: AFNColeta de dados: AAFFRedação do artigo: AAFF, AFNRevisão crítica do texto: MVFAprovação final do artigo*: AFN, AAFF, MVFAnálise estatística: Não houve análise estatística neste estudo.Responsabilidade geral do estudo: AFNInformações sobre financiamento: Nenhuma.
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Fonte de financiamento: Nenhuma.
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Conflito de interesse: Os autores declararam não haver conflitos de interesse que precisam ser informados.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Dez 2013 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2013
Histórico
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Recebido
31 Jul 2013 -
Aceito
13 Ago 2013