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Estenose retal secundária à embolização arterial em trauma pélvico: relato de caso

Rectum stenosis secondary to arterial embolization for pelvic fracture: case report

Resumos

A embolização de ramos da artéria ilíaca interna é uma técnica empregada no controle da hemorragia secundária à fratura pélvica. Apesar de largamente utilizada, são poucas as complicações relatadas relacionadas ao uso dessa técnica. Apresentamos um caso de estenose isquêmica de reto secundária à embolização da artéria sacral lateral para controle de hemorragia em uma paciente com fratura pélvica.

pelve; embolização; reto


Transcatheter arterial embolization of the internal iliac artery branches is an accepted technique for the control of the hemorrhage due to pelvic fracture. Despite its widespread use, complications of the technique are rarely described. We reported a rectum ischemic stenosis following embolization of lateral sacral artery to control intractable hemorrhage from a pelvic fracture.

pelvis; embolization; rectum


RELATO DE CASO

Estenose retal secundária à embolização arterial em trauma pélvico: relato de caso

Rectum stenosis secondary to arterial embolization for pelvic fracture: case report

Guilherme de Palma AbrãoI; Alexandre Tarso MachadoII; Cláudia Mendes TagliariIII; Patrick BaquetIV; Jacques SedatV; José Guilherme Mendes Pereira CaldasVI

IPós-Graduando do Serviço de Radiologia Vascular e Intervencionista do Inrad do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – São Paulo (SP), Brasil

IIPós-Graduando do Serviço de Radiologia Vascular e Intervencionista do Inrad do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – São Paulo (SP), Brasil

IIIEstágiaria do Serviço de Radiologia Vascular e Intervencionista do Hospital St. Roch – Nice, França

IVChefe do Serviço de Cirurgia do Hospital St. Roch – Nice, França

VChefe do Serviço de Radiologia Vascular e Intervencionista do Hospital St. Roch – Nice, França

VIChefe do Serviço de Radiologia Vascular e Intervencionista do Inrad do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência Guilherme de Palma Abrão Alameda das Acácias 416 – Itaipu CEP 24355-150 – Niterói (RJ), Brasil E-mail: guiabrao@yahoo.com.br

RESUMO

A embolização de ramos da artéria ilíaca interna é uma técnica empregada no controle da hemorragia secundária à fratura pélvica. Apesar de largamente utilizada, são poucas as complicações relatadas relacionadas ao uso dessa técnica. Apresentamos um caso de estenose isquêmica de reto secundária à embolização da artéria sacral lateral para controle de hemorragia em uma paciente com fratura pélvica.

Palavras-chave: pelve; embolização; reto.

ABSTRACT

Transcatheter arterial embolization of the internal iliac artery branches is an accepted technique for the control of the hemorrhage due to pelvic fracture. Despite its widespread use, complications of the technique are rarely described. We reported a rectum ischemic stenosis following embolization of lateral sacral artery to control intractable hemorrhage from a pelvic fracture.

Keywords: pelvis; embolization; rectum.

Introdução

A hemorragia é uma grave complicação no trauma pélvico, sendo o tratamento endovascular uma ferramenta terapêutica possível na existência de lesões arteriais associadas. Complicações isquêmicas secundárias à embolização arterial (EA) são raras, não existindo na literatura nenhum relato de isquemia retal após embolização de artérias pélvicas.

Descrição do caso

Paciente do sexo feminino, 70 anos, vítima de queda de aproximadamente 2 m de altura, evoluindo com instabilidade hemodinâmica. Radiografia pélvica e ultrassonografia abdominal revelaram fratura com dupla ruptura do anel pélvico e hemoperitôneo sem sinais de lesão intra-abdominal, respectivamente.

Diante dos achados, optamos por realizar arteriografia pélvica, que identificou extravasamento de contraste a partir da artéria sacral lateral (ASL) direita (Figuras 1A e 1B). Foi realizado cateterismo seletivo do ramo com microcateter 2.3 F (Prowler 10, Codman, Miami, USA) e microguia 0,014" (Agility, Codman, Miami, USA), o qual foi ocluído com adesivo tissular líquido (Histoacryl, B. Braun Medical, Pennsylvania, USA) (Figuras 2A e 2B).





Durante injeção do agente embolizante, foi observado refluxo desse para a ASL contralateral e para artéria sacral mediana. Controle angiográfico demonstrou ausência de sangramento ativo.

Paciente evoluiu com estabilidade hemodinâmica, sem intercorrências até o 28º dia de internação, quando apresentou exteriorização de fezes associadas a tecidos necróticos. Tomografia computadorizada da pelve revelou estenose retal importante, com infiltração da gordura adjacente (Figura 3). Colonoscopia identificou estenose filiforme extensa e intransponível do reto com aspecto ulcerado da mucosa retal. A biópsia confirmou necrose isquêmica da mucosa retal.


Foi realizada colostomia para recuperação do trânsito intestinal com boa resposta. Atualmente a paciente se encontra em programação para cirurgia de reconstrução intestinal com fechamento da colostomia.

Discussão

No trauma pélvico, a hemorragia representa um desafio devido à multiplicidade de vasos acometidos e à instabilidade hemodinâmica secundária. Os mecanismos que produzem lesões pélvicas são acidentes automobilísticos, em 60% dos casos, e, em 10% dos casos, o sangramento é de origem arterial, seja troncular ou de ramos distais1.

O tratamento endovascular é indicado nos casos de lesões vasculares associadas. A eficácia da EA no controle do sangramento pélvico varia entre 85–94%2-4, e complicações isquêmicas são raras devido às inúmeras anastomoses pélvicas existentes e à presença de extensa rede de colaterais pré-capilares5,6. Foram descritos na literatura casos de necrose de bexiga7, parestesia por lesão de nervo espinhal8, necrose avascular do fêmur9, impotência sexual10, isquemia do útero, pele e músculos glúteos11.

O segmento cranial do reto é irrigado, principalmente, pela artéria retal superior, ramo da artéria mesentérica inferior, mas, também, recebe nutrição das artérias sacrais média e laterais, ramos terminal da aorta abdominal e da divisão posterior das artérias ilíacas internas direita e esquerda, que formam extensa rede anastomótica na região anterior ao cóccix.

A escolha do material para o tratamento do sangramento está relacionada com calibre, fluxo, acesso, extensão e complexidade do vaso lesado, além das características dos agentes embolizantes: líquidos (Histoacryl®, Gluebran2®, Onyx®), particulados (polivinil álcool, esferas), oclusores (gelfoam, mola, balão destacável, stent revestido), e ainda, se possuem efeito definitivo ou temporário. Em algumas situações, diferentes agentes podem ser utilizados em associação para obter o melhor resultado e, em outras, diferentes materiais podem ter o mesmo efeito. Por isso, em muitas vezes, o melhor material é aquele que está disponível na urgência, desde que seja compatível com a angioarquitetura do vaso lesado e que o médico executante tenha experiência em utilizá-lo.

Neste nosso caso, foi utilizado Histoacryl®, agente embolizante líquido de ação permanente, comum no tratamento de lesões hemorrágicas traumáticas de vasos com pequeno calibre. Seu efeito adesivo nos tecidos se dá após entrar em contato com soluções iônicas, como o plasma sanguíneo, levando à polimerização e solidificação do mesmo. Diluído com Lipiodol®, óleo radiopaco, resulta em atraso da polimerização por alguns segundos, permitindo maior penetração do adesivo.

A isquemia retal é uma complicação possível de ocorrer na embolização de artérias sacrais para controle da hemorragia pélvica traumática. Em nosso caso, atribuímos a lesão isquêmica do reto ao refluxo na injeção do agente embolizante líquido (Histoacryl®) através da rede de anastomoses entre as artérias sacrais e retal superior.

Devido aos riscos de complicação, o uso de agentes líquidos só deve ser indicado após clara identificação da anatomia vascular da região alvo com cateterismo superseletivo da artéria responsável pela hemorragia, evitando-se o refluxo inadvertido para ramos adjacentes. Para tal, a manipulação e o controle de injeção devem ser realizados por intervencionistas experientes e de maneira cautelosa.

Submetido em: 09.12.11.

Aceito em: 10.04.12.

Fonte de financiamento: nenhuma.

Conflito de interesse: nada a declarar.

Contribuições dos autores

Concepção e desenho do estudo: GPA, ATM, JS.

Análise e interpretação dos dados: GPA, ATM, PB.

Coleta de dados: GPA, JS.

Redação do artigo: GPA, ATM, CMT.

Revisão crítica do texto: GPA.

Aprovação final do artigo*: GPA, JGPC.

Responsabilidade geral pelo estudo: GPA, JGPC.

Informações sobre financiamento: GPA.

* Todos os autores leram e aprovaram a versão final submetida ao J Vasc Bras.

Trabalho realizado no Serviço de Radiologia Vascular e Intervencionista, Serviço de Radiologia do Hospital St. Roch, Centro Hospitalar Universitário de Nice, França e no Serviço de Radiologia Vascular e Intervencionista do Instituto de Radiologia (Inrad) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil.

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  • Correspondência

    Guilherme de Palma Abrão
    Alameda das Acácias 416 – Itaipu
    CEP 24355-150 – Niterói (RJ), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      09 Dez 2011
    • Aceito
      10 Abr 2012
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