Resumo
O tratamento de escolha para pacientes com síndrome de compressão venosa sintomática é o implante de stent venoso. Entretanto, esse tratamento possui complicações bem documentadas e, embora rara, trombose venosa profunda contralateral é uma dessas complicações. Nosso objetivo é apresentar um caso de trombose venosa profunda da veia ilíaca contralateral como resultado do posicionamento do stent além do preconizado e o desafio terapêutico que é a recanalização da veia com reconstrução da confluência ilíaco-cava.
Palavras-chave: trombose venosa profunda; angioplastia; síndrome de May-Thurner; veia ilíaca
Abstract
The treatment of choice for patients with symptomatic venous compression syndrome is venous stenting. However, this treatment has well-documented complications and, although rare, contralateral deep venous thrombosis is one of these complications. Our objective is to present a case of deep venous thrombosis of the contralateral iliac vein resulting from placement of the stent beyond the recommended position and the therapeutic challenge is to recanalize the vein with reconstruction of the iliocaval confluence.
Keywords: deep venous thrombosis; angioplasty; May-Thurner syndrome; iliac vein
INTRODUÇÃO
A síndrome de May-Thurner (SMT) é uma condição vascular relativamente rara em que a veia ilíaca comum (VIC) esquerda é comprimida pela artéria ilíaca comum direita. Essa condição pode ser assintomática, mas, quando sintomática, apresenta sintomas de insuficiência venosa crônica (IVC) ou trombose venosa proximal, geralmente em mulheres jovens e de meia-idade. A compressão proximal da VIC é observada em combinação com IVC em até 55% dos pacientes sintomáticos1 .
O tratamento de escolha para pacientes com síndrome de compressão da VIC sintomática com classificação CEAP C3-C6 é o implante de stent venoso2,3 . No entanto, o stent deve ser implantado com precisão, pois, se for posicionado além do indicado para dentro da veia cava inferior (VCI), pode comprometer o fluxo venoso contralateral e aumentar o risco de trombose venosa profunda (TVP)4,5 .
O objetivo deste relato é descrever a recanalização da VIC direita por meio da realização de trombectomia fármaco-mecânica e implante de stent venoso em ilíaca comum e externa à direita em paciente com TVP extensa de membro inferior (MI) devido a stent previamente posicionado além dos 2 a 3 cm preconizados em VIC esquerda.
O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CAAE 60251422.8.0000.5226, parecer consubstanciado 5.506.965).
PARTE I - CASO CLÍNICO
Mulher, 43 anos, com queixa de edema e dor leve em MI direito no quarto dia pós-operatório de dermolipectomia. Estava em uso de meias compressivas antitrombo e não realizou profilaxia medicamentosa. Possuía histórico de implante de stent em VIC esquerda há 5 anos (Figura 1), realizado por outra equipe, após achado de SMT em exames de imagem de rotina, além de bypass gástrico realizado há 3 anos.
Angiotomografia computadorizada mostrando stent venoso em veias cava inferior e ilíaca comum esquerda.
Ao exame físico, apresentava membros aquecidos e bem perfundidos, com edema acentuado de MI direito sem sinais de hipertensão venosa (Figura 2). Foram realizados Doppler venoso e angiotomografia computadorizada, os quais evidenciaram oclusão das veias ilíaca comum, ilíaca externa e femoral comum e superficial direitas, além de posicionamento de stent prévio além dos 2 a 3 cm preconizados, invadindo a VCI (Figura 3).
Angiotomografia computadorizada em 3D demostrando o stent venoso ultrapassando a confluência ilíaco-cava.
PARTE II - TERAPÊUTICA
Realizou-se trombectomia fármaco-mecânica utilizando o dispositivo AngioJet 8 Fr. (Boston Scientific) com a técnica pulse-spray, com 20 mg de alteplase, seguido de 350 ciclos de aspiração. Na sequência, realizou-se angioplastia com balão de tamanho 3 mm x 40 mm através da malha do stent prévio, a fim de permitir a passagem do ultrassom intravascular (IVUS) para avaliar o calibre das veias e o sucesso da trombectomia (Figuras 4-5). Em seguida, realizou-se angioplastia com balão semicomplacente em ambas as veias ilíacas comuns, utilizando-se o tamanho 14 mm x 40 mm para a direita e 16 mm x 40 mm para a esquerda, seguida de implante de novos stents em VIC direita e esquerda por meio da técnica double barrel (Figura 6) para reconstrução da confluência ilíaco-cava (CI). Utilizou-se o stent VENOVO Venous Stent System™ (BD Medical, Arizona, USA), no tamanho 14 mm x 100 mm para a direita e 14 mm x 140 mm para a esquerda. O stent da direita foi implantado através da malha do stent previamente posicionado à esquerda. Para angioplastia de acomodação do stent, utilizou-se um balão 14 mm x 40 mm à direita e um balão 16 mm x 40 mm à esquerda (Figura 7). A flebografia demonstrou perviedade dos stents (Figura 8).
A: Ultrassom intravascular de veia ilíaca comum esquerda demonstrando stent prévio pré trombectomia. B: Ultrassom intravascular de veia ilíaca comum esquerda demonstrando stent prévio livre pós trombectomia.
A: Ultrassom intravascular de veia ilíaca externa esquerda pré trombectomia. B: Ultrassom intravascular de veia ilíaca externa esquerda livre pós trombectomia.
A paciente teve alta hospitalar no segundo dia pós-operatório, com melhora significativa dos sintomas, inclusive do edema, em uso de enoxaparina dose plena e dupla antiagregação plaquetária nos primeiros 30 dias. Após esse período, seguiu em uso de enoxaparina associada a clopidogrel. Foi acompanhada por 2 meses após o procedimento, sendo mantida em anticoagulação, assintomática e com stents pérvios. Após esse período, a paciente abandonou o acompanhamento.
DISCUSSÃO
O implante de stent venoso endovascular foi eleito o tratamento de escolha para pacientes com estenose ou oclusão iliofemoral sintomática com CEAP C3-C6, escore de Villalta moderado ou grave e pelo menos 50% de estreitamento do lúmen na venografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e/ou IVUS3 .
É um tratamento seguro e eficaz para restaurar o fluxo venoso, prevenir a recorrência de TVP, reduzir o risco de síndrome pós-trombótica e garantir a patência venosa a longo prazo6,7 .
Entretanto, em casos de estenose proximal da VIC, como na SMT, não há consenso sobre a localização ideal do stent. Se o stent ultrapassar a estenose e se estender para a VCI, pode prejudicar o fluxo contralateral, aumentando o risco de TVP4 . Por outro lado, pode migrar ou ser comprimido se a estenose não for suficientemente coberta, facilitando a reestenose8 . Não há, portanto, uma recomendação precisa acerca da extensão do stent na VCI nem um consenso acerca de suas consequências clínicas.
Embora estudos anteriores tenham mostrado que a extensão do stent através da CI pode ser feita com segurança na maioria dos pacientes, a incidência relatada de TVP contralateral após implantação do stent em VIC é de 1 a 15,6%6,8,9 .
Murphy et al.8 destacam duas razões principais para o desafio de implante de stent na VIC proximal: a dificuldade de localização da CI na venografia e a limitação da tecnologia dos stents atuais. O primeiro desafio pode ser superado com o IVUS, que oferece visualização precisa da CI em 80 a 90% dos casos, mas a tecnologia de precisão dos stents ainda é uma dificuldade8 .
Histórico de TVP, filtros de VCI pré-existentes, não identificação da presença de compressão e obstrução na veia ilíaca contralateral, não adesão a anticoagulação e malignidade são fatores associados à TVP contralateral após implantação de stent na veia ilíaca, conforme relatado por Khairy et al.9 .
Em um estudo observacional recente que analisou 490 pacientes, a taxa de intervenção secundária após a colocação de stent na veia ilíaca para obstrução crônica do fluxo venoso proximal foi de 10,2%, sendo que posicionamento além do preconizado e angulação do stent foram achados intraoperatórios em três pacientes10 .
O caso que apresentamos destaca importantes pontos de aprendizagem no manejo da oclusão trombótica secundária a posicionamento do stent na veia ilíaca além do preconizado. A realização de trombectomia fármaco-mecânica com AngioJet (Boston Scientific) seguida de angioplastia restaurou o fluxo venoso e garantiu melhores resultados, uma vez que o AngioJet está associado à redução da incidência de síndrome pós-trombótica e recorrência de TVP11 . Ademais, embora a literatura aponte a tomografia computadorizada pré-operatória como superior para definição e classificação precisa da obstrução12 , o IVUS também é capaz de fornecer avaliação da CI e informações sobre o grau e a extensão das lesões obstrutivas, o que é de particular importância na escolha do comprimento, do tamanho e da localização dos stents inseridos durante a angioplastia, evitando complicações adicionais13 .
Já a realização de angioplastia utilizando a técnica double barrel garante a reconstrução da confluência ilíaco-cava, comprometida pela presença do stent invadindo a veia cava além do preconizado. O stent VENOVO Venous Stent System™ (BD Medical, Arizona, USA) é considerado estável durante sua liberação e tem maior força radial em relação aos demais. Seu design de células abertas oferece flexibilidade suficiente para acomodar o movimento na articulação do quadril sem afunilar o stent, permitindo excelentes resultados de patência a curto prazo e poucas reintervenções14 .
Quanto à anticoagulação, optamos inicialmente pela enoxaparina devido ao histórico de bypass gástrico e ao prejuízo da absorção gastrointestinal dos anticoagulantes orais. Não há, atualmente, consenso sobre a duração ideal da anticoagulação e do uso dos antiagregantes plaquetários, sendo recomendado, no mínimo, 3 meses de anticoagulação15 .
CONCLUSÃO
Apesar de ser uma complicação rara, a TVP contralateral após implante de stent venoso devido a SMT está descrita na literatura, principalmente quando associada ao posicionamento do stent além de 2 a 3 cm do preconizado. A utilização do IVUS é imprescindível para o sucesso da técnica de liberação e bom posicionamento do dispositivo. A técnica aqui descrita pode ser utilizada para o tratamento dessa complicação.
-
Como citar: Della Costa AT, Sincos IR, Riscado LVS. Trombose venosa profunda de veia ilíaca contralateral após stent venoso posicionado na confluência ilíaco-cava: um desafio terapêutico. J Vasc Bras. 2023;22:e20220162. https://doi.org/10.1590/1677-5449.202201621
-
Fonte de financiamento: Nenhuma.
-
O estudo foi realizado no Hospital Alvorada Moema, São Paulo, SP, Brasil.
REFERÊNCIAS
-
1 Brazeau NF, Harvey HB, Pinto EG, Deipolyi A, Hesketh RL, Oklu R. May-Thurner syndrome: diagnosis and management. Vasa. 2013;42(2):96-105. http://dx.doi.org/10.1024/0301-1526/a000252 PMid:23485836.
» http://dx.doi.org/10.1024/0301-1526/a000252 -
2 Rossi FH, Kambara AM, Izukawa NM, et al. Randomized double-blinded study comparing medical treatment versus iliac vein stenting in chronic venous disease. J Vasc Surg Venous Lymphat Disord. 2018;6(2):183-91. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2017.11.003 PMid:29292114.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2017.11.003 -
3 Maeseneer MG, Kakkos SK, Aherne T, et al. Editor’s choice - European Society for Vascular Surgery (ESVS) 2022 Clinical Practice Guidelines on the Management of Chronic Venous Disease of the Lower Limbs. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2022;63(2):184-267. http://dx.doi.org/10.1016/j.ejvs.2021.12.024 PMid:35027279.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.ejvs.2021.12.024 -
4 Caliste XA, Clark AL, Doyle AJ, Cullen JP, Gillespie DL. The incidence of contralateral iliac venous thrombosis after stenting across the iliocaval confluence in patients with acute or chronic venous outflow obstruction. J Vasc Surg Venous Lymphat Disord. 2014;2(3):253-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2013.12.007 PMid:26993383.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2013.12.007 -
5 Neglén P, Berry MA, Raju S. Endovascular surgery in the treatment of chronic primary and post-thrombotic iliac vein obstruction. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2000;20(6):560-71. http://dx.doi.org/10.1053/ejvs.2000.1251 PMid:11136593.
» http://dx.doi.org/10.1053/ejvs.2000.1251 -
6 Le TB, Lee TK, Park KM, Jeon YS, Hong KC, Cho SG. Contralateral deep vein thrombosis after iliac vein stent placement in patients with May-Thurner syndrome. J Vasc Interv Radiol. 2018;29(6):774-80. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvir.2018.01.771 PMid:29705226.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jvir.2018.01.771 -
7 Kim KY, Hwang HP, Han YM. Factors affecting recurrent deep vein thrombosis after pharmacomechanical thrombolysis and left iliac vein stent placement in patients with iliac vein compression syndrome. J Vasc Interv Radiol. 2020;31(4):635-43. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvir.2019.12.807 PMid:32127319.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jvir.2019.12.807 -
8 Murphy EH, Johns B, Varney E, Buck W, Jayaraj A, Raju S. Deep venous thrombosis associated with caval extension of iliac stents. J Vasc Surg Venous Lymphat Disord. 2017;5(1):8-17. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2016.09.002 PMid:27987616.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2016.09.002 -
9 Khairy SA, Neves RJ, Hartung O, O’Sullivan GJ. Factors associated with contralateral deep venous thrombosis after iliocaval venous stenting. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2017;54(6):745-51. http://dx.doi.org/10.1016/j.ejvs.2017.07.011 PMid:28886989.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.ejvs.2017.07.011 -
10 Aboubakr A, Chait J, Lurie J, et al. Secondary interventions after iliac vein stenting for chronic proximal venous outflow obstruction. J Vasc Surg Venous Lymphat Disord. 2019;7(5):670-6. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2019.02.016 PMid:31068276.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2019.02.016 -
11 Li GQ, Wang L, Zhang XC. AngioJet thrombectomy versus catheter-directed thrombolysis for lower extremity deep vein thrombosis: a meta-analysis of clinical trials. Clin Appl Thromb Hemost. 2021;27:10760296211005548. http://dx.doi.org/10.1177/10760296211005548 PMid:33813903.
» http://dx.doi.org/10.1177/10760296211005548 -
12 Rossi FH, Kambara AM, Rodrigues TO, et al. Comparison of computed tomography venography and intravascular ultrasound in screening and classification of iliac vein obstruction in patients with chronic venous disease. J Vasc Surg Venous Lymphat Disord. 2020;8(3):413-22. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2019.09.015 PMid:32197952.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jvsv.2019.09.015 -
13 Neglén P, Raju S. Intravascular ultrasound scan evaluation of the obstructed vein. J Vasc Surg. 2002;35(4):694-700. http://dx.doi.org/10.1067/mva.2002.121127 PMid:11932665.
» http://dx.doi.org/10.1067/mva.2002.121127 -
14 Tang TY, Lim MHH, Damodharan K, et al. Use of the VENOVOTM and Sinus ObliquusTM venous stents in the treatment of non-thrombotic or post-thrombotic iliac vein lesions - short-term results from a multi-centre Asian cohort. Phlebology. 2021;36(1):70-8. http://dx.doi.org/10.1177/0268355520946219 PMid:32811290.
» http://dx.doi.org/10.1177/0268355520946219 -
15 Duarte-Gamas L, Rocha-Neves JP, Pereira-Neves A, Dias-Neto M, Baekgaard N. Contralateral deep vein thrombosis after stenting across the iliocaval confluence in chronic venous disease - a systematic review. Phlebology. 2020;35(4):221-30. http://dx.doi.org/10.1177/0268355519889873 PMid:31793374.
» http://dx.doi.org/10.1177/0268355519889873
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Jun 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
21 Dez 2022 -
Aceito
29 Mar 2023