RESUMO
Este artigo analisa aspectos do teatro de situações tal como Jean-Paul Sartre o apresenta. Diferenciamos a dramaturgia de Sartre do teatro de situações, pois a análise de suas peças exige o exame caso a caso, ao passo que a estética do teatro alcança outros autores e períodos históricos. Para examinar a sua teoria estética se faz necessário ampliar as fontes bibliográficas, analisando as considerações sobre o teatro ao longo de sua obra. Recorremos à coletânea “Um teatro de situações” (organizada por Michel Contat), que faz esse trabalho de reunião temática. A teoria estética de Sartre não pode ser apartada dos conceitos filosóficos, e deve ser vista de forma integrada, sob o risco de dano epistemológico. O teatro deve ser visto a partir do projetofilosófico sartriano e sua contribuição ao existencialismo. É uma forma de engajamento e, assim como outras formas de expressão (literatura, filosofia e crítica literária), manifesta-se como porta-voz da liberdade. A fim de considerar a teoria estética de Sartre sobre o teatro, outros conceitos são necessários, provenientes de “O ser e o nada” (conceito de negatividade), “O idiota da família” (conceito de universal-singular), “O que é a literatura?” (conceito de apelo) e “O imaginário” (conceito de analogon). O final do texto analisa a figura do ator. O teatro exige a identificação do espectador com os personagens. Assim como o ator, caracterizado pelo fenômeno de negação de si e identificação com o outro, o espectador vê-se confrontado com a negatividade da condição humana.
Palavras-chave:
Sartre; Teatro; Situação; Liberdade
ABSTRACT
This paper analyzes aspects of the theatre of situations as presented by Jean-Paul Sartre. It differentiate Sartre’s dramaturgy from the theater of situations, because the analysis of his theater works requires case-by-case examination, while the aesthetics of theater reaches other authors and contexts. To examine his aesthetic theory, it is necessary to expand the bibliographic sources, analyzing the considerations about the theater throughout his work. We turn to the collection “A theatre of situations” (organized by Michel Contat), which provides a thematic overview. Sartre’s aesthetic theory cannot be separated from philosophical concepts and must be seen in an integrated way, at the risk of epistemological damage. Theater must be seen from the perspective of Sartre’s philosophical project and his contribution to existentialism. It is a form of engagement and, like other forms of expression (literature, philosophy and literary criticism), it manifests itself as a spokesperson for freedom. Considering Sartre’s aesthetic theory of the theater, other concepts will be presented, coming from “Being and Nothingness” (concept of negativity), “The Family Idiot” (concept of universal-singular), “What is literature?” (concept of appeal) and “The Imaginary” (concept of analogon). The end of the essay analyzes the concept of the actor. Theater requires the identification of the spectator with the characters. Like the actor, characterized by the phenomenon of self-denial and identification with the other, the spectator is confronted with the negativity of the human condition.
Keywords:
Sartre; Theater; Situation; Freedom
“Há quem morra desconhecido de si mesmo por não ter visto um teatro diferente.” Denis Diderot
Introdução
Diferentemente de outros comentários sobre o teatro de Sartre, não visamos as suas peças de forma direta, ligando-as ao contexto particular do pós-guerra, como em geral acontece. A consideração do teatro de Sartre apenas em seus elementos históricos é redutora, pois não leva em conta a nuance entre “a dramaturgia de Sartre” e “o teatro de situações” enquanto teoria estética apta a outros autores e períodos. Cada peça de Sartre exige enfoque próprio. A perspectiva deste estudo é geral. A fim de diferenciar a dramaturgia de Sartre de sua concepção estética sobre o teatro, se faz necessário ampliar as fontes bibliográficas, analisando as considerações sobre o teatro ao longo de sua obra. Recorremos à coletânea “Um teatro de situações” (organizada por Michel Contat), que faz esse trabalho de reunião temática.
O teatro de situações é uma forma de engajamento e, assim como outras formas de expressão (literatura, filosofia e crítica literária), revela a condição humana. A facticidade da existência é constituída de situaçõeslimite, obstáculos e desafios à liberdade. Estamos sempre enredados em situações. Elas são o objeto permanente da consciência, pois se apresentam povoadas de circunstâncias incontornáveis e condicionamentos. A situação exige que pensemos a liberdade a partir da concretude fáctica. Por essa razão, a dramaturgia de Sartre não é um capricho poético, fruto de um rompante de criatividade que surge sem razão ou motivo explícito; tampouco um passatempo diletante ou recreativo, hobby de fim de semana ou férias. Ao contrário, segue princípios rigorosos e comprometidos com exigências que ultrapassam o domínio estético.
O desejo de Sartre é pensar alternativas para recuperar o espaço perdido pelo teatro, uma vez que essa arte enfrentava uma crise de frequentação e de contato qualitativo com o público2. Veremos no que segue uma exposição sobre o teatro de situações tal como Sartre o apresenta. Entre outros benefícios que podemos perceber ao estudar esse tema encontram-se, no plano artístico, uma alternativa viável para fazer frente à cultura de massas movida pela propaganda destinada ao entretenimento de baixa qualidade; no plano reflexivo, a recusa de ideais comprometidos com o pensamento determinista, segundo o qual o homem não é livre, mas enredado pela objetividade histórica.
Teatro e projeto filosófico
O teatro de Sartre não é só teatro, mas um composto de ficção e realidade, proposto a partir de situações existenciais cujo enredo conduz o espectador ao exame de suas próprias ideias. Em termos gerais, o teatro de Sartre não é psicológico, mas visa ao juízo, isto é, fazer do espectador um juiz de ações que necessitam de avaliação qualitativa3. O que chamamos de drama psicológico é o enredo centrado no monólogo interior, isto é, na exposição subjetiva de um personagem que não é livre, mas vítima de sentimentos involuntários mais fortes do que ele. O espectador, nesse caso, limita-se a tomar conhecimento das impossibilidades do personagem, que age contra a vontade. Ao criticar o drama de teor psicológico, Sartre recusa-se a tomar o homem como refém de conteúdos ocultos, vítima de ações inconscientes. O risco dessa concepção consiste em naturalizar as ações, ou seja, tomá-las como necessárias, ao passo que é a tensão ou a indecisão existencial que deve ser evocada. Longe de ações naturais, o teatro de Sartre visa enformar um contexto em que o personagem não sabe o caminho a tomar e, por isso mesmo, engaja o espectador a entrar em sua problemática4.
Sartre denomina o teatro psicológico de teatro de “caracteres”. A expressão deve sua origem à “Poética” de Aristóteles, segundo a qual o “éthos” (geralmente traduzido por “caráter”) representa a índole de personagens que agem segundo disposições naturais e subjetivas. O caráter é, por isso, um sistema espontâneo e inconsciente de condutas ou normas internalizadas, que podem ser boas ou más, segundo as inclinações morais do indivíduo. É essa disposição que Sartre recusa, pois, ao contrário da psicologia dos personagens, isto é, dos caracteres – representados a partir de padrões de comportamento que correspondem a arquétipos essenciais –, é preciso assegurar a liberdade que irrompe a favor, contra ou apesar de todo e qualquer tipo de determinismo. É preciso romper com a lógica do naturalismo psicológico segundo a qual a norma da ação está em conformidade com o caráter. Por essa razão, segundo Sartre (1948, p. 290):
Acabaram-se os caracteres: os heróis são liberdades que caíram na armadilha, como todos nós. Quais são as saídas? Cada personagem é apenas a escolha de uma saídae não deseja mais do que a saída escolhida. É de se desejar que toda a literatura se torne moral e problemática, como esse novo teatro. Moral – não moralizadora: que ela mostre simplesmente que o homem é também valor e que as questões que ele se coloca são sempre morais. Acima de tudo, que o homem se mostre o inventor dos valores. Em certo sentido, cada situação é uma ratoeira rodeada de muros. Expressei-me mal, não há saídas a escolher. Uma saída é algo que se inventa. E cada um, inventando sua própria saída, inventa-se a si mesmo. O homem é para ser inventado a cada dia.
Encontramos aqui o tema da liberdade, pedra angular do pensamento de Sartre. A recepção de suas ideias, no entanto, causou um dano inestimável não só ao teatro, mas também a muitos de seus conceitos filosóficos. A obra de Sartre é acompanhada por circunstâncias políticas de primeira ordem. Foi preso em 1940 pelo exército alemão. Participou da resistência francesa. Percorreu o mundo defendendo o intelectual engajado. Na década de 40, o círculo acadêmico francês glorifica “O ser e o nada”, ao passo que o grande público prefere suas declarações sobre a guerra. Bento Prado Jr., no prefácio à edição brasileira de “Situações I”, cita o comentário de Gilles Deleuze sobre “O ser e o nada” como se houvesse um abismo entre a filosofia e o teatro de Sartre5. Renaud Barbaras, ao comentar o estado atual dos estudos sobre Sartre na França, afirma que só depois da morte do filósofo é que foi possível fazer a leitura estrutural de um pensamento contaminado, até então, pelas ideias políticas que o qualificavam como intelectual engajado6.
No Brasil, a recepção do pensamento de Sartre não foi diferente. No início da década de 70, evocava-se a incompatibilidade entre “O ser e o nada” e “A náusea”, de um lado, representantes de uma abordagem metafísica e desengajada, e “Crítica da razão dialética”, de outro7, em que aparece a historicidade. É nosso interesse recuperar os conceitos filosóficos subjacentes ao trabalho teatral sem separar o seu pensamento ou decompô-lo em partes.
Em seus textos sobre os artistas (Giacometti, Calder, Genet, Flaubert, Tintoretto, etc.), Sartre evoca diversos conceitos de sua obra filosófica. Pode se dizer que a análise de escritores, pintores e artistas perderia uma parte de seu alcance se ignorássemos os conceitos filosóficos do autor. E inversamente: os trabalhos filosóficos de Sartre perdem a efetividade sem o conhecimento de sua obra para teatro, literatura e crítica literária. O pensamento de Sartre é acompanhado por um método cujo teor alcança toda a sua obra, seja ela crítica ou literatura, seja teatro ou filosofia. Mais do que um pensamento marcado por reformas e críticas internas, percebemos que o teatro de Sartre corresponde a indicações – sobre o plano geral da moral – que “O ser e o nada” deixara em aberto8. “As moscas”, “O diabo e o bom Deus” e “Os sequestrados de Altona” fornecem um complemento precioso às notas teóricas dos “Cadernos para uma moral”, publicados postumamente. Flaubert (de “O idiota da família”) é a aplicação concreta dos princípios abstratos desenvolvidos na “Crítica da razão dialética”, cujo tema é a inteligibilidade da história. Esses breves apontamentos são suficientes para concluirmos que só podemos pensar a obra de Sartre a partir de temas comunicantes e inseparáveis. Está superada a ideia de uma divisão em sua obra.
Compartilhamos com François Noudelman (1993, p. 12) a seguinte avaliação sobre o teatro de Sartre:
De uma maneira geral, Sartre, diversificando seus escritos, embaralhou a distinção de gêneros, suscitando algumas vezes mal entendidos e ostracismos entre disciplinas. Percebidos como ilustrações de teses filosóficas, o teatro sofre de uma leitura demasiadamente unívoca e que desconhece sua originalidade e poder específico. Convém, por conseqüência, evitar a exegese que consiste em reparar sistematicamente as correspondências, assim como organizar o pensamento em fases do pensamento sartriano, pois a Obra é uma ficção que constrói um olhar retrospectivo sobre os textos e mascara sua autonomia.
Avaliação tão mais verdadeira em se tratando de uma obra que muda constantemente de forma9, razão pela qual se corre o risco de isolar, senão de diminuir, a filosofia em relação ao teatro ou à literatura, perdendo-se assim a ideia de correspondência, de circuito, enfim, de continuidade, no itinerário de Sartre.
Nos “Diários de uma guerra estranha” (Sartre, 1995, p. 594), lê-se: “Eux, c’est moi décapité” [“Eles são eu decapitado”]. Os personagens de ficção, tanto na literatura quanto no teatro, são o próprio Sartre em outro corpo. Em entrevista concedida a Gabriel d’Aubarède, em 1951, o filósofo afirma: “Executo pouco a pouco um plano de trabalho cuidadosamente premeditado. Romance, teatro, ensaio, cada uma de minhas publicações é uma faceta de um conjunto cujo sentido só poderá ser compreendido depois de atingir a sua totalidade” (Sartre, 1951, p. 5). A “vizinhança comunicante” entre teoria filosófica, teatro e literatura, segundo a expressão de Franklin Leopoldo e Silva10, é uma conclusão viável para compreender a intencionalidade que percorre todo o seu pensamento.
A categoria da ação
É certo que Sartre jamais escreveu a moral anunciada ao fim de “O ser e o nada”. A ausência desse material proferido, contudo, não nos impede de pensar que o esquema informal de uma moral que se quer engajada encontrase no teatro. Quais situações apresentam-se a nós como insuperáveis, quando se trata de viver o nosso tempo? Essa questão é ambivalente, pois haverá certamente em todas as épocas questões locais, particulares a grupos ou regiões, e questões que poderíamos chamar de universais ou metafísicas, pois se referem ao ser, independentemente de cor, gênero, classe social ou crença. Cada época elege questões que perdem o sentido com o tempo, mas é certo que precisamos nos posicionar de forma indiscutível frente ao que ameaça a condição humana. Ora, compete ao homem apropriar-se do mundo e agir de forma responsável com respeito à natureza e aos semelhantes. Por isso, a imagem humana passa pela edificação de valores que dependem de sua avaliação e escolha. Na dinâmica de apropriação de valores que o preservam da alienação está a luta contra a marginalização, a ignorância, a injustiça, a intolerância, etc. O papel do teatro está em oferecer, a partir de situações-limite, representações em que a violência, a ruptura, a guerra e outras conjunturas ameaçam a condição humana.
O conceito de situações corresponde à “literatura das grandes circunstâncias”, aplicado ao teatro:
O que faz Camus, Malraux, Koesler, Rousset, etc., senão uma literatura de situações extremas? Suas criaturas estão na cúpula do poder ou na masmorra, na véspera de ser torturadas, de morrer ou de matar; guerras, golpes de Estado, ação revolucionária, bombardeamentos e massacres, é este o cotidiano. A cada página, a cada linha, é sempre o homem total que está em questão (Sartre, 1992, p. 305).
A simples menção a ações dolosas, cujo desenlace leva em conta o conflito entre direitos equipolentes, lembra a tragédia grega. Embora a tragédia grega apresente seus heróis por meio de ações com as quais estão completamente comprometidos, a categoria da ação não terá a mesma função na estética de Sartre. E isso é assim porque a ação, em Sartre, é o que escapa à psicologia, por se tratar de um domínio teleológico. Não interessa se a ação é mais ou menos livre, se há ecos ou elos relacionados à infância, à mãe, aos desafetos conscientes ou inconscientes do passado. Toda ação emana de um projeto, de uma deliberação, de uma escolha em razão dos fins. Se há ação, há liberdade. Essa é a conexão que interessa a Sartre, pois não deseja discutir quais são os aspectos qualitativos da liberdade, apenas sua efetividade11. Isso equivale a dizer que em toda ação há aspectos psicológicos diretamente envolvidos, mas o que importa são seus efeitos. Os estados mentais, os níveis de consciência e tudo o que se poderia colocar sob o domínio da ciência psicológica são pensados segundo a perspectiva do impacto da ação12 e suas consequências sobre o mundo. Em outras palavras, a ação deve ser evocada em si mesma, pois representa o resultado de um processo de avaliação e escolha. Esse tributo à liberdade é necessário, pois só a liberdade realiza as mudanças, as transformações e as realizações que julgamos imprescindíveis ao nosso tempo.
A ação é tão importante que, em “O existencialismo é um humanismo”, Sartre louva André Gide por ter afirmado que “um sentimento representado e um sentimento vivido são duas coisas quase indiscerníveis: decidir que amo minha mãe, ficando junto dela, ou representar uma comédia que me leva a ficar com ela [ao invés de deixá-la], é mais ou menos a mesma coisa” (Sartre, 1970, p. 45). O que aproxima a intenção e a ação é a relação de motivação anterior à escolha, mas que só os atos podem mostrar, ou seja, sempre retrospectiva, a ação revela o que havia antes dela. Essa avaliação leva em conta que as contradições humanas não são simplesmente fenômenos de má-fé, mas dificuldades de escolha, indecisões. No final das contas, de fato, seremos julgados por nossas ações. Pouco importa as intenções. Se digo amar alguém e minhas ações representam o contrário desse sentimento, não serei crível, nem convincente. A ação desempenha, no plano do mundo concreto, a parte visível de uma longa cadeia de intenções.
A categoria da ação livre, uma vez que ocorre no mundo, longe de ser individual, é universal. Toda ação carrega consigo pressupostos morais, a partir dos quais é possível julgar a regra que está em operação, seja o agente consciente disso ou não. “Mentir implica um valor universal atribuído à mentira”, diz Sartre, em “O existencialismo é um humanismo” (Sartre, 1970, p. 29). Isso quer dizer que a distinção entre a verdade e a mentira, assim como outros valores, não se dá apenas para o indivíduo, mas se revela ao outro. A ação, assim entendida, deve ser avaliada a partir de seu impacto sobre o mundo. Ao agir, o personagem sabe que decide não apenas a própria sorte, mas também a dos outros, tomando um caminho sem volta e sobre o qual recaem consequências inexoráveis. É por isso que o homem, segundo Sartre, é um empreendimento [entreprise] total em si mesmo13. Traduzimos o termo francês “entreprise” por “empreendimento”. Mas o sentido é mais amplo. Significa “projeto”, “tarefa”, “realização”. Essa informação é importante, pois indica que o homem é apenas o que ele faz de si mesmo, sem contar com o apoio de algo preconcebido.
Em “O ser e o nada”, vemos que o homem é caracterizado pela negatividade de ser-para-si. A identificação com o não ser representa a impossibilidade de um fundamento ou de uma essência determinante e segura, que lhe assegure alguma positividade. O fundamento do ser-para-si é o nada, ou seja, não há nenhum fundamento positivo em seu ser. Sem fundamento, o ser-parasi está condenado a ser livre, isto é, a fazer-se sem recorrer a algum lugar previamente estabelecido. Abandonado, sem Deus, o homem deve erguer-se do nada e legislar sobre o mundo, isto é, apropriar-se de si e da natureza de forma a criar valores de forma livre e responsável. A negatividade, longe de ser empecilho ou impedimento, é fundamental, pois lhe permite negar o que é dado e constituir livremente seu ser.
A intencionalidade da consciência marca o ser-para-si, pois, ao contrário do ser-em-si, o ser-para-si é consciente de si. A consciência de si determina a presença a si, isto é, a modalidade de um ser que percebe sua existência. A presença a si, no entanto, é acompanhada pela diferença em relação a si, pois a temporalidade e o projeto de constituição de si diferenciam o ser-para-si do ser-em-si – que não possui negatividade em seu ser, ou seja, possibilidade de não ser o que é. Ao contrário do ser-para-si, o ser-em-si é idêntico a si. É positividade, ou seja, permanência e identidade, sem possibilidade de negar ou não ser o que é. Predestinado a ser o que é, o ser-em-si não possui nadificação, isto é, consciência de si. O não ser vem ao ser como possibilidade de nadificação da consciência. Ao ser o nada, o ser-para-si é aberto e condenado a ser projeto, empreendimento e realização de si, livre de qualquer determinação ou desígnio prévio ao que fizer de si mesmo.
Ora, a tarefa de fazer-se é o paradigmático enigma que qualifica o fenômeno humano. É por essa razão que Sartre se interessa pela história de diversos artistas, pintores e escritores. Genet foi uma criança abandonada que roubava e se prostituía para sobreviver. Flaubert era disléxico, Dostoievski era órfão e epilético. No início de sua carreira, Tintoretto foi rechaçado na escola de pintura. A trajetória artística desses autores tem a virtude de combinar a ficção e a realidade ao descrever uma situação imaginada a partir de situações vividas e concretas, o que tem por resultado uma síntese entre o singular e o universal, o drama pessoal e a época histórica. O interesse biográfico de Sartre pelos artistas não visa à reconstrução de fatos históricos, mas a elaboração de um sentido que se estabelece sobre os temores que assombram a história de um indivíduo. Eles não servem de exemplo como casos de sucesso midiático ou glamoroso. Ao contrário, a intenção de Sartre é analisar o processo pelo qual um indivíduo, no contexto particular de uma vida que procura sair do abismo em que foi colocada, escapa a todo tipo de condicionamento, não porque a arte é um dom mágico ou salvador, apto a exorcizar os fantasmas do espírito, mas porque acede ao universal através de uma proposta de sentido válida para todos. Em “O idiota da família”, não se trata de fazer uma biografia de Flaubert, mas de mostrar como a história de uma singularidade alcança a generalidade. Tintoretto, Genet e Mallarmé são outros casos em que o trabalho do negativo alçou a favor da liberdade e negou o determinismo. O homem não é só um indivíduo. Ele é um universal-singular. Por essa razão o projeto fundamental de um indivíduo ilumina a realidade humana.
O conceito de universal-singular nos ajuda a compreender o teatro de situações. Segundo Sartre (1992, p.58): “é preciso substituir o estudo dos conflitos de caracteres pelos conflitos de direitos”. O que qualifica essa afirmação é que os conflitos de caracteres representam o drama interno, ao passo que os direitos transcendem o domínio do indivíduo. A psicologia é evocada a partir de um plano que a transporta à realidade do espectador que se identifica com uma causa. Só assim o passado representado pelo teatro continua atual, pois não se trata de conflitos pessoais, mas de direitos suprimidos.
Ao elevar o drama individual à luta por direitos, o teatro ganha em elaboração mental, pois a materialidade histórica é retirada do imediatismo e elevada à categoria de imagem do processo de resistência contra o determinismo. Segundo Sartre (1992, p. 172): “o teatro deve tomar todos os problemas e transformá-los em uma forma mítica. (...) Não penso que o teatro deva diretamente descrever os acontecimentos políticos”. Assim, a evocação histórica encontra-se recoberta de elementos ficcionais que envolvem a qualidade de símbolo contra o fascismo, o racismo, a intolerância, a alienação, etc. A atualidade do teatro não está na história individual, mas no ingrediente ético que transcende o cotidiano e alcança o domínio crítico.
A crítica social, embora apareça ao final de um processo de tomada de consciência, não acontece por meio de divagações filosóficas e abstratas. Ao contrário, resulta do drama existencial concreto de personagens em ação. Desse modo, se o teatro de situações visa à ação, é porque só ela modifica o mundo e mobiliza a liberdade em si mesma. Além disso, é por meio das ações que o peso das escolhas é decisivo. À diferença do discurso, que descreve estados de coisas imutáveis e tranquilos, a ação transforma a realidade de maneira irreversível. Ela se radicaliza, tornando a perspectiva em causa cada vez mais aguda. Irreversível como a história, ela é implacável: custe o que custar, uma vez em cena, não tem mais volta, vai ao fim das consequências como se fosse uma questão de vida ou morte.
Trata-se de uma ação qualificada pela paixão do personagem que busca reparação. Sartre compara os apaixonados aos juristas, pois estão inteiramente convencidos dos direitos que lhes cabem. Daqui se segue a intransigência do personagem que vai até o fim por uma causa, pouco importando as consequências. Segundo Sartre (1992, p. 148): “a paixão aparece quando um direito é lesado”, isto é, quando a ação reparadora é inevitável. O que gera o conflito é círculo vicioso das contradições humanas. Em torno desse círculo, o espectador reconhece os sofismas de sua época, pois o drama a que assiste continua vivo.
O teor moral do teatro de situações é a conquista dos valores a partir de questões sobre as ações dos personagens. Lutar por direitos cerceados é o mesmo que agir segundo o reconhecimento do que ameaça a existência. Mas não pensemos que se trata de uma moral que possa ser escrita – tal como o imperativo categórico kantiano. O universal é o drama, a dificuldade, a angústia de se sentir privado de meios para alcançar os fins. O universal é singular, ou seja, não podemos escolher pelos outros. E vice-versa, as escolhas dos personagens não são nossas, apenas o trabalho indescritível de agir sem garantias de sucesso.
Mas não é apenas a categoria da ação que caracteriza o teatro de situações. Sartre é o inspirador ou o prenunciador da estética da recepção.
A situação é um apelo; ela nos concerne; ela nos propõe soluções, compete a nós decidir. E para que a decisão seja profundamente humana, para que coloque em jogo a totalidade do homem, a cada vez é preciso levar à cena situações limites, isto é, alternativas cuja morte é um dos termos. (...) Coloca homens em situações universais e extremas que não lhes deixem senão poucas escolhas; faz que, escolhendo uma saída, escolham a si mesmos. Ganhaste! A peça é boa. (Sartre: 1992, p. 21)
Para avaliar o sentido da estética da recepção é preciso considerar a noção de apelo. O apelo é uma dimensão intersubjetiva entre o autor e o espectador. Sartre denomina essa dimensão de “pacto de generosidade”, pois se trata de um encontro entre duas liberdades. Ninguém pediu ao autor que escrevesse a peça. Ele livremente escolheu fazê-lo. O espectador, em igual medida, não foi obrigado a entrar na sala de concerto. Livremente escolheu fazê-lo. Logo, são escolhas livres, cujo desenlace não é previsível, pois o espectador pode ir embora antes de cair as cortinas, pode amar a peça, odiá-la, entendê-la como quiser. A intencionalidade do espectador é imprevisível. O autor não controla o sentido das palavras do espaço cênico, pois ao espectador compete esse poder heurístico. A bem dizer, a peça nem sequer existe sem o fenômeno de presenciação. Do mesmo modo, pode-se dizer que o livro, sem o ato de leitura, está em estado de negação. Visto que nenhum autor pode se ler, pois está preso a sua subjetividade, o livro é para o outro. Daí a generosidade do autor, que livremente publica suas ideias. Generosidade que só se completa com a generosidade do leitor. A obra da arte, assim entendida, não pode acontecer fora da receptividade.
Sartre atribui a Kant o equívoco de pensar a obra de arte em si mesma, livre do fenômeno da recepção: “Kant crê que a obra existe primeiro de fato e só em seguida é vista. Mas ela só existe quando a olhamos, pois ela é, antes de tudo, apelo” (Sartre, 1948, p. 55). O apelo desempenha uma função claramente transitiva, pois, uma vez que a obra é lida/assistida, não será ignorada ou esquecida. Mais uma vez, o leitor/espectador é livre. A indiferença em frente às imagens é efeito de sua escolha. O apelo do autor atinge o espectador. Então a obra terá realizado seu desígnio, que é interpelar o outro. O ato criador, assim, submete-se a um imperativo transcendente e consentido, a saber, a generosidade do espectador que reconhece o valor da obra. Conclui-se disso que o leitor/espectador não é passivo ou coadjuvante em face à criação artística. Sua função é desvelar o sentido da obra. Obra esta que, ao mesmo tempo, serviu de meio inspirador para a compreensão essencial do homem.
Sartre utiliza o conceito de analogon para descrever o acontecimento estético. O teatro é um centro de irrealização, isto é, um recurso ao imaginário. O espectador sabe que o ator usa seu corpo como análogo de um personagem; sabe que a cena se desenrola num palco cujo cenário serve de análogo a uma floresta, um parque, uma casa; sabe que o tempo do espetáculo é análogo a uma temporalidade correspondente ao passado, ao futuro, sobrepondo ou elidindo o tempo cronológico. Num extrato de “O idiota da família”, republicado pela coletânea sobre o teatro de situações, Sartre discute o conceito de analogon representado pela figura do ator (1992, p. 221):
Tal como ele [o ator] a pratica, a imaginação brota do não ser, é uma descompressão do ser enquanto opera sem mandato; vaga e difusa, apesar de certas repetições, esta irrealização não volta sobre ele como um ofício; ele nem mesmo sabe que se doando em espetáculo, convida os outros ou a desmascará-lo ou a irrealizarem-se com ele: de fato, nós o sabemos, ele atua para que o irreal – isto é, a aparência – seja aqui o parecer e lá o ser irrecuperável contra o qual não cessa de se proteger. Logo, ele é comediante mitomaníaco, pois é consciente de se modificar em aparência para que os outros, mais ou menos enganados, tomem esta aparência por seu ser e, através de sua manifesta crença, reenviem-na como seu ser e persuadam-no que ele é.
O que importa perceber na citação acima é a realidade do ator que se doa em espetáculo. O jogo da representação ao qual está submetido não é apenas lúdico. É mais profundo. Ao atuar, o ator representa outro em seu lugar, a saber, o personagem. O problema é que esse análogo que ele apresenta não é para si, mas ao público, que o irrealiza ao ver o personagem. Ora, essa faculdade de irrealização é fruto da consciência imaginante, que projeta o objeto ausente. Nesse jogo de representações entre presenças ausentes, o espectador é convidado a entrar na evocação da imagem, correndo o risco de, entre o corpo do ator e a imagem que ele apresenta, inverterem-se os papéis. Sempre desmascarado, isto é, reconhecido sob o fundo do não ser que é o personagem com o qual o ator se identifica, vemos operar uma espécie de contraimagem, uma sobreposição de imagens que se confundem e se misturam entre si. É o momento em que a irrealização do ator em nome do personagem aparece justaposta à sua imagem. A identificação do ator com o personagem confunde o espectador, que passa a vê-lo a partir de um realismo imaginário que perdeu a ancoragem. Por essa razão Sartre chama o ator de mitomaníaco, pois a imagem que faz de si não possui fundamento sólido no labirinto da desidentificação de si em nome da representação do outro. Assim, o analogon representa o vínculo com o irreal, que esvazia o ser, deixando-o ilimitado em sua vacuidade. A descompressão do ser é o esvaziamento do ser-parasi, o vínculo com o nada ou com o não ser que produz a falta de ser como fundamento ontológico. Conclui-se disso que o ator exacerba e potencializa o vazio ontológico, que descomprime o ser e o torna indeterminado e vacante de forma própria. O homem não tem face própria e, por essa razão, deve construir a própria imagem. O ator é aquele que rouba de cada homem uma face, fazendo dela seu disfarce. No país imaginário em que se coloca, é um analogon profissional que, de forma voluntária, nega a si mesmo em favor da imagem14. A generosidade do ator está em ser para o outro. Generosidade perigosa, pois corre o risco de perder a própria identidade no processo de irrealização de si15.
O que a experiência do ator nos mostra? Ela nos mostra que seu ser é indeterminado, pois se modifica indefinidamente em torno de uma imagem que não é sua, pois é de outrem. Mas a representação do outro não é neutra, isto é, desencarnada. Ao contrário, sua inserção no personagem é de tal ordem que confunde as pessoas. Ora, o vocábulo “pessoa” vem do latim “persona” e significa originariamente a máscara que o ator usa para caracterizar a representação do outro. “Personagem” significa “pessoa que age”, pela união de “pessoa” mais o sufixo “-age”, que vem de “ação” (do latim “actum”). A palavra “personalidade” (“persona” mais o sufixo “-dade”) significa um fenômeno de apropriação de identidade, com a prerrogativa de propriedade, reconhecível na qualidade de essência, resultado de ação internalizada, espontânea, logo, não representada. Curiosa deriva associada à atividade do ator, pois vamos da máscara do outro (persona) [1], à ação representada (personagem) [2], até chegar à ação não representada (personalidade) [3]. Assim, a apresentação do ator é a identificação com o outro, isto é, a personalização do outro e a despersonalização de si. Mas esse fenômeno de esvaziamento pessoal, representado pelo uso de máscaras, revela a constituição do homem em busca da consciência de si. Sem alguma imagem de si prévia à ação de fazer-se, o homem constrói sua própria identidade. Identificado ao negativo, isto é, ao vazio, está sempre re/fazendo a sua imagem.
Por essa razão, afirma Sartre (1992, p. 233): “é certo que entre o personagem e o ator uma dialética se instaura: um transforma o outro e vice-versa”. A despersonalização do ator inspira o imaginário do espectador que sonha...
E se pergunta: “Quem eu sou? Quem eu sou?”
Considerações finais
Não há gratuidade ou inocência no teatro sartriano. Em espetáculo, o ator se entrega de corpo e alma ao puro movimento que caracteriza a ação livre e sem mediação, pois atinge diretamente o espectador. Pensar o teatro de situações e visar ao engajamento é uma tautologia que, tal como a repetição do pleonasmo, entoa a voz incoativa que os personagens do drama proferem sobre o palco: é preciso agir para ser-no-mundo.
O espectador defronta-se com o vazio, com a escuridão. Depois, ao abrir as cortinas, o drama desenrola uma estória completa e contundente. Ao final, o espectador retorna sobre si. É só em si mesmo, em seu entendimento, que encontrará os valores a seguir. Das imagens do teatro ele retira uma reflexão sobre o mundo e a essência do ser a construir.
Assim como o ator representa ser quem não é, o ser-para-si não está definido em alguma forma prévia ao seu fazer. A liberdade implica a responsabilidade. O ser implica o drama de ser. “Ser ou não ser, eis a questão”. Aspas a Shakespeare! Em sua adaptação à peça “Kean”, de Alexandre Dumas, Sartre (1954, p. 125) afirma16:
Não atuamos para ganhar a vida. Atuamos para mentir, para mentir a nós mesmos, para ser o que não podemos ser porque estamos fartos do que somos. Atuamos para não nos conhecermos e porque nos conhecemos demais. Atuamos como heróis porque somos covardes e atuamos como santos porque somos maus. Atuamos como os assassinos porque temos inveja de matar o próximo. Atuamos porque somos mentirosos desde o nascimento. Atuamos porque amamos a verdade e porque a detestamos. Atuamos porque enlouqueceríamos se não atuássemos. Representar! É verdade que eu sei quando eu atuo?
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“Será somente assim que o teatro reencontrará a importância que ele perdeu, somente assim poderá unificar o diverso público que o freqüenta hoje.” (Sartre, 1992, p. 21.)
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Cf.: “[No Teatro de situações] o espectador, ao mesmo tempo em que é testemunha, se vê conferido na incumbência de juiz moral; ele julga o processo, ele diz: este tem razão, aquele não.” (Sartre, 1992, p. 31.)
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Cf.: “[O monólogo interior] é um erro muito grave, pois o espectador não quer saber o que se passa na cabeça de um personagem, mas sim julgá-lo no conjunto de seus atos. Não se trata do plano da psicologia naturalista, pois não deseja que a palavra pinte um estado interior, mas o engaje.” (Sartre, 1992, p. 35.)
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“Por ocasião de sua publicação, O Ser e o nada caiu como uma bomba. E não exatamente, como era o caso com As moscas, porque se teria visto aí um ato de resistência.” (Deleuze, Gilles. Depoimento a Didier Eribon. In: SARTRE, Jean-Paul. Situações I. Prefácio de Bento Prado Jr. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p.7.)
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“Durante os anos que precederam e se seguiram a sua morte, é sobretudo o Sartre filósofo político, pensador da ação e da história, que suscitava o interesse, e tanto mais porque colocava explicitamente a atividade filosófica a serviço do engajamento.” (Barbaras, 2005, p. 10.)
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“O título de sua obra principal já revela linha diretriz básica que deve possibilitar o seu esclarecimento: trata-se do ser e o nada, de um ensaio de ontologia. Trata-se, pois, de elucidar os mesmos problemas que acompanham o núcleo de toda a tradição da Metafísica ocidental.” (BORNHEIM, 2000, p. 26. [A primeira edição é de 1971.])
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“Todas estas questões, que nos reenviam para a reflexão pura e não cúmplice, não podem encontrar a sua resposta senão no terreno da moral. Consagrar-lhe-emos uma próxima obra.” (Sartre, 1943, p. 692.)
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“No fim dos anos 50, Sartre empreende diversos combates políticos (Indochina, Algéria), redige sua autobiografia, prepara um estudo sobre Tintoretto, escreve um artigo sobre Mallarmé, começa um livro sobre Flaubert e continua seu trabalho filosófico.” (Gaudeaux, 2006, p. 23.)
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10
“Não se trata de uma relação extrínseca e suspeitamos que não seja tampouco uma relação de identidade absoluta. A relação de uma com a outra se daria por uma espécie de passagem interna que, à falta de outro termo, chamaríamos de vizinhança comunicante.” (Silva, 2004, p. 13.)
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11
“O ato, com efeito, é o que por definição escapa à psicologia; e um empreendimento livre acima de tudo, pois não temos que discutir sobre a natureza e a extensão da liberdade, mas se a liberdade existe, então deve estar na composição de um ato que é um empreendimento, que tem um fim, que é projetado, que é concentrado; e é isto que deve aparecer no teatro: homens perseguindo um empreendimento através de atos para realizá-lo.” (Sartre, 1992, p. 30.)
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12
“Não nos preocupamos em saber se é sentimental ou frio, se tem complexo de Édipo ou temperamento de tipo irritado ou alegre. É claro que se o personagem for medroso ou impulsivo, vaidoso ou pusilânime, tomará a decisão errada. Mas não queremos antecipar os motivos ou as razões que antecedem à ação.” (Sartre, 1992, p. 60.)
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13
Cf.: “Ce que nous voulons dire, c’est qu’un homme n’est rien d’autre qu’une série d’entreprises, qu’il est la somme, l’organisation, l’ensemble des relations qui constituent ces entreprises.” (Sartre, 1970, p. 58.)
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14
“Sobretudo quando é grande, o ator é antes de mais nada uma infância roubada, sem direitos, sem verdade,sem realidade, presa de vampiros que instituíam o seu ser como cidadão-suporte da irrealidade. É um imaginário que se esgota a desempenhar papeis para se fazer reconhecer e que reconhecemos finalmente como operário especializado da imaginação: seu ser é proveniente da socialização de sua impotência de ser.” (Sartre, 1992, p. 225.)
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15
Permito-me contar um caso icônico. Johnny Weissmuller foi um atleta de natação que, medalhista em diversas competições olímpicas, migrou para o cinema. Estrelou o papel do Tarzan em 12 filmes de Hollywood, tornando se o maior intérprete da história do cinema desse personagem. Segundo as informações da reportagem indicada abaixo: “Ao final da vida, tornou-se o pesadelo de outros residentes do hospital psiquiátrico. Internado, costumava entoar o grito de Tarzan ao ouvido de todos”. Cf. http://www.francisswim.com.br/fs/semana-especial-paris-1924-johnny-weissmuller-um-papel-de-lideranca-nos-jogos-olimpicos-de-paris/. Acessado em 05 de Outubro de 2023.
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16
Tendo em vista a beleza da citação e as escolhas de tradução, eis o original: «On ne joue pas pour gagner sa vie. On joue pour mentir, pour se mentir, pour être ce qu’on ne peut pas être et parce qu’on en a assez d’être ce qu’on est. On joue pour ne pas se connaître et parce qu’on se connaît trop. On joue les héros parce qu’on est lâche et les saints parce qu’on est méchant ; on joue les assassins parce qu’on meurt d’envie de tuer son prochain, on joue parce qu’on est menteur de naissance. On joue parce qu’on aime la vérité et parce qu'on la déteste. On joue parce qu'on deviendrait fou si on ne jouait pas. Jouer ! Est-ce que je sais, moi, quand je joue?»
Referências
- BARBARAS, R. “Sartre, désir et liberte”. Paris: Gallimard, 2005.
- BORNHEIM, G. “Sartre: metafísica e existencialismo”. São Paulo: Perspectiva, 2000.
- GAUDEAUX, J.-F. “Sartre: l’aventure de l’engagement”. Paris: L’Harmattan, 2006.
- JEANSON, F. “Sartre por ele próprio”. Tradução: Vergílio Ferreira. Lisboa: Portugália, 1965.
- NOUDELMAN, F. “Huis clos et Les mouches – commentaire”. Paris: Gallimard, 1993.
- SARTRE, J.-P. “Kean”. Adaptation de l’œuvre de Alexandre Dumas. Paris: Gallimard, 1954.
- SARTRE, J.-P. “Les carnets de la drôle de guerre”. Nouvelle édition augmentée. Paris: Gallimard, 1995.
- SARTRE, J.-P. “L’Être et le néant”. Paris: Gallimard, 1943.
- SARTRE, J.-P. “L’existentialisme est un humanisme”. Paris: Nagel, 1970.
- SARTRE, J.-P. “Qu’est-ce que la littérature?” Paris: Gallimard, 1948.
- SARTRE, J.-P. “Rencontre avec Jean-Paul Sartre”. Journal Les nouvelles littéraires, Nr. 1222. Paris: 1er février de 1951.
- SARTRE, J.-P. “Situações I”. Tradução de Cristina Prado. Prefácio de Bento Prado Jr. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
- SARTRE, J.-P. “Un théâtre de situations”. Paris: Gallimard, 1992.
- SILVA, F. L. “Ética e literatura em Sartre”. São Paulo: UNESP, 2004.
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FRANCIS SWIM. Disponível em http://www.francisswim.com.br/fs/semana-especial-paris-1924-johnny-weissmuller-um-papel-de-lideranca-nos-jogos-olimpicos-de-paris/ Acessado em 05 de Outubro de 2023.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Nov 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
16 Jan 2024 -
Aceito
22 Maio 2025
