RESUMO
A ordem assumida na construção da Encyclopédie de Diderot e D’Alembert supõe um modelo normativo epistêmico que não apenas condiciona a formação do cânone como horizonte de referencialidade, mas, simultaneamente, produz um modo de administração político da vida, com consequências significativas para a relação entre o discurso canônico e a biopolítica iluministas. O artigo propõe uma análise desse duplo dispositivo normatizador, com seus impasses e estratégias complexas de enunciação, por meio da investigação dos nexos de continuidade entre a epistemologia da matemática desenvolvida por D’Alembert e sua polêmica posição em relação à inoculação, o tratamento preventivo contra a varíola disponível no século XVIII.
Palavras-chave
D’Alembert; Enciclopédia; Biopolítica
ABSTRACT
The order assumed in the construction of the Encyclopédie, edited by Diderot and D’Alembert, supposes an epistemic and normative model that not only conditions the formation of the canon as a referential horizon, but simultaneously produces a template for the political administration of life, with significant consequences for the relationship between canonical discourse and biopolitics within Enlightenment. The article proposes an analysis of this double normative device, with its impasses and complex strategies of enunciation, through the investigation of the nexuses of continuity between the epistemology of mathematics developed by D’Alembert and his controversial position regarding inoculation, the preventive treatment against smallpox available in the eighteenth century.
Keywords
D’Alembert; Encyclopedia; Biopolitics
L’amour, dit le Docteur, c’est une drôle de mécanique.
Paul Valéry, L’idée fixe.
I.
São suficientemente bem conhecidas as divergências entre Diderot e D’Alembert, no que diz respeito à colaboração de ambos na edição da Encyclopédie, para que possamos ao menos intuir a importância das contradições no processo de formação desse texto que, propositivamente, pretendeu construir para si a autoridade do discurso canônico. Quando nos aproximamos do tecido formado pelos 72.000 verbetes e acréscimos, apresentados ao longo dos 35 volumes, por ao menos 140 autores identificáveis, ao longo dos vinte anos de publicação da primeira edição da obra, estamos ainda mais autorizados a sustentar a hipótese de que o cânone moderno, encarnado em sua forma enciclopédica, postula uma ordem que em nada se deixa confundir com a linearidade uniforme ou com a circularidade perfeita com que se ilustrou, de modo manualesco, o Iluminismo. Ao contrário, a efetividade do saber enciclopédico, tanto como realização de um projeto conceitual quanto como eficácia de uma estrutura normativa, depende da dedução de um modelo de inteligibilidade capaz de dar conta de diferentes níveis de encadeamento narrativos, de estilos notavelmente antitéticos, de argumentos sinuosos e de relações hermenêuticas nem sempre facilmente assinaláveis que se tensionam na produção de um corpus, na ampla acepção desse termo. Pode-se sempre dizer que a função dos textos canônicos é fundamentalmente a produção desse modelo, e que na Bíblia, por exemplo, os inúmeros estratos de composição se abrem cada vez mais à medida que a exegese abandona, de modo mais consistente e radical, os pressupostos de unidade tranquila que caracterizam a imagem de inviolabilidade que esse texto, que se instituiu como o cânone, exigiu de seus leitores. Sem pretender propor uma metodologia exegética para a Escritura, gostaria apenas de assinalar, um pouco apressadamente, que, no caso da Encyclopédie, esses estratos foram incorporados, a partir de uma série de estratégias epistêmicas muito específicas, na positividade de suas diferenças, enquanto o esforço das leituras institucionalizantes da Bíblia foi, frequentemente, o de eliminar os traços dessas disputas. Forma-se, com isso, uma rede de enunciações cuja ordem atravessa em diagonal o espaço do saber. Essa rede, que se desenha apenas para os leitores atentos - motivo pelo qual as acusações dos religiosos contra o projeto da Encyclopédie, por muito tempo, serão difíceis de provar (cf. Spector, 2007SPECTOR, C., “Y a-t-il une politique des renvois dans l’Encyclopédie? Montesquieu lu par Jaucourt” In: Corpus, n. 51, 2007., pp. 220 e ss.) - é constituída por muitas estruturas de ordenação propostas nos volumes que a compõem.
Há, de início, a ordem arbórea, que vincula a autoridade da pesquisa, como já se disse, a um modelo tradicional para o problema do sistema dos saberes. Há, ainda, a ordem alfabética, que responde à exigência de contenção, segundo a qual o leitor despreparado não deve ir fundo demais no labirinto desses sistemas (cf. E I, xxxvi/ EU 1, p. 219), mas que não deixa de solapar a ideia de hierarquia que a referência à arvore procurava sustentar. Por fim, reconhecemos a ordem das remissões entre os verbetes, que aponta para a possibilidade de se atravessar, em momentos inesperados, em direção a qualquer um dos níveis estruturantes. Apesar de sua “coerência impressionante”, ela consiste em uma estrutura “latente” (Blanchard; Olsen, 2002BLANCHARD, G. & OLSEN, M., “Le système de renvois dans l’Encyclopédie : Une cartographie des structures de connaissances au XVIIIe siècle” In: Recherches sur Diderot et l’Encyclopédie, vol. 31-32, 2002, p. 48), de tal modo que o conjunto de mais de 61.000 remissões da Encyclopédie resulta em “elos subversivos e ocultos” (ibidem, p. 47). Sua função perturbadora é transepistêmica, e em sentido profundo. Ou seja: não se trata apenas da construção de encadeamentos insuspeitos, como aqueles possibilitados pelas remissões entre Peau [Anatomia] [Pele, Anatoma], Nègre [Histoire naturelle] [Negro, História natural], Corps muqueux [Chimie] [Corpo mucoso, Química] e Farine [Boulangerie] [Farinha, Panificação], que manifestam um já muito celebrado parentesco entre a Enyclopédie e o hipertexto (Cormerais; Milon, 1998CORMERAIS, F. & MILON, A., “La navigation multimédia et le retour au projet encyclopédique” In: Communications et langages, vol. 116, 1998., pp. 78-80). Mas, também, de, nesses percursos, horizontalizar elementos através de uma lógica imanente, resistente à hierarquização, seja a dos saberes, seja a do alfabeto.
O que gostaria de apresentar a seguir é um conjunto de hipóteses relativamente abreviado sobre o modo como os impasses da ordem do saber enciclopédico iluminista impõem não apenas um modelo de cientificidade complexo - e que nada tem da vocação retilínea que se lhe atribui habitualmente -, mas, ao mesmo tempo, um paradigma de administração epistêmica da vida, que, sendo-lhe correspondente, tensiona, sem eliminar, os espaços de contradição do campo biopolítico em formação na segunda metade do século XVIII. Para isso, tomarei como um estudo de caso a contribuição de D’Alembert no debate sobre a inoculação como forma de combate à varíola e as refutações que lhe foram feitas tendo em vista a ideia mesma de um cânone dos saberes, de sua ordem e de sua estabilidade.
II.
Gostaria de insistir, retornando brevemente aos verbetes da Encyclopédie, na vocação aparentemente contracanônica que as muitas ordens da obra, pelo cruzamento de suas fronteiras, expressam. Se nos detivermos apenas no nível das remissões entre os artigos, notaremos sem dificuldade que o percurso que elas desenham é pleno de bifurcações, atalhos e prolongamentos inesperados. Em última análise, é trajetória acidentada que autoriza, de uma maneira nova, o que Céline Spector chamou de uma política da remissão: através dela, o philosophe pode capturar o texto de um autor e convertê-lo dentro de um outro espírito, sem, com isso, incorrer em uma mera pilhagem. É a lógica subterrânea da escrita que permite a Jaucourt, por exemplo, no artigo Critique, fazer com que o “prudente, recatado e moderado” Montesquieu surja como um “espírito radical e crítico” (Spector, 2007SPECTOR, C., “Y a-t-il une politique des renvois dans l’Encyclopédie? Montesquieu lu par Jaucourt” In: Corpus, n. 51, 2007., p. 219). Vê-se bem como, na pressuposição mesma dos insuspeitos encadeamentos, toda uma atividade de reflexão sobre a escrita, seu poder apropriativo e sua diferença, se instaura. Mas, apesar de seu aspecto subversivo - e, talvez, para protegê-lo -, o sistema de remissões funciona, também, como um filtro seletivo. Nem todo leitor está habilitado a perceber com facilidade a qual artigo a remissão a Farine no verbete Corps muqueux, de Gabriel-François Venel, se refere (E X, p. 865), pois há quatro diferentes entradas sob esse mesmo título: uma para Panificação, uma para Jardinagem - ambas anônimas -, uma para Assunto médico/Dieta, do mesmo Gabriel-François Venel, e uma última para Economia, de Jaucourt. Essa astúcia requerida ao leitor, caso ele deseje avançar em um nível um pouco mais profundo do texto, é o que impede, ao mesmo tempo, que se confundam tais conexões subterrâneas com um pedantismo desorganizador. Essa é a lição ensinada pelo autor - que se supõe ser Diderot, mas não se trata senão de uma suspeita - de em um dos quatro artigos intitulados Renvois [Remissão], o que pertence ao âmbito da Gramática: “Eu odeio o método de Wolf, ele cansa pela multidão de remissões, e se torna de uma obscuridade profunda e de uma secura abjeta pela afetação bárbara e gótica de demonstração rigorosa e de brevidade. Ao introduzi-lo na Alemanha, esse homem renomado extinguiu aí o bom gosto e desvirtuou os melhores espíritos” (E XIV, p. 123). A distinção entre o sistema latente e anarquia epistêmica parece, contudo, se eclipsar, ironicamente, no instante mesmo em que alguém - no século XVIII ou hoje - decide assumir a tarefa de se tornar um leitor da Encyclopédie: algo que, no limite, ninguém pode ser.
Será preciso, portanto, compensar o risco da diferença que a obra comporta com um modelo de previsibilidade capaz de abarcar o não linear, o tendencial, enfim, a própria deriva que ela autoriza de muitas maneiras. Também aqui, como acontece nas disputas entre as diferentes ordens epistêmicas da obra e do livro, há uma contraposição imanente. Ela se deve, em parte, às divergências mais remotas entre os dois autores quanto ao modelo estrutural do projeto. É assim que, na Encylopédie, o Discours préliminaire de D’Alembert, publicado no primeiro volume, em 1751, incorpora, ao final, parte do Prospectus de Diderot, texto com o qual a proposta da obra se divulgava entre os intelectuais em 1750. Apesar dessa convergência inicial, o Discours se orientará segundo critérios que, posteriormente, esse último julgará excessivamente racionalistas (cf. Rasch; Saccomandi, 2017RASCH, N. & SACCOMANDI, G., “La relation entre Diderot et D’Alembert: regards croisés sur leurs écrits de mathématiques” In: Recherches sur Diderot et l’Encyclopédie, vol. 52, 2017., p. 143). Da mesma forma, embora ambos os autores tenham se encontrado inicialmente no interesse pela matemática como instrumento do progresso técnico e da emancipação moral, e ambos tenham publicado textos, técnicos e metafísicos sobre a questão, Diderot, que é majoritariamente visto pelos comentadores como um amador na área (cf. ibidem, p. 144), adotará uma perspectiva menos otimista quanto a essa possibilidade em Pensées sur l’interprétation de la nature, de 1753, enquanto D’Alembert, tido como pioneiro em muitos problemas físico-matemáticos, reafirmará os pontos centrais de sua posição do Discours préliminaire nos Élémens de philosophie, de 1759. “Vê-se”, concluirá o primeiro, “que as matemáticas transcendentes <puras>, sobretudo, não conduzem a nada de preciso sem a experiência, que são uma espécie de metafísica geral onde os corpos são despojados de suas qualidades” (OC VII, p. 29). E, em seu breve necrológio do matemático Clairaut, seu amigo e inimigo de D’Alembert, Diderot não perderá a oportunidade de voltar indiretamente à divergência fundamental. Explicando o sucesso do livro Sur la destruction des Jésuites en France, de D’Alemebrt, ele dirá: “É porque o gosto se voltou para as coisas úteis, e porque o que há de útil em geometria se pode aprender em seis meses, o resto é pura curiosidade. [...] <D’Alembert> É um homem que põe seus sonhos em equações, e que chega a um resultado que a experiência não deixa jamais de contradizer” (OC VII, p. 404).
A avaliação de Diderot tende a simplificar um pouco as coisas, sobretudo quando se considera o que D’Alembert entendia como a possibilidade de uma solução analítica. Ao contrário do que se veicula na imagem diderotiana, sua epistemologia admite que, nas condições habituais da experiência, a matemática pode não ter como encontrar a resolução de um problema. Muito já se falou sobre o modo como, em 1759, o Essai sur les élémens de philosophie [Ensaio sobre os elementos de filosofia] propõe uma imagem bem mais desoladora do sistema que aquela do primeiro volume da Encyclopédie - de modo que já se pôde denominá-la mesmo como “pessimista” (De Gandt, 1994DE GANDT, F., “D’Alembert et la chaîne des sciences” In: Revue de Synthèse, n. 115(1-2, 1994., p. 42). Segundo esse texto, da metafísica, apenas a parte que se ocupa da origem das ideias é ligada de forma precisa e suscetível de perfectibilidade, as outras impõem uma imagem um tanto desanimadora: “Pode-se considerar a metafísica como um grande país, do qual uma pequena parte é rica e bem conhecida, mas isolada por todos os lados por vastos desertos, onde se encontra, apenas de distância em distância, alguns casebres ruins, prestes a desmoronar sobre os que ali se refugiam” (Oe I, p. 42/ Ensaio, pp. 27-28). Descontextualizada, essa passagem também poderia resultar em um certo exagero. Nem a imagem do geômetra idealista, nem a do cientista derrotado pela empiria fazem jus ao princípio de realidade que D’Alembert pretende construir, e que se institui como condição histórico-material de um projeto de unidade do saber. Ao tratar das matemáticas, os Élémens explicitam logo de partida a postura a ser assumida diante do real: “No próprio estudo da natureza, os primeiros princípios, acerca dos quais mais nos importa sermos instruídos, nos estão absolutamente ocultos. Mas, sem nos consumirmos em arrependimentos inúteis sobre os bens de que estamos privados, aproveitamos daqueles que nos é permitido gozar” (Oe II, p. 289). Princípio de humildade, mas, também, de conquista de todo saber sintetizador, ele ergue a formalização à categoria de dispositivo político. Não é outra coisa o que lemos no verbete Géometre [Mathématiques] [Geômetra, Matemáticas]: “Mas, independentemente dos usos concretos e palpáveis da Geometria, abordaremos aqui as suas vantagens por um outro lado, ao qual talvez não se tenha dado a devida atenção. Referimo-nos à utilidade que essa ciência pode ter para preparar, como que insensivelmente, o caminho para o espírito filosófico, e dispor a nação como um todo a receber a luz que esse espírito pode dispensar. É talvez o único meio de sacudir, pouco a pouco, em certas regiões da Europa, o jugo da opressão e da profunda ignorância que os oprime” (E VII, p. 628/EU 2, p. 299). A sequência da passagem não deixa dúvidas quanto ao avesso do espírito do geômetra: o fanático da Inquisição. A construção de uma linguagem algébrica para a expressão do mundo não tem, assim, nada a ver com o velho sonho renascentista da signatura rerum: antes, ela se dá como um instrumento de intervenção. Há algo de poético no ofício da álgebra, cujos princípios D’Alembert denomina de “invenção”: “ils sont en quelque façon notre ouvrage [eles são, de algum modo, nossa obra]” (Oe II, p. 291). É bem verdade que, ao contrário do que vemos em Diderot, essa criação não pode lidar com as indeterminações sem projetar sobre elas um modelo de previsibilidade - como parece supor o otimismo do Discours préliminaire - ou, em último caso, sem delas se afastar com cautela - como sugere o pessimismo dos Élémens.
Muitos dos esforços de D’Alembert no campo da matemática podem ser lidos como um tentativa de, investigando a possibilidade de um equilíbrio entre essas duas disposições, inscrever a discursividade canônica em um limite real, encontrando, assim, uma sistematicidade efetiva. É o caso, por exemplo, de sua proposta de ampliação da abrangência do cálculo, ao considerar a possibilidade de um sistema no qual nem todas as coordenadas são variáveis - como acontece no cálculo diferencial de Newton ou Leibniz. O método desses dois autores previa apenas a possibilidade de formalização para um sistema no qual todas as coordenadas deveriam variar, sem alcançar o problema de um sistema no qual duas ou mais variáveis deveriam ser fixadas para que um terceiro valor pudesse ser determinado. Estabelecendo uma teoria que hoje conhecemos como cálculo de derivadas parciais, D’Alembert apresenta uma solução para a questão por meio da análise das cordas vibrantes, cuja amplitude estabelecida com um eixo depende, ao menos, da determinação de duas variáveis: o ponto específico desse eixo no espaço e o tempo no qual ele é medido (cf. Engelsman, 1984ENGELSMAN, S. B., “D’Alembert et les équations aux dérivées partielles” In: Dixhuitième siècle, v. 16, 1984., p. 29). Embora alguns antecedentes para a teoria das derivadas parciais possam ser encontrados, especialmente nos trabalhos de Leonhard Euler na década de 1740, é um relativo consenso entre os comentadores de D’Alembert que foi ele quem a promoveu de modo mais consistente pela primeira vez (Paty, 2005_________, D’Alembert ou a razão fisico-matemática no século do Iluminismo, tradução de Flávia Nascimento, São Paulo: Estação Liberdade, 2005., p. 85; Guilbaud; Jouve, 2009GUILBAUD, A. & JOUVE. G. “La résolution des équations aux dérivées partielles dans les Opuscules mathématiques de D’Alembert (1761-1783)” In: Revue d’histoire des mathématiques, vol. 15, t. 1, 2009., pp. 60-63). O que poderia parecer, à primeira vista, um debate limitado ao campo do cálculo, na verdade expõe uma preocupação muito mais ampla, que assinala a perspectiva de D’Alembert no empreendimento enciclopédico. Isso porque a possibilidade de encontrar uma tendência diferencial a partir de um conjunto de posições fixas em relação a um conjunto móvel correspondia à própria possibilidade de se estabelecer uma ordem para as posições exemplarmente divergentes entre os virtualmente incontáveis verbetes da Encyclopédie. A matemática dalembertiana se preocupa, portanto, com a possibilidade de uma estrutura normativa em um sistema multidirecional de valores determinados e descontínuos entre si. Em outras palavras, a epistemologia política da matemática proposta aqui, que está relacionada a um modelo formal, mas também a efetividade do saber canônico, pretende alcançar uma identidade dentro de um conjunto cuja realidade é sempre limítrofe.
III.
Um outro domínio no qual D’Alembert havia procurado inserir a questão da realidade limítrofe revelava uma preocupação análoga com o problema da formalização matemática de elementos imprecisos: o cálculo das probabilidades. Ainda que a maior parte do que sua obra enuncia a respeito do assunto seja tratada hoje com relativo desdém (cf. Loveland, 1996LOVELAND, J., “Mathematics and Practice: Diderot and d’Alembert Argue Probability” In: Studies in Eighteenth-Century Culture, Volume 25, 1996., p. 103), a questão dos jogos de azar indica a necessidade de uma estratégia de matematização capaz de dar conta de uma variável ligada a um elemento emocional, que hoje se debateria no âmbito da psicologia social: o fato de que um risco não é um valor neutro, dependendo, antes, do sistema de comparação em que se inscreve. Assim, pode-se supor que alguém tenha uma chance consideravelmente maior de ganhar na loteria se gastar toda a sua fortuna comprando bilhetes do jogo - mas, pergunta-se D’Alembert, “qual será o homem a tal ponto insensato para arriscar essa soma?” (Op II, p. 7). Que isso valha tanto para ricos quanto para pobres baseia-se no fato de que o risco que se assume “é sempre uma perda” (ibidem, p. 8), configurando um limite de razoabilidade. Tal limite é um dos índices mais difíceis de se determinar matematicamente, e isso se dá graças a uma necessária, mas inabordável distinção entre “o que é metafisicamente possível e o que é possível fisicamente” (ibidem, p. 10). Que alguém não possa indefinidamente tirar em sequência o mesmo número ao jogar aleatoriamente um dado é uma comprovação do axioma segundo o qual “a variedade dos eventos sucessivos é um fenômeno constante da natureza, e que sua similitude constante ou repetida um grande número de vezes é, ao contrário, um fenômeno que nunca acontece” (ibidem, p. 15). Um grande embaraço se impõe, portanto, se quisermos determinar a perspectiva através da qual uma sequência deve ser observada, já que, como propõe D’Alembert, a ordem de cada elemento na série altera a probabilidade dos seguintes: se obtenho cara ao jogar uma moeda, o resultado da jogada seguinte não dependerá apenas da chance absoluta entre cara e coroa, mas, também, do coeficiente de repetição, ou seja, de sua proximidade daquele limite de razoabilidade. A regra da variedade da repetição depende, portanto, de um princípio de realidade para o qual uma formulação matemática não está disponível. Podemos, assim, ampliar a tal ponto o real que o que aparecia como reiteração em uma série limitada surge como parte de uma sequência mais variada - desse modo, (2, 2, 2) é uma repetição dentro de um contexto de realidade, e uma variação em uma série mais ampla, por exemplo, em (1, 8, 2, 2, 2, 0, 7).
Embora D’Alembert não formule a dificuldade em termos de perspectiva, está, de qualquer maneira, ciente do impasse heurístico que ele impõe aos limites da ciência: “para se chegar a uma teoria satisfatória do cálculo das probabilidades, dever-se-ia resolver vários problemas que são, talvez, insolúveis” (ibidem, p. 24). Denunciando, em um texto de 1761, Sur deux mémoires de D’Alembert, o que mais tarde seria reconhecido tradicionalmente como o erro fundamental da teoria da probabilidade desse último, Diderot buscará mostrar que tal impasse se deveria à enganosa ideia de um domínio qualquer do real apto a ser abordado abstratamente. Ou seja: no cálculo das probabilidades - mas, enfim, nas ciências de um modo geral - todo modelo hipotético de inteligibilidade é, desde partida, tão indeterminado quanto seus objetos: não por serem imprecisos, como muitos dentre esses últimos, mas por serem inverossímeis em relação ao real. Seria um equívoco avaliar, portanto, o absurdo de uma probabilidade, como o faz D’Alembert, através de uma conjectura puramente mental: rejeitar uma repetição seguida de uma série considerando a hipótese de que um número de pessoas igual a jogasse uma moeda cem vezes expõe apenas o quanto esse critério imaginário - supostamente afastado o suficiente das imprecisões da realidade a fim de revelar sua insignificância - é igualmente absurdo (cf. Loveland, 1996LOVELAND, J., “Mathematics and Practice: Diderot and d’Alembert Argue Probability” In: Studies in Eighteenth-Century Culture, Volume 25, 1996., pp. 103+105). Diderot concede a diferença entre a matemática pura e a matemática física, mas apenas para mostrar que as incertezas dessa última não são tão restritas quanto parecem, e que a raridade, que os Opuscules mathématiques julgavam um critério para determinar o absurdo de um evento, estava, antes, incorporada ao princípio de realidade: “Toda a ciência matemática é cheia dessas falsidades que o Sr. D’Alembert reprova na análise das probabilidades” (Diderot, citado em Loveland, 1996LOVELAND, J., “Mathematics and Practice: Diderot and d’Alembert Argue Probability” In: Studies in Eighteenth-Century Culture, Volume 25, 1996., p. 104). Se o saber sistemático dalembertiano incorporava com dificuldade os casos-limite da irregularidade a fim de produzir uma imagem matematizável do real, o sistema diderotiano encontra sua unidade na própria excepcionalidade. Independentemente do problema de sua autoria, o artigo Probabilité [Philosophie/ Logique/ Mathématique] [Probabilidade, Filosofia, Lógica, Matemática], por muito tempo atribuído a Diderot e, recentemente, a Lubières (cf. Candeaux, 1993CANDEAUX, J.-D., “Monsieur de Lubières encyclopédiste” In: Recherches sur Diderot et sur l’Encyclopédie, n°15, 1993., pp. 91-93), exprime essa perspectiva. Nele, a sexta regra para a determinação da probabilidade usada com regularidade “pelas pessoas sábias e prudentes” (E XIII, p. 394), afirma: “Uma vez que não é possível fixar, com essa precisão que seria desejável, os graus de probabilidade, contentemo-nos com as aproximações [des à-peu-près] que podemos obter. Algumas vezes, por uma delicadeza mal compreendida, expomos a nós mesmos e à sociedade a males piores que os que queríamos evitar; é uma arte saber se distanciar da perfeição em certos assuntos para se aproximar mais dela em outros mais essenciais e mais interessantes” (idem).
IV.
Atento para as ressalvas que lhe são feitas a respeito do cálculo das probabilidades, D’Alembert, contudo, não volta atrás. Vemo-lo, em 1780, repetir seu princípio de distinção: “É bem certo que, matematicamente falando, um efeito qualquer não depende daqueles que lhe precederam, e não tem qualquer influência sobre os que seguem, e que, por essa razão, se deve supor, na análise matemática, todos os efeitos igualmente possíveis; mas fisicamente falando, será isso verdadeiro, e a experiência não prova o contrário?” (Op VIII, p. 40). A persistência desse problema é, assim, inversamente proporcional à desconfiança quanto aos seus resultados. Se é verdade que D’Alembert retorna assiduamente a muitos de seus temas e revê suas proposições, com cuidado, de acordo com as críticas que lhe são feitas, é de todo modo significativo que, nesse caso, o que esteja em jogo seja uma certa imagem do real no horizonte epistêmico das ciências como sistema. Seria desejável, portanto, analisar o ponto de deriva, se ele existe, nessa curva desenhada pelo problema da determinação do possível, que começa em alguns artigos específicos sobre os jogos de azar na Encyclopédie - como Combinaison [Mathématique] ou Loterie [Arithmétique] -, se estende a um campo de aplicação científico-político em Sur l’application du calcul des probabilités à l’inoculation de la petite vérole, lido em parte em 1760 à Académie Royale des Sciences, e se confirma nos acréscimos do volume V dos Opuscules, de 1768, nos volumes VII e VIII, de 1780, e nos papéis póstumos (ainda inéditos) que formariam o volume IX (cf. Paty, 1988PATY, M., “D’Alembert et les probabilités” In: RASHED, R. (ed.), Sciences à l’époque de la Révolution française. Recherches historiques, Paris: Blanchard, 1988., p. 216). Minha hipótese é a de que a reemergência do fantasma da probabilidade em D’Alembert - que, nesse sentido, se deixa esclarecer em parte em sua preocupação análoga com o cálculo diferencial - está ligada a um dilema central para a forma do sistema enciclopédico: a resistência do real ao saber, pensada aqui não como mera ignorância negativa (ainda que o discurso assuma essa retórica ocasionalmente), mas como uma força de restrição ativa que é preciso integrar. O lugar privilegiado desse enfrentamento será, não por acaso, o debate sobre a aplicação do cálculo das probabilidades ao combate contra a varíola através da inoculação. É nele que o saber enciclopédico manifesta seus vínculos não apenas com o progresso da matemática ou com a constituição de uma antropologia social, mas, também, e nitidamente, com o mecanismo peculiar do biopoder disciplinar em formação. Que esse biopoder não esteja restrito ao domínio das tecnologias de produção de dispositivos sociais, tais como os que Foucault discute (cf. Foucault, 2004______________, Naissance de la biopolitique, Paris: Gallimard/ Seuil, 2004.), é algo que se constata no intricado debate sobre os limites do saber matemático em sua aplicação às políticas públicas. Se tivermos isso em mente, não será inesperado encontrarmos D’Alembert em meio a uma pesquisa incessante sobre a razão entre as formas da matemática e o controle da vida e da morte.
A segmentarização do saber médico, operada desde Ambroise Paré, não deve ser considerada como um princípio excludente de matrizes explicativas mais abrangentes. Não me parece coerente, sob esse aspecto, afirmar, sem maiores cuidados, que as teorias médicas modernas não tenham buscado um princípio unificador, e, portanto, universal, como fundamento de sua prática: se John Brown, autor que teve enorme influência no primeiro Romantismo alemão, defendia, no final do século XVIII, a ideia de que o elemento comum a todos os seres era uma força denominada por ele de excitabilidade [excitability] (cf. Lemos, 2019LEMOS, F., “Novalis: filosofia e poética da medicina” In: Kriterion, n. 142, 2019., p. 67), Boerhaave, já no século XVII, mencionava o fluido nervoso do cérebro como princípio da vida (cf. Schott, 1982SCHOTT, H., “Die Mitteilung des Lebensfeuers: Zum therapeutischen Konzept von Franz Anton Mesmer (1734-1815)” In: Medizinhistorisches Journal, Bd. 17, Heft 3, 1982., p. 198). Mas a própria substituição de um modelo humoral por um modelo orgânico - consolidado apenas, mas não por acaso, à época da Encyclopédie de D’Alembert e Diderot - parece ter exigido uma fundamentação universal de tipo relativamente novo. Mesmo se deixarmos de lado o descrédito que muitas dessas teorias que propunham um tipo qualquer de monismo racional enfrentaram à sua época, não é difícil notar a diferença entre essas tentativas de se estabelecer uma unidade fundadora e o trabalho de reflexão da filosofia da natureza que teria lugar no fim do século XVIII entre os românticos. No momento em que o cânone médico procurou incorporar a emergente biologia desde o final do Setecentos, tudo aquilo que se alcançava era um limite negativo, à maneira de D’Alembert. Georges Canguilhem o enuncia de modo preciso: “Não é sem interesse ver no vitalismo uma biologia de médico, e de médico cético, no que se refere ao poder compulsório dos remédios. [...] O vitalismo médico é, portanto, a expressão de uma desconfiança, deve-se dizer, instintiva, em relação ao poder da técnica sobre a vida” (Canguilhem, 1952CANGUILHEM, G., La connaissance de la vie, Paris: Hachette, 1952., p. 105). Isso porque, em cada tese monista anterior ao Romantismo, o princípio unificador encontrado deveria ter a forma de um elemento isolável, e, no limite, previsível. É o que se observa com o problema do principal modelo epidemiológico do período das Luzes, a varíola.
Embora conhecido há séculos, o vírus da varíola havia atingido o ápice de sua transmissão ao longo do século XVIII. É justamente nesse período que seu impacto, se pudermos confiar nos dados de que dispomos, chega a 15% de todas as mortes das principais nações europeias (Crosby, 2009CROSBY, A. W., Ecological Imperialism The Biological Expansion of Europe, 9001900, 2nd. ed., New York: Cambridge University Press, 2009., p. 199), configurandose como o grande problema de política de saúde do período das Luzes. Inserida na dinâmica das expansões coloniais desde o século XV, a epidemia de varíola se transformaria, três séculos depois, na mais mortal das doenças epidêmicas, expulsando a peste bubônica, a lepra e a sífilis para os confins simbólicos das doenças pré-modernas (Kotar; Gessler, 2013KOTAR, S. L. & GESSLER, J. E., Smallpox: a history, Jefferson: MacFarland & Company, 2013., p. 11; Eyler, 2003EYLER, J. M., “Smallpox in history: The birth, death, and impact of a dread disease” In: Journal of Laboratory and Clinical Medicine, vol. 142, n. 4, 2003., p. 216). Em contrapartida, responsável pela dizimação de populações inteiras entre os povos colonizados, acabou por se constituir como um dispositivo manejável no empreendimento imperialista. Os signos físicos que ela produz - responsáveis por toda uma semiótica do contágio a ser explorada na literatura e nas artes dos séculos seguintes - infligem, ainda, uma insistente rasura no regime de visibilidade plena laboriosamente construído pelo poder e pelas letras: um doente gravemente infectado estava sujeito a febres muito altas, que tanto o dispunham ao delírio como à erupção de feridas pustulentas que podiam chegar a cobrir todo o corpo, desde então, caso sobrevivesse, permanentemente desfigurado (cf. Arnold, 1993ARNOLD, D., Colonizing the Body: State Medicine and Epidemic Disease in Nineteenthcentury India, Berkley/ Los Angeles/ London: University of California Press, 1993., p. 116). A varíola é, assim, por direito, o duplo e o antípoda fisiopatológico do philosophe: como ele, sua remota existência acabara de ser autenticada pela revelação da racionalidade enciclopédica; contra ele, ela solicitava seu domínio.
A história dos tratamentos da varíola no século XVIII pode ser lida, portanto, como uma história política da filosofia. Na Europa, é a Lady Mary Montagu, ela mesma vítima da doença, que lhe deixara indeléveis cicatrizes no rosto, que se deve o relato, posteriormente bastante difundido, das práticas da inoculação - que também seriam conhecidas na França sob o nome de insertion - típicas entre algumas mulheres em Constantinopla. Tendo vivido nesta cidade como esposa do embaixador inglês, Mary Montagu pôde testemunhar ela mesma esse tratamento, que consistia na inserção de uma agulha contaminada com varíola em uma das veias do braço ou da perna, e deposita nela tanta esperança que, em 1717, faz o cirurgião Charles Maitland inocular seu filho. O sucesso do tratamento a leva a financiar, através desse médico, a difusão para o uso público da técnica, que, no entanto, foi considerada perigosa, imoral e herética por grandes setores da sociedade (Kotar; Gessler, 2013KOTAR, S. L. & GESSLER, J. E., Smallpox: a history, Jefferson: MacFarland & Company, 2013., pp. 13-17). A inoculação, tal como proposta por Mary Montagu e seus apoiadores, comportava certamente riscos reais: tratava-se de uma exposição apenas relativamente controlada à doença, e a administração das agulhas contaminadas estava sujeita a um risco muito mais tangível para o imaginário cultural - frequentemente traduzido como constante antropológica - que os benefícios prometidos em longo prazo; um ponto que, como veremos, alimenta a reflexão de D’Alembert. Apesar dos esforços de médicos como Théodore Tronchin - que desenvolveu um método terapêutico supostamente menos agressivo e foi responsável por ao menos um dos artigos sobre o assunto na Encyclopédie (cf. Lorandi, 2017LORANDI, G., “Les dynamiques d’une célébrité transnationale: Théodore Tronchin et l’inoculation de l’Infant Ferdinand de Parme en 1764” In: Generus, vol. 74, n. 2, 2017., pp. 240-267) -, o procedimento se inscrevia em uma rede de identificações simbólicas que conduziam o debate epidemiológico para um domínio muito mais instável. O complexo discursivo que forma o tecido onde a reflexão sobre a doença, o papel da ciência e a ideia de individualidade burguesa se entrelaçam, tem aqui algo como um ponto de origem, e configura um modelo patográfico-narrativo do poder moderno que não deixará de se repetir na maior parte das crises sanitárias epidêmicas desde então. Isso fica claro nas partilhas sociais que são traçadas desde o momento em que, apesar das resistências - sobretudo teológicas -, a inoculação se torna uma prática disseminada na Europa. Assim, nas duas semanas subsequentes às injeções, o paciente tinha de acompanhar em isolamento o desenvolvimento dos sintomas, o que poderia ser um impeditivo para os que dependiam do trabalho como forma de subsistência. Não por acaso, as primeiras tentativas de inoculação em escala mais ampla haviam sido feitas na Inglaterra entre crianças e prisioneiros (cf. Emch-Dériaz, 1985EMCH-DÉRIAZ A., “L’inoculation justifiée... vraiment?” In: Bulletin canadien d’histoire de la medecine, vol. 2, n. 2, 1985., p. 238). Em Genebra, apesar do vanguardismo na adoção do tratamento - reconhecido por D’Alembert no artigo Genève [Histoire/ Politique] [Genebra, História, Política], o mesmo que deu lugar à famosa e amarga disputa com Rousseau (E VII, p. 578C) -, os bancos procuraram impor novas políticas de seguridade, baseadas na ampliação da expectativa de vida tornada efetiva pela nova técnica (cf. Emch-Dériaz, 1985EMCH-DÉRIAZ A., “L’inoculation justifiée... vraiment?” In: Bulletin canadien d’histoire de la medecine, vol. 2, n. 2, 1985., pp. 241-242).
Na França, enfim, a prática da inoculação autoriza o culto à celebridade de certos médicos, como é, exemplarmente, o caso de Tronchin, e a própria possibilidade de se dispensar do trabalho para o tratamento se torna, em alguma medida, signo de distinção social (Lorandi, 2017LORANDI, G., “Les dynamiques d’une célébrité transnationale: Théodore Tronchin et l’inoculation de l’Infant Ferdinand de Parme en 1764” In: Generus, vol. 74, n. 2, 2017., p. 248). Distribuem-se, assim, no quadro simbólico da moralidade das ciências - e da filosofia - os discursos relativos à inoculação. Do lado de seus adversários, os cultivadores da superstição vulgar e do ódio, o atraso dos governos - em suma, aqueles que, como lembra D’Alembert, são chamados frequentemente por seus inimigos de “maus cidadãos [mauvais citoyens]” (Oe IV, p. 317). Entre seus apologistas, domina a reflexão ponderada, mas também a desatenção burguesa às diferenças sociais e um certo sentimento de distinção, que permitiam àqueles primeiros denominarem-nos “assassinos [meurtriers]” (idem). A conclusão do artigo de Tronchin para a Encyclopédie não poderia ser mais clara quanto ao partido tomado nesse debate, logo transformado em modelo para todo philosophe: sem a defesa da inoculação, “convenhamos que não somos nem filósofos, nem cidadãos” (E VIII, p. 767). No momento em que D’Alembert publica suas Réflexions sur l’inoculation, em 1761, criticando as bases da apologia matemática empreendida por Daniel Bernoulli, seu adversário de longa data na Académie Royale, não é difícil entender por que sua posição foi vista como uma traição (Loveland, 1996LOVELAND, J., “Mathematics and Practice: Diderot and d’Alembert Argue Probability” In: Studies in Eighteenth-Century Culture, Volume 25, 1996., p. 109). A posição de Bernoulli pode ser sintetizada como uma defesa matemática dos benefícios da inoculação, que parte da ideia de que o estrato de avaliação do risco, cientificamente quantificado, deve ser o grupo social, e não a experiência individual. O projeto iluminista de D’Alembert pretende incorporar como variável essa experiência. E aqui não faz muita diferença, aos olhos de Diderot e seus companheiros, com os quais D’Alembert já havia rompido desde 1759, que sua crítica tenha tido por objetivo defender a prática da inoculação por outras razões (cf. Oe IV, p. 322). Para eles, D’Alembert havia, definitivamente, sucumbido ao pior dos pecados do homem ilustrado: a paixão pela glória.
Uma consideração retrospectiva do debate D’Alembert-Bernoulli tomada a partir da posterior descoberta da vacina da varíola pode nos levar, equivocadamente, a considerá-lo apenas como uma etapa preparatória. Assim, quando Edward Jenner descobriu, segundo seu An Inquiry into the Causes and Effects of Variolae Vaccinae, publicado em 1798, que a inoculação da varíola bovina em humanos não oferecia nenhum risco de morte, como era o caso da petite vérole, dava início a essa união mais que etimológica entre a vaca e a vacina, exemplarmente iluminista, que só constitui um projeto de saúde pública na justa medida em que implementa um modelo de superioridade animal (Bacaër, 2011BACAËR, N., “Daniel Bernoulli, d’Alembert and the inoculation of smallpox (1760)” In: A Short History of Mathematical Population Dynamics, London: Springer, 2011., p. 29). Até que ponto, contudo, devemos considerá-la uma ruptura? Por um lado, os nexos entre essa descoberta e o colonialismo do Oitocentos é expressão daquilo que Alfred Crosby chamou de imperialismo ecológico (Crosby, 2009CROSBY, A. W., Ecological Imperialism The Biological Expansion of Europe, 9001900, 2nd. ed., New York: Cambridge University Press, 2009., p. 297), mas não é inútil analisá-lo como desdobramento das premissas matemático-políticas (ou científicas, em sentido mais amplo) das Luzes. O momento da disputa entre citoyens e meurtriers tem um significado preciso, não tanto como pré-história dessa técnica de poder, mas como seu horizonte discursivo. Nele, o papel de Daniel Bernoulli é historicamente anterior ao de D’Alembert. Entre março e abril de 1760, ele havia apresentado, durante algumas sessões da Académie des Sciences, os argumentos de seu Essai d’une nouvelle analyse de la mortalité causée par la petite vérole et les avantages de l’inoculation pour la prévenir, que viria a ser publicado no Mercure de France em junho seguinte (cf. Seth, 2014SETH, C., “Calculated Risks, Condorcet, Bernoulli, d’Alembert and Inoculation” In: MLN, vol. 129, n. 4, 2014., p. 744). O fato de D’Alembert ter apresentado sua crítica ao modelo matemático de Bernoulli poucos meses depois, em novembro, foi pressentido menos como uma contribuição e mais como um ataque pessoal (cf. Seth, 2014SETH, C., “Calculated Risks, Condorcet, Bernoulli, d’Alembert and Inoculation” In: MLN, vol. 129, n. 4, 2014., p. 748), embora o texto daquele não assuma em nenhum momento o tom agressivo com que, por exemplo, Diderot algumas vezes escreveu contra seus adversários.
Bernoulli havia seguido, em sua investigação, algumas sugestões de Charles Marie de La Condamine, que, em 1754, propusera uma convergência para a natureza técnica da questão da inoculação: “não se trata absolutamente aqui de uma questão de moral, é um caso de cálculo. Não façamos de modo algum de um problema de aritmética um caso de consciência [ce n’est point ici une question de morale, c’est une affaire de calcul. Ne faisons point un cas de conscience d’un problème d’arithmétique]” (citado em Seth, 2014SETH, C., “Calculated Risks, Condorcet, Bernoulli, d’Alembert and Inoculation” In: MLN, vol. 129, n. 4, 2014., p. 741). Bernoulli, que já vinha publicando, desde a década de 1730, trabalhos sobre o cálculo das probabilidades, encontrou na sugestão de La Condamine ocasião para associar suas pesquisas anteriores a um tema de interesse mais imediato. O problema, que seria traduzido nos termos do cálculo diferencial, consistia em avaliar a relação entre o benefício em longo prazo da inoculação e o risco de vida em função dela em curto prazo. Bernoulli considera, então, para a faixa etária suscetível de ser contaminada pela varíola, o intervalo entre uma idade x e uma outra, dx, sendo que essa última mantém com a primeira uma diferença infinitamente pequena. Como vimos, nesse ponto tendencial de aproximação entre x e dx, as teorias desenvolvidas a partir de Leibniz e Newton pretendem encontrar um paradigma de previsibilidade para uma tendência que, de outro modo, se manteria em sua irregularidade. Assim, é a esse intervalo infinitesimal que se vincula a determinação do risco (cf. Bacaër, 2011BACAËR, N., “Daniel Bernoulli, d’Alembert and the inoculation of smallpox (1760)” In: A Short History of Mathematical Population Dynamics, London: Springer, 2011., pp. 22-23). As análises de Bernoulli, contudo, precisavam associar a taxa de mortalidade da varíola - fixada empiricamente naquele contexto na proporção de 1 para 8 - com um levantamento estatístico confiável acerca das taxas de mortalidade em geral. Para isso, eles partiram da razão entre a estimativa de vida de uma população e a variação do tempo, fornecida por Edmond Halley e publicada em 1693 a partir das informações relativas à cidade de Breslávia, na Polônia. Halley havia organizado uma tabela, na qual se definia quantas pessoas de cada idade ainda estavam vivas e qual a relação desses números com a média de nascimentos por ano na cidade. Embora os valores alcançados para essa tabela estivessem limitados geográfica e historicamente, seu amplo uso durante todo o século XVIII se devia à compreensão de que as relações entre o progresso do tempo e o decréscimo da população, ou seja, da probabilidade de sobrevivência, teriam valor universal, aplicando-se mesmo a amostras demográficas para além da Europa (ibidem, pp. 6-7). Eles foram amplamente usados, por exemplo, no cálculo das annuités, planos de previdência vendidos pelo governo por valores proporcionais à idade e à expectativa de vida - um problema para o qual, sintomaticamente, o próprio D’Alembert propôs uma solução logarítmica em seu ensaio Sur les annuités (Op VIII, pp. 46-51).
V.
É preciso, no entanto, contar corretamente os mortos e os vivos, uma vez que um saber verdadeiramente enciclopédico precisa projetar sua ordem também sobre o território do além-túmulo. A crítica dalembertiana a Bernoulli começa por essa constatação um tanto impaciente, embora polida, de que seria um equívoco considerar a morte que se insinua na prática da inoculação como tendo o mesmo rosto para todas as idades. Assim como, em sua versão do cálculo das probabilidades - o texto identifica explicitamente aquele que se submete à inoculação a um “jogador” (Oe IV, p. 344) -, cada resultado obtido em um ponto da série modificaria as chances posteriores. No caso da varíola administrada, inúmeros e potencialmente infinitos fatores impostos a cada idade - “pelas paixões, pela maneira de viver e por mil outras causas” - alterariam seu risco: tudo, enfim, que diz respeito a esse domínio resistente que é o da “experiência” (Oe IV, pp. 340-341). Em toda parte, D’Alembert reconhecerá o erro de se propor uma única escala de valores. Assim, os apologistas da inoculação se arriscam a todo tipo de crítica por assumirem uma unidade simplista para os complexos valores antropológicos da morte: comparam, segundo esse enganoso critério, as vítimas da varíola natural e as da inoculada, sem avaliar a diferença fundamental entre expor à morte e deixar viver, ações que, nos termos de uma tipologia social do morrer, ocupam espaços completamente incomensuráveis. D’Alembert parece ter aqui plena consciência do que significaria, aos olhos dos philosophes, anunciar essa crítica - “si j’ose dire ici ce que je pense [se ouso dizer aqui o que penso]” é como ele introduz uma das imagens mais enfáticas do texto, facilmente apropriável por aquele que o artigo Inoculation da Encyclopédie chamava abertamente de “teólogo fanático” ou “inimigo jurado de toda novidade em Medicina” (E VIII, pp. 755 e 756): “não ousaria culpar um pai que temesse inocular o filho. Pois, se seu filho, por infelicidade, se torna sua vítima, seu pai terá eternamente de se fazer a terrível reprimenda de ter lançado à morte o que tinha de mais caro” (Oe IV, pp. 358-359). Uma morte relativamente voluntária - se não de fato, ao menos sentida assim - é de natureza social distinta daquela com que se depara inocentemente. Em contrapartida, também os detratores da inoculação cometem o mesmo erro da simplificação. Acreditam, assim, poder comparar o temor pela vida, de um lado, potencializado de modo radical durante o período de convalescença da terapia preventiva, de outro, diluído no horizonte da esperança contínua de sobrevivência. Ignoram, assim, a mudança qualitativa que se dá com o fato de que, uma vez bem-sucedida essa terapia, é toda a vida do paciente que se transforma, e esse poder livrar-se, enfim, definitivamente do medo de morrer pela doença, inoculada ou natural, deve alterar a percepção do próprio risco. “Daí se teria a vantagem de se assegurar, a um só tempo, uma vida mais longa e uma tranquilidade maior, vantagem consideravelmente grande para erguê-la acima da ligeira probabilidade de sucumbir à inoculação” (Oe IV, p. 357). Se os defensores dessa prática não eram capazes de avaliar as diferentes escalas em que se encontra a morte, seus detratores não enxergavam, por sua vez, as descontinuidades da escala da vida. Seus sistemas de saber - e seu saber do sistema - se deixam condenar por essa ingênua admissão da linearidade como paradigma de síntese.
Conclusão
Parece-me claro que qualquer debate contemporâneo sobre questões epidemiológicas está longe de ter o sentido do problema tal como emergiu no século XVIII. Não exatamente em função dos limites dos instrumentos analíticos disponíveis para sua análise - o que dependeria de nos localizarmos em um ponto do desenvolvimento histórico mais avançado, concepção historiográfica da qual não partilho -, mas, sobretudo, porque a própria relação entre vida e ciência se configura a partir de outros referentes, outras estratégias de produção e normatização (cf. Crosby, 2009CROSBY, A. W., Ecological Imperialism The Biological Expansion of Europe, 9001900, 2nd. ed., New York: Cambridge University Press, 2009., pp. 300 e ss.). Uma interpretação integralmente consistente dessa diferença exigiria, por exemplo, uma pesquisa sobre as transformações do alcance do capitalismo neoliberal em relação à sua versão setecentista. Limitei-me, neste artigo, a pensar a importante tensão instaurada por D’Alembert no núcleo de expectativas do Iluminismo, e, mais precisamente, na maneira como o enciclopedismo definiu o escopo da ciência em sua vinculação com a vida.
O aporte de D’Alembert ao debate sobre os riscos da inoculação, instanciados na questão qual será o homem a tal ponto insensato para arriscar essa soma?, representa, portanto, um ponto de inflexão na perspectiva enciclopedista, forçando-a a uma aproximação ainda mais radical com a esfera da experiência individual. Essa breve mas significativa divergência corresponde ao ponto de partida para o desenvolvimento de uma série de problemas associados ao alcance da formalização científica na modernidade tardia, como a hierarquia entre a vida pessoal e as dinâmicas sociais, o horizonte pedagógico adequado para promover as ciências no cotidiano e, enfim, as estratégias de legitimação do senso comum na filosofia. Em última análise, a posição dalembertiana reúne as condições necessárias para uma reflexão sobre o poder de emancipação de um projeto epistêmico que subjuga tal senso comum, de tal modo que poderíamos compreendê-la em consonância com movimentos que se esforçaram por criticar os excessos da racionalidade, como é o caso com o Sturm und Drang alemão.
O que aproxima as reflexões de D’Alembert sobre a inoculação da questão da forma enciclopédica é justamente a complexidade do sistema de integração que em cada caso se anuncia. Se os verbetes da Encyclopédie representam um conjunto muito diverso de escalas de valores, o paradigma sintetizador que o sustenta, enquanto projeto e enquanto cânone, terá de ser determinado não pela nostalgia pitagórica de uma matemática uniforme, mas pelo sonho leibniziano-newtoniano de um todo complexo. Apesar de toda a glória que D’Alembert atribui à geometria, é à álgebra, e mais especificamente ao cálculo diferencial e das probabilidades, que se deve conduzir a questão da integração de múltiplas escalas. Não é por acaso, portanto, que sua desconfiança do modelo de Spinoza em seu artigo Application de la Méthode géométrique à la Métaphysique [Aplicação do Método geométrico à Metafísica] confirma essa reserva, amplamente professada em outros lugares da obra: “Muitas obras metafísicas, que não contêm, frequentemente, nada menos que verdades certas, foram executadas à maneira dos Geômetras; e vê-se aí, em todas as páginas, as grandes expressões axioma, teorema, corolário etc. Os autores dessas obras aparentemente imaginaram que tais expressões constituiriam, por alguma virtude secreta, a essência de uma demonstração, que, ao escrever, ao fim de uma proposição, o que ela deveria demonstrar, tornariam demonstrado o que não foi. Mas não é a esse método, de modo algum, que a Geometria deve sua certeza, é à evidência e à simplicidade de seu objeto; e, como um livro de Geometria poderia ser muito bom ao se livrar da forma ordinária, um livro de Metafísica ou de Moral pode ser, frequentemente, ruim ao seguir o método dos Geômetras” (E I, p. 553). No debate sobre a varíola, o geômetra precisa se recolher em sua pretensão e dar lugar aos “aritméticos políticos [arithméticiens politiques]” (Oe IV, p. 351), os únicos que podem entender que, no cálculo sobre a vida e sobre a morte, não é de um número que se trata, mas de uma ordem, com todas as suas múltiplas escalas. Eis o motivo do espanto de D’Alembert diante da redução de Bernoulli: ele se pergunta “como o célebre matemático pôde crer que, se a inoculação não fizesse morrer senão uma vítima em dez, ela seria ainda vantajosa por esta simples razão de que aumentaria a vida média em alguns dias” (ibidem, p. 352). É, ao mesmo tempo, interessante que nem Diderot nem seus partidários pudessem enxergar a defesa profunda que D’Alembert empreendia, justamente aí, da legitimidade do saber enciclopédico, incorporando ao cálculo um sistema aberto de variações. Somente assim o fato de que o interesse do estado e o dos indivíduos “devem ser calculados separadamente” (ibidem, p. 351) poderia ser neutralizado pela legitimidade constituída de um cânone que não se identificava nem a uma parte nem a outra, mas que pretendia deter o poder sobre esse ponto de infinitesimal aproximação - e não de grosseira sobreposição - entre todas as possíveis escalas, entre os philosophes e os cidadãos, entre a vida e a morte, enfim, entre o saber e seus limites.
Abreviaturas utilizadas:
E = DIDEROT, D. & D’ALEMBERT, J. le R. (ed.), Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, etc.
Ensaio = D’ALEMBERT, J. le R., Ensaio sobre os elementos de filosofia.
EU = DIDEROT, D. & D’ALEMBERT, J. le R. (ed.), Enciclopédia.
OC = DIDEROT, Oeuvres complètes.
Oe = D’ALEMBERT, J. le R., Oeuvres philosophiqes, historiques et littéraires.
Op = D’ALEMBERT, Opuscules mathématiques.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
22 Out 2021 -
Aceito
11 Nov 2022