Resumo
O texto analisa o corpo discursivo da mulher sob as interdições sociais impostas pelo discurso patriarcal capitalista, enfatizando relações de trabalho, saúde e sexualidade. Com base na Análise Materialista do Discurso, o estudo examina os jornais alternativos feministas Brasil Mulher e Nós Mulheres, que circularam entre as décadas de 1970 e 1980. Esses jornais desafiaram a censura estatal vigente durante a ditadura militar (1964-1985) ao expor práticas repressivas ocorridas nos “anos de chumbo” (1968-1974). Nesse período, o Estado, com apoio de setores da elite, implementou políticas de controle populacional que violavam os direitos reprodutivos das mulheres e seu direito sobre o próprio corpo. As análises marcam a importância desses jornais para os corpos-mulheres alvos da violência e silenciamento impostos pelo regime ditatorial e pelo patriarcado, chamando atenção para as reverberações de tais violações na atualidade. A luta pela autonomia feminina segue urgente em relação à persistente opressão institucional determinada socio-historicamente.
Palavras-chave:
Análise Materialista de Discurso; Discurso jornalístico alternativo; Jornal feminista; Corpo discursivo; Mulher
Abstract
The text analyzes how capitalist patriarchal discourse discursively constructs female bodies, focusing on labor, health, and sexuality. Drawing on Materialist Discourse Analysis, the study investigates the feminist alternative newspapers Brasil Mulher and Nós Mulheres, which circulated during the 1970s and 1980s. These publications resisted state censorship under the military dictatorship (1964-1985) by revealing repressive practices from the so-called “years of lead” (1968-1974). During this time, the State-backed by elite sectors-enforced population control policies that infringed on reproductive rights and undermined bodily autonomy. The analysis underscores the importance of these newspapers in confronting the violence and silencing that the authoritarian regime and patriarchal structures directed at female bodies. It also emphasizes the lasting effects of those violations. The fight for bodily self-determination remains urgent amid persistent institutional oppression shaped by socio-historical forces.
Keywords:
Materialist Discourse Analysis; Alternative journalistic discourse; Feminist newspaper; Discursive body; Woman
Resumen
El texto analiza la construcción discursiva del cuerpo femenino bajo las interdicciones sociales impuestas por el discurso patriarcal-capitalista, centrándose en las relaciones laborales, de salud y sexualidad. Con base en el Análisis Materialista del Discurso, examina los periódicos feministas Brasil Mulher y Nós Mulheres (1970-1980). Estas publicaciones desafiaron la censura estatal vigente durante la dictadura militar (1964-1985), al denunciar prácticas de los “años de plomo” (1968-1974), en las cuales el Estado, con el apoyo de sectores de la élite, implementó políticas de control poblacional que violaron derechos reproductivos y el derecho de las mujeres a decidir sobre sus propios cuerpos. El análisis destaca la importancia de estos periódicos para los cuerpos-mujeres, objeto de violencia y silenciamiento tanto por parte del régimen dictatorial como del patriarcado, subrayando las reverberaciones actuales de tales violaciones. La lucha por la autonomía femenina se presenta como una urgencia ante la persistente opresión institucional determinada socio-históricamente.
Palabras clave:
Análisis Materialista del Discurso; Discurso periodístico alternativo; Periódico feminista; Cuerpo discursivo; Mujer
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nos últimos anos, mais precisamente desde o golpe de 2016, foi possível constatar a retirada ou o desrespeito aos frágeis e ainda insuficientes direitos das mulheres, duramente conquistados, como uma espécie de loop infinito que retrocede à idade medieval. O Congresso Nacional brasileiro, com muitos deputados e senadores aliados à extrema direita e à bancada religiosa, tem legislado de forma misógina e a favor do patriarcado, opondo-se a determinadas conquistas importantes ao direito das mulheres, como o aborto legal que permanece em discussão na Câmara dos Deputados. No âmbito jurídico, podemos citar como exemplo as sentenças negativas para a realização de aborto legal a vítimas de estupro (principalmente de vulneráveis).
Esse movimento de retrocesso não é inédito e retorna em vários momentos da história do Brasil, como durante a ditadura militar, período sobre o qual se volta o presente trabalho. Ao revisitar essa fase, busca-se compreender as raízes e as consequências desses retrocessos para os direitos das mulheres. O que comparece enquanto regularidade nas diferentes conjunturas são os efeitos de sentidos que inscrevem a culpabilização e revitimização da menina/mulher pela violência sexual sofrida. Desse modo, legislar sobre o corpo da mulher garante aos magistrados, senadores e deputados, a permanência e o reforço do patriarcado, silenciando1 (Orlandi, 2002) as violências sofridas pelas mulheres de todas as idades, seja a sexual, física, financeira ou psicológica, tanto nas relações de trabalho assim como nas relações domésticas.
Situar o funcionamento do corpo discursivo, dos sentidos de mulher e das interdições sociais em diferentes relações (trabalho, saúde, sexualidade, maternidade, entre outras) são horizontes de uma pesquisa mais ampla, filiada à Análise Materialista de Discurso franco-brasileira (doravante AD). Assumimos a determinação do corpo e da mulher pelo/no discurso patriarcal no sistema capitalista, um campo político-social historicamente reconhecido (Federici, 2017) para o qual compete à mulher o trabalho de reprodução humana visando à manutenção das forças de produção e mão de obra.
Para mobilizarmos essas questões, traçamos um gesto de leitura dos processos de produção de sentidos sobre relações de trabalho, saúde e sexualidade, temas que demandam luta e discussões pelos persistentes sentidos de objetificação e subalternização construídos em relação à mulher. Para tanto, voltamo-nos ao funcionamento do discurso jornalístico alternativo, especificamente edições dos jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres, cuja circulação e engajamento durante os anos de ditadura militar confere importância a esses veículos midiáticos na/para a construção do feminismo no Brasil.
Entendemos que a mídia alternativa, enquanto espaço de dizer, assume posições que deslocam sentidos construídos na/pela mídia de referência e permitem a circulação de dizeres e sentidos outros (Riffel; Flores, 2023). Dito de outro modo, a mídia alternativa, no período da ditadura militar, possibilitou a emergência de circulação de dizeres outros em relação à mídia hegemônica. Os jornais alternativos davam visibilidade, por exemplo, às diferentes práticas de violência perpetradas pelo Estado, como a crueldade imposta pelos militares ao povo brasileiro, principalmente contra quem lutava pela democracia e pedia o fim da repressão, assumindo acontecimentos e questões enquanto acontecimentos jornalísticos. Discursivamente entendemos que o acontecimento jornalístico (Dela-Silva, 2008) desses jornais alternativos, depreende-se, difere do acontecimento jornalístico da mídia hegemônica, cujo funcionamento discursivo silenciava as barbáries do Estado.
Vale ressaltar, no entanto, que não compreendemos a posição discursiva de antagonismo e contra-identificação assumida pelos jornais alternativos em relação ao regime militar como um funcionamento no qual poderiam tudo dizer. Isso porque, como afirma Maria Rita Kehl (2019, p. 11, grifos da autora), o real não é contemplado em sua totalidade no dito: “[...] o que a linguagem diz define, necessariamente, um resto que ela deixa de dizer. O recorte que a linguagem opera no real, pela própria definição de recorte, deixa um resto - resto de gozo, resto de pulsão - sempre por simbolizar”. Compreendemos que os jornais feministas que circularam durante a repressão funcionam enquanto discursos possíveis de formular e circular diante de um trauma social produzido e imposto pela política do silêncio e do esquecimento, instaurada pela ditadura, que produziam apagamentos sobre as torturas produzidas pelos militares e por segmentos da sociedade civil.
Considerando, assim, as condições de produção, os jornais alternativos apostam em diferentes demandas: a) uma demanda pelo dizer, que inscreve efeitos de luta e resistência ao não silenciar frente às práticas de tortura e barbárie produzidas pelo Estado; b) uma demanda coletiva pelo comparecimento, na prática jornalística, da inscrição de outros sentidos desse período socio-histórico marcado pela ditadura, em uma posição de antagonismo aos silenciamentos produzidos na mídia tradicional. Uma luta, uma disputa pela/da memória e pelo não esquecimento/desaparecimento; e c) uma demanda, consequente das anteriores, relacionada à aposta por um deslocamento, ou mesmo uma transformação social, que impeça a repetição do horror e da barbárie.
A partir dessas considerações iniciais, formulamos as seguintes perguntas discursivas: Como a materialidade discursiva do corpo da mulher se articula no campo político de um estado de exceção, como no cenário de censura da ditadura militar, e de que modo as reportagens dos jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres - marcadas por sentidos socio-históricos - constituem uma posição de resistência frente aos regimes opressivos?
2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Para delinear o percurso construído, retomamos Orlandi (2001). Para a autora, o analista é responsável pela questão formulada, que o conduzirá à entrada e ao percurso discursivo junto ao material. A autora distingue, assim, dispositivo teórico e dispositivo analítico: o primeiro, basilar, sobrepõe-se ao segundo, sendo este forjado “pela pergunta do analista, pela natureza do material e a finalidade da análise” (Orlandi, 2001, p. 27).
Considerando a questão discursiva posta, fizemos um levantamento nas primeiras edições dos jornais. Na construção do material bruto, buscamos verificar temas que pudessem ser relacionados ao funcionamento do corpo discursivo, conceito motriz em nosso percurso teórico-analítico. Justificamos tal relação por alçarmos o corpo discursivo (Leandro-Ferreira, 2015) feminino enquanto materialidade sobre a qual incidem e atravessam diferentes e determinantes práticas da/para/sobre a mulher e o feminino, como maternidade, sexualidade, trabalho, entre outras.
Sobre o trabalho na relação com o feminino, retomamos Perrot (2016), que explica:
O trabalho feminino também é regulado pelas exigências familiares, ou seja, ele é intermitente, seguindo o ritmo dado pelo nascimento dos filhos. De qualquer forma, é um trabalho que resulta apenas em “trocados” - noção bastante antiga, mas revitalizada -, por vezes destinados a despesas pessoais. A dona de casa, apesar disso, tem um grande apreço por essa entrada de dinheiro que a valoriza, e, além de cuidar dos filhos, exerce ainda a função básica da administração do lar, numa acepção muito ampla do termo. Essa dona de casa, indispensável na vida cotidiana, recebe o elogio constante dos operários, os quais consolam suas necessidades econômicas com justificações ideológicas, transformando em qualidades “naturais” um trabalho de perfil profissional, cúmplices inconscientes do movimento que disfarça as tarefas domésticas, apresentando-as como trabalho improdutivo. Em casos de crise, os trocados das mulheres se tornam essenciais: os operários atingidos pelo forte desemprego de 1884 conseguem enfrentar a situação, dizem eles, porque suas mulheres fazem faxina e lavam roupa para fora. É por isso que, geralmente, as mulheres lembram as épocas de crise como períodos de aumento de trabalho (Perrot, 2016, p. 67).
Podemos depreender da passagem as relações de contradição e desigualdade entre a quantidade de trabalho e o valor das práticas de trabalho desenvolvidas pelas mulheres. Sem receber o justo valor financeiro e o devido reconhecimento social pelas diferentes frentes de trabalho que são impostas à mulher, constrói-se uma posição subalternizada em relação ao trabalho desenvolvido e executado por homens. Situamos um funcionamento discursivo que silencia os sentidos de valor social e econômico das práticas ao mesmo tempo em que estas são construídas como indispensáveis no cotidiano e inevitáveis em contextos de crise.
Nos dois jornais, Brasil Mulher e Nós Mulheres, localizamos matérias que mobilizam trabalho, casamento, maternidade, saúde, sexualidade, além de outros temas pertinentes, como anistia, direitos da mulher, educação, transtornos mentais. Para a presente análise, mobilizaremos duas reportagens que circularam nos primeiros números dos jornais: a primeira matéria eleita circulou no jornal Nós Mulheres, em 1976, e tem como título “Controle de natalidade - ser ou não ser mãe”; a segunda, no Brasil Mulher, de 1975, cujo título é “Pílulas…ora pílulas”. A escolha dessas matérias se justifica pela relação que ambas estabelecem com temáticas entrelaçadas, quais sejam, maternidade e controle de natalidade, cujas tensões e disputas são impulsionadas na atualidade sobretudo pela interferência da religião nas práticas políticas e na implantação e regulamentação de políticas públicas.
3 A HISTORICIDADE DOS JORNAIS FEMINISTAS: RESISTÊNCIA E LUTA
Antes de falarmos dos jornais, pontuamos uma noção cara à AD: a historicidade. Para esse campo de produção de conhecimento, a história tem um sentido muito particular, porque está ligada à prática e não ao tempo em si. “Ela se organiza tendo como parâmetro as relações de poder e de sentidos, e não a cronologia: não é o tempo cronológico que organiza a história, mas a relação com o poder (a política)” (Orlandi, 2008, p. 42). Portanto, os analistas de discurso não se interessam em extrair do texto o sentido, mas compreender sua historicidade, colocando em relação o confronto de sentidos em jogo. Importante pontuar que para a AD existe uma dupla relação com a história: “o discurso é histórico porque se produz em condições determinadas e projeta-se no futuro, mas também é histórico porque cria tradição, passado e influencia novos acontecimentos” (Orlandi, 2008, p. 42). A relação indissociável entre linguagem, história e ideologia demanda à/ao analista de discurso a explicitação das determinações históricas que incidem sobre os discursos, convocando, assim, a historicidade. Portanto, é importante compreendermos o funcionamento dos jornais feministas para entendermos a conjuntura histórica em que circulavam, suas lutas e reivindicações.
Os jornais feministas se filiam ao discurso jornalístico alternativo, conforme buscamos situar em nossos gestos de leitura. Como já apontado, no discurso jornalístico alternativo são deslocadas tanto as posições assumidas pelos sujeitos assim como os sentidos (Riffel; Flores, 2023) - funcionamento que pode ser depreendido na relação estabelecida com o discurso jornalístico tradicional, de referência. Mariani (1998) trata do funcionamento deste último e ressalta a institucionalização e a posição que, embora intermediária entre um determinado discurso e interlocutor, inscreve um lugar de autoridade. A reflexão desenvolvida pela autora permite a formulação da noção de “discurso sobre” (Mariani, 1998, p. 60), com a qual pode-se explorar e fissurar a imagem de transparência, objetividade e informatividade construída pelo/no discurso jornalístico de referência. Trata-se de um movimento teórico-analítico relevante, já que, sob tal imagem de mediação, o discurso jornalístico silencia a administração dos dizeres e dos sentidos postos a circular. O funcionamento do discurso jornalístico alternativo, por sua vez, evoca o movimento de coletividade como força motriz para as transformações sociais reivindicadas e defendidas em suas publicações. Há um efeito de enfraquecimento, pois, da posição de autoridade e a mobilização de uma interlocução mais marcada em relação ao sujeito leitor privilegiado do veículo, que é alçado a uma posição de protagonismo em suas práticas, desde as cotidianas a outras que lhe afetam e atravessam (por exemplo, profissionais, afetivas, sexuais).
Os jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres circularam entre os anos de 1975 e 1980, defendendo ideias ligadas às questões políticas e aos movimentos feministas que se formavam no Brasil. Não contavam com apoio financeiro, o que os tornava dependentes do número de vendas avulsas e de contribuições de apoiadores. Os dois jornais tinham como princípio a autonomia em relação aos partidos políticos e “defendiam o respeito e a soberania do espaço decisório dos jornais em relação à linha editorial, aos posicionamentos no movimento, às lutas a serem enfrentadas” (Teles; Leite, 2013, p. 61).
Para fins de apresentação, trazemos as capas de algumas edições selecionadas:
Os jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres inauguraram um novo modo de ser e estar na linguagem e na imprensa brasileira. Ao se dirigirem às mulheres, estabelecem uma relação de interlocução que reforça e difunde reivindicações ligadas às pautas das mulheres, tendo como mote questões relacionadas à sexualidade, reprodução, trabalho, política, organização popular e o papel social das mulheres, colocando em questão os processos de repressão, coerção e imposição da formação social patriarcal. Vale ressaltar que esses dois periódicos eram dirigidos e feitos por coletivos constituídos por mulheres. Muitas delas atuavam em movimentos políticos-sociais e várias que fizeram parte foram presas e torturadas na ditadura. Considerando o exposto, assumimos o funcionamento discursivo desses jornais enquanto acontecimento discursivo. Entendemos, conforme Pêcheux (2012, p. 17), que o acontecimento discursivo se dá no “ponto de encontro de uma atualidade e uma memória”. Em se tratando dos jornais, este “rompimento” de uma memória estabilizada sobre os jornais que circulavam na ditadura se dá justamente pela linha editorial, em que se coloca em evidência questões importantes para as mulheres e que não eram discutidas nem pela grande imprensa e nem pelos jornais alternativos, como o Pasquim, por exemplo.
Sigamos em nosso empreendimento analítico voltando nossa atenção aos títulos dos dois jornais. Embora o Brasil Mulher e o Nós Mulheres tivessem os mesmos propósitos, ou seja, o engajamento na luta política e nas pautas reivindicatórias voltadas para a libertação e emancipação das mulheres, articuladas com as questões feministas que começavam a ser discutidas no Brasil, os dois jornais se diferenciavam na sua estrutura. O Brasil Mulher era articulado com as organizações de esquerda, atuando em diversas regiões do país. Era voltado para as mulheres das periferias, operárias e do campo. O Nós Mulheres foi criado a partir de uma proposta coletiva do grupo de mulheres feministas brasileiras que viveram no exílio e participavam do Círculo de Mulheres de Paris2, que retornaram ao Brasil depois da Lei da Anistia. Ele também era voltado para as trabalhadoras, defendia as liberdades democráticas e o fim da ditadura militar.
Compreendemos que o uso do pronome “Nós” no título do jornal Nós Mulheres evoca sentidos de união e coletividade. Essa escolha contrasta com os jornais tradicionais, nos quais os editores costumavam, e ainda costumam, usar o pronome “você” (Cf. Teles; Leite, 2013, p. 106). Esse uso do “você” produz um efeito de individualidade, como se a mensagem fosse dirigida a uma única mulher. Ou seja, o funcionamento do discurso jornalístico alternativo marca a necessidade de união por uma causa, por uma luta, e ao trazer no título o pronome “Nós”, o jornal marca em sua designação essa posição discursiva, que inscreve uma luta coletiva. Também podemos pensar discursivamente no título do Brasil Mulher. Ao “colocar o nome de Brasil no título, produz o sentido de pertencimento de todas as mulheres brasileiras, independentemente da classe social, gênero, raça e da posição política” (cf. Flores; Lunkes, 2024, p. 271). Ainda, segundo as autoras, a partir dos títulos “os dois jornais aproximam suas propostas de feminismo, ou seja, é pela proposta de coletivo que elas enfrentaram e resistiram à ditadura, lutando pela liberdade” (Flores; Lunkes, 2024, p. 271-272).
Pensar na resistência, da perspectiva discursiva, impõe a opacificação do termo para tratar de diferentes maneiras de lutar. Segundo Pêcheux (1990, p. 17), a resistência pode se dar de diferentes formas, como “não ‘escutar’ as ordens; falar quando se exige silêncio, falar sua língua como uma língua estrangeira que se domina mal; mudar, desviar, alterar o sentido das palavras e das frases”. Portanto, as mulheres que se uniam em coletivos para lutar contra a desigualdade, tinham nos jornais, e não somente neles, uma das formas de resistência, além de serem porta-vozes na luta contra a ditadura. Assumimos o funcionamento de porta-voz na esteira da reflexão de Conein (2016): agentes políticos cujo discurso é endereçado para as mulheres ao mesmo tempo que é sobre as mulheres e o feminino. Ainda segundo Pêcheux (1990), quando há a quebra dos rituais, as transgressões, o ato falho, é que surge o porta-voz, que fala em nome de alguém, que “se expõe ao olhar do poder que ele afronta” (Pêcheux, 1990, p. 17). Desse modo, entendemos que os dois jornais constituíram-se em espaços legitimados para as reivindicações não só das feministas, mas de mulheres trabalhadoras e oprimidas.
O funcionamento da resistência no discurso jornalístico feminista opera sobretudo deslocando sentidos naturalizados e cristalizados socialmente, cuja eficácia se faz assegurada pelo mecanismo ideológico e(m) suas práticas de reprodução adotadas por instituições e organizações que compõem os diferentes aparelhos ideológicos de Estado (Althusser, 2008).
Conforme exposto anteriormente, sobre o corpo da mulher incidem práticas (religiosas, políticas, sanitárias) e leis que disputam o poder de decisão e a emancipação feminina. A AD assume uma tomada de posição teórico-analítica que alça o corpo enquanto materialidade discursiva cujo funcionamento, de acordo com Leandro-Ferreira (2015), permite pensá-lo em uma “arquitetura”, com base no “modo de organização, de regulação e de funcionamento” (Leandro-Ferreira, 2015, p. 13). Os processos e as práticas que atravessam e mobilizam o corpo discursivo permitem assumi-lo a partir de condições intrincadas: a) como lugar de observação do sujeito; b) como objeto de investigação e c) como ferramenta, isto é, como categoria teórica.
É também sobre o corpo que se colocam relações de sentidos nos títulos das matérias eleitas. Em torno da formulação dos títulos, concorrem relações de forças técnicas e artísticas, cujo mecanismo de antecipação em jogo atua de forma a aumentar o interesse pela notícia/matéria e pela continuidade da leitura (Bahia, 2009). Definido por Bahia (2009, p. 58) como “a primeira linha, a primeira oração ou a primeira frase de uma notícia, de uma reportagem, de uma análise ou de um editorial”, o imaginário privilegiado construído em torno do título na prática jornalística deve-se sobretudo ao seu funcionamento e circulação, já que se trata do primeiro contato do sujeito leitor com uma matéria acerca de um determinado fato/acontecimento.
Continuando em nosso trajeto, apontamos para alguns sentidos em jogo nos títulos das matérias em análise. O primeiro título, “Controle de natalidade - ser ou não ser mãe” (Nós Mulheres, n. 1, jun. 1976, n.p.), lança luz ao planejamento familiar especialmente a partir do sintagma “controle de natalidade”. O segundo enunciado, “ser ou não ser mãe”, mobiliza o discurso literário, mais especificamente a obra Hamlet (1623), de Shakespeare. É amplamente reconhecida a formulação “Ser ou não ser, eis a questão”, que comparece no dizer do príncipe e cujo sentido aponta para dúvidas, incertezas, crises, impasses, angústia. Na textualização do título da reportagem de Nós Mulheres, embora esteja silenciado o enunciado “eis a questão”, há a inscrição de efeitos de paráfrase à medida que a memória discursiva, em seu funcionamento, evoca o dilema (im)posto ao personagem da obra shakespeariana, conforme trazemos no primeiro recorte:
A materialidade discursiva deste silenciamento legitima-se em sua dupla asserção de violência contra os corpos-mulheres. Faz marcar a dobra inconsciente e a ideologia, pois ao textualizar “ser ou não ser mãe” e recortar essa memória literária shakespeariana, presentifica um movimento teatral que historicamente interditava os corpos-mulheres na atuação fazendo prevalecer a ordem histórica-social do patriarcado sobre os corpos-mulheres. Embora as personagens femininas de Shakespeare fossem complexas, o que, segundo a crítica literária, faz de Shakespeare um dramaturgo que já discutia gênero, ele o faz de um lugar social do patriarcado. Podemos remeter, por exemplo, a outro texto, a “Megera Domada” (1594), cuja memória patriarcal volta a se marcar no enunciado título da reportagem que analisamos. Esse movimento discursivo de silenciamento e paráfrase não deixa de marcar a compulsoriedade sobre o corpo da mulher diante de uma formação social patriarcal cujas práticas relacionadas ao casamento e à maternidade atuam de forma compulsória para/sobre a mulher. O jornal, no entanto, retoma o discurso literário e inscreve a equivocidade ao colocar o desejo da mulher em proeminência, ao interrogar sobre esse laço socio-histórico-afetivo que não é assumido como destino óbvio, natural, mas como uma possibilidade entre outras e sobre a qual podem incidir planejamento e métodos. E, nesse sentido, o corpo torna-se materialidade privilegiada de resistência sobre a qual recaem tanto a decisão da mulher em relação à gravidez quanto os métodos a serem adotados, caso a maternidade não esteja no horizonte mais imediato ou não seja desejada. Dito de outro modo, ser ou não ser mãe não chega a ser uma questão no laço social do patriarcado, pois a maternidade passa a ser uma condição para o corpo-mulher. Fato que coincide historicamente com o surgimento do estado moderno e o projeto de cercania de terras - contemporâneo ao movimento teatral que acabamos de mencionar, como nos ensina Federici (2017). O que imputa ao corpo-mulher a objetificação de ser propriedade de, seja do Estado, de um grupo ou de um sujeito. Há, portanto, uma determinação histórica entre os processos contraceptivos e o estado moderno patriarcal do capital, que se liga justamente à noção de propriedade.
Conforme (Perrot 2016):
A concepção da mulher, talhada especialmente para o privado (e incapaz para o público) é a mesma em todos os círculos intelectuais do início do Século XVIII. O tratado de Pierre Roussel, Du système physique et moral de la femme [Do sistema físico e moral da mulher] (1775; 2 [Ed., 1783), tornou-se uma referência no discurso sobre a mulher. Esta é representada como o inverso do homem, é identificada por sua sexualidade e seu corpo, enquanto o homem é identificado por seu espírito e energia. O útero define a mulher e determina seu comportamento emocional e moral. Na época, pensava-se que o sistema reprodutor feminino era particularmente sensível, e que essa sensibilidade era maior devido à debilidade intelectual. As mulheres tinham músculos menos desenvolvidos e eram sedentárias por opção. A combinação de fraqueza muscular e intelectual e sensibilidade emocional fazia delas os seres mais aptos para criar os filhos. Desse modo, o útero definia o lugar das mulheres na sociedade como mães. O discurso dos médicos se unia aos discursos dos políticos (Perrot, 2016, p. 50).
E é justamente sobre o método anticoncepcional que é dado destaque no processo de textualização do título da matéria do jornal Brasil Mulher: “Pílulas…ora pílulas” (Brasil Mulher, n.1, dez. 1975, p. 6-7), conforme o segundo recorte analítico do trabalho, que apresentamos:
O título traz a repetição do termo ‘pílulas’, que é intercalado, respectivamente, por reticências e pelo termo ‘ora’, mobilizado no fio do discurso como interjeição. Vamos primeiramente situar o funcionamento discursivo das reticências.
Em sua tese, Grantham (2002) assume as reticências como sinais discursivos. São sinais que, pela sua materialização, colocam-se à visibilidade no texto, possibilitando a quem lê um espaço de interpretação. A autora defende que as reticências (assim como a interrogação) instauram um processo de silenciamento que significa. Nesse sentido, na esteira das reflexões da autora, depreendemos que no título em questão as reticências não apontam para um vazio, longe disso. A nosso ver, esse sinal discursivo produz um efeito de pausa a partir do silenciamento (im)posto justamente pelo seu comparecimento, cujo rompimento no processo de textualização funciona pelo comparecimento da interjeição ‘ora’, que inscreve uma relação interdiscursiva responsável pelo tensionamento em jogo no título.
Desse modo, o efeito estilístico da repetição do termo ‘pílulas’ no título não produz sentidos de reiteração que direcionam para a confirmação de uma imagem positiva das pílulas. Pelo processo de textualização, temos uma produção de sentidos que é de outra ordem: apresenta-se o assunto da matéria pela mobilização do termo ‘pílulas’, o qual é repetido após a mobilização de elementos que orientam para outra direção de sentidos: as reticências e a interjeição ‘ora’. Esses elementos inscrevem uma interdiscursividade cujos efeitos atuam na dispersão de sentidos: tensionamento, ironia e ainda suspeita em torno dos discursos dominantes sobre a pílula. Coincide o fato de a pílula ser uma possibilidade de discussão “aberta” por tratar-se primeiramente de um produto potencialmente gerador de capital.
Para além de um produto de geração de capital, há de se considerar a mão ferrenha do patriarcado em seu projeto eugenista construído sob o domínio imperialista. A questão transcende o ser ou não ser mãe e passa a pesar quem pode ser ou não ser mãe... Ou seja, a proposta do governo ao longo dos anos de chumbo (e podemos remeter à extrema direita, na atualidade) era de uma limpeza étnica e racial. As questões discutidas nos jornais aqui apresentados eram de denúncia do genocídio e esterilização em massa que estavam ocorrendo, principalmente na região nordeste, em que muitas mulheres, sem condições de atendimento médico de qualidade, eram obrigadas, pelo Estado, a usar a pílula como alternativa de não engravidar, mas sem o devido acompanhamento e esclarecimento dos efeitos que elas causavam. A proposta genocida era esterilizar e eliminar mulheres pobres e negras e, consequentemente, evitar o nascimento de crianças “indesejadas” para uma sociedade elitista e desumana, proposta esta que reforça a violência e controle do patriarcado sobre o corpo da mulher, estampada até hoje nos noticiários.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos nossos questionamentos de como a materialidade discursiva do corpo da mulher se articula no campo político de um estado de exceção, como no cenário de censura da ditadura militar, e de que modo as reportagens dos jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres - marcadas por sentidos socio-históricos - constituem uma posição de resistência frente aos regimes opressivos, entendemos que as discussões levantadas neste nosso gesto analítico buscam mostrar por meio do funcionamento do discurso jornalístico alternativo as marcas de um discurso autoritário e patriarcal no que diz respeito ao controle de natalidade e aos sentidos de maternidade construídos socialmente, especialmente quando analisado sob a ótica das construções discursivas e da memória histórica. O título Controle de natalidade - ser ou não ser mãe, tal como formulado no jornal Nós Mulheres, resgata não apenas um debate sobre planejamento familiar, mas traz à baila um questionamento profundo sobre o lugar social da mulher e a compulsoriedade da maternidade dentro de um contexto patriarcal.
A intertextualidade estabelecida com Shakespeare, em particular com Hamlet e A megera domada, permite compreender como o discurso literário pode tanto reforçar estereótipos e estruturas de dominação quanto abrir espaço para tensionamentos e resistências. A utilização do enunciado shakespeariano, por exemplo, se inscreve socio-historicamente nos modos de imposição e controle sobre os corpos das mulheres por séculos.
A análise compreende os modos de silenciamento como processos parafrásticos que são matrizes para a construção de sentidos que perpetuam a violência simbólica e concreta contra as mulheres. O funcionamento do sistema patriarcal na objetificação do corpo feminino é evidenciado desde os primórdios do Estado moderno, em que a relação entre propriedade e corpo-mulher se consolidou como ferramenta de domínio e exploração.
A problematização sobre a pílula anticoncepcional aponta para como a discussão sobre controle de natalidade não pode ser dissociada de um olhar crítico sobre o capitalismo e os projetos de controle populacional. A mercantilização da pílula como um produto ligado ao lucro não se separa das políticas de eugenia e controle racial, evidenciadas na esterilização forçada de mulheres pobres e negras, um fenômeno histórico que persiste em formas contemporâneas de violência reprodutiva e que também foi alvo de gestos de denúncia em jornais alternativos feministas (Flores, Lunkes, 2024).
Desse modo, o debate sobre ser ou não ser mãe vai além de uma escolha individual: ele se insere em um contexto de disputas ideológicas, políticas e econômicas que atravessam a história das mulheres e seus direitos reprodutivos. A resistência a essas imposições se faz necessária para a construção de um futuro no qual a autonomia sobre o próprio corpo não seja uma concessão, mas um direito inalienável.
Assim, podemos dizer que, do ponto de vista discursivo, os jornais Nós Mulheres e Brasil Mulher podem ser tomados como acontecimentos discursivos, uma vez que confrontam memória e atualidade inaugurando outras formas de dizer e significar a experiência feminina na sociedade brasileira em meio a uma realidade de tanta violência e valores conservadores construídos pelo/no patriarcado.
Esses jornais alternativos emergem em uma conjuntura de ditadura militar e de crescente mobilização feminista, desestabilizando discursos hegemônicos sobre o lugar social da mulher e ampliando os sentidos possíveis sobre corpo, sexualidade enquanto práticas políticas a serem partilhadas socialmente. O discurso jornalístico alternativo, assim, não apenas inscreve um movimento discursivo de criticidade e contra-identificação em relação ao discurso jornalístico de referência, mas também mobiliza processos outros de subjetivação e relações de poder no interior da linguagem e da imprensa, colocando em evidência tensões e disputas em torno das narrativas sobre a mulher na formação social brasileira.
Retomar os jornais alternativos enquanto materiais de análise discursiva, na atualidade, permite compreender e empreender diferentes formas de luta contra regimes misóginos e totalitários que não cessam de reaparecer em movimentos parafrásticos que marcam a religião, a família e a propriedade enquanto aquilo que representa os sentidos de patriotismo. As análises em questão nos advertem de que não se pode recuar no campo de luta sob pena de perder (o direito a)o próprio corpo.
REFERÊNCIAS
- ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. Tradução de Guilherme J. de Freitas Teixeira. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
- BAHIA, J. As técnicas do jornalismo. V. 2. 5. ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.
- CONEIN, B. Descrever um acontecimento político. In: CONEIN, B. et al. (org.) Materialidades discursivas: a espessura da linguagem. São Paulo: Ed. da Unicamp, 2016. p. 87-102.
-
CONTROLE DE NATALIDADE. Ser ou não ser mãe. Nós Mulheres, São Paulo, n. 1, jun. 1976. Disponível em: https://acervo.fpabramo.org.br/index.php/a763-w5dk-fm5h Acesso em: 5 mar. 2023.
» https://acervo.fpabramo.org.br/index.php/a763-w5dk-fm5h - DELA-SILVA, S. C. O acontecimento discursivo da televisão no Brasil: a imprensa na constituição da TV como grande mídia. 2008. 225 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística. Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008.
- FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.
- FLORES, G. B.; LUNKES, F. Resistência, liberdade sexual e saúde feminina: a luta política dos jornais feministas na ditadura brasileira. In: DALTOÉ, A. da S.; FLORES, G. B.; SILVEIRA, J. da; NECKEL, N. (org.). Marcas da Memória. Violência de Estado e estado de violência: corpos e(m) resistência [recurso eletrônico]. Campinas: Pontes, 2024. p. 266-283.
- GRANTHAM, M. Da releitura à escritura: um estudo da leitura pelo viés da pontuação. 2002. 340 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras. Instituto de Letras. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.
- KEHL, M. R. Tortura e sintoma social [recurso eletrônico]. São Paulo: Boitempo, 2019.
- LEANDRO-FERREIRA, M. C. Discurso: conceitos em movimento. In: LEANDRO-FERREIRA, M. C. (org.). Oficinas de análise do discurso: conceitos em movimento. Campinas: Pontes, 2015. p. 11-23.
- MARIANI, B. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro: Revan; Campinas: Ed. da Unicamp, 1998.
- ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 3. ed. Campinas: Pontes, 2001.
- ORLANDI, E. P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 5. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2002.
- ORLANDI, E. P. Terra à vista, discurso do confronto: velho e novo mundo. 2. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2008.
- PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez/1990.
- PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Tradução de Eni Orlandi. 6. ed. Campinas: Pontes, 2012.
- PERROT, M. Minha história das mulheres. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2016.
-
PÍLULAS... ORA PÍLULAS. Brasil Mulher, Londrina, ano 1, n. 1, dez. 1975. Disponível em: https://acervo.fpabramo.org.br/index.php/jornal-brasil-mulher-2 Acesso em: 5 mar. 2023.
» https://acervo.fpabramo.org.br/index.php/jornal-brasil-mulher-2 - RIFFEL, C. M.; FLORES, G. B. Sentidos de independente no/do discurso jornalístico alternativo no digital. In: DELA-SILVA, S.; LUNKES, F.; CARNEIRO, C. (org.). Mídia e(m) discurso: percursos de pesquisa. V. 2. Campinas: Pontes, 2023. p. 35-54.
- TELES, A.; LEITE, R. S. C. Da guerrilha à imprensa feminista. A construção do feminismo pós-luta armada no Brasil (1975-1980). São Paulo: Intermeios, 2013. [Coleção Entregêneros].
-
1
A discussão sobre o funcionamento discursivo do silêncio está fundamentada no trabalho de Eni Orlandi (2002). A autora situa diferentes funcionamentos para o silêncio. Interessa-nos especialmente a política do silêncio, que é subdividida em “silêncio constitutivo” e “silêncio local”. No primeiro, temos um funcionamento no qual “uma palavra apaga necessariamente ‘outras’ palavras” (Orlandi, 2002, p. 55); no segundo, marca-se a censura, um funcionamento do silêncio no qual, em determinada conjuntura, são proibidos determinados dizeres. A autora explica que um trabalho às voltas com o funcionamento do silêncio em sua dimensão política visa situar o eixo da formulação dos sentidos, o que permite ao analista depreender o que é silenciado no dizer de uma determinada posição sujeito. Esclarecemos que não está em nosso horizonte situar, de forma específica, se um silenciamento produzido inscreve-se no funcionamento constitutivo e/ou censório; em alguns casos, é possível depreender de forma predominante uma dessas dimensões e em outros, ambas, considerando, sobretudo, tratar-se da ditadura militar.
-
2
O Círculo de Mulheres de Paris foi organizado por mulheres de esquerda, que tinham por objetivo debater as questões feministas e que voltaram do exílio, depois da Lei da Anistia.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
16 Mar 2025 -
Aceito
08 Jun 2025




Fonte: arquivo das autoras
Fonte: Nós Mulheres, n. 1, jun. 1976
Fonte: Brasil Mulher, n.1, dez. 1975