Open-access PELA TRAMA SINTÁTICA, O SIMULACRO: “ELA É COMO SE FOSSE DA FAMÍLIA”

THROUGH THE SYNTACTIC WEAVE, THE SIMULACRUM: “SHE’S LIKE FAMILY”

POR LA TRAMA SINTÁCTICA, EL SIMULACRO: “ELLA ES COMO SI FUERA DE LA FAMILIA”

Resumo

Os casos recentes de trabalho análogo à escravidão no Brasil revelam um padrão persistente: mulheres negras e pobres a serviço de famílias brancas e ricas por gerações, sem acesso a direitos básicos. Este artigo analisa notícias publicadas entre 2021 e 2023 sobre o resgate de mulheres nessas condições, com base na Análise do Discurso Materialista. Examina-se a expressão “Ela é como parte da família”, frequentemente usada para justificar a ausência de direitos trabalhistas. Essa formulação opera como simulacro, ao disfarçar uma relação laboral com traços de vínculo afetivo, sem corresponder a uma verdadeira relação familiar. O uso do modo subjuntivo em “como se fosse” evidencia essa contradição e revela o caráter ideológico do enunciado. A desintagmatização dessas estruturas permite acessar os processos discursivos e os domínios da memória que sustentam a reprodução de práticas sociais naturalizadas de exploração.

Palavras-chave:
Materialismo; Discurso; Trabalho análogo à escravidão

Abstract

Recent cases of slavery-like labor in Brazil reveal a persistent pattern: Black and poor women serving white and wealthy families for generations without access to fundamental rights. This article analyzes news reports published between 2021 and 2023 on the rescue of women in such conditions, using the framework of Materialist Discourse Analysis. It examines the expression “She is like part of the family,” often used to justify the absence of labor rights. This formulation functions as a simulacrum, disguising a labor relationship as an affective bond without corresponding to a real family relationship. The use of the subjunctive mood in “as if she were” highlights this contradiction and reveals the ideological nature of the utterance. The disintagmatization of such structures allows access to discursive processes and memory domains that sustain the reproduction of naturalized social practices of exploitation.

Keywords:
Materialism; Discourse; Labor analogous to slavery

Resumen

Los casos recientes de trabajo análogo a la esclavitud en Brasil revelan un patrón persistente: mujeres negras y pobres al servicio de familias blancas y ricas durante generaciones, sin acceso a derechos básicos. Este artículo analiza noticias publicadas entre 2021 y 2023 sobre el rescate de mujeres en tales condiciones, desde la perspectiva del Análisis del Discurso materialista. Se examina la expresión “Ella es como si fuera de la familia” frecuentemente utilizada para justificar la ausencia de derechos laborales. Esta formulación opera como simulacro, al disfrazar una relación laboral con rasgos de vínculo afectivo, sin corresponder a una verdadera relación familiar. El uso del modo subjuntivo en “como si fuera” señala esta contradicción y revela el carácter ideológico del enunciado. La desintagmatización de tales estructuras permite acceder a los procesos discursivos y a los dominios de la memoria que sustentan la reproducción de prácticas sociales naturalizadas de explotación.

Palabras clave:
Materialismo; Discurso; Trabajo análogo a la esclavitud

SITUANDO A QUESTÃO: DAS REGULARIDADES DO INACEITÁVEL

Em junho do ano passado (Sul21, 2023), o Ministério Público do Trabalho (MPT) resgatou Sônia de Jesus, 50 anos, da casa do desembargador de Santa Catarina, Jorge Luiz de Borba. Sônia, que é surda, vivia em um abrigo para crianças em São Paulo, do qual foi retirada pela sogra do desembargador quando tinha 9 anos de idade. Desde então, passou a morar com a família, primeiro servindo a mãe e depois a filha, como uma propriedade ou herança que se passa adiante. Apesar de alegarem que Sônia era tratada “como se fosse da família” e de afirmarem, em nota à imprensa, que a inclusão de Sônia na família se tratava de um “ato de amor”, ela nunca frequentou a escola, não aprendeu a ler e a escrever, tampouco foi alfabetizada na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Com dificuldades de comunicação, ela não possuía qualquer convívio social. Era submetida a trabalho forçado, jornadas exaustivas e morava em condições degradantes. Sônia vivia, segundo vizinhos, como é comum em casos assim, no quarto da empregada. Apenas em 2021 passou a ter CPF, RG e Título de Eleitor. No entanto, na disputa pelos sentidos que se dá na arena da divisão de classes e na perpetuação da estrutura desigual do Estado de Direito, em que alguns têm mais direitos que outros, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, autorizou que Sônia retornasse à casa do desembargador, por “não ver indícios de crime, porque a empregada ‘viveu como se fosse membro da família’” (Estadão, 2023).

SD1: Apesar da alegação dos investigados de que Sônia era tratada como se fosse da família, ela nunca teve instrução formal, não aprendeu a ler e escrever e não foi alfabetizada na língua brasileira de sinais (LIBRAS) (Sul21, 12 de jun. de 2023 - grifos nossos).

SD2: “Aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo ‘suspeita de trabalho análogo à escravidão’, na verdade, expressa um ato de amor. Haja vista que a pessoa, tida como vítima, foi na verdade acolhida pela minha família” (G1, 06 de jun. de 2023 - grifos nossos).

SD3: Campbell [ministro STJ] se disse convencido de que, após examinar o processo, não viu indícios suficientes de crime porque a empregada “viveu como se fosse membro da família” na residência dos investigados (Estadão, 8 de set. de 2023 - grifos nossos).

Em maio de 2022 (Repórter Brasil, 2022), tornou-se conhecido o registro da mais longa exploração de escravidão contemporânea. Uma mulher, negra, de 84 anos, permaneceu trabalhando para três gerações da família Mattos Maia, sem receber salário. Aos 12 anos se mudou para a casa dos patrões de seus pais, que trabalhavam em uma das fazendas da família, no interior do Rio de Janeiro, com a promessa de poder estudar.

Quando os patrões faleceram, mudou-se para a casa da filha deles. Foram 72 anos de trabalho escravo. Os empregadores justificam o não pagamento de salário afirmando que ela realizava “uma colaboração voluntária no âmbito familiar”. A mulher resgatada não estudou, não casou, não teve filhos ou amigos, não tinha vida fora da residência dos Mattos Maia. Dormia num sofá, na antessala do quarto da empregadora, a quem assistia com cuidados médicos. A história de uma vida inteira atrelada aos cuidados de uma mesma família, sem a possibilidade de reconhecer-se como protagonista de sua própria vida e o desconhecimento de direitos civis produz como efeito nefasto uma grande dependência, emocional e financeira, daqueles que pertencem ao seu convívio diário. Fragilizada, a mulher resgatada dizia-se preocupada com a senhora Mattos Maia, pedia para voltar ao convívio da família. Violência dupla que se mistura a um estranho sentimento de gratidão e pertencimento.

SD4: De acordo com o auditor fiscal do trabalho, Alexandre Lyra, que coordenou a ação, os empregadores afirmaram que os serviços domésticos não eram trabalho, mas uma colaboração voluntária no âmbito familiar (Repórter Brasil, 13 de mai. de 2022 - grifos nossos).

Em 2021 (G1 Bahia, 2022), Madalena Santiago da Silva, mulher negra, foi resgatada após trabalhar sem receber salário por 54 anos. Madalena afirma que chegou à casa da família de Sônia Seixas Leal, em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador, ainda criança, com 8 anos de idade. Sônia negou que escravizava Madalena, e, em depoimento ao Ministério do Trabalho, disse que a considerava uma irmã. Além de trabalhar por décadas para a mesma família e sofrer maus-tratos, o nome de Madalena foi usado, ainda, para realizar financiamentos. Seu caso retornou à mídia brasileira em 2022 após afirmar, em entrevista à TV Bahia, que tem medo de pegar na mão de pessoas brancas.

SD5: Ex-patroa diz que não pagava salário de doméstica resgatada de trabalho análogo à escravidão porque a considerava da família (G1 Bahia, 02 de mai. de 2022 - grifos nossos).

Em 2021 (El País, 2021), mais uma Madalena é resgatada, desta vez em Minas Gerais. Madalena Gordiano tinha oito anos quando foi morar na casa de Maria das Graças Milagres Rigueira, com a promessa de que seria adotada, após sua mãe bater na porta da família em busca de comida. Madalena nunca foi à escola, nunca teve salário ou férias; foi responsável pelos afazeres domésticos e pelo cuidado das crianças por quatro décadas. Dormia em um quarto pequeno sem janela, não tinha celular, nem televisão. Sua única propriedade eram 3 camisetas. Quando tinha cerca de 20 anos, foi obrigada a se casar com um parente idoso, com o intuito de que a aposentadoria do parente militar permanecesse na família Milagres Rigueira. Após a morte do militar, a pensão de 8 mil reais era usada para o pagamento do curso de medicina da filha da família. Em situação precária de higiene, Madalena passou a colocar bilhetes embaixo das portas dos apartamentos vizinhos do prédio onde morava com a família Milagres Rigueira, pedindo dinheiro para comprar sabonete e outros produtos de limpeza pessoal. Um vizinho denunciou o caso.

SD6: O professor Dalton Milagres Rigueira, acusado com sua mãe, Maria das Graças, do crime de manter a vítima em condições análogas à escravidão, explicou, ao ser interrogado, que a empregada doméstica era como se fosse da família (El País, 14 de jan. de 2021 - grifos nossos).

Santa Catarina, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais. Estas são apenas algumas das muitas histórias de resgate de mulheres escravizadas em pleno século XXI. Nesse breve recorte analítico, é surpreendente como as regularidades tecem fios que enredam uma trama tecida continuamente desde o Brasil Colônia, fios que parecem não ter-se rompido por completo com a assinatura da Lei Áurea (1888), fios que, pelo contrário, continuam a enredar sujeitos e a engendrar histórias de violência e submissão. Nessa trama (re)atualizada, outros fios vêm tecer histórias que reencenam um passado não tão distante, em que as mulheres negras escravizadas pertenciam à Casa Grande como propriedade, passadas adiante de geração em geração, servindo “senhores”, embalando e ninando crianças brancas. Nos casos relatados acima, todas as mulheres permaneceram, praticamente, toda a vida reclusas na casa dos empregadores. Eram entregues às famílias com a promessa de poder estudar, em troca de trabalho; promessa que, nesses casos e em tantos outros, não se efetivava. Todas as mulheres resgatadas serviram a mais de uma geração, permanecendo, como herança. Apesar da alegada pertença familiar, todas viviam num puxadinho, no quarto escuro e sem janelas comum às empregadas domésticas brasileiras; divisão desigual do espaço privado que denuncia a não-pertença familiar tão defendida. Viviam reclusas, sem acesso à educação ou outra forma de profissionalização, apartadas do convívio social. Algumas relataram nas notícias cenas contínuas de tortura. Violências no plural acompanharam a existência dessas mulheres. Uma trama de muitos fios que enreda diferentes histórias que se encontram em um mesmo nó.

Naturalizada, a expressão “ela é como se fosse da família” permeia todos esses relatos. Uma justificativa que, embora não justifique em absoluto esse crime, faz parte desse espaço enunciativo, em que o possível laço afetivo busca assegurar a continuidade de um sistema escravocrata que, não mais em vigência, sobrevive no interior dos lares brasileiros, principalmente em casas de famílias abastadas e brancas.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SIGNIFICANTE TRABALHO

As notícias em destaque são apenas fragmentos de um continuum de repetibilidade que diz respeito à presença de práticas escravocratas no Brasil em que há mais de 100 anos esse sistema foi abolido. Uma continuidade por semelhança permeia a significação do acontecimento: em todas as notícias a justificativa para o resgate encontra o artigo 149 do Código Penal brasileiro: trabalho análogo à escravidão. No mesmo Brasil em que vige o Estado Democrático de Direito, não há espaço jurídico para o significante “trabalho escravo”, mas, contraditoriamente, diante da necessidade de continuar nomeando uma prática ainda presente no funcionamento social, diz-se condição “análoga à”, reconhecendo, assim, na própria formulação a prática escravagista:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: [...].” (Brasil. Código Penal (1940): Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF: Presidência da República. [2020 - grifos nossos].

Localizado no Capítulo VI “Dos crimes contra a liberdade individual”, o artigo 149, Redução à Condição Análoga à de Escravo, encontra-se ao lado de outros cinco: Constrangimento ilegal (Art. 146); Ameaça (Art. 147); Perseguição (Art. 147-A); Sequestro e cárcere privado (Art. 148) e Tráfico de Pessoas (Art. 149-A). Esses artigos legislam sobre crimes que atentam contra a liberdade pessoal e individual, estabelecem penas e agravantes para tais delitos. No entanto, chama a atenção o fato de que apenas o artigo 149 em destaque trata do crime contra a liberdade atrelado às relações de trabalho. Tal crime também está presente na Consolidação das Leis do Trabalho ou CLT (Brasil, 2007), que apresenta os direitos trabalhistas daqueles que forem resgatados em tais condições. Não à toa, quando as notícias narram os resgates, as nomeações “patroa”, “patrões”, “ex-patroa”, “empregadores”, “doméstica”, “trabalhadora” e “trabalho” passam a significar as relações tecidas no espaço do lar. De fato, não comparecem nas notícias analisadas os significantes “escravizador”, “escravizadora”, “escravizada”, efeitos do modo como o próprio discurso jurídico interpreta tal delito. Tanto é que quem denuncia a prática é o Ministério Público do Trabalho. Assim, o trabalho, enquanto espaço organizador central de um sistema capitalista, é o lugar que ancora o crime da escravização no sistema democrático de direitos. Perversidade jurídica que pune uma grave violação aos direitos humanos, ao direito de ser e existir, e a violência imputada em forma de privações, cerceamentos e torturas como uma infração trabalhista. Do privado, enquanto crime contra a liberdade, para a esfera pública, enquanto lei do trabalho. Público e privado vão, contraditoriamente, desorganizando e reorganizando o trabalho escravo doméstico no Brasil contemporâneo, somando-se a essa chicana jurídica a afetividade que emerge do interior das relações familiares, espaço onde o crime ocorre. Assim, a justificativa da pertença familiar acrescenta mais uma camada às contradições que permeiam essas relações.

Nosso foco neste estudo volta-se para a teia discursiva que, via efeito ideológico elementar (Althusser, 1974), confere sustentação e encontra justificativas para aquilo que é da ordem do inaceitável. Para tanto, partimos da formulação elaborada por M. Pêcheux (1988) de que os discursos materializam a ideologia, manifestando-se sob a forma de práticas que, por sua vez, encontram validação via linguagem. A palavra que diz sobre o mundo não o diz alheia às formas como sujeitos produzem sentidos e dialeticamente são constituídos por eles. É assim que o enunciado “como se fosse da família” e respectiva cadeia parafrástica funciona para produzir o efeito de naturalização da escravização feminina contemporânea, ao mesmo tempo em que é sustentado por um conjunto de traços repetíveis na ordem do real.

Tal como o conjunto de inaceitáveis histórias dá a ver, falamos de mulheres pretas, pobres e periféricas, que servem a uma mesma família há anos, décadas e, por vezes, gerações, e que compõem esse circuito na continuidade de uma antiga prática brasileira de doação de crianças, por famílias pobres, para famílias mais abastadas ou da contratação de crianças e jovens para auxílio doméstico. O argumento: as menores teriam estudo, alimento, proteção, melhores condições de vida; a promessa de um futuro diferente daquele dos pais. A realidade: são meninas que, não-raro, nunca vão à escola; seus alojamentos reduzem-se a pequenos cômodos, muitas vezes sem janelas; não há gozo de folgas, feriados, férias; não há salário; não há seguridade social alguma. Infância, adolescência, juventude, idade adulta e velhice são entregues a uma promessa anunciada de antemão ao fracasso: nada recebem ao longo de suas existências. As justificativas para troca tão desigual amparam-se na opacidade da condição do trabalho não-remunerado (escravizado), que, quando denunciado, passa a ser significado como uma relação familiar (ou quase).

O significante trabalho resta nessa fronteira limítrofe, na qual as marcas da prestação de serviços são irrefutáveis, ao mesmo tempo em que as contrapartidas para o sujeito do trabalho, previstas no escopo legal, não acontecem. Dada essa fluidez, os argumentos dos perpetradores do trabalho análogo à escravidão são deslocados para as representações que a família beneficiária do trabalho faz dos laços estabelecidos com a mulher escravizada. Desses laços familiares anunciados, há uma dinâmica complexa que entrelaça, principalmente, questões de classe e de raça. Em todas as notícias, a família é composta por pessoas brancas, que participam de círculos economicamente influentes; as mulheres escravizadas são negras e não dispõem de qualquer poder aquisitivo econômico, são completamente dependentes dos membros da família com quem moram. Um laço familiar anunciado recoberto por contradições. Essa regularidade estrutural repete-se pela história, reafirmando, sob outros modos, o símbolo Casa Grande e Senzala.

Os movimentos que produzem o significante trabalho encontram na irrupção da memória discursiva suas condições de possibilidade de sustentação, que não é homogênea nem estável. A memória, segundo Achard (2015), é “essa regularização discursiva, que tende assim a formar a lei da série do legível” e que restabelece, face a um texto dado a ler, “os implícitos de que a sua leitura necessita” (Pêcheux, 1999, p. 52). Ou, como define Courtine (1999, p. 18), “repetição que é ao mesmo tempo ausente e presente na série de formulações”, ausente porque funciona sob a forma do desconhecimento, o sujeito não percebe como a memória discursiva estrutura seu dizer, e presente porque materializa-se na língua, de uma certa forma. Há em jogo, no funcionamento da memória, uma tensão que trabalha a repetição e o deslocamento, continuamente. O significante trabalho nas relações de escravização contemporânea materializa esse movimento entre a repetição, a perpetuação de uma estrutura escravocrata do período colonial, e a atualização, uma prática escravagista que adentra o espaço jurídico das leis que regem as relações de trabalho e aquelas que regem a liberdade individual. Opacidade que permeia o significante trabalho que nos permite perguntar, de que trabalho se trata, afinal de contas? Interessa-nos destacar esse fio de uma memória escravagista que atravessa as práticas do trabalho doméstico familiar brasileiro.

Grada Kilomba, em Memórias da Plantação (2019), problematiza a inseparabilidade entre as questões de raça e as de gênero. E o faz sob o pano de fundo do relato de experiência que vivenciou aos 12 anos de idade, quando, em um consultório médico, por conta de uma gripe, foi interpelada por um médico sobre ir com a família dele, durante as férias, para uma viagem, a fim de ajudar nos serviços domésticos:

O médico propôs que eu cozinhasse as refeições diárias da família, limpasse a casa e eventualmente lavasse suas roupas. “Não é muito”, disse ele, “alguns shorts, talvez uma camiseta e, claro, nossas roupas íntimas!” Entre essas tarefas, explicou ele, eu teria tempo suficiente para mim. Eu poderia ir à praia e “fazer o que você quiser”, insistiu. Ele tinha máscaras africanas decorando o outro lado do consultório, eu devo ter olhado para elas. “Elas são da Guiné-Bissau!”, disse ele. “Eu trabalhei lá... como médico!” Olhei para ele, calada, eu realmente não me lembro se fui capaz de dizer algo. Acho que não. Mas me lembro de ter saído do consultório em estado de vertigem e de vomitar, após ter me distanciado de lá algumas ruas, antes de chegar em casa. Estava diante de algo irracional (Kilomba, 2019, p. 93-94).

As modalizações na fala do médico (eventualmente lavasse suas roupas; não é muito; alguns shorts, talvez algumas camisetas) materializam o efeito de atenuação da ordem do absurdo, ao mesmo tempo em que resta escancarada a posição de subserviência a que o outro-menina-negra é submetida: “e, claro, nossas roupas íntimas.”

A proposta de “fazer o que você quiser” em um tempo livre e hipoteticamente suficiente, que não fica explícito no “convite”, não só implica uma porção significativa de tempo e força de trabalho que são requeridos da menina, como também implica a subtração de algo mais, maior e não mensurável, haja vista que na conversa entabulada encontram-se ausentes os significantes trabalho e pagamento desse trabalho. Em outras palavras, a menina de apenas 12 anos estava sendo “convidada” para servir à família, porém, como se não fosse serviço, mas tarefas eventuais.

A autora então se questiona: fosse o médico negro, e a paciente branca? Ou uma médica branca e uma menina negra? Ou a médica branca e o menino negro? Não precisamos listar as respostas, porque elas se encontram na estrutura que tece as relações socioeconômicas da formação brasileira, muito embora o relato de Grada Kilomba se refira ao contexto português. Por aqui, o trabalho doméstico tem suas origens no Brasil colônia, quando esse fazer era delegado às escravizadas. Do trânsito que elas faziam da senzala à Casa Grande, no pós-abolição, sem alternativas, as mulheres negras foram, muitas e progressivamente, incorporadas à Casa Grande. Os resquícios que vemos hoje dessa realidade, nem tão esparsos, são marcas que denunciam a ainda apropriação dos corpos e da força de trabalho de mulheres negras e pardas, como se objetos fossem.

Gonzalez (2020) escreve sobre isso, em flagrante gesto de confronto à memória histórica sedimentada, relatando que a mulher negra escravizada ocupava dois espaços: o do escravo produtivo e o do escravo de ganho, trabalhando ou no eito (lavoura, mineração) ou como mucama:

Enquanto mucama, cabia-lhe a tarefa de manter, em todos os níveis, o bom andamento da casa-grande: lavar, passar, cozinhar, fiar, tecer, costurar e amamentar as crianças nascidas do ventre “livre” das sinhazinhas. E isso sem contar com as investidas sexuais do senhor branco que, muitas vezes, convidava parentes mais jovens para se iniciarem sexualmente com as mucamas mais atraentes. Após o trabalho pesado na casa-grande, cabia-lhes também o cuidado dos próprios filhos, além da assistência aos companheiros chegados das plantações, engenhos etc. quase mortos de fome e de cansaço (Gonzalez, 2020, p. 53).

A (des)apropriação dos corpos dessas mulheres, por aqueles que se julgavam/julgam seus donos, é outra prática que, bem o sabemos, se mantém, infelizmente, viva em nossa composição social, embora silenciada, camuflada ou, no limite, até travestida de culpabilidade da mulher preta/parda que serve em uma casa, por conta de seu suposto comportamento sedutor:

Virgínia está a terminar seu chá quando Querubina reaparece:

- Seu Noel não quer nada. Os olhos de Virgínia se animam: - Por que foi que demorou tanto no quarto dele? Bastava perguntar se o rapaz queria chá...

- Ué... eu...

- Eu sei. Ficou se oferecendo...

O mais enervante é que Querubina não reage. Fica assim indiferente, nem embaraçada nem cínica, ouvindo simplesmente sem se ofender, com ar de quem está falando com um louco: concordando para não irritar...

- Tire a mesa, sua indecente.

Silenciosa, a rapariga começa a retirar as xícaras da mesa. Inclina-se para apanhar o bule e Virgínia vislumbra o rego entre os seios dela, fundo e sombrio como um vale entre dois montes rígidos. Sim, rígidos, pois ali estão dois seios de vinte anos. Uma raiva vai crescendo, enovelada, no peito de Virgínia.

- Sua vagabunda, você devia estar mas era no beco, ouviu? No beco!

Querubina sai em silêncio, carregando a bandeja. (Veríssimo, 1982, p. 97).

Na década de 1930, transcorrido já quase meio século após a abolição da escravatura, o escritor gaúcho Érico Veríssimo desenha, em uma de suas obras, o contorno do lugar que então ocupavam negras e pardas no mundo do trabalho, confinadas na cozinha e encurraladas em jogos de sedução. A referência ao beco, na trama ficcional, autoriza a mobilização dos sentidos da prostituição. Na ordem do não-dito, a insinuação de que o “acolhimento” pela família salvou a “trabalhadora” dessa possibilidade.

O quadro atual embaralha o conjunto de possibilidades: a trabalhadora escravizada não é um membro da família (talvez resgatada da prostituição), também não é aquela que transitava da Senzala à Casa Grande. Importa dizer que enquanto estas tinham suas famílias, para se ocuparem delas na dupla jornada; as de hoje não têm nem mesmo a escolha de cansarem-se com algo que era seu. Como “pertencentes às famílias”, até a possibilidade de constituírem suas próprias famílias lhes é surrupiada.

DA MATERIALIDADE LINGUÍSTICA EM SUA OPACIDADE AO EFEITO DE SIMULACRO

Nesta análise, atentamos para o modo como a contradição se materializa em equívocos, produzindo, nesse enlace, efeito de simulacro. Consideramos, neste estudo, o efeito de simulacro a partir do “efeito de simulação-recalque”, noção cunhada por Pêcheux (1988) e que Ernest (2019, p. 118) considera como

um efeito de sentido em que elementos da memória de uma determinada formação discursiva interpõem-se a outra, sob forma de discurso repetido, sem que haja assimilação, ou melhor, absorção no espaço discursivo em que incidem. Essa definição aproxima-se do conceito de pré-construído; entretanto, essa interposição constitui-se num mise-en-scène, por proporcionar o mascaramento de pressupostos ideológicos que se querem impor.

Dizemos efeito de simulacro por entendermos que as estruturas materiais comparativo-condicionais levam ao limite a tentativa de sobreposição de memórias, buscando tornar indiscernível a relação de trabalho e a relação familiar; o espaço de trabalho e o da casa. É nessa perspectiva que focamos, a partir de agora, as relações de sinonímia e de comparação presentes nos enunciados, buscando, no interdiscurso, a recomposição dos processos parafrásticos que dão sustentação ao processo discursivo no qual se encontra opacificada a violência infligida a mulheres pretas e pobres. No primeiro recorte de análises, nosso foco é o sintagma “como se fosse da família” e respectivas formulações parafrásticas, conforme destaque abaixo:

SD1: “[...] Sonia era tratada como se fosse da família [...]”

SD2: “[...] a pessoa, tida como vítima , foi na verdade acolhida pela minha família .

SD3: “[...] a empregada viveu como se fosse membro da família.”

SD4: “[...] os empregadores afirmaram que os serviços domésticos não eram trabalho, mas uma colaboração voluntária no âmbito familiar.”

SD5: “[...] Ex-patroa não pagava salário [...] porque a considerava da família.”

SD6: “[...] a empregada doméstica era como se fosse da família.”

As circulações discursivas, diz Michel Pêcheux (2016, p. 28), “nunca são aleatórias, porque o ‘não importa quê’ não é ‘não importa quê’”. Assim, é por considerarmos que os efeitos discursivos derivam de uma materialidade específica que nos voltamos para a reiterada repetição da construção sintática “como se fosse da família”, e suas ocorrências parafrásticas, presentes nas notícias em destaque sobre escravização doméstica.

O enunciado “como se fosse da família” materializa, contraditória e perversamente, a exploração de trabalho exercida a partir das relações supostamente cordiais, supostamente familiares, contornadas pelo fator intimidade e ausentes de divisão hierárquica e de poder. No entanto, apesar do efeito de evidência que funciona no laço familiar enunciado e defendido, que aproxima e busca igualar patroa e empregada, é importante assinalar os atravessamentos desiguais de classe, étnico-raciais e de gênero em jogo. Os laços afetivos que o sintagma enuncia reiteram o mito da cordialidade doméstica que projeta relações amistosas entre patrões e empregados, sustentando a matriz simbólica Casa Grande e Senzala, que estrutura significativa parte das relações desiguais de trabalho no Brasil. Almeida (2020, p. 50) defende o racismo como estruturante da sociedade, haja vista que ele se constitui como “uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional.” É pela força e pelo poder (sobretudo econômico), que se sobrepujam os direitos do outro, desconhecendo-os.

A discursividade que funda a formação do povo brasileiro é atravessada por narratividades em disputa. Uma delas é aquela que defende a miscigenação como algo positivo, na medida em que se apresentou como forma de enfrentamento aos princípios eugenistas. Já de outras perspectivas há questionamentos acerca desse ponto de vista, haja vista sua contraditória inscrição em perspectiva eurocêntrica, que apaga os conflitos e apresenta a miscigenação como processo não só pacífico como também natural. Florestan Fernandes, sociólogo brasileiro, cunha, na década de 60, o conceito de “mito da democracia racial”, colocando em causa a aparente harmonia nos processos históricos de formação da nossa sociedade. Fernandes (1965) aponta como dados numéricos e factuais materializam a histórica exclusão a que negros foram submetidos quando da implantação do trabalho formal no Brasil.

Sob a capa da democracia racial, reiterada como mito, produz-se, como efeito, o apagamento das diferenças raciais entre empregadas negras e patrões brancos, diferenças que parecem sumir frente ao suposto laço familiar. O afeto incide no corpus como justificativa para o não-pagamento de salário, para o não-cumprimento das leis trabalhistas e a não formalização do vínculo empregatício; para a diluição das fronteiras público-privado e a inseparabilidade de vida e trabalho. Afeto formulado pelos “patrões”, diga-se de passagem, e que visa a isentá-los do crime cometido; afeto que se torna argumento para juízes invalidarem denúncias de escravização na sociedade contemporânea. Entre o campo do enunciado eal, que irrompe as práticas concretas, a assimetria traz à lume o encontro abrupto com a ordem do re, fazendo-nos perguntar sobre a ainda existência de trabalho escravo no Brasil contemporâneo, cujos direitos e deveres nas relações de trabalho estão formalmente legalizados (para alguns1) desde 19432.

A eficácia ideológica se marca na língua. No modo subjuntivo (SD1 como se fosse da família; SD3 como se fosse membro da família; SD6 como se fosse da família), o comparativo se assenta no terreno da possibilidade e da hipótese, fazendo trabalhar simultaneamente a afirmação e a negação: é quase da família, praticamente da família, assemelha-se a um ente familiar; ao mesmo tempo em que se refuta: não é da família, não participa do mesmo acesso a bens e direitos, não dispõe da mesma liberdade, não recebe herança. A comparação entre um e outro, apesar de aproximar, não iguala. Como efeito, joga-se com aproximação e distância, a partir de uma construção sintática esquiva que ora aproxima aqueles que escravizam de quem é escravizado, ora os distancia, a depender do que está em jogo e da posição assumida: se é a justificativa para o crime cometido (é da família, logo não precisa de direitos trabalhistas), se é o direito de bens e posse como qualquer membro familiar teria (não é da família, logo não possui qualquer direito econômico). A aproximação e a distância dependem da posição sujeito que se inscreve no enunciado “como se fosse”, jogo ideológico que enreda os sujeitos pela trama da língua.

Os sintagmas verbais “como se fosse” (SD1), “acolhida pela” (SD2) e “a considerava” (SD5) têm a família como agente e a trabalhadora escravizada como objeto do suposto laço que emanaria da entidade familiar. Para além disso, as formas verbais no subjuntivo, conforme já referido, ocupam o lugar do que deveria ser de caráter assertivo, ao mesmo tempo em que autorizam uma inversão no trajeto de leitura/interpretação: se elas fossem, de fato, da família, não estariam submetidas à condição de trabalhadoras escravizadas, sob condições degradantes.

A língua, mobilizada pelas/nas tramas do funcionamento ideológico, constituído pela contradição, vai dando a ver os equívocos que permeiam a tentativa de significar a escravização. Na SD4, aqueles que praticavam o crime de escravização são designados como “empregadores”, mas são empregadores que afirmam que “os serviços domésticos não eram trabalho”. Do mesmo modo, na SD5, descreve-se que a “ex-patroa” não pagava o salário. Para expor o efeito contraditório, perguntamos: se não era trabalho, por que são nomeados como empregadores? Se não pagava salário, por que é nomeada como patroa? Nas SDs 3 e 6 afirma-se que “a empregada” e “a empregada doméstica” viveu/era “como se fosse da família”. Se são da família, por que a nomeação “empregada”? A contradição vai materializando-se na língua produzindo equívocos; tentativas escorregadias de lidar com o real do acontecimento.

Nosso gesto de análise aponta para uma reconfiguração das fronteiras que supostamente deslocam o sujeito do trabalho para o âmbito do espaço familiar. Tal deslocamento é tecido na ordem da língua, pela repetibilidade das estruturas comparativo-condicionais. Contudo, na ordem do real, os limites continuam devidamente postos, basta nos lembrarmos, aqui, do espanto da personagem Val, interpretada por Regina Casé, em “Que horas ela volta”3, ao ver sua filha desfrutando da piscina dos patrões, na companhia do filho da casa e dos amigos dele. A ordem desesperada da mãe “- Sai daí, menina, esse lugar não é pra você!”, expõe a visibilidade da fronteira simbólica entre classes e o engodo do enunciável “como se fosse da família”.

Tal desencontro entre a ordem do real e a ordem da língua só é opacificado e sedimentado pelo efeito de simulacro, o qual é sustentado pelo fato de que “uma ideologia é não-idêntica a si mesma, ela não existe a não ser sob a modalidade da divisão; ela não se realiza senão dentro da contradição que com ela organiza a unidade e a luta dos contrários” (Pêcheux, 1977, p. 8). Neste funcionamento específico, fluidez e indefinição sustentam o simulacro, como efeito de verdade que refuta a ordem do trabalho e reivindica a relação familiar. O processo de desintagmatização, que alcança o processo discursivo, põe à mostra esse funcionamento, tornando possível que se apresente a nós um sujeito no limbo: nem amparado por uma família por laços de pertencimento, nem amparado pela legislação trabalhista. Tampouco pode ser o sujeito da escravidão, dada a inexistência jurídica desse regime. A letra da lei, em sua tentativa de dizer esse real que é incontornável, formula o sujeito submetido a “condições de trabalho análogas à escravidão”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões feitas até aqui nos levam a problematizar a condição de exploração de pretas e pardas, contemporaneamente, como espaço simbólico no entremeio Casa Grande-Senzala, no qual resta indistinto o estatuto do trabalho e o da escravização. Imbricadas, as duas práticas se recobrem, consolidando-se, de fato, como escravização, ao mesmo tempo que enunciadas enquanto trabalho. Na esfera da enunciação, os sentidos do primeiro significante são interditados, ao mesmo tempo em que os do segundo não encontram respaldo legal. Os operadores jurídicos escamoteiam a contradição e formulam “trabalho análogo à escravidão”, enquanto os patrões suturam a ordem do dizer com o enunciado “ela é como se fosse da família”. Assim dizendo, produzem resguardo para os direitos de propriedade, ao mesmo tempo que para os de posse.

O jogo que implode a pressuposta unicidade do significante faz ver a divisão de dois mundos em um só (Pêcheux, 1980). Equívoca, a palavra é “ao mesmo tempo ela mesma e uma outra” (Milner, 2012, p. 17). No encontro da materialidade linguística com a história, pelo sintagma “como se fosse da família”, o crime é negado ao mesmo tempo em que são afirmados laços afetivos. Laços estes que não contam com respaldo jurídico, pois se trata de alguém que não carrega o nome da família, tampouco tem direito à proteção básica que filhos usualmente têm, muito menos direito de herança, conforme já referido. O significante trabalho análogo à escravidão, embora juridicamente formulado, também se situa na ordem do equívoco. Sua condição de “análogo a” contorna-o como “afim, parecido, semelhante, aproximado, similar, próximo, equivalente, correspondente...” Como se fosse?

O campo do indiscernível é ocupado por representações que fazem parte de uma conformação imaginária com assentamento e sustentação em um domínio de memória ideologicamente produzido. Um tecido da memória, nos termos de Courtine (2006), que apresenta ranhuras, desgastes, esgarçamentos. Uma série de práticas de subordinação/animalização de um ser humano por outro; práticas estas que não necessariamente desaparecem ante o acontecimento histórico-discursivo da abolição da escravatura. Memória que necessita ser lida “(n)a condição do legível em relação ao próprio legível” (Pêcheux, 1999, p. 52). A série de práticas próprias do trabalho não reconhecido como forma jurídica, com as devidas contrapartidas, não ruiu completamente sob o peso do acontecimento discursivo novo; a memória não absorveu completamente o acontecimento da escravidão. Tais práticas reaparecem, produzindo um efeito de retorno à memória que se acreditava jazia sepultada.

Contudo, esse retorno, opacificado pelo funcionamento de simulacro, permanece produzindo seus efeitos em uma sociedade na qual a divisão pela ordem do trabalho insiste em manter alguns (quantos) fora de qualquer enquadramento. Consideremos o argumento do afeto que sustenta a negativa da acusação aos infratores de parte do desembargador do estado de Santa Catarina, acusado de promover trabalho análogo à escravidão, quando este se refere à pessoa “tida como vítima.” A estrutura sintática, que se repete, corrobora a vileza humana. As palavras, não-aleatoriamente ditas, marcam posição, não são neutras, e à mulher considerada “da família” é negado o reconhecimento de vítima: “é como se fosse”.

REFERÊNCIAS

  • ACHARD, P. (org.). Papel da memória. Tradução de José Horta Nunes. Campinas: Pontes, 2015.
  • ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2020.
  • ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Tradução de J. J. Moura Ramos. Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1974.
  • BRASIL. Decreto-lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e normas correlatas. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017.
  • BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
  • COURTINE, J-J. O tecido da memória: algumas perspectivas de trabalho histórico nas ciências da linguagem. Polifonia, [S. l.], v. 12, n. 12(2), 2006. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/1067 Acesso em 11 nov. 2024.
    » https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/1067
  • COURTINE, J-J. O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento na enunciação do discurso político. Tradução de Marne Rodrigues de Rodrigues. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (Orgs.). Os múltiplos territórios da análise do discurso. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999. p.15-22.
  • ERNEST A. et al. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32): efeitos de simulação no discurso político on-line. Cad. Letras UFF, Niterói, v. 30, n. 59, p. 115-132, 2019.
  • FERNANDES, F. A integração do Negro na sociedade de classes. 2 v. São Paulo: Dominus, 1965.
  • GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020. p. 139-150.
  • KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
  • MILNER, J-C. O amor da língua. Tradução e notas de Paulo Sérgio de Souza Júnior. Campinas: Ed. da Unicamp, 2012.
  • MUYLAERT, A. (dir.; prod.) Que horas ela volta. Rio de Janeiro: África Filmes; Globo Filmes. 2015.
  • PÊCHEUX, M. Remontémonos de Foucault a Spinoza. México: Nueva Imagen, 1977.
  • PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Ed. da Unicamp, 1988.
  • PÊCHEUX, M. O papel da memória. In: ACHARD, Pierre et. al. Papel da memória. Campinas: Pontes, 1999. p. 49-58.
  • PÊCHEUX, M. Abertura do colóquio. In: CONEIN, B. et al. (org). Materialidades discursivas. Campinas: Ed. da Unicamp, 2016. p. 17-29.
  • PÊCHEUX, M. Remontons de Foucault à Spinoza. In: TOLEDO, M. (org). El discurso político. México. Nueva Imagen, 1980. p. 181-200.
  • VERÍSSIMO, Érico. Caminhos cruzados. Porto Alegre: Ed. Globo, 1982 [1934].

NOTÍCIAS

  • 1
    É importante lembrar que a consolidação dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas só se deu com a Ementa Constitucional n.º 72, em 2013.
  • 2
    Tomamos como acontecimento de referência, a aprovação da Consolidação das leis do Trabalho (CLT).
  • 3
    Filme brasileiro de 2015, escrito e dirigido por Anna Muylaert.
  • Editor de Seção:
    Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2024
  • Aceito
    19 Jun 2025
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