Open-access ESTEREÓTIPOS NO DISCURSO INDÍGENA BRASILEIRO SOBRE A QUESTÃO AMBIENTAL: UMA RESPOSTA AO DISCURSO COLONIAL

STEREOTYPES IN BRAZILIAN INDIGENOUS DISCOURSE ON THE ENVIRONMENTAL ISSUE: A RESPONSE TO THE COLONIAL DISCOURSE

ESTEREOTIPOS EN EL DISCURSO INDÍGENA BRASILEÑO SOBRE LA CUESTIÓN AMBIENTAL: UNA RESPUESTA AL DISCURSO COLONIAL

Resumo

Neste trabalho, seguindo postulados da Análise do Discurso de linha francesa, analisa-se o discurso de representantes de povos indígenas brasileiros sobre a questão ambiental. Para tanto, investiga-se o papel de certos estereótipos no funcionamento desse discurso, adotando a perspectiva da decolonialidade, que rechaça a adoção de valores ocidentais como parâmetros de recepção de outras culturas. A análise revela que estereótipos tradicionais de indígenas são ressignificados, na medida em que são valorizados, e que essa ressignificação se constrói a partir de um claro contraste com a cultura do homem branco - retratado de modo estereotipado como frio, desumanizado e associado a práticas predatórias e de violência. Por fim, a análise constata que o discurso indígena sobre a questão ambiental refuta os discursos que subjugam os povos originários e que desqualificam sua cultura.

Palavras-chave:
Análise do Discurso; Discurso indígena; Estereótipos; Decolonialidade

Abstract

In this study, we follow the principles of French Discourse Analysis to examine the discourse of representatives of Brazilian Indigenous peoples on environmental issues. We investigate how certain stereotypes operate within this discourse, adopting the perspective of decoloniality, which rejects using Western values as parameters for interpreting other cultures. The analysis identifies how Indigenous peoples redefine traditional stereotypes by valuing them and contrasts these redefinitions with the culture of white people-stereotyped as cold, dehumanized, and linked to predatory and violent practices. Finally, the analysis highlights how Indigenous discourse on environmental issues challenges narratives that subjugate Indigenous peoples and discredit their culture.

Keywords:
Discourse Analysis; Indigenous discourse; Stereotypes; Decoloniality

Resumen

En este trabajo, siguiendo los postulados del Análisis del Discurso de orientación francesa, se analiza el discurso de representantes de pueblos indígenas brasileños sobre la cuestión ambiental. Para ello, se investiga el papel de ciertos estereotipos en el funcionamiento de dicho discurso, adoptando la perspectiva de la decolonialidad, que rechaza la adopción de valores occidentales como parámetros para la recepción de otras culturas. El análisis revela que los estereotipos tradicionales sobre los indígenas son resignificados en la medida en que son valorizados, y que esta resignificación se construye a partir de un claro contraste con la cultura del hombre blanco, retratado de manera estereotipada como frío, deshumanizado y asociado a prácticas depredadoras y de violencia. Por último, el análisis muestra que el discurso indígena sobre la cuestión ambiental refuta los discursos que subyugan a los pueblos originarios y descalifican su cultura.

Palabras clave:
Análisis del Discurso; Discurso indígena; Estereotipos; Decolonialidad

1 INTRODUÇÃO

Considerando tanto a complexidade quanto a relevância social da questão indígena na contemporaneidade, especialmente no que diz respeito ao contexto brasileiro, pretendemos contribuir, neste trabalho, com os estudos que tratam do discurso indígena, a fim de compreender melhor suas demandas1. Para tanto, com base nos postulados teóricos da Análise do Discurso de linha francesa (AD, doravante), analisamos aspectos do discurso dos próprios indígenas brasileiros sobre um dos temas que lhes é bastante caro - a questão ambiental -, procurando evidenciar certas regularidades. Mais exatamente, tratamos de refletir sobre o papel de certos estereótipos no funcionamento desse discurso, considerando, inclusive, teses da Psicologia Social, principal área de estudos sobre os estereótipos.

Além disso, procuramos nos alinhar aos chamados estudos decoloniais. Em linhas gerais, trata-se de uma perspectiva comprometida com a revisão das influências do processo de colonização de diversas partes do mundo - com destaque ao continente americano, por parte dos europeus -, um processo que toma a Europa como parâmetro de avaliação para todas as outras sociedades. Assim, com o propósito de não reproduzir valores relativos aos discursos que contribuíram (e contribuem) para que indígenas fossem (e ainda sejam) relegados à condição de subalternidade, a decolonialidade reconhece a relevância dos saberes e das práticas dos diversos povos originários e trata de compreendê-los a partir de sua própria emergência, sem adotar o filtro da sociedade ocidental. A respeito do último aspecto, observamos que a noção de “ocidente” está ancorada na negação daquilo que lhe é exterior. Quanto a isso, Hall (2016, p. 316, grifos nossos) afirma:

O conceito ou ideia de “Ocidente” pode ser compreendido das seguintes formas, segundo seu funcionamento: Primeiramente, ele nos permite caracterizar e classificar sociedades em diferentes categorias, como “ocidentais” e “não ocidentais” [...]. Em segundo lugar, é uma imagem, ou um conjunto de imagens [...]. Em terceiro lugar, ele fornece um padrão ou modelo de comparação, permitindo-nos comparar até que ponto sociedades diferentes se parecem ou se diferenciam uma em relação à outra. Sociedades não ocidentais podem ser denominadas como “próximas” ou “muito distantes” do Ocidente ou, até mesmo, “em vias de” se ocidentalizar. O conceito, então, nos auxilia a explicar a diferença. Em quarto lugar, ele nos possibilita elaborar critérios de avaliação contra os quais outras sociedades são classificadas e em torno de quais sentimentos positivos e negativos se acumulam. [...] Resumidamente, ele funciona como uma ideologia.

Conforme verificamos ao longo deste artigo, é justamente essa ideologia que se encontra no processo de emergência dos estereótipos negativos a que os indígenas são costumeiramente associados e que respalda(ra)m as práticas de exploração de tais povos e/ou dos territórios que ocupa(va)m.

Assim, com o intuito de contribuir com os estudos que intentam superar as heranças coloniais, decidimos analisar o discurso dos próprios indígenas, como uma forma de destacar sua voz. Para tanto, optamos por trabalhar com produções relativas a autores indígenas brasileiros reconhecidos pelos próprios indígenas como seus representantes.

Quanto ao tema abordado pelos autores indígenas, destacamos que suas reivindicações em prol do meio ambiente emergem como uma questão mais ampla a que atribuem um caráter de urgência, daí nosso interesse pela temática. Mais exatamente, a necessidade de proteção da natureza não se apresenta como uma demanda particular no discurso indígena, mas como algo de interesse de toda a humanidade. Podemos dizer, então, que se trata de um discurso que se apresenta como uma espécie de mensagem de alerta, dirigida ao “homem branco”2, quanto a um provável e iminente “fim do mundo”, ou a “queda do céu”, nos termos de Kopenawa e Albert (2015), caso o processo de degradação do meio ambiente não seja freado.

No tratamento desse discurso, procuramos não só identificar os estereótipos de que se vale em sua constituição, mas também verificar como dialoga com os discursos que colabora(ra)m para associar imagens negativas aos povos indígenas. A respeito do último aspecto lembramos que, do ponto de vista da AD, um discurso nunca nasce de “[...] algum retorno às próprias coisas, a bom senso, etc., mas de um trabalho sobre outros discursos” (Maingueneau, 1989, p. 120, grifos do autor), daí a necessidade de considerarmos as relações que estabelecem entre si, a fim de apreendermos adequadamente os valores que promovem.

Tendo em vista nossos objetivos, dialogamos com trabalhos que não são atravessados pelo discurso colonial, como o de Orlandi (1990), que versa sobre discursos que abordam o contato entre o europeu e o brasileiro e entre a sociedade ocidental e os povos indígenas brasileiros. Em sua análise, a autora utiliza a noção de “silenciamento”, que é justamente a forma pela qual o discurso colonial lidou com os discursos indígenas, ou seja, calando sua voz. Conforme observa a autora, tanto nas práticas religiosas (catequese) quanto nas de política social (indigenismo) e nas de conhecimento (ciência) centradas nos grupos indígenas, sempre houve pessoas externas a essas comunidades que falavam e decidiam por elas, que as representavam, num processo contínuo de dominação sem espaço para a manifestação de seu discurso. Ainda segundo a autora, silenciar dizeres é uma forma de produção de sentidos que, como no caso em questão, pode reforçar um discurso dominante.

No que diz respeito à montagem do corpus, para garantir a representatividade do discurso indígena, elegemos três publicações recentes de dois renomados autores indígenas brasileiros, Ailton Krenak3 e Davi Kopenawa Yanomami4. As publicações selecionadas são: Ideias para adiar o fim do mundo (2019) e A vida não é útil (2020), de Ailton Krenak, e A queda do céu: palavras de um xamã yanomami (2015), de Davi Kopenawa Yanomami e Bruce Albert. Um traço comum de ambos - daí nosso interesse - é serem reconhecidos, tanto em suas comunidades como nos espaços do homem branco, como líderes legítimos da causa indígena, a respeito da qual são chamados a falar em universidades, em programas jornalísticos, em instituições político-governamentais etc.5

Os dois livros de Krenak, diagramados no padrão livro de bolso, foram elaborados a partir da transcrição e da adaptação de palestras realizadas por ele e, posteriormente, condensadas e organizadas de acordo como uma sucessão de temas que remontam a uma ideia também presente no livro de Kopenawa, a saber: o fato de que o mundo, ou o que chama de a “Terra-floresta”, entendida, em linhas gerais, como toda a vida no planeta, corre o risco de findar.

A obra de Kopenawa, por sua vez, conta com a colaboração do antropólogo francês Bruce Albert. Produto dos relatos e das gravações realizadas a partir da convivência entre indígena e antropólogo, a publicação é constituída de mais de 700 páginas, com fotografias do pesquisador e desenhos feitos pelo indígena.

Diante do exposto, destacamos que os textos que compõem o corpus consistem em “retextualizações”6 (cf. Marcuschi, 2001) de discursos indígenas que foram produzidos de modo oral e transformados, posteriormente, em literatura etnobiográfica.

Quanto à organização do artigo, abordamos primeiramente os estereótipos tradicionalmente associados aos indígenas, suas condições de produção e os papéis ideológicos a eles vinculados. Em seguida, analisamos como esses estereótipos são ressignificados no corpus, com valores distintos. Posteriormente, discutimos os estereótipos do homem branco presentes no discurso indígena. Por fim, avaliamos os resultados obtidos à luz de Orlandi (1990), para evidenciar certos aspectos do funcionamento do discurso indígena.

2 ESTEREÓTIPOS SOBRE INDÍGENAS

De acordo com Amossy e Pierrot (2022), estereótipos são formas de conhecimento sobre indivíduos, tomados de modo coletivo, por meio das quais os indivíduos filtram a realidade do entorno. Mais exatamente, são representações estabilizadas que se formam numa cultura específica, no interior da qual são compartilhadas. No âmbito da Psicologia Social, o caráter negativo de certos estereótipos está vinculado a processos de categorização e de generalização do real, que, pela simplificação, acabam produzindo uma visão esquemática e deformada que favorece a emergência de preconceitos7.

No caso de pessoas indígenas, o conteúdo das representações costuma recuperar elementos diversos de suas culturas e de suas práticas (por exemplo: elementos de suas vestimentas, tais como cocar, colar, penas, ou ainda objetos como arco e flecha etc.). Além disso, pela associação com a natureza, seu modo de vida recebe uma avaliação negativa, sendo tomado como sinônimo de preguiça8, de atraso, de falta de civilidade e até de selvageria.

Quanto a essa avaliação negativa, podemos dizer que a população não-indígena, concentrada nos grandes centros urbanos, costuma tomar aquilo que não é próprio ao mundo urbano como algo pitoresco, atrasado, exótico e, na versão mais extrema, como selvagem. Não é raro notarmos que valores assim também caracterizam os estereótipos associados aos indígenas, certamente por terem um modo de vida associado às florestas, que simbolizam uma natureza menos acessível, logo, menos modificada pelo ser humano.

Para compreendermos a emergência das imagens negativas associadas aos indígenas, reportamo-nos a Totem e Tabu, a chamada obra “antropológica” de Freud9, em que o autor analisa o comportamento de povos aborígenes australianos10. O estudo, polêmico ainda hoje, serve como exemplo da visão evolucionista das sociedades humanas no processo de desenvolvimento das ciências sociais. Assim, independentemente de outros conteúdos relativos à publicação, podemos recuperar daí a ideia - ainda persistente em alguns meios - de que haveria um processo natural e escalonado de evolução esperado para uma sociedade e de que, em algum momento, ela deveria atingir um status mais elevado, igual ao que corresponde ao modus occidentalis, que representa a medida padrão para todas as demais sociedades. Quanto a essa visão, recordemos que, conforme esclarece Hall (2016), o ocidente é, de fato, um conceito poderoso que serve de parâmetro para a categorização de outras sociedades. Por isso, todo aquele que lhe é exterior, como é o caso dos indígenas, quase sempre recebe algum tipo de avaliação negativa.

Assim, podemos dizer que os estereótipos associados aos indígenas estão vinculados a seu suposto atraso em relação às sociedades europeias. A valorização dessas sociedades, embora também compreenda diversos hábitos e comportamentos, está frequentemente associada à complexidade das técnicas e dos instrumentos de suas práticas, a que se vincula uma suposta superioridade cognitiva.

Quanto aos estereótipos relativos aos indígenas, não podemos deixar de associá-los ao dispositivo colonialista11, que, baseado na suposta superioridade do homem branco europeu, considerava que os povos indígenas estavam “[...] numa situação natural de inferioridade, e consequentemente também seus traços fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais” (Quijano, 2005, p. 118), ou seja, o discurso colonialista rebaixa a identidade indígena em seus mais diversos aspectos (constituição física, práticas e valores culturais, modo de vida etc.).

A respeito do dispositivo colonialista, Mancini e Troquez afirmam que,

sob a ótica etnocêntrica do europeu conquistador, os índios foram considerados como “selvagens”, “primitivos”, “gente da terra” que, “pacificados”, podiam ser aproveitados no seu intuito de explorar as riquezas do “sertão”, inclusive, a “farta” mão-de-obra escrava que representavam (2009, p. 187-8).

Com efeito, o reconhecimento de que estereótipos associados a povos originários serviram a propósitos colonialistas está registrado em diversos trabalhos. Hanson e Rouse (1987), ao investigar representações sobre indígenas nos Estados Unidos no final do século passado, retomam pesquisas anteriores sobre esses estereótipos em outras épocas. Destacam que o conteúdo dessas representações, fosse positivo ou negativo - geralmente negativo -, sempre atendeu aos interesses da expansão colonial. Nas palavras dos autores:

Quer vistos através das lentes do Puritanismo, do Naturalismo Romântico, do Ideal Agrário, do Imperialismo ou do Ambientalismo, as percepções dos índios como ignóbeis, nobres ou algo entre esses valores eram ideologias que foram funcionalmente ajustadas aos planos e necessidades da Europa colonial e dos Estados Unidos. Por exemplo, em Puritans, Indians e Manifest Destiny, Segal e Stinebackl demonstram como a visão puritana dos indígenas como um povo que era moral e espiritualmente inferior, vivendo num “deserto” fora do domínio de Deus e da civilização, serviu para justificar a expansão econômica das colônias da Nova Inglaterra e a expropriação de terras indígenas. John Cotton, um ministro puritano da década de 1630, professou uma crença comum relativa à tomada das terras indígenas: “Numa terra vazia, aquele que dela tomar posse e lhe conferir cultura e criação, tem seu direito” (Hanson; Rouse, 1987, p. 35; grifos nossos).

Conforme podemos notar, o dispositivo colonialista atravessou vários discursos (Puritanismo, Naturalismo Romântico, Imperialismo Ambientalismo etc.), promovendo imagens degradantes dos indígenas, em função de seus propósitos expansionistas. De acordo com Amossy e Pierrot (2022), imagens assim se vinculam à categoria dos estereótipos desvalorizantes. Tratando de caracterizar a função desse tipo de estereótipo, as autoras afirmam que

[...] o estereótipo desvalorizante aparece como um instrumento de legitimação em diversas situações de dominação. Não é só quando há competição e conflito que a imagem depreciativa do outro cumpre funções importantes, mas também nos casos de subordinação de um grupo étnico ou nacional a outro (Amossy; Pierrot, 2022, p. 53; grifos nossos).

Conforme observam as autoras, os estereótipos tradicionais imputados a indígenas, perpetuando o dispositivo colonialista, continuam a justificar a posição hierarquicamente inferior que esses povos ocupam em sociedades como a nossa. No âmbito da Psicologia Social, a Teoria da Justificação do Sistema (cf. Jost; Banaji, 1994) alerta para a existência de estereótipos que cumprem justamente a função de dar suporte a algum sistema que se baseie na separação de pessoas em papéis, classes, posições, status, a fim de legitimar o próprio sistema, com a(s) hierarquia(s) que promove. Ainda que não se aplique a todos os estereótipos, a teoria em questão nos alerta para a existência de estereótipos que colaboram para que certas diferenças sociais pareçam legítimas e até mesmo naturais. Desse modo, podemos dizer que os estereótipos desvalorizantes associados aos indígenas não só sustentaram o dispositivo colonialista, como ainda hoje contribuem para sua subjugação.

Feitas essas observações sobre os estereótipos tradicionalmente associados aos indígenas, passamos a tratar do funcionamento do discurso indígena. Conforme verificamos, esse discurso também associa os indígenas a aspectos de seu modo de vida, a suas práticas, à sua cultura. Assim, no discurso em análise, é comum encontrarmos menção a elementos tipicamente associados à cultura indígena, tais como armamento (arco, flecha) e aspectos de sua vestimenta (penachos, miçangas, cocares), conforme ocorre nos excertos (1) e (2):

(1) Seus braços são enfeitados com muitos penachos de penas de papagaio e caudais de arara fincadas em braçadeiras de belas miçangas lisas e coloridas, com muitas e muitas caudas de tucano e despojos multicolores de pássaros wisawisama si pendurados (Kopenawa; Albert, 2015, p. 112; grifos nossos).

(2) Depois começamos a cercar o acampamento dos brancos, com os arcos retesados, prontos para disparar nossas flechas (Kopenawa; Albert, 2015, p.338; grifos nossos).

Nesse discurso, observamos que essa associação não recebe nenhum tipo de avaliação negativa, ou seja, não são apresentadas como práticas “primitivas” ou “rudimentares” etc. Pelo contrário, tanto seu modo de vida quanto essas formas são valorizados. Nos excertos apresentados, isso pode ser notado por meio do léxico que conota valores positivos, como beleza (“enfeitados”, “belas”), cores (“coloridas”, “multicolores”), eficiência (“prontos”). Posteriormente, vamos verificar que as práticas indígenas são tidas como modelo de conduta para garantir a preservação ambiental.

Além disso, conforme podemos notar no excerto (3), é muito comum haver relatos e explicações detalhadas de práticas xamânicas, o que não deixa de ser uma forma de valorizar a cultura indígena, estabelecendo um contraponto aos discursos que trata(va)m de silenciá-la:

(3) Aí os xapiri ficam empenhados em curar as doenças. Os espíritos cutia, cutiara e paca arrancam o mal fincado nas imagens dos humanos por seres maléficos. Os espíritos dos tucaninhos aroaroma koxi o picotam e os dos pássaros kusãrã si o despedaçam. Os espíritos dos girinos e dos sapos yoyo o resfriam em suas bocas. Os espíritos das mulheres das águas dançam enquanto embalam as crianças com febre e as banham com suas mãos delicadas, antes de os espíritos da noite as colocarem ao abrigo, na escuridão. [...] Então, todos os seus espíritos voltam para o peito do céu com seus espelhos, levando consigo todos os magníficos cantos dos quais têm tanto ciúme (Kopenawa; Albert, 2015, p. 177).

Neste excerto o enunciador do discurso indígena versa sobre os xapiris. Algumas vezes chamadas de “espíritos”, os xapiris são entidades que vêm aos xamãs pelo ritual da aspiração do pó de yãkoana. Eles podem assumir diversas formas (animais, plantas, seres humanos e outros elementos da natureza) e podem desempenhar várias funções, como colaborar com a caça e curar doenças, como relatado no excerto (“empenhados em curar as doenças”). Pelo léxico empregado, que diz respeito a verbos de ação, podemos dizer que as práticas em questão são apresentadas como práticas eficientes (“arrancam o mal”, “o picotam”, “o despedaçam”, “o resfriam”), o que combate a tese de que os indígenas são inferiores, incompetentes, preguiçosos etc. Além disso, como certos itens do léxico empregado também conotam delicadeza e brandura (“embalam crianças”, “mãos delicadas”, “as colocarem ao abrigo”), entendemos que esse discurso colabora para combater a ideia de que as práticas indígenas são sinônimo de selvageria e ferocidade.

Além da menção às práticas do xamanismo, há inúmeras referências à vida em contato direto com a natureza, que é sempre apresentada como uma prática harmônica, não predatória, conforme podemos notar no excerto (4):

(4) Nossos antepassados nunca tiveram a ideia de desmatar a floresta ou escavar a terra de modo desmedido. Só achavam que era bonita, e que devia permanecer assim para sempre. As palavras da ecologia, para eles, eram achar que Omama tinha criado a floresta para os humanos viverem nela sem maltratá-la. E só. Somos habitantes da floresta. Nascemos no centro da ecologia e lá crescemos. Ouvimos sua voz desde sempre, pois é a dos xapiri, que descem de suas serras e morros. É por isso que quando essas novas palavras dos brancos chegaram até nós, nós as entendemos imediatamente. Expliquei-as aos meus parentes e eles pensaram: “Haixopë! Muito bem! Os brancos chamam essas coisas de ecologia! Nós falamos de urihi, a terra-floresta, e também dos xapiri, pois sem eles, sem ecologia, a terra esquenta e permite que epidemias e seres maléficos se aproximem de nós!” (Kopenawa; Albert, 2015, p. 480; os grifos são nossos).

Conforme o excerto, os indígenas não só conhecem o discurso da natureza (“ouvimos sua voz desde sempre”) e são sensíveis a suas particularidades (“só achavam que era bonita”), como tratam de preservá-la (“nunca tiveram a ideia de desmatar a floresta ou escavar a terra de modo desmedido”; “para os humanos viverem nela sem maltratá-la”). Como os indígenas são habitantes da floresta, as “novas palavras” dos brancos sobre a ecologia são para eles um discurso já conhecido (“ouvimos sua voz desde sempre”), o que está vinculado a seu modo de vida (“nascemos no centro da ecologia e lá crescemos”) e que segue os preceitos de sua cosmovisão (“é a [voz] dos xapiri, que descem de suas serras e morros”). Por meio de excertos como esse, o discurso promove imagens positivas dos indígenas, retratados como sensíveis e detentores de conhecimento. Isso, como já mencionado, combate a ideia de que seriam perigosos, ignorantes ou simplórios, refutando quaisquer representações que pudessem justificar a intervenção do homem branco em suas práticas e modos de vida.

Outra forma de valorização da cultura indígena promovida pelo discurso indígena diz respeito às referências à sua ancestralidade. Neste trabalho, estamos empregando o termo para nos referirmos tanto às retomadas do discurso dos antepassados, quanto aos elementos da cultura que são, consequentemente, valorizados. Em AD, a associação entre um discurso e formulações anteriores é tratada nos termos de uma memória discursiva, conceito12 que remete às formulações que repetem, recusam e transformam outras formulações. Vejamos os excertos (5) e (6) a esse respeito:

(5) As diferentes narrativas indígenas sobre a origem da vida e nossa transformação aqui na Terra são memórias de quando éramos, por exemplo, peixes. Porque tem gente que era peixe, tem gente que era árvore antes de se imaginar humano. Todos nós já fomos alguma outra coisa antes de sermos pessoas - essa mensagem atravessa narrativas de nossos parentes Ainu, que vivem no norte do Japão e na Rússia, dos Guarani, dos Yanomami, dos parentes que vivem no Canadá e nos Estados Unidos. [...] Os ameríndios e todos os povos que têm memória ancestral carregam lembranças de antes de serem configurados como humanos (Krenak, 2020, p. 51-52).

(6) Suspender o céu é ampliar os horizontes de todos, não só dos humanos. Trata-se de uma memória, uma herança cultural do tempo em que nossos ancestrais estavam tão harmonizados com o ritmo da natureza que só precisavam trabalhar algumas horas do dia para proverem tudo que era preciso para viver (Krenak, 2020, p. 46).

No excerto (5), o enunciador do discurso indígena faz referência a povos originários de lugares distintos cuja memória ancestral é semelhante à sua. Além disso, alude às narrativas que consideram que a vida humana teria estágios anteriores, associando-a outras formas de vida (peixe, árvore), como se essas formas de vida se sucedessem. Já no excerto (6), o enunciador indígena faz uma discreta referência à suspensão do céu, isto é, à necessidade de salvar o meio ambiente, e relembra o modo de vida de seus ancestrais, que viviam em plena harmonia com a natureza, rejeitando, indiretamente, o modo de vida da cultura ocidental, no qual as pessoas dependem de longas jornadas de trabalho para sobreviverem. Logo, sua ancestralidade endossa o modo de viver tomado como conduta a ser seguida para evitar o processo de degradação ambiental que levará à extinção da vida, isto é, “a queda do céu”.

Então, podemos dizer que, no discurso indígena, práticas de sua cultura (seu modo de vida, suas práticas religiosas, seus conhecimentos etc.), longe de serem entendidas como formas de atraso, de falta de civilidade, são tomadas justamente como comportamentos e ideias a serem adotados para a manutenção da vida no planeta. Promovendo tais valores, conforme dito, entendemos que o discurso indígena não só reforça a memória discursiva de seus antepassados - na medida em que retoma algumas das narrativas indígenas sobre a origem da vida e outras formulações de seus ancestrais relativas, por exemplo, à queda do céu -, como, ao mesmo tempo, combate o discurso colonialista e os demais discursos que são atravessados por ele, uma vez que apresentam conteúdos contraditórios.

Além disso, observamos que as práticas indígenas valorizadas destacam as diferenças em relação aos homens brancos, seu estilo de vida e suas práticas. Essa distinção é evidenciada no excerto (7):

(7) Somos diferentes dos brancos e temos outro pensamento. Entre eles, quando morre um pai, seus filhos pensam, satisfeitos: “Vamos dividir as mercadorias e o dinheiro dele e ficar com tudo para nós!”. Os brancos não destroem os bens de seus defuntos, porque seu pensamento é cheio de esquecimento. Eu não diria ao meu filho “Quando eu morrer, fique com os machados, as panelas e os facões que eu juntei!”. Digo-lhe apenas: “Quando eu não estiver mais aqui, queime as minhas coisas e viva nesta floresta que eu deixo para você. Vá caçar e abrir roças nela, para alimentar seus filhos e netos. Só ela não vai morrer nunca!” (Kopenawa; Albert, 2015, p. 410).

Neste excerto, as práticas indígenas são claramente opostas às do homem branco: enquanto o legado do homem branco para seus descendentes é seu patrimônio material (“mercadorias e dinheiro”), o legado do indígena é a floresta e seu potencial (“nesta floresta que eu deixo para você. Vá caçar e abrir roças nela, para alimentar seus filhos e netos”). Para compreendermos melhor esse excerto, recuperamos um elemento do léxico yanomami relativo a uma de suas práticas fúnebres: a palavra matihi, que designa tanto “mercadorias” quanto adornos utilizados pelos yanomami em seus rituais reahu e serve ainda para designar os ossos de um membro do grupo a serem recolhidos da floresta depois de um processo em que o corpo é deixado isolado até que seja reduzido à ossada (cf. Kopenawa; Albert, 2015, p. 408). Posteriormente, esses ossos devem ser queimados, moídos e consumidos nos ritos reahu para “colocar em esquecimento” a memória do falecido. Considerando, então, essas práticas, podemos compreender o que significa, no discurso indígena, a proposição “o pensamento (do homem branco) é cheio de esquecimento”, a saber: as práticas do homem branco se apoiam em acúmulo de bens materiais e não naquilo que a floresta oferece e que é, na visão indígena, o que verdadeiramente importa. Por isso, o pensamento do homem branco é concebido como sendo repleto de coisas que deveriam ser descartadas.

Assim, como mencionado, o discurso indígena ressignifica os estereótipos tradicionais do grupo ao valorizar os elementos e práticas da cosmovisão indígena ligados a esses estereótipos. No processo, como evidenciado no excerto (7), a identidade indígena se delineia em contraposição à do homem branco, o que, a nosso ver, pode ser interpretado como uma resposta ao colonialismo, ao subverter a hierarquia que este promove, valorizando o indígena enquanto rebaixa o homem branco.

Essa diferença em relação aos elementos da cultura do homem branco se faz notar em outras passagens do livro, tais como nas reservas feitas pelo autor em relação à utilização de produtos feitos pelo homem branco, como ferramentas, roupas, bebidas, etc. Observemos os próximos excertos:

(8) O tempo de minha adolescência está muito distante agora. Contudo, ainda me lembro de que outrora me esforcei para parecer com os brancos, em vão. Escondi meus olhos atrás de óculos escuros e meus pés dentro de sapatos. Penteei o cabelo de lado e coloquei um relógio no braço. Aprendi a imitar o modo de falar deles. Mas isso não deu em nada de bom. Mesmo embrulhado dentro de uma bela camisa, dentro de mim eu continuava sendo um habitante da floresta! Por isso costumo repetir aos rapazes de nossa casa: “Talvez vocês estejam pensando em virar brancos um dia? Mas isso é pura mentira! Não fiquem achando que basta se esconder nas roupas deles e exibir algumas de suas mercadorias para se tornar um deles! Acreditar nisso só vai confundir seus pensamentos. Vocês vão acabar preferindo a cachaça às palavras da floresta. Suas mentes vão se obscurecer e, no final, vocês vão morrer por isso!”. É verdade (Kopenawa; Albert, 2015, p. 289-290).

(9) O que há para ser celebrado no fato de que podemos falar numa live para 3 mil ou 4 mil pessoas por um aparelhinho que é produto de uma civilização que está comendo a Terra para fazer brinquedos? (Krenak, 2020, p. 59-60).

No excerto (8) há menção a elementos da cultura do homem branco: as roupas, os óculos, o relógio, os sapatos, o modo de falar, etc. Esses elementos combinados dizem respeito à representação do homem branco pelo enunciador indígena. O enunciador relata que outrora se esforçou para parecer um homem branco, tentativa a que atribui um resultado ruim (“isso não deu em nada de bom”), daí sua preocupação em educar os jovens de sua comunidade contra essas práticas, que, como ele afirma mais ao final do excerto, podem levar à morte dos indígenas (“vocês vão morrer por isso”). Já no excerto (9), o enunciador associa a tecnologia (“falar numa live para 3 mil ou 4 mil pessoas por um aparelhinho”) à degradação do planeta (“comendo a Terra para fazer brinquedos”).

Isso posto, reforçamos a ideia de que, no discurso em análise, a ressignificação dos estereótipos relativos aos indígenas, que assumem valores positivos nesse discurso, vincula-se a um afastamento daquilo que está associado (valores, práticas) à cultura do homem branco. Mais precisamente, ao recorrer à imagem do indígena que vive em harmonia com a natureza, o enunciador indígena se distancia do homem branco, assumindo, ao mesmo tempo, uma posição privilegiada em seu discurso para tratar da preservação ambiental, devido ao conhecimento acumulado por meio de suas práticas.

3 ESTEREÓTIPOS DO “HOMEM BRANCO” NO DISCURSO INDÍGENA

Nesta seção analisamos outros estereótipos presentes no discurso em questão: os estereótipos do homem branco. Observamos que estes podem ser identificados, de modo especial (mas não exclusivo), em relatos do discurso do homem branco feitos pelo discurso indígena. A esse respeito, destacamos que não se trata exatamente de relatos do discurso do homem branco apresentados pelo discurso indígena, mas de um discurso atribuído ao homem branco no contexto do discurso indígena. Dito de outro modo: trata-se de uma simulação que o discurso indígena promove a respeito do discurso do homem branco.

Como se sabe, todo discurso relatado não deixa de ser uma simulação de um outro discurso, porque nunca dá conta de retomá-lo ou reproduzi-lo fielmente, por mais que se esforce para criar esse efeito. Porém, no caso em questão, o discurso indígena assume que se trata mesmo de um discurso provável, simulado. Nessa simulação, podemos identificar estereótipos não só sobre os indígenas (portanto, o que os homens brancos supostamente “pensam” dos indígenas, segundo os próprios indígenas), como também sobre o homem branco (portanto, o que os homens brancos projetam de si quando enunciam, segundo a visão dos indígenas). A seguir, apresentamos alguns excertos em que esses estereótipos estão presentes:

(10) Quando cheguei a Nova York, fiquei surpreso, pois aquela cidade parece um amontoado de montanhas de pedra onde os brancos vivem empilhados uns sobre os outros! [...] Disse a mim mesmo que aqueles brancos deviam ter construído suas casas como penhascos depois de terem derrubado todas as suas florestas e começado a fabricar, pela primeira vez, mercadorias em enormes quantidades. Com certeza pensaram: “Somos muitos, sabemos guerrear com valentia e temos muitas máquinas! Vamos construir casas gigantes para enchê-las de mercadorias que todos os outros povos vão cobiçar!” (Kopenawa; Albert, 2015, p. 430; grifos nossos).

(11) [...] Devem pensar: “Moram em nossa terra, mas são outra gente. Que vivam longe de nós, catando sua comida no chão, como cães! Nós, enquanto isso, vamos aumentar nossos bens e nossas armas, sozinhos!”. Fiquei assustado de ver aquilo! (Kopenawa; Albert, 2015, p. 431; grifos nossos).

(12) Os brancos de lá [Nova York] deviam detestá-los [os indígenas norte-americanos] tanto quanto nos odeiam os garimpeiros e fazendeiros no Brasil. Devem ter pensado: “Vamos acabar com esses índios sujos e preguiçosos! Vamos tomar o lugar deles nesta terra! Seremos os verdadeiros americanos, por que somos brancos! Somos mesmo espertos, trabalhadores e poderosos!” [...] Foi com esses pensamentos de mentira que começaram a fazer morrer as gentes da floresta, antes de roubarem sua terra e dar a ela um nome seu: América. É com as mesmas palavras que os garimpeiros e fazendeiros querem se livrar de nós no Brasil: “Os Yanomami são apenas seres da floresta, não são humanos! Pouco importa que morram, eles são inúteis e nós vamos trabalhar de verdade no lugar deles!” (Kopenawa; Albert, 2015, p. 433-434; grifos nossos).

Antes de tratarmos dos excertos, observamos que, em sua trajetória, Kopenawa viajou a vários lugares do mundo nos quais discursou sobre os problemas relacionados a seu povo, os Yanomami. Assim, com relação aos excertos, notamos que, ao narrar algumas dessas viagens, o enunciador indígena manifesta perplexidade tanto pelo tamanho das cidades como pelas desigualdades que nelas encontrou. No excerto (10), por exemplo, ele expressa três problemas que relaciona ao modo de viver do mundo do homem branco: (a) o grande número de pessoas nas cidades (“os brancos vivem empilhados uns sobre os outros”; “somos muitos”); (b) a busca pelos bens de consumo (as “mercadorias em enormes quantidades”); (c) o espírito beligerante (“sabemos guerrear com valentia”). Esses elementos estão combinados no trecho concernido pelas aspas em que o autor simula o que seria o discurso do homem branco (“com certeza pensaram”), no qual apresenta as motivações que, de seu ponto de vista, devem ter levado à constituição de grandes centros urbanos como a cidade de Nova York.

Em (11), por sua vez, o enunciador conta a surpresa que teve (“fiquei assustado de ver aquilo”), ao se deparar com pessoas em situação de grande vulnerabilidade13 nas ruas da cidade estadunidense. A parte destacada pelas aspas ressalta o que seria, para ele, o discurso do homem branco, isto é, daquele que não se importa com as pessoas carentes e que só pensa em aumentar seu estoque de armas e de bens de consumo.

Já em (12), a partir de uma visita a grupos de povos originários próximos da cidade de Nova York que estavam relegados a um pequeno trecho de terra infértil14, o enunciador indígena aproxima a ação do homem branco para com os indígenas nos Estados Unidos ao que acontece no Brasil, explicitando a imagem negativa que os homens brancos fazem dos indígenas, segundo os próprios indígenas. Isso se percebe quando afirma que os americanos deviam detestar os indígenas norte-americanos tanto quanto os garimpeiros e fazendeiros brasileiros “odeiam” os indígenas por aqui, ou ainda quando atribui ao homens branco um discurso racista e xenofóbico (“vamos acabar com esses índios sujos e preguiçosos”, “os Yanomami...não são humanos” “pouco importa que morram”, “eles são inúteis”).

Nos três recortes, o enunciador indígena caracteriza negativamente o homem branco ao revelar o que seria seu pensamento. Primeiramente, relata como o homem branco se considera superior em relação aos demais, com sua suposta capacidade de produzir bens de consumo e de impor sua vontade pela violência de uma guerra. Depois, menciona como é insensível às necessidades de seus semelhantes. Por fim, retrata como seu sentimento de superioridade está atrelado a práticas de discriminação e de violência (acabar com os indígenas, tomar suas terras). Diante do exposto, podemos dizer que, no discurso indígena em análise, o homem branco é uma figura claramente fria e desumanizada.

Figura 1
“O Homem branco”

Além disso, registramos que, no livro de Kopenawa e Albert (2015), há ilustrações que retratam os homens brancos e exibem alguns desses valores negativos atribuídos a eles, como podemos observar na Figura 1.

Considerando a ilustração apresentada na Figura 1, notamos que, para o enunciador indígena, o homem branco é, de fato, um ser hostil, já que está em posse de armas variadas (espingardas e facões), o que remete a práticas de violência. Quanto a isso, lembramos que as passagens mais marcantes da presença do homem branco na região habitada pelos Yanomami estão, em sua maioria, relacionadas a episódios de violência contra os indígenas, especialmente por parte de garimpeiros e madeireiros que invadem seu território. Assim, a ilustração pode ser tomada como forma de denunciar tais práticas.

No excerto a seguir, desta vez obtido da obra de Krenak, observamos que o enunciador indígena, ao retratar negativamente os homens brancos, contrasta sua identidade com a de um outro grupo formado por minorias (indígenas, caiçaras, quilombolas, aborígenes):

Considerando a ilustração apresentada na Figura 1, notamos que, para o enunciador indígena, o homem branco é, de fato, um ser hostil, já que está em posse de armas variadas (espingardas e facões), o que remete a práticas de violência. Quanto a isso, lembramos que as passagens mais marcantes da presença do homem branco na região habitada pelos Yanomami estão, em sua maioria, relacionadas a episódios de violência contra os indígenas, especialmente por parte de garimpeiros e madeireiros que invadem seu território. Assim, a ilustração pode ser tomada como forma de denunciar tais práticas.

No excerto a seguir, desta vez obtido da obra de Krenak, observamos que o enunciador indígena, ao retratar negativamente os homens brancos, contrasta sua identidade com a de um outro grupo formado por minorias (indígenas, caiçaras, quilombolas, aborígenes):

(13) Enquanto isso, a humanidade vai sendo descolada de uma maneira tão absoluta desse organismo que é a terra. Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, Ásia ou na América Latina. São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes - a sub-humanidade. [...] A organicidade dessa gente é uma coisa que incomoda, tanto que as corporações têm criado cada vez mais mecanismos para separar esses filhotes da terra de sua mãe. “Vamos separar esse negócio aí, gente e terra, essa bagunça. É melhor colocar um trator, um extrator na terra. Gente não, gente é uma confusão. E, principalmente, gente não está treinada para dominar esse recurso natural que é a terra”. (Krenak, 2019, p. 21-22).

No excerto (13), o enunciador estabelece a conexão direta da terra - entendida como um organismo vivo - com os povos originários; a menção se estende não apenas aos povos ameríndios, mas também a outras comunidades originárias ao redor do planeta. Notamos ainda que exclui os continentes da América do Norte e da Europa, símbolos do colonialismo e da industrialização, como lugares em que os grupos que “incomodam” o homem branco ainda conseguem viver “agarrados” à terra. Assim, como a topografia em que se constrói o discurso colonial compreende e Europa e suas extensões culturais, como Estados Unidos e Canadá, na América do Norte, o fato de não as mencionar15 pode ser compreendido como uma forma de rechaçar o discurso colonial, ou seja, podemos tomar esse silenciamento (conforme Orlandi, 1990) como uma oposição entre o discurso colonial e o discurso indígena.

No mesmo excerto, notamos ainda o emprego do substantivo “sub-humanidade” na qualidade de um aposto, isto é, um termo que retoma e resume os objetos de discurso listados (“caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes”), o que pode causar um certo estranhamento, porque se trata de um termo que não se alinha ao discurso indígena, embora não tenha sido marcado como exterior a ele, uma vez que não vem destacado por nenhum recurso gráfico. Do nosso ponto de vista, trata-se de um caso de discurso indireto livre16, em que o enunciador indígena, para dar a conhecer a perspectiva de seu Outro (discurso do homem branco de base colonialista), emprega uma palavra que seria facilmente identificável como própria desse outro discurso, como se fosse um termo de pertencimento, ou seja, uma palavra que permite identificar claramente um certo posicionamento ideológico. Como se sabe, por meio do discurso relatado em estilo indireto livre, o enunciador não só dá a conhecer a perspectiva do outro, mas também pode fazer uso de suas próprias palavras, justamente para caracterizar melhor esse outro discurso, o que dilui consideravelmente as fronteiras entre os discursos envolvidos - o que relata e o que é relatado. Assim, o emprego do termo “sub-humanidade” pode ser tomado como uma forma de sintetizar o pensamento do homem branco colonialista, de acordo com o qual os povos originários seriam, em seus termos, seres humanos de segunda classe, o que equivale a uma clara denúncia de racismo.

Ainda de acordo com o discurso em análise, enquanto o sujeito indígena vive em harmonia com a natureza, o homem branco está associado a práticas predatórias e é dotado de um caráter moralmente reprovável (ambição, ira, frieza), conforme podemos notar no seguinte excerto:

(14) Cada indivíduo dessa civilização que veio para saquear o mundo indígena é um agente ativo dessa predação [da Terra]. E estão crentes de que estão fazendo a coisa certa. Talvez o que incomode muito os brancos seja o fato de o povo indígena não admitir a propriedade privada como fundamento. É um princípio epistemológico. Os brancos saíram, num tempo muito antigo, do meio de nós. Conviveram com a gente, depois se esqueceram de quem eram e foram viver de outro jeito. Eles se agarraram às suas invenções, ferramentas, ciência e tecnologia, se extraviaram e saíram predando o planeta. Então, quando a gente se reencontra, há uma espécie de ira por termos permanecido fiéis a um caminho aqui na Terra que eles não conseguiram manter (Krenak, 2020, p. 114-115; o grifo é nosso).

No excerto (14) o discurso indígena polemiza com o discurso capitalista (“o fato de o povo indígena não admitir a propriedade privada como fundamento. É um princípio epistemológico”) e do progresso econômico, que é entendido como uma espécie de prolongamento das práticas coloniais (“Os brancos saíram, num tempo muito antigo, do meio de nós. Conviveram com a gente, depois se esqueceram de quem eram e foram viver de outro jeito. Eles se agarraram às suas invenções, ferramentas, ciência e tecnologia...”), caracterizando o homem branco de um modo claramente negativo: um saqueador, um predador (do planeta, dos indígenas), distante dos indígenas e do seu modo de ser. Essa imagem negativa também pode ser observada nos próximos excertos:

(15) Durante minhas viagens às distantes terras dos brancos, ouvi alguns deles declararem que nós, Yanomami, gostamos de guerra e passamos nosso tempo flechando uns aos outros. [...] É verdade, sim, que nossos antigos guerreavam, como os antigos dos brancos faziam naqueles tempos. Mas os deles eram muito mais perigosos e ferozes do que os nossos. Nós nunca nos matamos sem medida como eles fizeram. Não temos bombas que queimam todas as casas e os seus moradores junto (Kopenawa; Albert, 2015, p. 440; grifo nosso).

(16) Muito mais tarde, já adulto, comecei a me perguntar o que os brancos tinham vindo fazer em nossa floresta naquele tempo. Acabei entendendo que queriam conhecê-la para desenhar seus limites e, assim, poder se apoderar dela (Kopenawa; Albert, 2015, p. 235; grifo nosso).

(17) A floresta está viva, e é daí que vem sua beleza. [...] Os brancos talvez não ouçam seus lamentos [...] (Kopenawa; Albert, 2015, p. 468).

Considerando conjuntamente os excertos apresentados, podemos dizer que, no discurso indígena em análise, o homem branco é retratado como sendo perigoso e violento (15), mau caráter (16), insensível (17) etc. Ou seja, é caracterizado como alguém que está preocupado apenas com o acúmulo de riquezas e é indiferente às vidas a sua volta (vida de outros humanos e de outros seres vivos), o que não deixa de ser uma forma de reforçar estereótipos negativos associados ao dito “homem civilizado” que o associam costumeiramente a atitudes predatórias não só em relação ao meio ambiente, mas também em relação a outros seres humanos, especialmente aos que pertencem aos demais grupos.

Desse modo, notamos que essa imagem contrasta claramente com a do indígena, na medida em que está associada justamente aos valores que o discurso indígena combate: destruição da natureza, falta de harmonia (entre todos os seres, entre os seres humanos e a natureza, entre os diversos grupos humanos), ganância etc. De nosso ponto de vista, esse contraste tem, por efeito, ressaltar características positivas que o discurso indígena associa aos povos indígenas, dentre as quais sobressai a sensibilidade dos indígenas, especialmente perante a causa ambiental.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, verificamos que o discurso indígena sobre a questão ambiental reconfigura estereótipos que foram imputados aos indígenas pela perspectiva colonial, ressignificando-os com valores positivos. Como vimos, o modo de vida atrelado à natureza e alheio às tecnologias não é mais sinônimo de atraso, de ignorância nem de selvageria, mas é reverenciado, inclusive como condição sine qua non para a preservação ambiental. Simultaneamente, práticas associadas aos homens brancos, como “o progresso” e “a civilização”, são reprovadas e consideradas responsáveis pela desordem ambiental que coloca em risco a existência da vida no planeta.

Verificamos, também, que o discurso indígena retrata o homem branco de modo estereotipado, por meio da imagem do homem civilizado e frio, que está sempre em busca de riquezas, estabelecendo uma clara distinção entre a frieza do homem branco e a sensibilidade dos indígenas, especialmente em relação aos cuidados com a natureza. Ou seja, a ressignificação dos estereótipos relativos aos indígenas se formula a partir de diferenças com a cultura do homem branco.

Do nosso ponto de vista, esse é um dado relevante, que se coloca no prolongamento dos resultados apontados por Orlandi (1990). A autora, ao analisar discursos de representantes (indígenas) da época, afirma:

Em um primeiro momento [...] - eles [os indígenas] reconhecem as diferenças, mas [...] se veem predominantemente, através do branco e, logo, com vítimas dessa relação. Posteriormente [...] 1) eles procuram organizar sua relação com a cultura do branco e, em retorno, lidar melhor com a própria cultura; 2) formulam a diferença com a cultura do branco, visando a sua própria cultura [...] (Orlandi, 1990, p. 228-229; grifos nossos).

Nesses termos, notamos que a valorização da identidade do indígena (com a retomada de elementos de sua cultura, de sua ancestralidade etc.) ainda mantém, como pano de fundo, uma relação com as práticas do homem branco; no caso em análise, como verificado nos excertos apresentados, trata-se de uma relação claramente contrastiva. Entretanto, entendemos que esse contraste não se limita a auxiliar o indígena a tratar de sua própria identidade, conforme havia sido observado por Orlandi (1990), mas vai além, pois é a base para rechaçar as práticas e, como não poderia deixar de ser, a própria identidade do homem branco. Em outras palavras, não se trata mais de “formular a diferença com a cultura do branco, visando a sua própria cultura”, mas de formular a diferença com a cultura do branco, para contestar essa cultura, que, no discurso indígena, é considerada como o fator responsável pela degradação ambiental. Ou seja, aqui, a cultura do indígena contesta claramente a cultura do branco.

Com esses resultados, podemos dizer que o discurso indígena de alerta sobre o fim do mundo não deixa de ser um discurso que visa corrigir a conduta equivocada do homem branco, entendida como uma prática predatória ligada a uma grande falta de sensibilidade. É daí a tentativa de fazer com que o homem branco possa atentar-se para o que há à sua volta (a natureza, outros humanos, outros seres vivos, elementos do relevo, fenômenos climáticos etc.).

Por fim, articulando esses resultados com a tese da heterogeneidade discursiva (cf. Maingueneau, 1989), notamos que o discurso indígena refuta o discurso colonial, pois se constrói subvertendo os valores em que esse discurso se assenta, ou seja, atribuindo aos indígenas justamente o lugar discursivo contrário àquele a que tinham sido relegados. Dito de outro modo: aqueles que outrora foram catequizados assumem (e por que não?), no discurso em questão, o posto de “catequizadores”.

REFERÊNCIAS

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  • COURTINE, J-J. Quelques problèmes théoriques et méthodologiques en analyse du discours, à propos du discours communiste adressé aux chrétiens. Langages, Paris, n. 62 (Analyse du discours politique), 1981.
  • FERRARI JÚNIOR, J. Ethos e estereótipos no discurso dos povos originários sobre o fim do mundo: uma cosmopolítica decolonial. 2023. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) -Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), São José do Rio Preto, 2023
  • FREUD, S. Totem e tabu e outros trabalhos. Tradução Órizon Carneiro Muniz. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 13. Rio de Janeiro: Imago, 1996[1913-1914].
  • HALL, S. O ocidente e o resto: discurso e poder. Tradução Carla D’Elia. Projeto História, São Paulo, n. 56, p. 314-361, mai-ago, 2016[1996].
  • KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
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  • KRENAK, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
  • JOST, J. T.; BANAJI, M. R. (1994). The Role of Stereotyping in System-Justification and the Production of False Consciousness. British Journal of Social Psychology, v. 33, p. 1-27, 1994.
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  • HANSON, J. R.; ROUSE, L. P. Dimension of Native American Stereotyping. American Indian Culture and Research Journal, v. 11, n. 4, p. 33-58, 1987. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/22p8f0dw Acesso em: 28 nov. 2023.
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  • MANCINI, A. P. G.; TROQUEZ, M. C. C. Desconstruindo estereótipos: apontamentos em prol de uma prática educativa comprometida eticamente com a temática indígena. Tellus, ano 9, n. 16, p. 181-206, 2009.
  • MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.
  • MAINGUENEAU, D. Novas tendências em Análise do Discurso. Tradução Freda Indursky. Campinas: Pontes/Editora da UNICAMP, 1989.
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  • PAVEAU, M. A. Reencontrar a memória: percurso epistemológico e histórico. Tradução Carlos Piovezani Filho. Anais do II SEAD: Seminário de Estudos em Análise do Discurso, 2005. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/padrao_cms/documentos/nucleos/nad/PAVEAU%20-%20Reencontrar%20a%20Mem%C3%B3ria%20-%20Percurso%20epistemol%C3%B3gico%20e%20hist%C3%B3rico.pdf Acesso em: 7 abr. 2024.
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  • 1
    Para tanto, recuperamos alguns dos resultados apresentados por FERRARI JÚNIOR (2023), ampliando a reflexão sobre o papel de estereótipos no funcionamento do discurso indígena em análise.
  • 2
    Essa expressão é própria do discurso indígena em análise; doravante passa a ser empregada sem aspas.
  • 3
    As aldeias desse grupo estão na região do vale do Rio Doce, na divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo.
  • 4
    Os Yanomami são um povo indígena que habita a Floresta Amazônica, na região da fronteira entre o país e a Venezuela. Estima-se que essa região forma o maior território indígena brasileiro, com mais de 9,6 milhões de hectares.
  • 5
    Quanto aos autores, observamos que Ailton Krenak é ambientalista, filósofo, poeta e, desde janeiro de 2022, é membro da Academia Brasileira de Letras. É uma liderança indígena reconhecida desde a década de 1980, tendo participado, inclusive, da Constituinte de 1987. Davi Kopenawa Yanomami, por sua vez, também é uma liderança bastante reconhecida. Nas redes sociais de indígenas, de ativistas ou de pessoas que estão envolvidas com a causa indígena, podemos notar que tanto ele quanto o livro do autor que selecionamos para compor o corpus são referências constantes. Esse reconhecimento duplo pode ser tomado como um indício da relevância do corpus selecionado.
  • 6
    Resumidamente, trata-se do processo de produção de um novo texto a partir de um ou mais textos-base, o que pode incluir uma série complexa de transformações relativas a eventuais mudanças de gênero, de modalidade empregada (do oral para o escrito ou vice-versa), de registro verbal empregado etc.
  • 7
    Cf. Amossy e Pierrot (2022, p. 34-35).
  • 8
    A associação do índio à ociosidade pode ser observada, inclusive, em produções artísticas e culturais. A esse respeito, remetemo-nos à letra da canção Baila Comigo, de Rita Lee e Roberto de Carvalho: “[...] Se Deus quiser, um dia eu quero ser índio/Viver pelado, pintado de verde num eterno domingo/Ser um bicho preguiça e espantar turista [...]”.
  • 9
    Cf. Freud (1996).
  • 10
    Para o autor, os povos australianos seriam os mais “primitivos” dentre todos os demais povos originários, preservando o que considerava como os primeiros estágios de desenvolvimento das sociedades humanas.
  • 11
    Cf. Lisbôa (2019). No trabalho em questão, combinando as noções de “dispositivo” e de “genealogia” (de Foucault) com a de “colonialidade do poder” (cf. Quijano, 2005), Lisbôa concebe a complexidade do dito processo de “colonização” nos termos de um dispositivo no qual práticas sociais, políticas e econômicas da sociedade legitimam a eliminação física e simbólica dos povos originários.
  • 12
    O conceito de memória discursiva foi elaborado inicialmente por Courtine (1981). Como observa Paveau (2005, p. 2), a memória discursiva é um conceito que “[...] propõe, ao mesmo tempo, um desenvolvimento, um aprofundamento e quase uma alternativa àquela de formação discursiva, e que visa a ancorar a análise do discurso na história, integrando os tempos (curtos, médios ou longos) da memória no estudo da materialidade linguageira. A noção de ‘domínio de memória’, proveniente dos trabalhos de M. Foucault, permite proceder a uma arqueologia dos discursos e de remontar às ‘formulações-origens’ [...]”.
  • 13
    A leitura pode ser subentendida da expressão “viver catando comida no chão”.
  • 14
    A informação está no livro, mas não foi incluída no excerto por questões de espaço.
  • 15
    A esse respeito, conforme Orlandi (1990), lembramos que o silenciamento também produz sentidos.
  • 16
    Trata-se de um caso de heterogeneidade mostrada. Para uma apresentação mais detalhada de casos assim, sugerimos Maingueneau (1989).
  • Editor de Seção:
    Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2024
  • Aceito
    30 Nov 2024
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