Resumo
Este artigo analisa a multifuncionalidade do marcador discursivo então na Língua Brasileira de Sinais (Libras) em interações entre pessoas surdas. O arcabouço teórico do estudo fundamenta-se, principalmente, em trabalhos de Castilho, Fraser, Marcuschi, Quadros, Quadros et al., Risso, Risso et al. e Schiffrin. O corpus é composto por vídeos disponibilizados na internet pelo projeto Corpus de Libras, da Universidade Federal de Santa Catarina. Os resultados evidenciam que, além de atuar como marcador de resultado e conclusão, o então contribui para introduzir e desenvolver tópicos discursivos, prefaciar perguntas e respostas, atenuar recusas a convites e orientar a exposição de argumentos na interação.
Palavras-chave:
Língua Brasileira de Sinais; Marcadores Discursivos; Pessoas Surdas
Abstract
We analyze in this article the multifunctionality of the discourse marker então [then/so] in Língua Brasileira de Sinais [Brazilian Sign Language] (Libras) in interactions among deaf individuals. We primarily base this study on the theoretical contributions of Castilho, Fraser, Marcuschi, Quadros, Quadros et al., Risso, Risso et al., and Schiffrin. The corpus consists of videos available online through the Corpus de Libras [Libras Corpus] project, developed by the Federal University of Santa Catarina. The findings show that, in addition to functioning as a marker of result and conclusion, então also contributes to introducing and developing discourse topics, prefacing questions and answers, mitigating refusals to invitations, and guiding the presentation of arguments in interaction.
Keywords:
Brazilian Sign Language; Discourse Markers; Deaf Individuals
Resumen
Este artículo analiza la multifuncionalidad del marcador discursivo então en la Língua Brasileira de Sinais [Lengua de Señas Brasileña] (Libras) en interacciones entre personas sordas. El marco teórico del estudio se fundamenta principalmente en los trabajos de Castilho, Fraser, Marcuschi, Quadros, Quadros et al., Risso, Risso et al. y Schiffrin. El corpus está compuesto por videos disponibles en línea a través del proyecto Corpus de Libras, de la Universidad Federal de Santa Catarina. Los resultados evidencian que, además de actuar como marcador de resultado y conclusión, então también contribuye a introducir y desarrollar temas discursivos, introducir preguntas y respuestas, atenuar rechazos a invitaciones y orientar la exposición de argumentos en la interacción.
Palabras clave:
Lengua de Señas Brasileña; Marcadores Discursivos; Personas Sordas
1 INTRODUÇÃO
A língua de sinais (LS) é um sistema legítimo que possui “todas as características linguísticas de qualquer língua humana natural” (Gesser, 2009, p. 21). Contrariando a crença de ser limitada e simplificada, essa modalidade visuoespacial conta com recursos e estratégias sociointeracionais específicas, que demandam por estudo.
Nesse contexto, este artigo tem por objetivo analisar a multifuncionalidade do marcador discursivo (MD) então na Língua Brasileira de Sinais (Libras) em interações entre pessoas surdas. Embora os estudos de Libras tenham crescido significativamente nos últimos anos, o campo dedicado ao tratamento dos MDs ainda se encontra em fase de desenvolvimento, configurando uma área com grande potencial a ser explorado. Esse cenário motivou a realização de extensivo levantamento bibliográfico, que revelou uma lacuna nas pesquisas direcionadas especificamente ao emprego do MD então em Libras. Diante disso, este trabalho busca ampliar a compreensão desse mecanismo e dos papéis que desempenha nas interações sinalizadas. Cabe salientar que a Libras apresenta especificidades que requerem investigação de seu uso em situações concretas de comunicação, proporcionando avanços para a linguística contemporânea ao eleger seus fenômenos como objeto de descrição e análise.
Quadros et al. (2018, p. 21) apontam que, tratado como consenso entre os linguistas o reconhecimento do estatuto linguísticos das LSs, as pesquisas voltam-se, atualmente, “para investigações com base empírica no sentido de analisar aspectos que são comuns e diferentes das línguas de sinais e as línguas faladas”. Desse modo, assinalamos que na Libras, assim como ocorre nas línguas orais (LOs), o marcador discursivo então assume diferentes funções em cada turno1 da interação, pois, além de atuar na estruturação e articulação do texto, colabora para o desenvolvimento do tópico discursivo, funcionando como elemento organizador e orientador da conversação.
No que concerne à estrutura, o texto está organizado em cinco seções. Após a introdução, a seção 2 descreve a metodologia adotada, incluindo a constituição do corpus, a tradução e a transcrição dos dados. Na seção 3, são abordados os conceitos e aspectos relacionados aos marcadores discursivos, com ênfase no marcador então. A seção 4 é dedicada à análise e discussão dos dados. Por fim, a seção 5 apresenta as considerações finais da pesquisa.
2 METODOLOGIA
Para a realização deste estudo, utilizamos material organizado em Libras, inserido no projeto Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), que foi instituído pelo Decreto 7.387/2010, conforme destacam Quadros et al. (2018). A partir do INDL, foi desenvolvido o Inventário Nacional de Libras, que integra o projeto denominado Corpus de Libras. O projeto foi criado com o objetivo de pesquisar, catalogar e difundir a Libras, dispondo de um acervo organizado por estados, que permaneceu em constante construção ao longo de toda a pesquisa (Quadros; Schmitt; Lohn; Leite, 2020).
O corpus é composto por vídeos de interações sinalizadas por duplas de surdos fluentes em Libras, disponíveis no site https://corpuslibras.ufsc.br/ da Universidade Federal de Santa Catarina. A partir desse material, selecionamos vídeos com temas livres, organizados por assuntos recorrentes, totalizando 22 registros. Para analisar interações espontâneas, priorizamos conversações simétricas (Castilho, 2016).
Após a seleção dos vídeos, identificamos aqueles que apresentavam indícios do uso do marcador discursivo então, localizados durante as fases de tradução e transcrição para a língua portuguesa. Nessa etapa, os participantes foram identificados como “sinalizante 1” e “sinalizante 2”. Foram, então, criadas duas trilhas de descrição: a primeira refere-se à transcrição em Libras2, enquanto a segunda representa a tradução de Libras para a língua portuguesa (LP), seguindo os padrões de tradução e interpretação linguística. Assim, os excertos apresentados contêm recortes dos momentos em que o MD então foi identificado durante a interação, com margens antes e depois para construir um corpus voltado à compreensão do que estava sendo dialogado.
Para a transcrição e análise dos dados, utilizamos o software livre Sistema de Anotação Eudico Annotator - ELAN desenvolvido pelo Max Plank Institute.3 Por meio desse sistema, foi possível a transcrição das conversações de forma mais detalhada, pois alguns recursos facilitaram o processo de transcrição e tradução da língua de sinais (também utilizado na tradução de línguas orais). A Figura 1 apresenta a captura de tela durante uma tradução/transcrição da Libras para a língua portuguesa e ilustra as possibilidades contidas no software utilizado para a transcrição.
Em síntese, percorremos os seguintes passos: verificação atenta dos vídeos, identificação da ocorrência do MD então, tradução dos diálogos em Libras e respectiva transcrição para a língua portuguesa, seleção dos excertos e análise das funções exercidas pelo marcador em cada situação de uso.
3 MARCADORES DISCURSIVOS
Os marcadores discursivos são mecanismos típicos da língua falada que, por assumirem variadas funções na conversação, possuem caráter multifuncional. São formados por um ou mais itens ou expressões lexicais que corroboram o monitoramento da conversação e a organização do texto. “Trata-se de um amplo grupo de elementos de constituição bastante diversificada” e que, no plano verbal, envolvem “sons não lexicalizados, palavras, locuções e sintagmas mais desenvolvidos, aos quais se pode atribuir homogeneamente a condição de uma categoria pragmática bem consolidada no funcionamento da linguagem” (Risso; Silva; Urbano, 2015, p. 371).
Conforme Fraser (2015, p. 48), “o estudo dos marcadores discursivos, expressões que marcam as relações semânticas entre dois enunciados, surgiu por volta de 1990 com o trabalho de Schiffrin, Blakemore e Fraser, entre outros”4. Houve, nos anos subsequentes, um “debate considerável sobre o que conta e o que não conta como marcadores discursivos”5, e sobre a forma como deveriam ser organizados em classes, seus significados e como estes deveriam ser tratados. De acordo com Schiffrin (1987), os MDs são elementos sequencialmente dependentes que delimitam unidades da fala, ou seja, itens não obrigatórios no início de enunciados que funcionam em relação à fala e ao texto em andamento. A autora propõe que os marcadores sejam considerados um conjunto de expressões linguísticas composto por várias classes de palavras tão variadas como as conjunções, interjeições, advérbios e frases lexicalizadas. Analisando o funcionamento dos MDs para aumentar a coerência do discurso, a pesquisadora (1987, p. 24) afirma que a coerência é construída por meio das relações entre as unidades adjacentes no discurso, oferecendo um modelo de discurso em diferentes planos:
-
a) quadro de participação: que reflete as formas como os falantes e ouvintes podem se relacionar uns com os outros, bem como a sua orientação quanto aos enunciados;
-
b) estado de informação: que reflete a organização e a gestão contínuas do conhecimento e do metaconhecimento, à medida que evoluem no andamento do discurso;
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c) estrutura ideacional: que reflete determinadas relações entre as ideias contidas no discurso, incluindo relações coesivas, tópicas e funcionais;
-
d) estrutura de ação: que reflete a sequência dos atos de fala que ocorrem no discurso;
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e) estrutura de permuta: que reflete os mecanismos de troca conversacional, mostrando o resultado da tomada de turno6 dos interlocutores e a maneira como essas alternâncias se relacionam entre si (Schiffrin, 1987, p. 24-25; Schiffrin, 2001, p. 57).
Schiffrin (2001, p. 57) assevera que os marcadores podem funcionar em diferentes níveis do discurso para ligar enunciados em um único plano ou em diferentes planos. Embora os marcadores tenham funções primárias (no plano ideacional ou no quadro de participação), seu uso é multifuncional. É essa multifuncionalidade que, em diferentes planos do discurso, ajuda a integrar os diversos processos simultâneos subjacentes à construção do discurso, contribuindo, assim, para produzir a coerência (2001, p. 58).
Levinson (1983, p. 87-88) pontua que existem, em muitas línguas, várias palavras e locuções que indicam a relação entre o enunciado e o discurso anterior. Há, por exemplo, marcadores de posição inicial, tais como “mas, portanto, em conclusão, pelo contrário, ainda, entretanto, de qualquer modo, bem, além de, na verdade, afinal de contas”7. Essas expressões podem indicar se o enunciado que as contém constitui uma resposta a, ou uma continuidade de algum fragmento do discurso anterior.
Na perspectiva de Fraser (1990, p. 385), os MDs são considerados um subtipo de marcadores pragmáticos, caracterizados como expressões linguísticas que sinalizam “a relação que o falante pretende entre o enunciado que o MD introduz e o enunciado precedente”8. A abordagem do autor se fundamenta, portanto, em uma teoria pragmática do significado aplicada nas frases e entre elas. Fraser (1999, p. 931) conceitua os MDs como uma classe de expressões lexicais oriundas, principalmente, das classes sintáticas das conjunções, dos advérbios e das locuções prepositivas. Eles assinalam uma relação entre o segmento que introduzem (chamado de S2), e o segmento anterior, (chamado de S1); possuem um significado central, e a sua interpretação mais específica é negociada, tanto pelo contexto linguístico quanto pelo contexto conceitual. O autor (2009, 2013) ressalta que os MDs são geralmente discutidos como termos que indicam a relação entre duas frases contíguas, isto é, dois segmentos discursivos adjacentes, podendo ser representados pela seguinte forma: “S1-DM-S2” (“Começamos tarde. No entanto, de alguma forma, chegamos a tempo”)9 (Fraser, 2009, p. 893).
Há dois tipos de MDs: aqueles que relacionam aspectos da mensagem explícita transmitida por S2 com aspectos de uma mensagem, direta ou indireta, associada a S1; e aqueles que relacionam o tópico de S2 com o de S1. Eles funcionam, assim, como uma relação de dois lugares, em que um se encontra no segmento que introduzem e outro no discurso anterior (Fraser, 1999, p. 938-950). Acerca da função sequencial dos MDs que especificam necessariamente uma relação entre dois segmentos do discurso (fornecem comentários sobre), Fraser (1998) postula que essa especificação não é de base conceitual, mas procedimental (fornece informação a respeito da interpretação das mensagens). Quando uma expressão exerce a função de MD, esta é a sua função na frase. Uma consequência dessas relações é que as múltiplas funções dos MDs, incluindo as do âmbito da interação social, são menosprezadas e, por isso, suscetíveis de não serem explicadas linguisticamente. A classificação dos tipos de significado pragmático pode implicar uma redefinição do conjunto de expressões frequentemente consideradas como marcadores. Alguns podem ser excluídos por diferentes razões: terem o mesmo papel de uma frase separada, de uma interjeição ou de um marcador pragmático paralelo, podendo gerar conjuntos de marcadores com grande variação interna.
Para Castilho (1989), os MDs organizam o texto. Ele os caracteriza em dois tipos: marcadores interpessoais e marcadores ideacionais. Para ele, os marcadores interpessoais servem para administrar os turnos conversacionais; já os marcadores ideacionais são acionados pelos falantes para a negociação do tema e seu desenvolvimento durante o ato conversacional. A função ideacional e a interpessoal são interpretadas por Neves (1997, p. 62) como “manifestações, no sistema linguístico, dos dois propósitos mais gerais que fundamentam todos os usos da linguagem: entender o ambiente (ideacional) e influir sobre os outros (interpessoal)”. Porém, sua relevância só se atualiza por meio do componente metafuncional textual, que permite, além de construir experiências com o mundo (interior e exterior) e de representar as relações interpessoais, estruturar coerentemente o texto.
Os MDs estão presentes em todo ato conversacional, conforme os propósitos comunicativos dos falantes. Marcuschi (2006, p. 61) assevera que “existem relações estruturais e linguísticas entre a organização da conversação em turnos (marcados pela troca de falantes) e a ligação interna em unidades constitutivas de turno”. Desse modo, os marcadores exercem funções tanto discursivas quanto sintáticas, e servem de elo entre unidades comunicativas, direcionando os interlocutores. Trata-se de recursos coesivos que sinalizam os limites da comunicação: início e fim.
No que tange ao aspecto sintático dos marcadores, Urbano (1999, p. 90) afirma que, “para a sua perfeita compreensão e caracterização, mais do que a eventual função ou relação sintática, interessa que observemos suas funções comunicativas e/ou interacionais, que têm a ver com as próprias funções ou usos da linguagem”. O desenvolvimento semântico dos MDs fornece provas de unidirecionalidade para o significado referencial (proposicional) ser a fonte para significados pragmáticos (textuais e interpessoais) (Brinton, 2001, p. 149).
Marcuschi (1989, p. 282) sustenta a natureza multifuncional dos marcadores, visto que atuam, concomitantemente, como organizadores da interação, articuladores do texto e indicadores de força ilocutória. Na análise dos MDs, são consideradas suas propriedades interacionais (na condução dos atos ilocutórios e das relações interpessoais), bem como suas propriedades intratextuais (na estruturação da cadeia linguística). Consoante Burgo, Galembeck e Storto (2013, p. 298), os marcadores “não compreendem somente as expressões frequentemente utilizadas pelos falantes, mas envolvem, também, aspectos interacionais, textuais, cognitivos e finalísticos da linguagem”. Suas funções são muito abrangentes e, portanto, é necessário considerar o papel que exercem na conversação, em cada situação de uso.
No que diz respeito ao então, Müller (2005, p. 68-89) salienta que esse MD pode ser empregado em dois níveis: textual e interacional. No nível textual, ele pode denotar um resultado ou uma consequência, uma unidade de ideia principal (após uma digressão), um resumo, uma reformulação ou um exemplo, uma nova sequência numa série de acontecimentos (numa narrativa) e o limite que inicia a conversação. Ele pode indicar um ato de fala de pergunta ou pedido, um ato de fala de opinião, um resultado implícito (quando não indica um resultado explicitamente), e um potencial fim de turno.
Segundo a autora, no nível interacional, então funciona como um marcador de atos de fala, como pedidos, perguntas e expressões de opinião. A noção de resultado está também presente na função de marcador de ato de fala; essas funções, no entanto, operam no nível interacional, pois seu principal efeito não é a estruturação do conteúdo textual, mas a organização da participação dos interlocutores.
Schiffrin (1987) aponta três funções exercidas por marcadores como e, porque, mas, quer dizer, agora, oh, ou, portanto, então, bem e sabe em conversações de entrevista não estruturadas: atuam como coordenadores contextuais de elocuções ao situá-los em um ou mais planos do seu modelo de discurso; indexam elocuções adjacentes ao falante, ao ouvinte ou a ambos; indexam elocuções adjacentes ao discurso anterior e/ou subsequente. Além disso, esses marcadores funcionam como “conectores do discurso”, contribuindo para a coerência discursiva, caracterizando uma função integrativa.
Risso (1995, p. 220) assinala que o papel textual básico do MD então é determinado, de maneira genérica, pela “frequência com que é desencadeado no plano da tessitura tópica, onde aparece promovendo um nexo coesivo responsável por encadeamentos intertópicos, encaminhamentos intratópicos, retornos a tópicos ou partes de tópicos anteriores e estabelecimentos de fechos”. Segundo a autora:
Ressalta-se, no nexo coesivo, por ele firmado, um valor lógico semântico constante, derivado da condição de item anafórico da fonte, que é o de permitir ao discurso avançar, sempre escorado em informações previamente dadas e na mesma direção de argumentação antes delineada. Instaura-se no discurso, a partir de então, um nítido efeito de linearialidade ou de previsibilidade argumentativa (1995, p. 220, grifo no original).
Conforme Fraser (1988), como marcador discursivo, então permite um vasto leque de interpretações emergentes de um sentido central. Partindo desse sentido central, a interpretação específica da relação de consequência num determinado caso é o resultado do enriquecimento desse sinal geral, à luz dos pormenores de um determinado contexto discursivo.
4 ANÁLISE DOS DADOS
Para esta seção utilizamos a figura 2, representada pela captura da tela do ato da sinalização do MD então, que possibilita uma amostra de seu uso em Libras:
Excerto 1:
Sinalizante 1 (Libras): IX(si) AINDA DESEMPREGADO FALTA TRABALHO MAS IX(si) ACHAR PRECISAR ESTUDAR IMPORTANTE
Sinalizante 1 (Tradução LP): Eu ainda estou desempregado, falta trabalho, mas eu acho que é importante estudar, preciso estudar.
Sinalizante 2 (Libras): ENTÃO SIM IMPORTANTE
Sinalizante 2 (Tradução LP): Então, sim, é importante.
Excerto 2:
Sinalizante 1 (Libras): OLHAR COMO MANIFESTAÇÃO PRESIDENTE FORA NOVO COLOCAR FS (temer) É &(face- interrogação) MAS PERÍODO POUCO TEMPO COMO &(face- interrogação) JÁ MANIFESTAR
Sinalizante 1 (Tradução LP): Viu, como está tendo manifestação, houve troca de presidente, colocaram Temer, não é? Mas ele está há pouco tempo, como já há manifestações?
Sinalizante 2 (Libras): ENTÃO POR ISSO SIM MANIFESTAR PROBLEMA ECONOMIA VALOR BOLSA CAIR CRISE NÃO- CONSEGUIR TRABALHO DESEMPREGO MUITO NÃO-CONSEGUIR COMIDA XXX LIVRE DEIXAR POLÍTICA &(face-interrogação)
Sinalizante 2 (Tradução LP): Então, por isso que sim, devemos manifestar. Há problemas na economia, o valor da bolsa caiu, estamos em crise, trabalho está difícil encontrar, muito desemprego, as pessoas não conseguem comida XXX como deixar a política livre?
O MD então tem a capacidade de cumprir uma variedade de funções estruturantes do discurso. A função predominante nos excertos acima é a indicação de que a mensagem posterior decorre do contexto anterior, ou seja, uma constatação que resultou do que foi exposto primeiramente. Em concordância com Buysse (2012, p. 8), a ideia de “resultado” existe entre as unidades discursivas que denotam as situações e circunstâncias do mundo descrito no discurso, em que a primeira causa a segunda. Uma estrutura do tipo: X+então+Y, pode ser entendida como “Y” o resultado/consequência da situação “X”.
No caso (1), as razões envolvendo o desemprego e a falta de trabalho, relatadas pelo sinalizante 1, levam o sinalizante 2 a concordar que estudar é realmente importante. Essa afirmação, embora constitua um lugar comum que não precisaria, necessariamente, ser amparado por algum motivo, fortalece a conclusão tida como lógica e afasta, de antemão, possíveis discordâncias.
No caso (2), há a indagação: “se Temer estava há pouco na presidência da República, como poderia haver manifestações tão rapidamente?”. Aqui o então também funciona como um elemento metacomunicativo, uma vez que se volta para a explicação ao interlocutor, no sentido de expressar o posicionamento defendido pelo locutor acerca da relevância das manifestações: diante das várias situações negativas, não se pode deixar a política isenta dessa responsabilidade.
Excerto 3:
Sinalizante 1 (Libras): EU CONSEGUIR PEGAR TELEFONE TECNOLOGIA COMPRAR [?] DIVERSAS LER INFORMAÇÃO QUE (face-interrogação) TECNOLOGIA MENSAGEM ENVIAR RECEBER TAMBÉM ENVIAR RECEBER VÍDEO TEM DENTRO EXEMPLO FACEBOOK DOIS TAMBÉM WHATSAPP TRÊS FS(viber) TAMBÉM ENTÃO DIVERSO DENTRO TER POSITIVO ENVIAR RECEBER VÍDEO TER SURD@ LIBRAS ENTENDER LÍNGUA DOIS CERTO LÍNGUA UM LIBRAS LÍNGUA DOIS PORTUGUÊS
Sinalizante 1 (Tradução LP): Eu consigo, com o telefone e outras tecnologias diversas, ter acesso à informação, que tipo? A tecnologia ajuda a enviar e receber mensagens, também enviar e receber vídeos, opções que têm dentro dos aplicativos, por exemplo, no Facebook, também no Whatsapp e no Viber também. Então, uma diversificação que existe nesses aplicativos, disponibilizando enviar e receber vídeos para o surdo, facilita o entendimento da segunda língua, certo? A primeira língua é a Libras e a segunda a língua portuguesa.
Sinalizante 2 (Libras): WEBCAM CERTO POR ISSO
Sinalizante 2 (Tradução LP): Webcam certo, por isso.
Excerto 4:
Sinalizante 2 (Libras): IX(você) CONSEGUIR COMUNICAR OUVINTE FALAR &(face-interrogação)
Sinalizante 2 (Tradução LP): consegue se comunicar com ouvinte por meio da fala?
Sinalizante 1(Libras): COMUNICAR NÃO &(face-negação)
Sinalizante 1 (Tradução LP): não, se comunicar não.
Sinalizante 2(Libras): ENTÃO POR ISSO DIFÍCIL COMUNICAÇÃO
Sinalizante 2 (Tradução LP): Então, por isso, é difícil a comunicação.
O MD então, conforme observamos nos excertos acima, estrutura o conteúdo da interação, marcando os enunciados como resultado ou conclusão de enunciados anteriormente proferidos e conduzindo um retorno para o fio condutor do tópico em andamento ou para a ideia principal de um argumento. Dessa forma, identificamos, nos exemplos (3) e (4), o emprego de então com orientação conclusiva.
A estrutura conclusiva se desenvolve pela relação de duas proposições, em que a primeira serve de base para a segunda. Assim, os sinalizantes manifestam suas conclusões, a partir do que foi exposto anteriormente, ou seja, considerando determinada situação, é possível chegar à determinada conclusão. Essa conclusão, portanto, conecta uma apreciação valorativa acerca do assunto em discussão ao argumento que a justifica; nesse sentido, a noção de resultado está subjacente à de conclusão, já que a afirmação proferida também é resultante de seu argumento.
Excerto 5:
Sinalizante 1 (Libras): QUE PROFESSOR@ MOSTRA LIBRAS IMPORTANTE IX(el@) BOM INTERESSAR
Sinalizante 1 (Tradução LP): O professor usar Libras é importante. É bom ele saber e se interessar.
Sinalizante 2 (Libras): ENTÃO CERTO INSTITUTO [?] TER PROFESSOR@ CADA [?] CONHECER LIBRAS NÃO INTÉRPRETE TRAZER+
Sinalizante 2 (Tradução LP): Então, certo, no instituto, os professores das diferentes disciplinas não sabem Libras e constantemente chamam o intérprete para acompanhar.
Excerto 6:
Sinalizante 1 (Libras): SURDO PRECISA COMUNICACÃO PESSOAS
Sinalizante 1 (Tradução LP): O surdo precisa de interação comunicativa com as pessoas.
Sinalizante 2 (Libras): DIFÍCIL ÀS VEZES FAMÍLIA SURDO SOFRER COMUNICAÇÃO FALTAR &(face-tristeza)
Sinalizante 2 (Tradução LP): Às vezes é difícil. O surdo sofre para se comunicar com a família.
Sinalizante 1 (Libras): ENTÃO VERDADE MAS TER FAMÍLIA COMUNICAR ALEGRE LIBRAS MELHOR PORQUE SE IX(si) VOLTAR[?] IMPLANTE COCLEAR SOFRER COISAS COMUNICAR NÃO-CONSEGUIR
Sinalizante 1 (Tradução LP): Então, é verdade, mas têm famílias que são alegres, têm comunicação em Libras e isso é melhor, porque se eu voltar a ter o implante coclear, vou sofrer para me comunicar e não vou conseguir.
Excerto 7:
Sinalizante 1 (Libras): VEM VAMOS JUNTOS VIAGEM GOIÁS QUANDO &(face-interrogação)
Sinalizante 1 (Tradução LP): Vem cá, quando vamos conseguir viajar juntas para Goiás?
Sinalizante 2 (Libras): ENTÃO DESCULPAR TRISTE &(face-tristeza) JÁ COMBINAR GRUPO FAMÍLIA JUNTO VIAJAR CARNAVAL
Sinalizante 2 (Tradução LP): Então, desculpe, estou triste, já havia combinado com grupo da minha família que iria viajar no carnaval junto com eles.
Nos excertos (5-7), o MD então exerce funções diferentes na interação. Nos exemplos (5) e (6), há a concordância dos sinalizantes em relação ao tópico em andamento. No caso (7), o sinalizante 2 inicia o turno com a resposta à pergunta feita pelo sinalizante 1 sobre quando poderiam viajar para Goiás. Como a resposta está envolta em uma negativa ao convite, observamos que o uso do marcador leva ao efeito de abrandar a resposta. Ele atua como uma espécie de prefácio que, aliado ao pedido de desculpas e à justificativa, atenua a recusa à indagação/convite.
Fraser (1994) salienta que esse tipo de marcador possui um significado nuclear em cada contexto específico. Contudo, esse significado não envolve, necessariamente, a noção de resultado ou conclusão, como observamos nos exemplos anteriores. Nos casos acima, além de atuar na estruturação e na sequência da narrativa, ele apresenta, em maior grau, um valor interacional, uma vez que marca de maneira contundente as avaliações e apreciações que os falantes têm acerca do assunto em desenvolvimento. Apresentando-se em posição inicial do turno, ele opera como uma espécie de introdução ao que será exposto para dar continuidade à conversação. Nesses exemplos, o MD então não funciona como conclusão de algum tema em discussão; ele prefacia o assunto a ser abordado, ou seja, conforme Burgo (2022), é um desenvolvedor de tópico.
Excerto 8:
Sinalizante 1 (Libras): ALGUNS SOLTEIRO OUTRO GRUPO CASADO OUTRO NAMORADO CADA UM DIFERENTE IX(si) PENSO MELHOR IX(nós-grupo) COMBINAR BOM
Sinalizante 1 (Tradução LP): Alguns são solteiros, outro grupo é de casado, outro de namorado, cada um é diferente. Eu penso que é melhor assim. Com um grupo que combine fica bom.
Sinalizante 2 (Libras): ENTÃO+ TAMBÉM IGUAL VAMOS &(face- interrogação)
Sinalizante 2 (Tradução LP): Então, então, também penso assim. Vamos?
Sinalizante 1 (Libras): ACEITAR &(face-afirmação)
Sinalizante 1 (Tradução LP): Aceito sim.
Sinalizante 2 (Libras): CERTO
Sinalizante 2 (Tradução LP): Certo.
Excerto 9:
Sinalizante 2 (Libras): DIFÍCIL &(face-tristeza)
ENSINAR DIFERENTE TROCAR PERGUNTAR IX(ele) PERGUNTAR IX(si) PROVOCAR IX(ele) PROVOCAR IX(si) INTERAÇÃO ENSINAR APRENDER EXPERIÊNCIA ESTRATÉGIA ADAPTAÇÃO
Sinalizante 2 (Tradução LP): Difícil. O ensino é diferente. A troca de conhecimento nos provoca, há uma interação entre ensinar e aprender com novas estratégias de adaptação.
Sinalizante 1 (Libras): ENTÃO BOM CONCORDAR IX(você) IMPORTANTE IDENTIDADE SURDO APRENDER
Sinalizante 1 (Tradução LP): Então, bom, eu concordo com você! É importante para a identidade do surdo esse aprendizado.
Sinalizante 2 (Libras): ENTÃO+
Sinalizante 2 (Tradução LP): Então, então.
Nos casos acima, o MD então, aparecendo na posição inicial de turno, contribui para dar continuidade ao tópico em andamento. Com exceção de (7), que traz uma negativa atenuada, nos excertos (5-6) e (8-9), então estabelece concordância com os seguintes tópicos: (5) a questão de os professores não saberem Libras; (6) a questão da dificuldade que os surdos têm em se comunicar por meio de uma língua de utilização minoritária; (8) a questão de organizarem saídas em grupos específicos; (9) a questão da importância do ensino e aprendizagem para a identidade.
Nos excertos (5-6) e (8-9), o MD então é acionado para emitir assentimento ao que foi sinalizado durante a conversa, indicando que o interactante pode prosseguir com o tópico, pois obteve a resposta afirmativa no assunto levantado durante a conversação. Fica estabelecida, portanto, a segurança na continuidade do tópico da unidade conversacional, bem como uma sequência ao assunto tratado. Esse recurso ajuda na manutenção do tema (Castilho, 2020), com função orientada ao interlocutor no processo de interação conversacional, em que o interactante indica a aceitação do tema exposto, dando ao diálogo sentido de concordância.
Observamos, nos segmentos abaixo, que o MD então permanece na posição inicial dos turnos, levando ao desencadeamento dos seguintes tópicos:
a) explanação a respeito da associação de surdos no excerto (10):
Excerto 10:
Sinalizante 1 (Libras): ENTÃO ASSOCIAÇÃO+ LUGAR SURD@ ENTRAR BATER PAPO COMUNICAR COMUNIDADE CULTURA SURDA FICAR COMUNICAR INTERAGIR BOM
Sinalizante 1 (Tradução LP): Então, a associação, a associação é um lugar para o surdo ir, bater um papo, se comunicar e interagir com a comunidade e cultura surda, se comunicar e interagir é bom
Sinalizante 2 (Libras): CERTO+
Sinalizante 2 (Tradução LP): Certo, certo!
b) influência sofrida pelos surdos para fazer o implante coclear no excerto (11):
Excerto 11:
Sinalizante 1 (Libras): ENTÃO OUVIR PESSOAS INFLUENCIAR CAPAZ IMPLANTE COCLEAR PESSOAS ACEITA PESSOAS FAMÍLIA CAPAZ SURD@ PROBLEMA IX(eles) INFORMAÇÃO GANÂNCIA DINHEIRO EXPLORAR IMPLANTE COCLEAR MOTIVAR IX(si) VER AGORA ESCOLA AGORA DV(tirar-objeto- redondo-atrás-orelha)+ IMPLANTE COCLEAR VER+
Sinalizante 1 (Tradução LP): Então, ouvintes têm influenciado que o implante coclear torna o surdo capaz e as pessoas têm aceitado. A família acha que o surdo será capaz de ouvir, mas o problema é que as informações são baseadas na ganância para vender e exploram essa informação sobre o implante coclear, motivam o implante. Agora, eu vejo na escola eles tirando seus implantes, vejo isso.
Sinalizante 2 (Libras): ÀS VEZES+ IX(ela) FAMÍLIA QUER SURD@ IGNORANTE IMPLANTE COLOCAR DEPOIS CRESCER RECLAMA NÃO-GOSTAR ACEITAR NÃO FORA IMPLANTE COCLEAR RECLAMA PALHAÇO PAGAR CARO MELHOR IX (si) PENSAR PRIMEIRO MAIS CRIANÇA CRESCER MAIS QUERER IMPLANTE COCLEAR OBEDECER ESCOLHER POSS(dele)
Sinalizante 2 (Tradução LP): Às vezes, às vezes ela, a família, quer, mas o surdo é alheio ao implante coclear, coloca sem saber e depois quando cresce reclama, não gosta, não aceita, quer retirar o implante coclear e reclama, e a família se sente como enganada, pagou caro no implante. Penso que é melhor, primeiro esperar a criança crescer, se quiser implante, respeitar a escolha dela.
c) tecnologias na vida dos surdos e o implante coclear em (12):
Excerto 12:
Sinalizante 1 (Libras): ENTÃO IX(si) VER+ COMPARAÇÃO DIFERENTE EXEMPLO SURDO TECNOLOGIAS PASSADO NÃO- TER IMPEDIR EXEMPLO WHATSAPP PASSADO NÃO-TER WEBCAN NÃO-TER DIFÍCIL COMUNICAÇÃO AGORA NOVO+ COMUNICAÇÃO FÁCIL CAPAZ+ IX(ele) IMPLANTE COCLEAR DIFERENTE IX(ele) IMPLANTE COCLEAR PASSADO NORMAL TALVEZ PESSOAS QUERER VONTADE POSS(dela) IMPLANTE COCLEAR FALAR CRESCER E APRENDER FALAR POSITIVO MELHOR
Sinalizante 1 (Tradução LP): Então, eu tenho visto e comparado as diferenças, por exemplo, o surdo antes não tinha acesso a tecnologias, era impedido, por exemplo, no passado não tinha WhatsApp, não tinha Webcam, era difícil a comunicação. Agora tem muita novidade na comunicação, está mais fácil, se torna possível. O implante coclear é diferente, ele quer o implante coclear, antes era normal, talvez, as pessoas queiram, tenham vontade de colocar implante coclear, desenvolver a falar, aprender a falar é bom, é melhor.
Sinalizante 2 (Tradução LP): Sim, eu concordo com você, mas eu tive um aluno que tinha implante coclear, não sabia Libras, não sabia falar, não conseguia ouvir nada, não conseguia se comunicar em Libras. Ele não conseguia com a fala. Primeiro eu tentei com a fala e ele não conseguiu se desenvolver, depois tentei com a Libras, ainda não conseguiu. Fui experimentando introduzir Libras e conseguimos que se desenvolvesse.
Nos excertos (10-12), assinalamos o MD então empregado em favor da argumentatividade na introdução dos tópicos. Trata-se de um mecanismo importante para o processamento textual-interativo e que contribui para o processamento informacional. Ele instaura nos enunciados conteúdos semânticos adicionais que ajudam na sustentação das afirmações para, assim, engajar o interlocutor, conduzindo-o a uma possível adesão ao posicionamento exposto, o que, claramente, ocorre em (10) por meio da concordância na réplica “Certo, certo!”.
Nos três exemplos, o então, como elemento que introduz o desenvolvimento dos argumentos do sinalizante 1, auxilia a realçar determinados pontos que tendem a obter o assentimento do sinalizante 2. Em (11) e (12), há a aceitação das explanações dos sinalizantes 1, por parte dos sinalizantes 2, mesmo que isso não ocorra de uma maneira tão explícita como no segmento (10). Nesses dois casos, os sinalizantes 2 concordam com as considerações dos sinalizantes 1, porém, acrescentam informações que reforçam sua conclusão acerca do tópico: “Penso que é melhor, primeiro esperar a criança crescer, se quiser implante, respeitar a escolha dela” em (11) e “Fui experimentando introduzir Libras e conseguimos que se desenvolvesse” em (12).
Excerto 13:
Sinalizante 1 (Libras): ENTÃO IX(você) VER PROBLEMA BRASIL POR ISSO PROBLEMAS EDUCAÇÃO BILÍNGUE TAMBÉM MANIFESTAÇÃO MUITOS CARROS POR ISSO SURDOS ENCONTRA IX(lá)
Sinalizante 1 (Tradução LP): Então, você tem acompanhado os problemas no Brasil? As discussões sobre os problemas da educação bilíngue, as manifestações, carreatas, por isso os surdos têm se encontrado lá.
Sinalizante 2 (Libras): SIM+ & (face afirmação) TAMBÉM SURDOS QUERER IX(eles) MANIFESTAR DIREITO ESCOLA BILÍNGUE IX(eles) SURDOS PROTESTAR ISSO
Sinalizante 2 (Tradução LP): Sim, sim, eles também querem o direito à escola bilíngue, os surdos têm protestado sobre isso.
Excerto 14:
Sinalizante 1 (Libras): ENTÃO IX(você) ESTUDAR PÓS GRADUAÇÃO COMO & (face-interrogação)
Sinalizante 1 (Tradução LP): Então, você estuda pós-graduação, como tem sido?
Sinalizante 2 (Libras): VERDADE &(face-medo) IX (si) MATRÍCULA ESTUDAR ALEGRE &(face-feliz) COMEÇAR CONTEÚDO NÃO-SABER COMO &(face-interrogação) DÚVIDA
Sinalizante 2 (Tradução LP): Verdade, foi assustador! Eu iniciei a matrícula alegre, mas quando começaram os conteúdos, fiquei sem saber como, tive muitas dúvidas.
Nos excertos (13) e (14), o então funciona como prefácio para uma pergunta. As perguntas são recursos eficientes para o desencadeamento de um tópico específico, pois é de se esperar que o interlocutor faça uma réplica, oferecendo uma resposta que acompanhe o assunto introduzido. Nesse sentido, em ambos os casos, o sinalizante 1 adquire certo controle em relação ao direcionamento dos tópicos por meio da pergunta prefaciada pelo então, já que o desvio do andamento temático pode representar uma quebra no contrato tácito estabelecido para essa situação. Ao utilizar esse expediente, o locutor procura garantir a continuidade do tema proposto, considerando a probabilidade de que o interlocutor cumpra o acordo que rege, implicitamente, o par dialógico “pergunta/resposta”.
Em suma, de acordo com os exemplos analisados, podemos verificar o caráter multifuncional do MD então. Lam (2009) salienta que a variedade de funções desempenhadas pelo então não pode ser determinada sem se levar em conta a vasta gama de eventos comunicativos em que é usada. Isso realça o fato de que as pistas contextuais são indispensáveis para a interpretação dos significados pragmáticos dessas partículas discursivas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Leite e McCleary (2013, p. 81) pontuam que as análises linguísticas das LSs não poderiam ser constituídas isentas de vieses das LOs, pois o “conhecimento linguístico de que hoje dispomos foi construído fundamentalmente com base em dados transcritos de línguas orais”. Bolgueroni e Viotti (2013, p. 18) indicam que:
os estudos que versam sobre as línguas de sinais entraram na agenda de pesquisa linguística apenas há pouco mais de cinquenta anos. Apesar de já haver um corpo de conhecimento razoável sobre seu funcionamento, não é possível comparar quantitativamente o que sabemos sobre elas e o que sabemos sobre as línguas orais.
Como ocorre nas LOs, evidenciamos que o MD então pode exercer diversos papéis na interação, dependendo do contexto de uso e dos objetivos comunicativos dos sinalizantes. Conforme observamos no corpus, esse elemento desempenhou funções que auxiliaram os sinalizantes a estruturar e articular as partes do texto no plano ideacional e, no âmbito interacional, na organização e manutenção da conversação. Além de ser um marcador de resultado e de conclusão, o MD então atuou para introduzir e desenvolver os tópicos discursivos, prefaciar perguntas e respostas, atenuar uma recusa a um convite e orientar a exposição de argumentos na interação.
Vale ressaltar que a ausência de então não interfere na inteligibilidade dos enunciados, porém remove uma importante pista a respeito da relação que se estabelece entre eles. Com efeito, devemos considerar as funções predominantes que o MD então promove, e não apenas funções isoladas, tendo em vista os propósitos dos interactantes no ato conversacional.
Por fim, é importante realçar que, atualmente, as pesquisas que contemplam a descrição e análise do ato conversacional em Libras ainda representam um quadro tímido quando comparadas às de línguas orais-auditivas. Esse panorama salienta a necessidade de estudos voltados para as particularidades da Libras, com foco em seu processo de construção e organização textual. Trabalhos dessa natureza fortalecem a compreensão dos mecanismos linguísticos que compõem as interações sinalizadas, impulsionando avanços acadêmico-científicos na área.
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-
1
Segundo Galembeck (2003, p. 65), turno é a “participação de cada interlocutor”, isto é, a oportunidade de falar, tomar a palavra, em algum ponto da conversação. Quando um interlocutor passa de ouvinte a falante, ele dá início ao seu turno.
-
2
Para a primeira trilha, respeitamos as orientações contidas no Manual de Transcrição da Libras, que estabelece os procedimentos de transcrição e anotação dos dados do Corpus de Libras (Quadros; Schmitt; Lohn; Leite, 2020). A transcrição obedece à padronização de Quadros (2015), que fornece algumas convenções, como, por exemplo, transcrever todos os sinais com letras maiúsculas ou, no caso de movimentos não lexicalizados, chamados de ações ou emblemas, o uso de “&=(significado-do-gesto) ou E (ID do emblema)”
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3
Disponível em: https://archive.mpi.nl/tla/elan.
-
4
No original: “The study of Discourse Markers, expressions marking the semantic relationship between two utterances, came of age about 1990 with the work of Schiffrin, Blakemore, and Fraser, among others”.
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5
“considerable debate on what counts and does not count as a discourse marker”.
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6
Segundo Galembeck (2003, p. 65), turno é a “participação de cada interlocutor”, isto é, a oportunidade de falar, tomar a palavra, em algum ponto da conversação. Quando um interlocutor passa de ouvinte a falante, ele dá início ao seu turno.
-
7
No original: “but, therefore, in conclusion, to the contrary, still, however, anyway, well, besides, actually, after all”.
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8
No original: “the relationship that the speaker intends between the utterance the DM introduces and the foregoing utterance”.
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9
No original: “We started late. Yet, somehow, we arrived on time”.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
13 Ago 2024 -
Aceito
07 Fev 2025



Fonte: Figura organizada pelos autores
Fonte: Quadros; Schmitt; Lohn; Leite, 2020. Disponível em: http://corpuslibras.ufsc.br/.