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A seleção do professor de Português e suas relações com o ensino da escrita

The selection of Portuguese teachers and its relations to the teaching of writing

La selección del profesor de Portugués y sus relaciones con la enseñanza de la escritura

Le choix du professeur de portugais et ses rapports avec l'enseignement de l'écriture

Resumos

Este artigo visa analisar uma prova de concurso que selecionou professores de Português em uma cidade do interior do Estado de Minas Gerais. O principal objetivo da análise é observar as relações entre os conteúdos lingüísticos abordados na prova e as perspectivas lingüísticas para o ensino da escrita. O estudo utiliza a interface metodológica que procura conjugar a análise qualitativa da prova aos dados quantitativos do desempenho dos candidatos. Do ponto de vista teórico, os Estudos do Letramento e a Análise Crítica do Discurso sustentam a discussão em que os conceitos de evento de letramento, letramento autônomo e letramento para o trabalho são centrais.

Concurso; professor; língua portuguesa; letramento; análise crítica do discurso


This article aims at analyzing an entrance exam which selected Portuguese teachers in a small city in the countryside of Minas Gerais. The analysis' main objective is to observe the relations between the linguistic contents included in the exam and the linguistic perspectives on the teaching of writing. The study employs a methodological interface which attempts to combine the qualitative analysis of the exam to the quantitative data of the candidates' performance. The theoretical framework includes Literacy Studies and Critical Discourse Analysis as a support for the discussion of the concepts of literacy, autonomous literacy and literacy event.

Literacy; critical discourse analysis; portuguese; entrance exam; teacher


Este artículo visa analizar una prueba de concurso que seleccionó profesores de Portugués en una ciudad del interior del Estado de Minas Gerais. El principal objetivo del análisis es observar las relaciones entre los contenidos lingüísticos abordados en la prueba y las perspectivas lingüísticas para la enseñanza de la escritura. El estudio utiliza la interfase metodológica que procura conjugar el análisis cualitativo de la prueba a los datos cuantitativos del desempeño de los candidatos. Desde el punto de vista teórico, los Estudios del Letramiento y el Análisis Crítico del Discurso sostienen la discusión en que los conceptos de evento de letramiento, letramiento autónomo y letramiento para el trabajo son centrales.

Concurso; profesor; lengua portuguesa; letramiento; análisis crítico del discurso


Cet article a l'intention d'analyser une épreuve d'un concours qui a chosi des professeurs de Portugais dans une ville en province, à l'État de Minas Gerais. L'objectif principal de l'analyse est celui d'observer les rapports parmi les contenus linguistiques abordés dans l'épreuve et les perspectives linguistiques pour l'enseignement de l'écriture. L'étude se sert de l'interface méthodologique qui cherche à conjuguer l'analyse qualitative de l'épreuve aux données quantitatives de la performance des candidats. Du point de vue théorique, les Études de l'Alphabétisation et l'Analyse Critique du Discours soutiennent la discussion dans laquelle les notions de l'événement de l'alphabétisation, alphabétisation autonome et alphabétisation pour le travail sont fondamentaux.

Concours; professeur; langue portugaise; alphabétisation; analyse critique du discours


ARTIGO DE PESQUISA RESEARCH ARTICLE

Le choix du professeur de portugais et ses rapports avec l'enseignement de l'écriture

La selección del profesor de Portugués y sus relaciones con la enseñanza de la escritura

Simone Bueno Borges da Silva

Professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em Lingüística Aplicada. E-mail: <simonebbs70@gmail.com>

RESUMO

Este artigo visa analisar uma prova de concurso que selecionou professores de Português em uma cidade do interior do Estado de Minas Gerais. O principal objetivo da análise é observar as relações entre os conteúdos lingüísticos abordados na prova e as perspectivas lingüísticas para o ensino da escrita. O estudo utiliza a interface metodológica que procura conjugar a análise qualitativa da prova aos dados quantitativos do desempenho dos candidatos. Do ponto de vista teórico, os Estudos do Letramento e a Análise Crítica do Discurso sustentam a discussão em que os conceitos de evento de letramento, letramento autônomo e letramento para o trabalho são centrais.

Palavras-chave: Concurso, professor, língua portuguesa, letramento, análise crítica do discurso.

ABSTRACT

This article aims at analyzing an entrance exam which selected Portuguese teachers in a small city in the countryside of Minas Gerais. The analysis' main objective is to observe the relations between the linguistic contents included in the exam and the linguistic perspectives on the teaching of writing. The study employs a methodological interface which attempts to combine the qualitative analysis of the exam to the quantitative data of the candidates' performance. The theoretical framework includes Literacy Studies and Critical Discourse Analysis as a support for the discussion of the concepts of literacy, autonomous literacy and literacy event.

Keywords: Literacy, critical discourse analysis, portuguese, entrance exam, teacher.

RÉSUMÉ

Cet article a l'intention d'analyser une épreuve d'un concours qui a chosi des professeurs de Portugais dans une ville en province, à l'État de Minas Gerais. L'objectif principal de l'analyse est celui d'observer les rapports parmi les contenus linguistiques abordés dans l'épreuve et les perspectives linguistiques pour l'enseignement de l'écriture. L'étude se sert de l'interface méthodologique qui cherche à conjuguer l'analyse qualitative de l'épreuve aux données quantitatives de la performance des candidats. Du point de vue théorique, les Études de l'Alphabétisation et l'Analyse Critique du Discours soutiennent la discussion dans laquelle les notions de l'événement de l'alphabétisation, alphabétisation autonome et alphabétisation pour le travail sont fondamentaux.

Mots-clés: Concours, professeur, langue portugaise, alphabétisation, analyse critique du discours.

RESUMEN

Este artículo visa analizar una prueba de concurso que seleccionó profesores de Portugués en una ciudad del interior del Estado de Minas Gerais. El principal objetivo del análisis es observar las relaciones entre los contenidos lingüísticos abordados en la prueba y las perspectivas lingüísticas para la enseñanza de la escritura. El estudio utiliza la interfase metodológica que procura conjugar el análisis cualitativo de la prueba a los datos cuantitativos del desempeño de los candidatos. Desde el punto de vista teórico, los Estudios del Letramiento y el Análisis Crítico del Discurso sostienen la discusión en que los conceptos de evento de letramiento, letramiento autónomo y letramiento para el trabajo son centrales.

Palabras-clave: Concurso, profesor, lengua portuguesa, letramiento, análisis crítico del discurso.

1 INTRODUÇÃO

A formação de professores que ensinam língua materna (alfabetizadores, professores de Português do Ensino Fundamental e Médio) tem sido nosso objeto de estudo no campo da Lingüística Aplicada. Nosso interesse pelo tema nasce do compromisso político que temos com a categoria profissional da qual fazemos parte. Isso traz como conseqüência a busca por uma relação ética com a profissão, em que se vislumbra tanto um olhar crítico acerca das representações do professor quanto o desenvolvimento de pesquisas em que se estudam mecanismos capazes de aprimorar o processo de formação docente, a fim de atender ao perfil de usuário da língua escrita que a sociedade pós-moderna - altamente tecnologizada - demanda. Dentro desse macrotema - formação de professores de língua materna - em nosso percurso de pesquisa, vimos procurando conhecer, de um lado, quais são as práticas de letramento dessa categoria profissional e, de outro, quais seriam as práticas de letramento necessárias ao bom desempenho docente. Acreditamos que o conhecimento desses dois campos de práticas possibilita o planejamento de ações mais bem informadas, no tocante à formação profissional.

Os estudos que discutem o letramento de professores no contexto brasileiro não são consensuais. Há pesquisas (geralmente de perfil quantitativo) que mostram que as práticas de leitura e escrita dessa categoria se distanciam das práticas tidas como de prestígio social, o que caracterizaria o professor como não representante da cultura letrada. Batista (1998), por exemplo, caracteriza o professor como um "leitor escolar", que reproduz os modelos escolares de leitura. Para esse autor, os professores seriam vítimas de um letramento tardio por não herdarem de seus pais (de maioria analfabeta1 1 Pensamos que essa condição - ser filho ou neto de analfabetos - precisa ser relativizada no contexto brasileiro, já que a história da escolarização em massa no Brasil data de poucas décadas, o que não garante gerações e gerações escolarizadas em nossas famílias, como há na Europa, por exemplo, tomando como referência qualquer categoria profissional, não só o professor. ) os modos legítimos de leitura. Assim, tanto as preferências quanto os modos de leitura da categoria estariam limitados pela conformação à leitura escolar. Num outro trabalho, Gatti, Espósito e Silva (1994) procuram estabelecer o perfil de leitura de professores em suas condições sociais, de trabalho, de cultura e de formação, através de um questionário aplicado em três estados brasileiros. As autoras, ao discutirem os resultados a partir dos títulos mencionados pelos informantes, caracterizam as leituras profissionais dos professores como "pouco intensas e superficiais", visto que as respostas dos questionários traziam poucas referências à leitura de livros da área2 2 O total da amostragem é de 304 professores, distribuídos nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Maranhão. Desses, apenas 18% declararam a leitura de livros para a formação. .

De outra parte, há pesquisas - via de regra de perfil qualitativo e/ou com abordagem fortalecedora (empowering research) - que discutem as práticas de letramento de professores numa perspectiva que legitima sua condição de leitor. Representa esse grupo o trabalho de Guedes-Pinto (2000), por exemplo, que recupera histórias de leitura de onze professoras alfabetizadoras, através da metodologia da história oral. Seus resultados mostram que as professoras desenvolvem práticas plurais de leitura (entre elas também as de prestígio, como a leitura de livros de Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade). Para Guedes-Pinto (2000), é justamente a pluralidade que legitima a condição de leitora das professoras. Outro exemplo encontra-se em Borges da Silva (2003), que analisou as leituras que duas professoras fizeram dos PCN Língua Portuguesa. Os resultados mostram que as dificuldades de compreensão apresentadas não resultavam de possíveis falhas na competência leitora dos sujeitos de pesquisa, mas derivavam de problemas textuais no documento. As professoras participantes da pesquisa lançavam mão de estratégias legítimas para alcançar a compreensão e conseguiam identificar muitas das inconsistências e incoerências do texto. Outro trabalho que contribui para a reflexão crítica acerca das leituras dos professores encontra-se em Kleiman (2001), que propõe uma discussão sobre as leituras dos professores não em comparação com aquelas de prestígio social, mas relacionando-as às práticas necessárias ao desenvolvimento do trabalho, levando em consideração, portanto, "as exigências e capacidades de comunicação efetivamente requeridas para ensinar" (KLEIMAN, 2001, p. 43).

Embora nossa pesquisa filie-se mais aos padrões qualitativos descritos acima, reconhecemos a importância dos resultados nos dois grupos, pois entendemos que as pesquisas quantitativas fornecem dados relevantes para a composição dos aspectos mais gerais relativos às práticas de leitura dos professores (títulos de preferência, quantidade de leituras etc). De outra parte, são as pesquisas qualitativas as que informam sobre as especificidades das práticas desenvolvidas pelos professores. Por isso, entendemos que as pesquisas de interface metodológica que entrecruzam dados quantitativos com análises qualitativas podem contribuir para a composição de parâmetros mais equilibrados para as discussões acerca das práticas de letramento dos professores e das ações para a formação dos professores de língua materna.

Nesse contexto, que considera a complexidade dos estudos que discutem as práticas de letramento do professor, se insere este trabalho, cujo objetivo é analisar um concurso público para a seleção de professores de Português para o Ensino Fundamental, realizado por uma prefeitura do Estado de Minas Gerais, em 2005. Dentre as possibilidades de eventos de letramento dos quais participa o professor de Português, importantes de serem estudados para a compreensão das práticas de letramento dessa categoria, escolhemos o concurso público por ser um evento de avaliação inicial, que seleciona docentes. É a partir da aprovação no concurso que o professor poderá assumir o cargo efetivo ou dele ser excluído, quando não aprovado. O cargo efetivo representa uma conquista profissional para o professor pela estabilidade que lhe permite atuar em determinada unidade escolar. Justifica, também, nossa escolha pelo concurso o fato de tratar-se de um evento que, em princípio, colocaria em cena tanto os conteúdos quanto as abordagens de ensino de língua escrita preconizadas nos documentos oficias que regulamentam o ensino (os PCN) (BRASIL, 1998). Isso nos faz pressupor que, uma vez aprovado, o professor reuniria algumas das condições necessárias (embora não suficientes) para o ensino da língua escrita, conforme a perspectiva oficial. A análise do concurso pode trazer, também, elementos para as reflexões relativas ao aprimoramento dos cursos de formação, através dos pontos que permitiriam repensar os currículos e os enfoques privilegiados na escolarização formal do professor.

Assim, pretendemos entrecruzar a análise discursiva do evento aos resultados estatísticos do desempenho dos professores na prova do concurso para discutir três questões centrais, quais sejam: 1. Quais são as habilidades e conhecimentos sobre língua e sobre o ensino da língua pressupostos na prova do concurso? 2. Em que medida as habilidades e conhecimentos contemplados na prova do concurso vão ao encontro das habilidades e conhecimentos pressupostos nos documentos oficiais (os PCN) como sendo necessários ao ensino da língua escrita? 3. Quais tipos de conhecimentos da prova do concurso são alvo de maiores dificuldades dos professores?

Para as discussões aqui propostas, o artigo organiza-se em três partes. Na primeira, apresentaremos os pressupostos teóricos, que se baseiam nos estudos do letramento (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995; BARTON; HAMILTON, 1998; MAYBIN, 2000) e na Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1992/2001, 2003). Na segunda parte, desenvolveremos a análise do concurso focalizando a dimensão sociodiscursiva do evento e a dimensão lingüístico-textual da prova. Na seção subseqüente, apresentaremos os dados estatísticos, discutindo-os em relação à análise qualitativa. Encerra, então, o texto, um tópico em que, à guisa de conclusão, retomamos as discussões acerca das práticas de letramento e formação de professores de Português.

2 LETRAMENTO E ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO: OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTUDO

Nosso trabalho tem como ponto de partida os estudos do letramento, um campo de pesquisa que se ocupa da investigação acerca dos usos sociais da escrita. Street (1984) discute duas perspectivas através das quais se concebe o letramento. Em uma, toma-se a escrita como 'tecnologia neutra', que pode ser estudada independentemente do contexto social de uso. Essa abordagem é denominada pelo autor modelo autônomo do letramento. Na outra perspectiva, as práticas de letramento são consideradas a partir das ideologias e dos parâmetros culturais dos grupos que as desenvolvem e, portanto, devem ser analisadas e descritas considerando-se as especificidades que as definem. A essa outra abordagem das práticas de letramento, Street denomina modelo ideológico. Para nós, as práticas de letramento são plurais e, por isso, optamos pela abordagem que considera a dimensão sociocultural no desenvolvimento dos eventos. Entendemos letramento como o conjunto de práticas sociais de uso da escrita (cf. KLEIMAN, 1995; BARTON; HAMILTON, 1998; MAYBIN, 2000), que se definem em função dos objetivos dos participantes, do ambiente (institucionalizado ou não), das relações de poder que medeiam os participantes, do(s) texto(s) que as embasam e do modo como se realizam, pois são histórica, cultural e ideologicamente determinadas.

Barton e Hamilton (1998) trabalham com a perspectiva situada do letramento. Para esses autores, letramentos devem ser estudados em sua dimensão contextual. Kleiman (2001), com base na noção de letramento situado, propõe uma discussão acerca das práticas de letramento dos professores tomando como referência as práticas de leitura e escrita para o trabalho e no local de trabalho. Em nosso estudo, a noção de letramento para o trabalho é fundamental, pois estamos focando as práticas de letramento de uma categorial profissional específica. Além disso, o evento de letramento que tomamos como objeto de análise é um instrumento de seleção para o trabalho e, por isso, deve contemplar, de alguma forma, as práticas de leitura e escrita relacionadas com as atividades docentes do professor de Português.

Barton e Hamilton (1998) definem as práticas de letramento como "percursos culturais gerais de utilização da linguagem escrita". Para eles, as práticas são uma categoria abstrata, não observável, do ponto de vista analítico, pois envolvem valores, atitudes, sensibilidades, expectativas, experiências, conhecimentos, relações sociais etc. As práticas se desenvolvem em eventos de letramento, que são realizações concretas das práticas e se desenvolvem através de atividades centradas na utilização da escrita, de maneira mais ou menos ritualística, em que os papéis dos participantes estão mais ou menos definidos. Assim, no evento de letramento 'concurso público para provimento de cargo efetivo de professor de Português', os principais participantes são: a instituição oficial que convoca o concurso e que avalia, de um lado, e os candidatos que aspiram às vagas e que são os avaliados, de outro. Os textos sobre os quais o evento se baseia são todos da esfera institucional (editais, fichas de inscrição e a prova, que é o instrumento de avaliação).

Para desenvolver a análise desse evento nos apoiaremos, também, no modelo tridimensional de análise crítica do discurso proposto por Fairclough (1992/2001), que viabiliza o enfoque tanto dos aspectos textuais quanto da dimensão sociodiscursiva, relevantes para este estudo. A base do trabalho de Fairclough está na observação das relações entre a prática discursiva e os fenômenos sociais e culturais mais amplos. Para o autor, a linguagem é parte irredutível da vida social (cf. FAIRCLOUGH, 2003) e a análise crítica do discurso busca, justamente, a compreensão da complexa relação entre discurso e sociedade. Para o desenvolvimento da análise do discurso socialmente orientada, Fairclough propõe um modelo tridimensional, em que não somente o texto é focado, mas também a prática discursiva e a prática social nas quais o texto foi produzido. A figura 1 esquematiza a proposta de análise tridimensional.


Fairclough define o texto como qualquer produto escrito ou falado que faz parte de eventos sociais. A fala e a escrita são formas através das quais as pessoas agem e interagem nos eventos. Na dimensão do texto, desenvolve-se uma análise lingüístico-textual. Para o autor, há eventos sociais altamente textuais, como uma palestra, por exemplo, enquanto outros são menos textuais, como um jogo de futebol. Fairclough separa em duas dimensões a análise textual da análise da prática discursiva para enfatizar, em um dos campos - o do texto - os aspectos formais ligados à materialidade lingüística. No outro - o da prática discursiva - os aspectos relativos à natureza dos processos de produção, distribuição e consumo3 3 O termo 'consumo' empregado por Fairclough refere-se às maneiras de apropriação e circulação dos textos. Fazemos restrição ao termo por fazer acionar esquemas relacionados ao campo mercadológico, o que nem sempre corresponde à relação autor-leitor ou produtor-receptor envolvida nas situações discursivas. dos textos.

Para Fairclough, a natureza social do discurso exige do analista uma abordagem que faça relacionar a produção, a distribuição e o consumo dos textos ao ambiente econômico, político e institucional no qual eles foram gerados. A análise do processo de produção enfoca o contexto social específico e as formas particulares da produção, que podem ser simples ou complexas, uma vez que o texto pode ser construído por uma ou mais pessoas. O consumo relaciona-se aos modos de apropriação e interpretação dos textos, que variam de acordo com a situação comunicativa. O consumo, como a produção, pode ser individual ou coletivo. Uma carta pessoal, por exemplo, quase sempre tem produção e consumo individuais; já uma carta sindical, via de regra, é produzida coletivamente e é aberta a um determinado segmento social. A dimensão discursiva enfoca, também, os processos de distribuição dos textos que, como a produção e o consumo, podem ser simples - a exemplo da conversa casual vinculada apenas ao contexto imediato - ou complexos como no caso de um relatório sobre armas nucleares encaminhado às instâncias governamentais, aos órgãos internacionais e à imprensa.

A terceira dimensão de análise - a prática social - diz respeito às questões ligadas à análise social como a circunstância institucional e organizacional dos eventos em que o discurso é produzido. Essa dimensão se coloca em virtude da própria noção de discurso proposta por Fairclough (1992/2001, p. 91), que pressupõe uma relação dialética com a estrutura social: "O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o molda e o restringe". Assim, o discurso pode constituir-se tanto de maneira tradicional quanto de maneira criativa. O modo de constituição tradicional serve para a manutenção da sociedade e reprodução das estruturas, enquanto o criativo contribui justamente para a transformação da sociedade. Fairclough salienta, ainda, que a prática social tem várias orientações - ideológicas, políticas, culturais - e o discurso pode estar implicado em qualquer uma delas. Entretanto, a orientação que estaria sobreposta às outras é a política. Para o autor, a prática política é a categoria superior, pois ela envolveria todas as outras orientações, mesmo a ideológica em que, em última instância, colocaria em jogo as relações de poder.

3 O CONCURSO PÚBLICO PARA PROFESSOR DE PORTUGUÊS

Esta seção visa analisar o concurso público para professores de Português para o Ensino Fundamental realizado em 2005 por uma prefeitura do interior mineiro. Para tanto, discutiremos, primeiramente, o evento em relação às variáveis sociais que o definem. Depois, abordaremos as questões enunciativas que o 'emolduram' e que orientam nosso olhar para a análise da prova (no tópico subseqüente), entendida como o principal texto que compõe o evento. Essa organização da seção não implica o tratamento isolado dos níveis de análise, havendo momentos em que, para a compreensão do evento, recorreremos a um olhar mais unificado dos aspectos das três dimensões.

Data de 1952 a primeira lei que regulamenta o ingresso do professor no magistério público por meio de concurso (Lei nº 2.115, de 27 de dezembro de 1952). Essa lei dispõe sobre as vagas, as escalas classificatórias por gênero (para cada cinco vagas femininas havia uma masculina, sendo que professores só lecionavam para homens e professoras para mulheres) e reserva uma cadeira no magistério ao primeiro aluno de cada turma que se forma no curso Normal. Anos depois, a Lei Federal nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, retoma os critérios para o ingresso no magistério público de 1º e 2º graus, excluindo a escala por gênero e a vaga por bom desempenho no curso Normal. Essa lei admitia a possibilidade de efetivação por tempo de serviço. Depois, a Constituição Federal de 1988 instituiu a obrigatoriedade do concurso para a ocupação dos cargos públicos em quaisquer das instâncias - federal, estadual ou municipal4 4 Em Borges da Silva (2005), pode-se encontrar uma contextualização mais detalhada acerca do percurso histórico dos concursos para professores. . Os concursos nos anos 70, 80 e 90 aconteciam com pouca freqüência, o que provocava certa expectativa na classe docente, já que, como dissemos, o cargo efetivo representava uma conquista profissional pela estabilidade, que permitia ao professor atuar em determinada unidade escolar. Isso possibilitava-lhe a participação no planejamento e a integração de seu trabalho ao dos demais membros da escola. Ao professor efetivo também era permitido escolher a classe e série em que desejava lecionar. De outra parte, a categoria de eventual ou substituto (os não efetivos) não garantia o trabalho nem a constância de atuação em uma mesma unidade escolar. Os substitutos eram lotados em eventuais unidades que dispunham de vagas. Por isso, o concurso era (e ainda é) um evento esperado com expectativa pelos professores. Na história mais recente, os elevados índices de desemprego e a instabilidade nas instituições privadas são outro fator que atribui ao concurso um valor e uma expectativa da parte dos docentes.

Do ponto de vista político e ideológico, entendemos que um concurso coloca em cena relações de poder em dois níveis. No primeiro, num eixo vertical, observa-se uma estrutura que reproduz as relações de poder, em que a instituição oficial (o Município, neste caso) ocupa posição hegemônica. Temos, portanto, a autoridade da instituição pública que convoca os professores a uma prova de seleção para a ocupação de cargos efetivos. No outro extremo, subordinados à autoridade oficial, estariam os professores candidatos às vagas. O concurso seria, dessa forma, o instrumento de avaliação inicial através do qual o Município exerce seu poder para autorizar, ou não, a entrada do candidato na rede pública de ensino. No segundo nível, num eixo horizontal, observa-se a disputa pelo poder, não a manutenção das estruturas de poder. Nesse eixo, os professores disputam as vagas e devem demonstrar competência para ocupá-las.

O concurso que focalizamos neste estudo realizou-se em 2005. Inscreve-se, portanto, num contexto de mudanças discursivas e sociais (cf. FAIRCLOUGH, 1992/2001) na área da educação, geradas principalmente pelos resultados inaceitáveis em indicadores nacionais e internacionais, e fomentadas pela consolidação de políticas neoliberais em que, no nível discursivo, almejava-se a qualidade do ensino5 5 A política neoliberal não financiava o desenvolvimento da escola pública de qualidade na mesma proporção em que o pregava na esfera discursiva (cf. HADDAD, 2002), por isso salientamos que nossa observação centra-se na dimensão discursiva. , através de professores criativos, capazes de desenvolver trabalhos em equipe (os projeto pedagógicos) e de promover uma educação plural, inclusiva, contextualizada, visando ao exercício da cidadania (cf. BRASIL, 1998, 1999, 2003a, 2003b, 2004; ADURRAMÁN, 1999, entre outros).

O concurso público é um evento complexo constituído por várias etapas. A primeira delas é a publicação, pela instituição que disponibiliza as vagas, do edital de abertura. Esse edital é o primeiro texto produzido no evento, a partir do qual todas as outras ações são desenvolvidas. Nele, constam as normas para a inscrição (incluindo a documentação exigida, procedimentos e fichas de inscrição, prazos, locais etc), as regras do concurso (com a especificação do(s) tipo(s) de prova(s), normas para a pontuação, classificação e desclassificação dos candidatos), o perfil de professor da abrangência do evento, os requisitos para a investidura no cargo e a bibliografia de referência. Tanto a bibliografia quanto o perfil do candidato podem sair em edital específico, à parte do edital de abertura. O edital de abertura desencadeia, então, uma série de atividades articuladas. As primeiras envolvem a realização da inscrição. Essas atividades, desenvolvidas pelo candidato, centram-se no preenchimento de formulários específicos, recolhimento de taxa bancária (na maioria dos concursos), coletânea de cópia de documentos e efetivação da inscrição. Vem, em seguida, a publicação de outro edital, que homologa ou não as inscrições solicitadas. Via de regra, publica-se em edital específico também o local e a data das provas. Todo esse processo de interlocução entre instância oficial e professores se faz via escrita oficial e vai definindo os papéis dos participantes e as regras para a realização da prova. Trata-se de um processo que, mesmo antes da prova, produz elementos para as discussões acerca das competências discursivas específicas que os professores devem dominar para participar do evento. Em seguida, vem a realização da(s) prova(s) que pode(m) ser dissertativa(s) e/ou objetiva(s). O concurso que estamos analisando realizou-se através de prova objetiva. Entendemos que a prova é o texto mais importante do concurso, porque ele apóia o principal momento do evento. Além disso, os demais textos que compõem o evento se colocam em função da prova: o edital está para regulamentar o desenvolvimento da prova, assim como as inscrições estão para a participação na prova e a aprovação, meta final do evento, também se define pela prova.

3.1 O concurso no macrocontexto social

Partindo das observações socioculturais e históricas mais amplas apresentadas acima, focalizaremos, neste tópico, as especificidades enunciativas do concurso, com o intuito de discutir os aspectos da situação comunicativa capazes de levar à compreensão do contexto e dos papéis dos participantes do evento. Do ponto de vista enunciativo, a prova do concurso pode ser vista como mediadora das relações de poder entre avaliador e avaliados, mediação que não é simples nem direta, pois é feita através de uma rede que faz interligar a instância oficial e os professores. Examinemos, então, o processo de produção, distribuição e consumo da prova.

A produção do concurso é altamente complexa, pois dela participam vários atores. Inicia-se com o processo de licitação, que seleciona uma empresa responsável pelas diferentes etapas do concurso. A empresa escolhida deve levar em conta as características definidas no processo licitatório6 6 Não tivemos acesso ao processo de licitação que selecionou a empresa responsável pela elaboração do concurso aqui estudado. e compor equipes de profissionais, a fim de cumprir as especificidades exigidas pelo contratante (o Município). No tocante à prova do concurso, especificamente, ela contém uma parte de fundamentos da educação, que envolve questões legislativas e didáticas; uma parte de Língua Portuguesa, que traz questões de interpretação de texto e de gramática; e uma parte específica de ensino de Português, que enfoca questões aplicadas. As três subdivisões da prova demandam equipes específicas para sua elaboração, o que faz da produção da prova um processo composto pela multiplicidade de agentes produtores.

Do outro lado do processo comunicativo, observamos, também de forma múltipla, os interlocutores. Se há alguma unidade a ser considerada na figura do interlocutor, ela reside apenas na designação da categoria profissional: são todos professores de Português. Mas, dificilmente traçaríamos um único perfil de professor, visto que entre os candidatos aos cargos efetivos haveria professores com as mais variadas formações: doutores, mestres, especialistas, graduados em instituições renomadas ou em instituições pouco comprometidas com a qualidade do ensino, os recém-formados, os graduados há vários anos, os com experiência e os que nunca lecionaram. Entretanto, todas essas diferenças são apagadas e homogeneizadas pelas próprias características do evento de letramento em questão: uma situação de teste para portadores de licenciatura em Língua Portuguesa. Do evento concurso público, ainda participa outra figura de intermediação, que liga, de um lado, a instituição oficial e, de outro, os professores, qual seja: o fiscal, sujeito que representa o Município no momento da prova. O fiscal visa inibir atitudes proibidas, zelar pelo cumprimento das normas preestabelecidas e, também, desempenhar funções burocráticas, como o recolhimento de assinaturas, dos cartões de resposta, controle do tempo etc.

Do ponto de vista físico, há uma disposição específica dos candidatos, sempre agrupados em salas, sentados em carteiras enfileiradas. Essa disposição marca a característica competitiva do evento7 7 Se fosse um evento cooperativo, certamente os participantes estariam dispostos de outra maneira, em posição que favorecesse o diálogo, como num círculo. , em que o professor se apropria do texto de forma solitária. A competitividade também é pronunciada pelo estabelecimento de um tempo específico para a realização da tarefa. O tempo é um elemento importante nesse evento, pois ele baliza, em grande medida, a interação leitor/texto. O espaço e o tempo, além dos papéis dos participantes, delimitam a forma como o texto é abordado, apropriado e utilizado (consumido) no evento.

3.2 Caracterização geral da prova: entre o letramento autônomo e o ideológico

No evento em análise, o material impresso entregue aos professores no momento do concurso foi um caderno de questões e um cartão para a marcação das respostas. No caderno, vem impressa a prova contendo cinqüenta questões, subdivididas em três partes. A primeira delas, 'Prova de Língua Portuguesa', contém quinze questões, das quais três são de interpretação de texto e as demais são de natureza gramatical. A segunda parte, intitulada 'Prova de Fundamentos da Educação', traz quinze itens relativos à didática geral e aos conhecimentos sobre legislação educacional. A terceira parte, 'Prova Específica', apresenta vinte questões sobre o ensino de Língua Portuguesa, que englobam compreensão em leitura e conhecimentos lingüístico-discursivos para o ensino da escrita. Apresentaremos uma caracterização de cada parte da prova do concurso para discutir as habilidades e conteúdos nela contidos.

As duas primeiras partes da prova trazem questões abordadas segundo uma perspectiva muito semelhante ao que Street (1984) denominou modelo autônomo de letramento: questões descontextualizadas, desvinculadas das situações de uso. Nas questões da Prova de Língua Portuguesa e na Prova de Fundamentos da Educação, testam-se conteúdos como um fim em si, não considerando suas relações específicas com o ensino do Português, o que, por sua vez, resulta no apagamento das especificidades do público-alvo do evento. Na Prova de Língua Portuguesa, não se depreendem relações explícitas com o ensino de Língua Portuguesa, seja pelo enfoque das questões, seja pelos conteúdos abordados, pois são privilegiados conhecimentos de natureza gramatical, mais normativos que explicativos, em oposição ao enfoque privilegiado nos PCN. Para que se possa visualizar os conteúdos testados nessa parte da prova, apresentaremos, na tabela 1, um resumo do tema das questões.

Observa-se que o foco das questões, com exceção das três primeiras, é de conhecimentos gramaticais. Em toda essa parte, privilegia-se a noção de língua enquanto um conjunto de regras, centrado no conhecimento da norma, independente de suas relações com o ensino. Não há uma só questão sobre a língua embasada na perspectiva lingüística, não gramatical. Esse foco é conflitante com a perspectiva adotada nos PCN, em que a gramática tradicional já não serve de referência ao ensino da escrita, conforme se observa no excerto extraído da página 17 do documento:

Na década de 60 e início da de 70, as propostas de reformulação do ensino de Língua Portuguesa indicavam, fundamentalmente, mudanças no modo de ensinar, pouco considerando os conteúdos de ensino [...] O ensino de Língua Portuguesa orientado pela perspectiva gramatical ainda parecia adequado, dado que os alunos que freqüentavam a escola falavam uma variedade lingüística bastante próxima da chamada variedade padrão [...].

A nova crítica do ensino de Língua Portuguesa, no entanto, só se estabeleceria mais consistentemente no início dos anos 80, quando as pesquisas produzidas por uma lingüística independente da tradição normativa e filológica e os estudos desenvolvidos em variação lingüística e psicolingüística, entre outras, possibilitaram avanços nas áreas [...] principalmente no que se refere à aquisição da escrita.

Depreende-se, do percurso histórico descrito no documento, que a gramática tradicional, normativa, não é mais a referência para o ensino do português. Contudo, a Prova de Língua Portuguesa que compõe a seleção de professores, no concurso em análise, privilegia essa área do conhecimento.

A Prova de Fundamentos da Educação, segunda parte da prova do concurso, opta por uma abordagem semelhante à da primeira parte, ou seja, não relaciona os conteúdos testados com a prática de ensino de Português. Entendemos que os conhecimentos da esfera pedagógica são essenciais para o ensino de Língua Portuguesa. É a combinação dos conhecimentos didáticos com os lingüísticos e literários que definem a atuação profissional do professor de Português. Entretanto, a Prova de Fundamentos da Educação traz uma abordagem autônoma dos conteúdos pedagógicos, sem fazer estabelecer relações entre o campo didático e o ensino da língua escrita propriamente. Na tabela 2, apresentamos um resumo do tema das questões na Prova de Fundamentos da Educação para que se possa compor uma idéia global do seu teor.

Vejamos uma das questões que exemplifica o enfoque autônomo dado a um conhecimento da esfera didática.

Ex: 1

Questão 25 8 8 O gabarito da questão 25 é (b).

O "ensino bancário" foi extremamente combatido por Paulo Freire. Para esse educador, o "ensino bancário" é aquele que:

a) privilegia a rigorosidade metódica com que os alunos devem se "aproximar" dos objetos cognoscíveis e enfatizar a abordagem crítica os conteúdos.

b) enfatiza a transmissão do conhecimento por parte do professor e enfatiza a atitude receptiva do aluno que os "deposita" em sua memória para repeti-los depois.

c) desvaloriza os saberes historicamente construídos, pois o professor deve discutir com os alunos apenas temáticas que fazem parte de seu cotidiano.

d) se preocupa apenas com a criatividade e a criticidade dos alunos, sem se preocupar com os conteúdos que devem ser transmitidos às novas gerações.

Nesse exemplo, o conceito de "educação bancária" não é abordado em suas relações com o ensino de Língua Portuguesa, apesar de ser um conceito especialmente importante para a prática de ensino da escrita. Nessa área, não se põe em cena apenas a aquisição de um conhecimento, pois o ensino da escrita demanda a apropriação de uma modalidade lingüística, que em hipótese alguma se dá de forma pacífica, visto que demanda um processo de aculturação (cf. KLEIMAN, 2000b). Se a educação bancária não convém a nenhuma área do ensino, é especialmente problemática para o ensino da língua escrita. Entretanto, a questão circunscreve-se apenas à definição conceitual, em que se privilegia a perspectiva do conhecimento como um fim em si mesmo. Para evidenciar a perspectiva autônoma dessa parte da prova, vamos comparar, nos exemplos abaixo, uma das questões que tematiza os PCN na Prova de Fundamentos da Educação (de perspectiva autônoma) e outra que também enfoca os PCN na Prova Específica (mais situada):

Ex: 2 - Prova de Fundamentos da Educação9 9 O gabarito da questão 22 é (a).

Questão 22

Sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), ainda que passíveis de críticas e sujeitos a correções e aperfeiçoamentos, todas as afirmações estão corretas EXCETO:

a) Constituem o maior esforço já empreendido no Brasil de levar a reforma educacional a cada professor de uma maneira imposta.

b) Os componentes curriculares foram formulados a partir da análise de experiência educacional acumulada em todo o território nacional.

c) A noção de temas transversais no currículo surgiu com o propósito de relacionar a educação escolar de forma mais orgânica com o cotidiano familiar e comunitário das crianças e dos adolescentes.

d) A idéia de parâmetros curriculares surgiu das pressões sociais em relação à escola criticada duramente pelo distanciamento entre o que é ensinado na escola e a realidade concreta dos estudantes.

Ex. 3 - Prova Específica10 10 O gabarito da questão 39 é (a).

Questão 39

A alternativa que traz exemplos de comando de atividade que NÃO sugere ser um tipo de exercício de reconhecimento e memorização, nos termos dos PCN é:

a) Circule, no texto lido, todos os verbos que são enunciados pelo narrador.

b) Copie do texto cinco orações subordinadas substantivas, indicando-lhes o tipo.

c) Nos termos grifados nas orações a seguir, use S para sujeito e OD para objeto direto.

d) Grife e classifique todos os verbos a seguir, indicando a conjugação de cada um deles.

No exemplo 2, vemos que o item aborda a natureza do documento, mas não o relaciona com o ensino de Língua Portuguesa, numa perspectiva descontextualizada, o que resulta no apagamento de suas relações com as especificidades envolvidas no foco para o qual os professores, nesse concurso, estão sendo selecionados. Já o exemplo 3 propõe uma questão que requer a interpretação de um segmento dos PCN (ver excerto em anexo) em que se faz uma crítica ao ensino da gramática tradicional que trata os fenômenos lingüísticos de maneira descontextualizada através do "reconhecimento e memorização de nomenclaturas" (cf. BRASIL, 1998). A questão requer, além da compreensão do documento, o estabelecimento de relações diretas com a prática de ensino de língua, trazendo como referência para a reflexão atividades de sala de aula.

Como nos exemplos 1 e 2, as demais perguntas da Prova de Fundamentos da Educação são conceitualmente parecidas, ou seja, são autônomas e não estabelecem vínculo direto com o ensino da língua escrita. Tais perguntas poderiam compor tanto uma prova que seleciona professores de Português quanto de Matemática, Ciências ou alfabetizadores, coordenadores, diretores de escola, entre outros.

Diferentemente das duas primeiras partes da prova, a Prova Específica parece pressupor, de certo modo, a concepção ideológica do letramento, ou seja, as questões fazem entrever as relações entre o conhecimento lingüístico e o ensino da língua; fazem estabelecer relações entre as atividades de ensino e as diretrizes para o ensino; privilegiam os conhecimentos sobre língua vindos da lingüística, conforme perspectiva adotada nos PCN. Essas características fazem da prova um teste específico para professores de Português. Apresentamos, na tabela 3, um resumo geral do tema de cada questão.

Observamos que, nessa parte da prova, as questões são fundamentadas em textos diretamente relacionados com o ensino da Língua Portuguesa. A prova também requer dos candidatos a análise de livro didático e de atividades de escrita. Para exemplificar, transcrevemos abaixo a questão 50, que requer do candidato a análise de atividades propostas em livro didático.

Ex. 411 11 O gabarito da questão 50 é (b).

Questão 50

A alternativa que traz avaliação adequada da atividade é:

a) Pode-se afirmar que a atividade é um bom exemplo do que preconizam os PCN em relação à formação de habilidades de leitura e escrita, sem desconsiderar o papel dos conhecimentos da norma escrita culta.

b) Embora a atividade procure abordar os aspectos gramaticais em termos de sua função no texto e dos efeitos de sentido que promovem, não se pode dizer que ela leve o aluno à construção de um conjunto de estratégias para a compreensão.

c) Apesar de se referir a um texto, a atividade propõe ao aluno ação idêntica àquela que sugerem as gramáticas tradicionais para o estudo da classe dos numerais.

d) O objetivo central da atividade é promover o estudo do numeral em gêneros literários, tal como determinam os PCN em relação ao trabalho com a literatura.

A análise de material didático é uma habilidade importante para o trabalho docente. Configura-se como uma prática de letramento para o trabalho. Para resolver a questão, o professor precisa mobilizar uma série de conhecimentos lingüísticos e pedagógicos, o que faz dela uma questão complexa e, a nosso ver, adequada aos propósitos do evento.

De modo geral, observamos que a prova do concurso se caracteriza essencialmente pelo hibridismo de perspectivas que a fragmentam em três partes conceitualmente distintas. Na primeira - Prova de Língua Portuguesa - a abordagem é autônoma e os saberes gramaticais nela privilegiados não coincidem com os saberes sobre língua e linguagem que o professor deve deter para o ensino do Português, segundo as orientações oficiais. Na segunda parte - Prova de Fundamentos da Educação - os conteúdos testados, de certa forma, estão relacionados com os conhecimentos pedagógicos necessários ao fazer docente, mas são abordados de forma autônoma, de modo que suas relações específicas com o ensino de Português são apagadas. Na terceira e última parte da prova - Prova Específica - tanto os conteúdos quanto as abordagens relacionam-se diretamente com o trabalho do professor de Português. Essa parte da prova faz entrever uma concepção de letramento situado em que se enfocam práticas relevantes para o ensino da escrita.

4 OS DADOS QUANTITATIVOS E A ANÁLISE QUALITATIVA

Esta seção se dedica ao exame das relações entre os resultados quantitativos do desempenho dos professores na Prova Específica12 12 Trabalhamos apenas com as estatísticas da Prova Específica, porque ela é a que melhor fornece elementos para discutir as práticas de letramento para o trabalho. , comparando-os à análise qualitativa. Kleiman (2000a) discute a importância de se fazer pesquisas de interface na área da linguagem e ensino da escrita conjugando a perspectiva macro da pesquisa quantitativa à micro da qualitativa para o enriquecimento tanto das próprias atividades de pesquisa quanto das de ensino. Segundo a autora, as pesquisas quantitativas fazem conhecer onde e quando intervir em nível global, enquanto os trabalhos qualitativos permitem conhecer as especificidades do contexto pesquisado e informar sobre variáveis que não aparecem no tratamento quantitativo. Em nosso estudo, pretendemos observar as possibilidades de interpretação dos resultados quantitativos quando postos em relação à análise qualitativa. Considerando-se as características da Prova Específica, queremos observar o desempenho dos professores procurando compreender os resultados não somente pelos números, mas também pelas especificidades observadas.

Para Mason (1994), que discute a pesquisa de interface metodológica13 13 Jannifer Mason e Janet Finch coordenaram o projeto "Family obligations: social construction and social policy" em Greater Manchester, Inglaterra. , o desenvolvimento de mecanismos de análise dos dados qualitativos e quantitativos é um dos pontos mais importantes desse perfil de pesquisa. Quando se trabalha com dados de natureza diferente, é preciso garantir que as perguntas do arcabouço qualitativo não sejam feitas aos dados quantitativos e vice-versa. Tomando em conta tal observação, salientamos que, em nosso estudo, os dados estatísticos não estão para a generalização das especificidades observadas na análise qualitativa, mas pretendemos reunir as condições para melhor discutir o evento em suas relações com a formação do professor de Português, de maneira que a análise qualitativa possa auxiliar a leitura dos resultados estatísticos.

Discutimos os dados que mostram o desempenho dos professores enfocando as questões de melhor e de pior desempenho, a fim de compreender as variáveis que os justificariam. Os dados estatísticos indicam que, de modo geral, os candidatos apresentaram bom desempenho na prova, conforme se observa no gráfico 1.


Na maioria dos itens, os índices de acerto são superiores a 50%. Das vinte questões, onze estão nessa faixa de acertos (tabela 4).

A observação dos itens em que houve bom desempenho nos permitiu verificar que as quatro questões baseadas nos excertos dos PCN (38, 39, 40, 41) apresentam elevados índices de acerto. Depois de um histórico em que o documento, desde sua divulgação, recebeu uma série de críticas e entre elas uma das mais acirradas relacionava-se ao fato de ele não dialogar com seu principal interlocutor - os professores (cf. SUASSUNA, 1997; SOARES, 1997; BORGES DA SILVA, 2005 entre outros) -, o bom desempenho dos professores nas questões com base nos PCN pode indicar que os esforços empenhados14 14 São exemplos dos esforços a que nos referimos os programas lançados pela própria instância oficial como o "Praticando os PCN", "PCN em Ação", "PROFA". As instituições de ensino também se empenharam em discutir o documento com os professores em formação. para que o documento se tornasse de fato acessível15 15 O termo acessível assume o sentido abordado por Foucambert (1994), não se limitando ao acesso físico, material aos textos, mas a todas as condições necessárias para lê-los, discuti-los, compreendê-los e incorporá-los. ao professor podem estar, em certa medida, dando algum resultado.

A questão 46, que também registra elevado índice de acerto, novamente coloca em cena o documento parametrizador. O item traz uma situação-problema envolvendo trabalho com gêneros, situando tal tipo de trabalho à perspectiva de ensino contida nos Parâmetros:

Exemplo 5

Questão 46

Ainda sobre o exercício apresentado na questão anterior16 16 A questão refere-se à seguinte proposta: "Considere a seguinte situação: um professor da 8ª série do Ensino Fundamental pediu aos seus alunos que pesquisassem os vários textos que um jornal diário abriga, procurando descrever suas principais características em termos de alguns aspectos, tais como: extensão do texto, estrutura, seção do jornal em que se encontra, tema, objetivo central, tipo de linguagem, etc. Em seguida, com base em tais informações, os alunos deveriam agrupar esse texto, em função de suas características comuns". , SÓ NÃO se pode afirmar que, com essa tarefa, o professor:

a) está sintonizado com princípios dos PCN de Língua Portuguesa.

b) Promove um ambiente de reflexão sobre a variedade dos textos.

c) Está considerando aspectos importantes no estudo dos gêneros textuais.

d) Conseguirá que os alunos produzam textos jornalísticos, com correção gramatical.

Observamos que as questões com maiores índices de acerto (40 e 46) privilegiam uma linguagem menos formal. Na 46, há o emprego de uma expressão metafórica, própria da oralidade, para o verbo sintonizar no presente - sintoniza, na alternativa a. Nessa questão, apenas 2,6% dos candidatos fizeram opção pelo distrator (b), 5,2% pelo (a) e 15,8% pelo (c). A questão 40, que obteve maior índice de acerto, traz em seu enunciado - "O segundo excerto dos PCN insinua que:" - uma opção lexical menos técnica, em que o termo insinua, mais usual e mais próximo da linguagem ordinária, substitui a noção de subentendido, mais técnica. Entendemos que as opções lingüísticas nas duas questões podem ter contribuído para o bom desempenho.

Vejamos na tabela 5, então, as questões que obtiveram menores índices de acerto, inferiores a 30%.

Nota-se que a questão 42 registra a menor porcentagem de acertos, com um índice consideravelmente inferior em relação às outras duas - 31 e 50 - que também foram mal pontuadas. Para discuti-la, observemos abaixo:

Ex. 6

Nas questões 42 e 43, são apresentadas algumas propostas de produção de texto, destinadas a alunos da 8ª série do Ensino Fundamental.

Analise-as e marque:

a) Se todas as propostas estiveram de acordo com as orientações dos PCN de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental) para a escrita.

b) Se apenas duas das propostas estiverem de acordo com as orientações dos PCN de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental) para a escrita.

c) Se apenas uma das propostas estiverem de acordo com as orientações dos PCN de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental) para a escrita.

d) Se nenhuma das propostas estiverem de acordo com as orientações dos PCN de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental) para a escrita.

Questão 42

I. Transforme o poema que você leu numa carta pessoal.

II. Escreva uma carta sobre o tema violência. Procure ser claro e objetivo.

III. Redija uma carta argumentando contra o desarmamento. Construa argumentos consistentes.

Nossa primeira observação refere-se ao fato de a questão dispor de uma estruturação diferente das demais. Ela primeiramente apresenta as orientações, depois as alternativas e, por último, os textos para análise (proposta - alternativas - texto), ou seja, há uma alteração da ordem dos componentes da questão (que, nos demais itens, segue: texto - proposta - alternativas). Entretanto, não podemos afirmar que o baixo desempenho decorre apenas desse aspecto formal. A questão 42 solicita que o candidato desenvolva a análise de atividades de sala de aula. Entendemos que a atividade de análise é complexa e requer uma contextualização do objeto a ser analisado. Entretanto, as atividades apresentadas nos itens I, II e III não estão contextualizadas. Sem o contexto que ancora a proposição da atividade, o analista não dispõe dos elementos necessários para a análise. O foco da questão é justamente a proposta de trabalho docente descontextualizada, que não oferece objetivos claros, bem como informações acerca da situação comunicativa no processo de produção textual. Dessa forma, o gabarito é (d) - "nenhuma das propostas...", já que as orientações oficiais para a produção textual enfocam a necessidade de desenvolvimento de atividades contextualizadas que permitam ao aluno compor seu texto a partir de situações comunicativas bem definidas. A maioria dos candidatos, 52,6%, marcou o distrator (a) - "se todas as propostas...", 26,7% escolheu o (b) e 15,8% marcou o (c), ou seja, todos os distratores obtiveram índices superiores ao gabarito, que registra apenas 7,89% das respostas. Uma das possíveis justificativas está na falta de contextualização das atividades em I, II e III.

Pensamos que, se o item oferecesse elementos de ancoragem da proposta em que ficasse evidente a descontextualização das atividades de ensino, o candidato/professor reuniria as condições necessárias ao trabalho analítico que a questão requer. Se o enunciado trouxesse mais informações contextuais que possibilitassem evidenciar a maneira descontextualizada das propostas de produção de texto, como: "I. Terminadas as atividades de correção dos exercícios de acentuação, a professora propôs o seguinte trabalho de produção textual: Transforme o poema....", os candidatos/professores certamente reuniriam mais elementos para a análise. Veja-se que a questão 43 (transcrita abaixo) parte da mesma proposta de atividade de análise de produções textuais em sala de aula e obteve melhor índice de acerto. Nela, as atividades pedagógicas em I, II e III estão mais bem contextualizadas. Essa é a única diferença entre ela e a 42:

Ex. 7

Questão 43

I. Após ter ouvido a receita do bolo que acabamos de comer no recreio, escreva uma nova receita de bolo acrescentando outros ingredientes. A receita será entregue à cozinheira da cantina da Escola, que fará o bolo da receita que lhe parecer mais saborosa.

II. Procure no jornal palavras com "ch" e "x". Depois escreva um texto em que você use essas palavras. Só poderá ser usada uma dessas palavras em cada frase. Seu texto não deve ultrapassar 10 linhas.

III. Escreva um texto de, no máximo 15 linhas, em que você se posicione acerca do referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo no País. Seu texto será publicado no jornal da Escola, na coluna "Opinião de estudante".

Na questão 43, o gabarito (b) foi escolhido por 39,4% dos candidatos, enquanto o distrator (a) foi marcado por 34,2%, o (c) por 21% e o (d) por 5,2%. Essa distribuição mostra que nenhum dos distratores obteve maior índice de marcações que o gabarito. Assim, pensamos que, na 42, os candidatos possivelmente construíram situações didáticas em que as propostas de produção de texto em sala de aula se justificariam, por isso marcaram a alternativa (a) - "se todas as propostas...". Na ausência do contexto, os candidatos professores o construíram.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na última parte deste trabalho, gostaríamos de retomar os objetivos propostos. Esperamos que as discussões apresentadas tenham fornecido respostas para as perguntas que fizemos e que ora retomamos de forma sintética.

Vimos que, no concurso em análise, há duas concepções de língua e linguagem diferentes. Uma orienta a Prova de Língua Portuguesa e outra, a Prova Específica. A primeira parte concebe a língua como um conjunto de regras e, por isso, privilegia questões de natureza gramatical. Dessa parte da prova, não se depreende uma relação dos conteúdos testados com as práticas de letramento para o trabalho docente.

A outra parte - Prova Específica - pauta-se pela noção de letramento ideológico em que se abordam as habilidades e os conteúdos relacionados às práticas necessárias ao trabalho docente. Ela parece pressupor uma concepção dialógica da língua e da própria situação comunicativa ao trazer enunciados de contextualização e de orientação. Ela aborda os fatos da linguagem por uma perspectiva textual, em consonância com as orientações dos documentos oficiais (os PCN) (BRASIL, 1998). A Prova Específica enfoca os conhecimentos textual-discursivos vindos da lingüística, conforme se depreende da seleção do texto que a inaugura e das questões que tematizam noções como: efeitos de sentido (na questão 31), gramática da língua X gramática tradicional (questão 40), gêneros do discurso (questões 44, 46).

Entendemos que as duas concepções fragmentam o processo de seleção de professores, uma vez que o campo de conhecimento privilegiado na Prova de Língua Portuguesa é justamente o criticado nos documentos oficiais que orientam a Prova Específica. Se o discurso pode constituir-se de maneira tradicional, que serve para a manutenção das estruturas, ou de maneira criativa, que serve à mudança (cf. FAIRCLOUGH, 1992/2001), vimos que, no evento analisado, contraditoriamente, aparecem os dois movimentos, um em cada prova.

A análise dos dados quantitativos nos possibilitou visualizar o desempenho dos participantes e observar as regularidades por unidades temáticas. As questões com maiores índices de acertos foram as relacionadas aos PCN, o que nos levou a fazer inferências acerca da acessibilidade do documento. Avaliamos esse desempenho dos docentes de forma positiva, uma vez que os PCN, apesar de todos os seus problemas (cf. LEFFA, 1999; BRAIT, 2001; BORGES DA SILVA, 2003 entre outros), representam uma possibilidade de mudança na perspectiva de ensino de língua, com base nos conhecimentos lingüísticos importantes para auxiliar a transformação das práticas. Esse documento, diferente de outros que apenas trazem métodos e orientações da ordem do fazer, reorienta a discussão sobre a linguagem, trazendo conceitos para que, em princípio, o próprio professor (re)elabore sua prática de maneira bem informada.

Os dados quantitativos também nos possibilitaram observar que as questões relativas à análise de atividades de ensino e de material didático apresentaram índices mais baixos de acertos. Entendemos a análise como uma atividade complexa, que demanda profundo conhecimento tanto dos fatos lingüísticos quanto dos fundamentos didáticos contidos no objeto a ser analisado. Parece-nos interessante pensar, do ponto de vista da formação do professor, no aperfeiçoamento desta habilidade, uma vez que a análise das propostas e atividades de ensino é um ponto fundamental para o professor de língua portuguesa. Se pensarmos no letramento do professor numa perspectiva situada, que considera as práticas do e para o trabalho, veremos que a análise das atividades de ensino é uma das práticas importantes que compõe o universo do trabalho docente.

Finalmente, este estudo mostra que ainda não se conseguiu alcançar um nível satisfatório de coerência quando se discute os conhecimentos em linguagem relacionados à prática de ensino de português. Se, de um lado, a instância oficial elege os estudos lingüísticos em sua abordagem textual-discursiva para o ensino da escrita, de outro, a própria instância oficial mantém os conhecimentos gramaticais em posição central no momento da seleção dos professores. Assim, os conhecimentos dos quais dispõem os candidatos para a aprovação no concurso não são os mesmos necessários para o ensino da escrita na perspectiva oficial. Entretanto, a Parte Específica, com questões mais situadas e relacionadas com as práticas para o trabalho, pode ser entendida como um prenúncio de mudanças encaminhadas para a melhor compreensão - da parte das instâncias oficiais, das instituições formadoras e do próprio professor - acerca dos saberes do professor de Português.

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Recebido em 28/09/07.

Aprovado em 27/06/08.

ANEXOS

Primeiro excerto dos PCN Língua Portuguesa para o 1º e 2º ciclos do ensino fundamental (p. 26)

"O ensino de Língua Portuguesa, pelo que se pode observar em suas práticas habituais, tende a tratar essa fala da e sobre a linguagem como se fosse um conteúdo em si, não como um meio para melhorar a qualidade da produção lingüística. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma descontextualizada, tomou-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar de ano, uma prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização de nomenclatura. Em função disso, tem-se discutido se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira é para que e como ensiná-la."

Segundo excerto dos PCN Língua Portuguesa para o 3º e 4º ciclos do ensino fundamental (p. 29)

"O que deve ser ensinado não responde às imposições de organização clássica de conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em função das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção, leitura e escuta de textos.

O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica metodologia de definição, classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de uma terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos atuais da linguagem, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros materiais e fontes."

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  • GATTI, B.; ESPÓSITO, Y. L.; SILVA, R. N. Características de professores(as) de 1º grau no Brasil: perfil e expectativas. Educação e Sociedade, n. 48, ano XV, p. 248-260, ago. 1994.
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  • HADDAD, S. Relatório nacional para o direito humano à educação S.L.: [S.N.], 2002.
  • KLEIMAN, A. B. O que é letramento? In: ______. (Org.). Os significados do letramento Campinas: Mercado de Letras, 1995.
  • ______. A Interface de questões éticas e metodológicas na pesquisa em Lingüística Aplicada. Brasília: V ENIL, 2000a. Anais.
  • ______. O processo de aculturação pela escrita: ensino da forma ou aprendizagem da função? In: KLEIMAN, A. B.; SIGNORINI, I. O ensino e a formação do professor Porto Alegre: Artes Médicas, 2000b.
  • ______.Letramento e formação do professor: quais as práticas e exigências no local de trabalho? In: KLEIMAN, A. B. (Org.). A formação do professor: perspectivas da Lingüística Aplicada. Campinas: Mercado de Letras, 2001.
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  • A seleção do professor de Português e suas relações com o ensino da escrita

    The selection of Portuguese teachers and its relations to the teaching of writing
  • 1
    Pensamos que essa condição - ser filho ou neto de analfabetos - precisa ser relativizada no contexto brasileiro, já que a história da escolarização em massa no Brasil data de poucas décadas, o que não garante gerações e gerações escolarizadas em nossas famílias, como há na Europa, por exemplo, tomando como referência qualquer categoria profissional, não só o professor.
  • 2
    O total da amostragem é de 304 professores, distribuídos nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Maranhão. Desses, apenas 18% declararam a leitura de livros para a formação.
  • 3
    O termo 'consumo' empregado por Fairclough refere-se às maneiras de apropriação e circulação dos textos. Fazemos restrição ao termo por fazer acionar esquemas relacionados ao campo mercadológico, o que nem sempre corresponde à relação autor-leitor ou produtor-receptor envolvida nas situações discursivas.
  • 4
    Em Borges da Silva (2005), pode-se encontrar uma contextualização mais detalhada acerca do percurso histórico dos concursos para professores.
  • 5
    A política neoliberal não financiava o desenvolvimento da escola pública de qualidade na mesma proporção em que o pregava na esfera discursiva (cf. HADDAD, 2002), por isso salientamos que nossa observação centra-se na dimensão discursiva.
  • 6
    Não tivemos acesso ao processo de licitação que selecionou a empresa responsável pela elaboração do concurso aqui estudado.
  • 7
    Se fosse um evento cooperativo, certamente os participantes estariam dispostos de outra maneira, em posição que favorecesse o diálogo, como num círculo.
  • 8
    O gabarito da questão 25 é (b).
  • 9
    O gabarito da questão 22 é (a).
  • 10
    O gabarito da questão 39 é (a).
  • 11
    O gabarito da questão 50 é (b).
  • 12
    Trabalhamos apenas com as estatísticas da Prova Específica, porque ela é a que melhor fornece elementos para discutir as práticas de letramento para o trabalho.
  • 13
    Jannifer Mason e Janet Finch coordenaram o projeto "Family obligations: social construction and social policy" em Greater Manchester, Inglaterra.
  • 14
    São exemplos dos esforços a que nos referimos os programas lançados pela própria instância oficial como o "Praticando os PCN", "PCN em Ação", "PROFA". As instituições de ensino também se empenharam em discutir o documento com os professores em formação.
  • 15
    O termo acessível assume o sentido abordado por Foucambert (1994), não se limitando ao acesso físico, material aos textos, mas a todas as condições necessárias para lê-los, discuti-los, compreendê-los e incorporá-los.
  • 16
    A questão refere-se à seguinte proposta: "Considere a seguinte situação: um professor da 8ª série do Ensino Fundamental pediu aos seus alunos que pesquisassem os vários textos que um jornal diário abriga, procurando descrever suas principais características em termos de alguns aspectos, tais como: extensão do texto, estrutura, seção do jornal em que se encontra, tema, objetivo central, tipo de linguagem, etc. Em seguida, com base em tais informações, os alunos deveriam agrupar esse texto, em função de suas características comuns".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      28 Set 2007
    • Aceito
      27 Jun 2008
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