Open-access 25 ANOS DE PESQUISA E FORMAÇÃO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM: TRAJETÓRIAS, INTERLOCUÇÕES E DESAFIOS

25 YEARS OF RESEARCH AND EDUCATION IN LANGUAGE SCIENCES: TRAJECTORIES, DIALOGUES, AND CHALLENGES

25 AÑOS DE INVESTIGACIÓN Y FORMACIÓN EN CIENCIAS DEL LENGUAJE: TRAYECTORIAS, INTERLOCUCIONES Y DESAFÍOS

Resumo

Este dossiê comemora os 25 anos do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPGCL) da UNISUL, destacando sua trajetória de excelência acadêmica e contribuição científica nas áreas de Linguística e Literatura. Reúne pesquisas de grupos consolidados, abordando temáticas contemporâneas com rigor teórico-metodológico e interdisciplinaridade. O volume apresenta a diversidade das linhas de pesquisa do programa, que abordam questões contemporâneas com rigor teórico e metodológico. Os trabalhos refletem a trajetória do PPGCL na produção científica e na interlocução com cenários acadêmicos nacionais e internacionais, destacando a importância da memória e da inovação. Além disso, o dossiê convida à reflexão crítica e ao diálogo contínuo entre pesquisadores.

Palavras-chave:
Ciências da Linguagem; Texto e Discurso; Linguagem e Cultura

Abstract

This dossier celebrates the 25th anniversary of the Graduate Program in Language Sciences (PPGCL) at UNISUL, highlighting its trajectory of academic excellence and scientific contribution in the fields of Linguistics and Literature. It brings together research from established groups, addressing contemporary themes with theoretical-methodological rigor and interdisciplinarity. The volume presents the diversity of the program’s research lines, which tackle contemporary issues with theoretical and methodological rigor. The works reflect PPGCL’s trajectory in scientific production and its engagement with national and international academic contexts, emphasizing the importance of memory and innovation. Furthermore, the dossier invites critical reflection and ongoing dialogue among researchers.

Keywords:
Language Sciences; Text and Discourse; Language and Culture

Resumen

Este dossier celebra los 25 años del Programa de Posgrado en Ciencias del Lenguaje (PPGCL) de UNISUL, destacando su trayectoria de excelencia académica y contribución científica en las áreas de Lingüística y Literatura. Reúne investigaciones de grupos consolidados, abordando temáticas contemporáneas con rigor teórico-metodológico e interdisciplinariedad. El volumen presenta la diversidad de las líneas de investigación del programa, que abordan cuestiones contemporáneas con rigor teórico y metodológico. Los trabajos reflejan la trayectoria del PPGCL en la producción científica y en la interlocución con escenarios académicos nacionales e internacionales, destacando la importancia de la memoria y la innovación. Además, el dossier invita a la reflexión crítica y al diálogo continuo entre investigadores.

Palabras clave:
Ciencias del Lenguaje; Texto y Discurso; Lenguage y Cultura

1. INTRODUÇÃO

Celebrar os 25 anos de um Programa de Pós-Graduação por meio da aliança entre sua história e suas escritas é, antes de tudo, reconhecer o esforço coletivo e contínuo de uma comunidade acadêmica que ousou sonhar esse projeto e fez dele uma grande morada: uma casa por onde já passaram muitos e muitos pesquisadores, em longas ou breves estadias; uma casa que também abriga um corpo docente cujos vínculos, internos e externos, estão solidamente expressos nesta edição comemorativa, que temos o prazer de apresentar tanto como colegas quanto como egressas, uma como mestranda, outra como pós-doutoranda do PPGCL.

A organização de um dossiê comemorativo como este adquire um duplo valor: constitui, ao mesmo tempo, um registro do percurso que se consolida e se transforma, e um gesto de resistência que reafirma o lugar do pensamento crítico, da linguagem e da cultura como campos fundamentais para compreender e intervir no mundo contemporâneo.

Em um cenário marcado por tecnologias da linguagem que tendem à mecanização e à homogeneização do conhecimento, por sucessivas crises da ciência em geral, e, sobretudo, por ataques sistemáticos às ciências humanas, reunir e dar visibilidade às pesquisas desenvolvidas por um Programa de Pós-Graduação com 25 anos de trajetória não é apenas um exercício de rememoração, mas também uma afirmação do valor da universidade, da pesquisa e do trabalho coletivo.

Esse dossiê se inscreve, portanto, em um tempo em que a memória e a imaginação crítica precisam, mais do que nunca, caminhar juntas. Ao mesmo tempo em que nos permite celebrar o conhecimento acumulado pelas trajetórias dos grupos de pesquisa, por seus vínculos formados, por suas contribuições teóricas e metodológicas já consolidadas, este número também nos possibilita apresentar as inquietações que emergem do presente, expressas na vitalidade das perguntas que ainda precisam ser feitas.

Celebramos, assim, saberes que foram cultivados com rigor teórico e científico, mas também no afeto e com abertura para abordagens que arriscam o novo, tensionam consensos e redesenham os contornos das Ciências da Linguagem no cenário nacional, estabelecendo, ainda, interlocuções internacionais.

A articulação entre o legado construído e a potência das investigações atentas às questões atuais constitui a força deste volume. Ao olharmos para trás, com atenção e gratidão, reafirmamos nosso compromisso com um futuro que exige ousadia, escuta e reinvenção constante.

2 UM POUCO DE HISTÓRIA...

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (PPGCL/UNISUL) celebra, como dissemos, um marco significativo: 25 anos de trajetória dedicados à formação avançada em Linguística e Literatura, à produção científica de excelência e à contribuição social e cultural no cenário acadêmico regional, nacional e internacional.

Sua história está enraizada na tradição educacional da região, que remonta a 1971, com a criação do Curso de Letras pela Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina (FESSC), e se fortaleceu com a fundação da UNISUL, em 1989. Em resposta à crescente demanda por qualificação avançada, o PPGCL foi instituído formalmente no final da década de 1990, tendo seu mestrado aprovado em 1998 e iniciado em 1999, seguido pelo doutorado, autorizado em 2008.

Ao longo de sua trajetória, o Programa consolidou-se como referência na formação de mestres e doutores, destacando-se pela excelência reconhecida pela CAPES, que lhe atribuiu conceito 5 na avaliação quadrienal 2017-2020. O PPGCL articula saberes teóricos e práticos, pautando-se por uma matriz curricular de caráter ecossistêmico, que integra uma formação teórica robusta, metodologias atualizadas e práticas investigativas contextualizadas à realidade educacional, tecnológica e social do país.

Estruturado em torno da área de concentração “Processos Textuais, Discursivos e Culturais”, o Programa desenvolve suas atividades por meio de duas linhas de pesquisa, “Texto e Discurso” e “Linguagem e Cultura”, que abrigam atualmente 13 projetos interligados, com forte viés interdisciplinar e engajamento nos desafios contemporâneos. Essa dinâmica tem impulsionado uma produção científica consistente, além de ações de extensão e inovação acadêmica com ampla repercussão.

O corpo docente permanente, composto por 12 professores doutores em dedicação integral, muitos deles com estágios pós-doutorais, mantém redes ativas de colaboração nacional e internacional, consolida grupos de pesquisa reconhecidos e fomenta redes colaborativas, contribuindo significativamente para a democratização do conhecimento.

Até dezembro de 2024, o PPGCL titulou 565 estudantes, sendo 435 mestres e 130 doutores, destacando-se no quadriênio 2021-2024 com 98 titulados. Atualmente, o Programa conta com 94 discentes matriculados, refletindo sua contínua capacidade de atração e de formação qualificada.

Além da expressiva produção científica, o Programa é responsável pela edição de três periódicos reconhecidos nacional e internacionalmente, “Linguagem em (Dis)curso”, “Crítica Cultural” e “Memorare”, bem como pela promoção de eventos acadêmicos de relevância, como o “Seminário Discurso, Cultura e Mídia” e o “Marcas da Memória”, que enriquecem o debate acadêmico e ampliam sua inserção social.

Este dossiê celebra, portanto, não apenas a trajetória de um programa consolidado e respeitado, mas também o compromisso contínuo com a formação ética, crítica e socialmente engajada de pesquisadores e docentes, reafirmando seu papel estratégico no desenvolvimento científico e cultural do país e, sobretudo, acreditando em um Brasil democrático e socialmente inclusivo.

2 PESQUISAS E AFETOS

Cada artigo aqui incluído resulta do trabalho desenvolvido no interior de grupos consolidados, mas também das trocas com outras instituições e campos do saber, dando visibilidade a uma rede de interlocuções que é parte constitutiva da história do PPGCL.

Esse conjunto de grupos de pesquisa, com suas singularidades, compõe um tecido denso e articulado de investigações que têm sustentado o percurso do PPGCL desde sua criação. Por isso, os líderes desses grupos foram convidados a compor este dossiê, com discussões que representassem o momento atual de suas pesquisas e, sobretudo, o diálogo que essas discussões têm produzido em suas redes interinstitucionais.

Sendo assim, os textos aqui reunidos marcam também as atuais redes de pesquisa do Programa, bem como os rumos possíveis para as Ciências da Linguagem, mostrando que, apesar das adversidades, a pesquisa continua sendo um espaço de prática coletiva, invenção, elaboração crítica e intervenção social.

Ao articular tradição e inovação, memória e atualidade, o PPGCL projeta-se para o futuro reafirmando sua missão: formar pesquisadores comprometidos com o pensamento e com a transformação do Brasil e do mundo, sem perder sua dimensão afetiva.

Iniciamos nossa apresentação dos trabalhos aqui reunidos destacando o grupo de pesquisa “Discurso, Cultura e Mídia”, coordenado por Nádia Régia Maffi Neckel, que congrega estudos a partir de referências teóricas no campo da Análise do Discurso da Linha Francesa e contempla processos de constituição, formulação e circulação dos sentidos, tomando por objeto a produção cultural midiática em diversos meios: jornais, revistas, internet, rádio, televisão, cinema, celular, artes, entre outros.

Nesta coletânea, o grupo contribui com o artigo “Corpo da/de mulher no discurso jornalístico alternativo: entre tensões e interdições” (Flores; Lunkes, Neckel, 2025), assinado pelas pesquisadoras Giovanna Benedetto Flores, Fernanda Luzia Lunkes e Nádia Régia Maffi Neckel. Neste texto, as autoras analisam os jornais alternativos feministas “Brasil Mulher” e “Nós Mulheres”, no período da ditadura civil-militar, e os modos como esses veículos construíram discursivamente o corpo feminino em contextos de opressão, produzindo deslocamentos de sentido e estratégias de resistência que ainda reverberam no presente.

Segundo as autoras, o cenário atual tem mostrado o quanto é urgente compreendermos como funcionam discursivamente regimes misóginos e totalitários, já que, como bem afirmam, eles “não cessam de reaparecer em movimentos parafrásticos que marcam a religião, a família e a propriedade enquanto aquilo que representa os sentidos de um falso patriotismo”.

Também no campo discursivo, o grupo “Psicanálise e Linguagem” (GPPL), liderado por Maurício Maliska, visa convergir estudos referentes à linguagem em seus diferentes aspectos, tomando como lugar teórico referencial a psicanálise em sua articulação com as teorias da linguagem e do discurso. O artigo que representa suas investigações nesta coletânea intitula-se “O contemporâneo e o estranho familiar” (Maliska; Venera, 2025). Assinado por Maurício Maliska e José Isaias Venera, o texto percorre literatura, filosofia e psicanálise a partir da figura de Bartleby, conectando sua famosa recusa “preferiria não” às noções de Real e de tempo contemporâneo, propondo uma leitura original sobre resistência, fratura e subjetivação.

A contribuição do trabalho reside em sua capacidade de refletir sobre como somos contemporâneos justamente naquilo que, nas palavras dos autores, “advém desse irrepresentável e dessa desconexão entre palavras e coisas, a partir da qual algo novo é forçado a emergir [...]”, na linguagem, nas fraturas e sombras do tempo que nos constituem como sujeitos.

O Grupo de Pesquisa em “Pragmática Cognitiva” (GPPC), liderado pelo professor Fábio José Rauen, visa analisar processos comunicativos no contexto da agência humana a partir de uma perspectiva pragmático-cognitiva, guiada pelas noções teóricas de relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995) e de conciliação de metas de Rauen (2014). O artigo que representa as atividades do grupo neste dossiê intitula-se “Monstro de olhos verdes: uma análise pragmático-cognitiva da manipulação de Iago em Otelo, de Shakespeare” e é fruto da coautoria de Fábio José Rauen, Sebastião Lourenço dos Santos e Elena Godoy (Rauen; Santos; Godoy, 2025).

O trabalho examina o diálogo em que Iago usa a metáfora do ciúme como um “monstro de olhos verdes” para intensificar o sofrimento de Otelo diante da possibilidade de infidelidade de Desdêmona. Os autores aplicam a Teoria de Conciliação de Metas para analisar os enunciados de Iago como parte de um plano de ação intencional, direcionado à consecução de suas metas práticas de vingança, demonstrando como suas estratégias retóricas se organizam em macro e microplanos que visam conquistar a confiança de Otelo para depois destruí-lo emocionalmente.

A pesquisa demonstra como as estratégias discursivas de Iago, combinadas com as fragilidades emocionais de Otelo, articulam-se para moldar o desfecho trágico da peça shakespeariana, destacando a sinergia entre razão e emoção na produção e interpretação dos enunciados. Além disso, o trabalho aponta os benefícios de uma abordagem multifacetada que integra estudos literários e linguísticos por meio de ferramentas pragmático-cognitivas sofisticadas.

Para os autores, “o estudo do papel da metáfora do ‘monstro de olhos verdes’ na manipulação de Otelo oferece insights valiosos sobre a interação entre razão, emoção e linguagem”.

O grupo “Imaginário e Cotidiano”, liderado pela professora Heloisa Juncklaus Preis Moraes, discute manifestações simbólicas que formam a noção de realidade presentes em nosso cotidiano. Para tanto, procura alinhavar reflexões teórico-práticas acerca da linguagem, do imaginário e das imagens que nos cercam e motivam a vida social.

Seus pesquisadores apresentam aqui o artigo “Adolescentes: existem? Imaginários de uma vida em suspenso(e)”, de autoria de Juliana Tonin e Heloisa Juncklaus Preis Moraes (Tonin; Moraes, 2025). Trata-se do resultado de uma pesquisa-ação com jovens afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, na qual as autoras analisam como os adolescentes elaboram simbolicamente experiências traumáticas, oferecendo contribuições para políticas públicas sensíveis às dimensões simbólicas da juventude em situações de crise.

Ao apresentarem a pesquisa realizada pelo Programa “Interações”, as autoras buscam compreender como “os imaginários desses adolescentes no contexto pós-catástrofe revelaram um cenário complexo, marcado por isolamento, exaustão e uma resistência em revisitar o trauma”.

Neste trabalho, elas nos mostram a força das pesquisas sobre o cotidiano e o imaginário, sobretudo pela análise da frase “não queremos mais falar sobre as enchentes” que, conforme concluem as autoras, “ecoa como um grito silencioso, um pedido de respiro em meio à reconstrução”.

O Grupo de Pesquisa “Relações de Poder, Esquecimento e Memória” (GREPEM), coordenado por Andréia Daltoé, objetiva refletir, com base nos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha materialista, sobre formas de silenciamento, apagamento e esquecimento no discurso político, de modo a dar voz a quem não tem condições de exercê-la plenamente em uma sociedade que se diz democrática.

Suas pesquisas e discussões comparecem aqui no artigo “Discurso, Estado e sexualidade: a ditadura e seus rastros”, escrito por Andréia Daltoé e Luciana Vinhas (Daltoé; Vinhas, 2025), que analisam continuidades discursivas do autoritarismo no Brasil contemporâneo, focalizando os usos políticos da infância e da escola em discursos conservadores recentes.

As autoras mostram, nesta análise, como a ditadura encontra na educação práticas de autoritarismo e tentativa de controle dos corpos. Esse movimento faz da questão da sexualidade um tema central também no momento presente, sobretudo quando se considera o modo como “legisladores têm feito da pauta moral seu único mote de trabalho, passando longe de propor projetos que decisivamente ajudem a resolver os problemas que a escola enfrenta, por exemplo”.

As autoras demonstram, ainda, como a ausência de uma política de memória e justiça autoriza a perpetuação dessas práticas, chamando a atenção para o modo como a atual “preocupação” com a inocência infantil coloca em funcionamento estratégias de controle dos corpos e de despolitização da educação, contribuindo para compreender os mecanismos pelos quais o autoritarismo se atualiza e se reproduz na contemporaneidade brasileira.

Na interface entre arte, linguagem e política, o Grupo de Pesquisa em “Estética e Política na Contemporaneidade” (ÉPOCA), liderado pelas professoras Ana Carolina Cernicchiaro e Ramayana Lira de Sousa, tem como objetivo estudar as experiências estéticas contemporâneas, especialmente no entrecruzamento de categorias-chave para sua abordagem, tais como estética e política, corpo e afeto, devires-minoritários da linguagem e da imagem, alteridade, desterritorialização, exílio e nomadismo.

O grupo apresenta duas produções distintas neste dossiê. O artigo “O ideal do mestiço, o mestiço ideal e a desobediência ch’ixi”, escrito por Ana Carolina Cernicchiaro e Byron Vélez Escallón (Cernicchiaro; Véles Escallón, 2025), tem como objetivo confrontar o mito da mestiçagem no Brasil e na América Latina, propondo alternativas decoloniais inspiradas em Silvia Rivera Cusicanqui e nas práticas de retomada dos povos originários.

Apontando para práticas capazes de promover a descolonização, os autores finalizam o artigo afirmando que “ReAntropofagia, antimestiçagem, ch’ixi são formas de retomada, retomada poética, simbólica, mas também territorial, ancestral, cultural, espiritual, social e política”: as únicas realmente transformadoras.

O outro artigo do grupo ÉPOCA intitula-se “The Violent Text(ure)s of Urban Space in Early 21st Century Brazilian Cinema” e é assinado por Ramayana Lira de Sousa e Alessandra Brandão (Sousa; Brandão, 2025). Neste texto, as autoras analisam, a partir dos filmes Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), Amarelo Manga (Cláudio Assis, 2002) e Estorvo (Ruy Guerra, 2000), como o cinema brasileiro contemporâneo constrói discursivamente o espaço urbano por meio da violência, explorando mise-en-scène, narrativa e som.

Em síntese, elas investigam como esses filmes representam cidades como territórios de conflito, naturalizando ou questionando formas de controle social. Trata-se de uma análise que desafia “a suposição de que a violência urbana no cinema brasileiro é autoevidente ou meramente documental em sua natureza”, apontando para caminhos futuros e pesquisas que poderiam se dedicar, segundo as autoras, a filmes mais recentes que “incorporam estéticas digitais e novas formas de produção e exibição”.

Para elas, questões cruciais poderiam emergir dessas investigações, tais como: “como essas obras representam marginalizados no contexto digital global? Como formatos inovadores (como cinema coletivo ou doc-ficção) ressignificam autoria e território?” Essas indagações são urgentes diante da atual instabilidade sociopolítica brasileira, abrindo novas frentes para se repensar o cinema nacional contemporâneo.

O Grupo “Educação, Infância e Cultura” (GEDIC), liderado por Chirley Domingues e Luciane Pandini Simeano, desenvolve pesquisas sobre as temáticas de educação, infância e cultura, buscando constituir investigações próprias e por meio de parcerias nacionais e internacionais. Além disso, realiza eventos acadêmicos que propiciam aos estudantes a exposição de seus projetos e pesquisas, refletindo sobre metodologias e temas; estabelece parcerias, assessorias e consultorias junto à rede pública e movimentos sociais para a produção e socialização do conhecimento, ampliando o debate acadêmico com vistas à transformação social.

No artigo “Entre a dor e o acolhimento” (Domingues; Dias; Ramos, 2025), Chirley Domingues, Leandro de Bona Dias e Tânia Regina Oliveira Ramos analisam, a partir da obra Infância, de Graciliano Ramos, os efeitos da violência escolar e a potência das mediações afetivas na formação do leitor, discutindo a permanência de práticas escolares excludentes e os caminhos possíveis para uma educação literária mais sensível. A pesquisa evidencia que o verdadeiro letramento literário acontece quando há uma mediação acolhedora e significativa, em contraste com práticas escolares mecânicas e descontextualizadas que ainda persistem na educação brasileira, oferecendo reflexões fundamentais sobre como formar leitores em um país onde muitas crianças vivem “exiladas num mundo sem livros nem leitores”.

Como destacam os autores, a pesquisa “serve como uma forma de olhar criticamente para a formação de leitores e o ensino de leitura no Brasil [...] Afinal, a escola de hoje exclui ou inclui as subjetividades? A concepção de infância que hoje circula socialmente a considera como um sujeito com voz, um sujeito que constrói culturas? E, por fim, quais ações estão sendo postas em prática a fim de formar leitores em nosso país?”.

Na intersecção entre memória, redes e afetos, o Grupo “Memória, Afetos e Redes Convergentes”, liderado por Mario Abel Bressan Jr., explora como a tecnologia digital revolucionou a organização social e transformou o cenário midiático, possibilitando uma convergência de conteúdos pelas mais diversas plataformas.

Neste contexto, a heterogeneidade dos públicos, cada vez mais multiconectados em redes, e as memórias e afetos desses públicos são os temas centrais deste grupo de pesquisa, que visa investigar as relações entre comunicação, memória, mídias e redes em um ambiente de convergência, diante das (inter)mediações da linguagem e da cultura.

Em “O Discurso da Cultura Pop e a Memória Afetiva” (Bressan Jr.; Camargo; Simon), assinado por Mario Abel Bressan Jr., Hertz Wendell de Camargo e Silvio Simon, os autores analisam como narrativas mitológicas são reconfiguradas para criar vínculos afetivos e consumo nostálgico no audiovisual recente.

O estudo contribui para compreender como a cultura pop contemporânea opera como uma “nova mitologia”, na qual elementos do imaginário coletivo são constantemente ressignificados em um contexto de “economia da nostalgia”, transformando produtos culturais em dispositivos de memória que resgatam e recriam significados emocionais.

Os autores revelam os mecanismos pelos quais a mediosfera substitui experiências profundas por mitos-mercadoria superficiais, mas ainda assim capazes de mobilizar afetos e construir identidades na sociedade de consumo.

Eles chamam a atenção para a relevância desse olhar para pesquisas futuras e destacam que, “mesmo em tempos de fragmentação e desencantamento, as comunidades interpretativas ainda buscam no passado uma forma de dar sentido ao presente”.

No artigo “A Análise do Discurso Materialista face à Materialidade Digital” (Gallo; Silveira; Pequeno), de autoria de Solange Maria Leda Gallo, Juliana da Silveira e Vitor Pequeno, convergem discussões relativas a dois grupos de pesquisa vinculados ao PPGCL: o Grupo de Pesquisa “Produção e Divulgação de Conhecimento Científico”, coordenado por Solange Maria Leda Gallo, e o Grupo de “Estudos Políticos e Midiáticos” (GEPOMI), sob a liderança de Juliana da Silveira.

Este artigo representa os avanços e propostas desses pesquisadores e traz uma atualização teórica da Análise do Discurso Materialista diante dos desafios impostos pela digitalização das práticas discursivas. A partir dos trabalhos de Michel Pêcheux, os autores apresentam e discutem conceitos como “forma-discurso de escritoralidade”, “sujeito-avatar” e “espaços enunciativos informatizados” para compreender a materialidade do digital.

A análise de discursos sobre o ministro Alexandre de Moraes em redes sociais revela os efeitos de polarização, silenciamento e luta de classes inscritos nas práticas comunicacionais digitais. Ao destacar que a materialidade técnica não é neutra, o artigo reafirma a necessidade de enfrentar criticamente as condições contemporâneas de produção dos discursos.

Esse trabalho representa uma singularidade das pesquisas sobre o digital no âmbito do PPGCL, abrangendo dois grupos diferentes. Embora o Grupo de Produção e Divulgação de Conhecimento Científico e o GEPOMI enfoquem temáticas distintas, o primeiro voltado à circulação do saber científico e à autoria no digital, e o segundo à intersecção entre política, mídia e tecnologia, ambos dedicam-se a analisar a materialidade técnica digital a partir da Análise do Discurso Materialista.

3 CONCLUSÃO

Os textos reunidos neste dossiê atestam não apenas a excelência acadêmica que distingue o PPGCL, mas também refletem a maturidade teórica e metodológica conquistada ao longo de seus 25 anos. Cada contribuição reflete a capacidade do programa de dialogar significativamente com o cenário acadêmico nacional e internacional, consolidando sua inserção qualificada nas Ciências da Linguagem.

Não poderíamos concluir este texto sem expressar nossa gratidão a todos aqueles que, ao longo destes 25 anos, contribuíram para a construção e consolidação do PPGCL: professores e estudantes, funcionários e colaboradores, parceiros e apoiadores, todos vocês fizeram e ainda fazem parte desta história de sucesso.

Agradecemos especialmente aos leitores deste dossiê, pois é por meio do diálogo com a comunidade acadêmica mais ampla que o conhecimento produzido ganha vida e relevância. Esperamos que a história iniciada há 25 anos continue sendo escrita com a mesma paixão, competência e compromisso que sempre caracterizaram nossa comunidade acadêmica.

Convidamos você, leitor, a participar ativamente desse diálogo: a questionar, complementar, discordar e construir coletivamente novas perspectivas.

REFERÊNCIAS

  • BRESSAN JÚNIOR, M. A.; CAMARGO, H. W. de; MATOS, S. S. de. O discurso da cultura pop e a memória afetiva: estratégias mitológicas no consumo midiático contemporâneo. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-21, 2025. e-1982-4017-25-22.
  • CERNICCHIARO, A. C.; VELEZ ESCALLÓN, B. O ideal do mestiço, o mestiço ideal e a desobediência Ch’ixi. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-18, 2025. e-1982-4017-25-19.
  • DALTOÉ, A. da S.; VINHAS, L. I. Discurso, estado e sexualidade: a ditadura e seus rastros. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-11, 2025. e-1982-4017-25-18.
  • DOMINGUES, C.; DIAS, L. de B.; RAMOS, T. R. O. Entre a dor e o acolhimento: escola, criança e leitura em infância, de Graciliano Ramos. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-15, 2025. e-1982-4017-25-21.
  • FLORES, G. B.; LUNKES, F. L.; NECKEL, N. R. M. Corpo da/de mulher no discurso jornalístico alternativo: entre tensões e interdições. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-13, 2025. e-1982-4017-25-14
  • GALLO, S. M. L.; SILVEIRA, J. da; PEQUENO, V. A análise do discurso materialista face à materialidade digital. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-14, 2025. e-1982-4017-25-23.
  • MALISKA, M. E.; VENERA, J. I. O contemporâneo e o estranho familiar: aproximações a partir da enunciação “Preferiria não”, de Bartleby. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-11, 2025. e-1982-4017-25-15.
  • RAUEN, F. J.; SANTOS, S. L. dos; GODOY, E. “Monstro de olhos verdes”: uma análise pragmático-cognitiva da manipulação de Iago em Otelo, de Shakespeare. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-17, 2025. e-1982-4017-25-16.
  • SOUSA, R. Lira de ; BRANDÃO, A. As violentas texturas do espaço urbano no cinema brasileiro do começo do século XXI. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-18, 2025. e-1982-4017-25-20.
  • TONIN, J.; MORAES, H. J. P. Adolescentes existem? Imaginários de uma vida em suspenso(e). Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 25, p. 1-14, 2025. e-1982-4017-25-17.

Editado por

  • Editor de Seção:
    Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2025
  • Aceito
    15 Jul 2025
location_on
Universidade do Sul de Santa Catarina Av. José Acácio Moreira, 787 - Caixa Postal 370, Dehon - 88704.900 - Tubarão-SC- Brasil, Tel: (55 48) 3621-3369, Fax: (55 48) 3621-3036 - Tubarão - SC - Brazil
E-mail: lemd@unisul.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Reportar erro